Diretamente lá do Espaço Vital (mas a dica foi do Jorge):
O caso das petições com letras garrafais e excesso de pontos de exclamação desbordou numa agressividade criticada pelo desembargador Angelo Maraninchi Giannakos, da 15ª Câmara Cível do TJRS, ao negar seguimento a dois agravos de instrumento aviados pelo mesmo advogado (Gilberto da Silva Silveira), na defesa dos interesses de dois de seus clientes.
A expressão “letras garrafais” designa, em gíria jornalística, os caracteres tipográficos a partir dos corpos 24 (no corpo da matéria) e 72 nas manchetes. Os títulos impressos nestes tamanhos têm de ser curtos, para adquirirem “volume” na página.
A imprensa tradicional só em situações excepcionais utiliza corpos de letras dessa dimensão, mas jornais sensacionalistas recorrem a eles com frequência para induzir, no leitor, uma ideia de importância que as notícias e as reportagens geralmente não têm.
As juízas Fabiana dos Santos Kaspary e Laura de Borba Maciel Fleck, de duas diferentes varas cíveis de Porto Alegre, têm rechaçado as petições iniciais que – segundo a avaliação delas – passam a sensação de “gritos em Juízo”, contra as partes contrárias, magistrados, e servidores. As duas magistradas têm determinado que as petições sejam substituídas por outras peças não acintosas e compatíveis com a praxe forense.
Essas determinações de substituição das petições têm sido atacadas por recursos. Os primeiros foram providos no TJ gaúcho, sob o fundamento de inexistir previsão legal em limitar os tipos de letras e as feições gráficas.
Mas dois recentes recursos sustentando o cabimento das letras garrafais foram rechaçados pelo desembargador Giannakos – coincidentemente oriundo do quinto constitucional (pela Advocacia).
Nos agravos de instrumento, o advogado usa expressões fortes, também com letras chamativas, discorrendo sobre “bullying processual”. A petição recursal diz também que “a magistrada surtou”. Refere-se ainda a “despautério”, “entendimento alienígena”, “puritanismo exacerbado” – e por aí vai.
Ao fulminar, monocraticamente, os dois agravos, o relator observa que “não é possível permitir aos que transitam pelo Pretório excessos de linguagem, muito menos expressões injuriosas aos magistrados”.
Giannakos recomenda “a cortesia e boa educação (…) no tratamento que se devem dispensar juízes, advogados e litigantes”. E conclui que “o recurso deve ser interposto contra o despacho proferido, mas não contra a pessoa do(a) magistrado(a)”.
(Procs. nºs 70050544535 e 70050550235).
Leia a íntegra de uma das duas decisões semelhantes:
AGRAVO DE INSTRUMENTO.
DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO.
AÇÃO ORDINÁRIA DE CANCELAMENTO DE INSCRIÇÃO NO SPC.
USO DEMASIADO DE GRIFOS.
PRÁTICA REITERADA CONSIDERADA OFENSIVA.
DECISÃO MANTIDA.
NEGADO SEGUIMENTO AO RECURSO.
Agravo de Instrumento
Décima Quinta Câmara Cível
Nº 70050550235
Comarca de Porto Alegre
DECISÃO MONOCRÁTICA
Vistos.
XXX interpôs agravo de instrumento em face da decisão das fls. 51/53, que determinou o desentranhamento da petição e facultou a juntada de nova em termos adequados.
Nas razões de recurso, sustentou que a decisão cerceou seu direito de acesso à justiça. Defendeu que na petição inicial foram narrados os fatos que amparam a pretensão formulada. Alegou que os destaques constantes na exordial não são acintosos. Por fim, pediu o provimento do recurso e a desconstituição da decisão.
Sem preparo, face o deferimento do benefício da gratuidade judiciária (fl. 38), vieram-me os autos.
É o breve relatório.
Passo a decidir.
Conheço do recurso, uma vez que presentes os requisitos de admissibilidade recursal.
Compulsando os autos, tenho que assiste razão a MM. Juíza a quo, uma vez que se trata de prática reiterada do procurador da ora agravante o emprego de grifos exagerados e de afirmações acintosas.
