Nem todos conhecem a Brincadeira do Fusca Azul, tradição ancestral que consiste em socar vigorosamente o próximo ao avistar um automóvel da cor e marca supracitados.