O art. 15, caput, do Código de Processo Civil assim prevê: “É defeso às partes e seus advogados empregar expressões injuriosas nos escritos apresentados no processo, cabendo ao juiz, de ofício ou a requerimento do ofendido, mandar riscá-las”.
Nesse sentido:
“Art. 15: 2b. “Expressões injuriosas (CPC, art. 15) não tem o sentido empregado no Código Penal, referindo-se à dignidade e ao decoro. Ao contrário, visa abranger palavras escritas ou orais incompatíveis com a linguagem de estilo forense, a que estão vinculados o juiz, o MP e o advogado, em homenagem à seriedade do processo. A veemência da postulação precisa cingir-se aos limites da polidez” (STJ-6ª T, Resp 33654-9, Min. Vicente Cernicchiaro, j. 10.5.93, DJU 14.6.93). [1] (Grifei)
A ABNT é o órgão responsável pela normalização técnica no Brasil, muito utilizada para trabalhos de conclusão de curso, teses e dissertações, com o fim de unificar a apresentação de informações conveniente ao manuseio. Isso não significa que as peças processuais tenham que segui-las, mas o mínimo que se espera é que tenham a claressa necessária para compreensão do julgador e das partes que constituem a lide.
Com efeito, a prática adotada no caso concreto é incompatível com linguagem técnica que deve ser utilizada pelos operadores do Direito, uma vez que a busca do processo é a solução dos litígios e não vir a causar constrangimentos e ofensas ao Poder Judiciário e às partes, como alguns exemplos nestes autos:
“No caso em apreço, o “BULLYNG” PROCESSUAL!!!” (fl. 03)
“Subitamente, em um SURTO (…)” (fl. 03)
“Atente-se que é NOTÓRIA a perseguição (…)”. (fl. 03)
“Mais uma vez a julgadora SURTOU, e, iniciou UMA CAÇADA a todos os processo deste procurador.” (fl. 04)
“Onde foi dito, escrito, e ou convencionado que a escrita com letras grandes significa gritos!?!?!?!” (fl. 04)
“Caso assim o fosse, as manchetes dos jornais, revistas e até outdoors estariam ensurdecendo a nação mundial” (fl. 04)
“Atente-se ao ABSURDO, pois a julgadora “a quo”, sentiu-se CONSTRANGIDA e OFENDIDA em virtude da petição ser redigida com LETRAS CAPITAIS, e em NEGRITO usando fontes grandes!!! (fl. 05)
“Não se pode permitir tal retrocesso, onde MELINDRES pessoais, referentes ao “GOSTAR OU NÃO GOSTAR” de uma PEÇA processual, venham a interferir a prejudicar o normal andamento do processo, e especial por estar CEIFANDO o acesso da parte autora à JUSTIÇA!!!” (fl. 05)
“Pelo AMOR DE DEUS!!!” (fl. 06)
“Não se pode permitir tal retrocesso, onde um magistrado perde sua JURAMENTADA IMPARCIALIDADE, e, Passa a perseguir as PEÇAS PROCESSUAIS confeccionadas por este procurador” (fl. 06)
“Um ULTRAGE!!!” (fl. 06)
“Há anos vem sendo muitíssimo bem recepcionados pelo judiciário, sejam vitimados por um posicionamento que beira o ANTIGO REGIME da DITADURA!!!” (fl. 06)
“Tamanha a ACINTE e IMPLICÂNCIA PESSOAL com todos os processos deste procurador, que estão sob a jurisdição desta magistrada, pois as LIDES estão sendo OBSTADAS e FULMINADAS de forma DISCRICIONÁRIA e SUMÁRIA!!!” (fl. 06)
“É notório o ato de DISCRIMINAÇÃO adotado pela julgadora “a quo”, pois NENHUM outro magistrado, dos que prestam jurisdição, nos mais de 5.000 processos existentes em nome deste procurador, cometeu tamanha ATROCIDADE!!!” (fl. 07)
“NUNCA, nenhum magistrado cometeu tamanho DESPAUTÉRIO, deflagrado em desrespeito aos COLEGAS operadores do DIREITO.” (fl. 07)
“1) Não há excesso de PURITANISMO EXACERBADO em relação à DETERMINAÇÃO DESCABIDA desta julgadora?!??!” (fl. 07)
“2) Em que década a JUÍZA FABIANA KASPARY está vivendo, posto que se ofende e se constrange com uma SIMPLES RÉPLICA padrão?!?!?!” (fl. 07)
“Em conjunto com este ADVOGADO, realizam a JUSTIÇA para os CIDADÃOS BRASILEIROS de baixa renda, que, CONTUMAZMENTE, vem sendo VÍTIMAS das EXPLORAÇÕES das GRANDES EMPRESAS e INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS que são um CÂNCER no PAÍS!!!” (fl. 09)
“É inconcebível que questões de foro íntimo venham a se sobrepor ao BEM MAIOR, que é objetivo do ESTADO, razão pela qual mister se faz lançar as seguintes indagações (…)” (fl. 10)
“Apenas a UMA ÚNICA JUÍZA (por questões pessoais, de HIPERSENSIBILIDADE e PURITANISMO) sinta-se ofendida e constrangida ao ler as PEÇAS deste procurador.” (fl. 11)
“No entanto, de VÍTIMA, o autor na pessoa de seu procurador passou a ser o “VILÃO”, no lamentável entendimento do juízo “a quo”, que deveria superar as questões de foro íntimo e EVITAR mais um recurso.” (fl. 12)
“Com todo o respeito, o presente recurso visa atacar DECISÃO de cunho pessoal e de entendimento ALIENÍGENA da julgadora, pois a mesma está:
“INVENTANDO MODA”!!!” (fl. 12)
Os destaques acima indicados mantêm o tamanho 10 de letra, mas no recurso e peça inicial, a parte agravante utiliza texto com fontes e tamanhos diferentes.
Ocorre que os destaques desejados poderiam ser obtidos por outros recursos gráficos que não “poluiriam” as petições, tais como negrito, itálico, até mesmo caps lock, mas fazendo uso do mesmo tamanho de fonte do restante do texto.
De outra forma, o recurso deve ser interposto contra o despacho proferido, mas não contra a pessoa do(a) magistrado(a).
Cumpre salientar que despacho semelhante já foi proferido no processo sob n. 001/1.11.0170265-7, por outra Magistrada, o que demonstra a inconformidade disseminada com os grifos demasiados nas petições.
Sendo assim, entendo que deve ser mantida a decisão que determinou o desentranhamento da petição e facultou a entrega de nova peça respeitando a urbanidade necessária entre as partes e o Poder Judiciário.
Não é possível permitir aos que transitam pelo Pretório excessos de linguagem, muito menos expressões injuriosas aos magistrados. A cortesia e boa educação são implícitas no tratamento que se devem dispensar juízes, advogados e litigantes. As disposições do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil recomendam dispensarem-se, advogados e juízes, consideração e respeito recíprocos.
É oportuna a lição de Eliéser Rosa que:
“Advogar é convencer, é triunfar pela seleção dialética dos raciocínios fundados em direito; pela análise dos fatos e sua adequação à norma jurídica; pela serena e metódica exposição da causa, e tudo isso dentro da mais rigorosa veracidade, da mais limpa linguagem, onde não faltam nem a beleza rica da língua, nem os primores do estilo, nem as louçanias do mais polido cavalheirismo para com o juízo, as partes, colegas e terceiros. O poder persuasivo dos argumentos está na razão inversa da linguagem despolida com que são expostos”.
Por tais razões, nego seguimento ao recurso, por ausência de fomento jurídico, suporte fático e fundamento legal, mantendo a bem lançada decisão proferida pela MM. Juíza de Direito Dra. Fabiana dos Santos Kaspary.
Intimem-se.
Comunique-se.
Porto Alegre, 31 de agosto de 2012.
Des. Angelo Maraninchi Giannakos,
Relator.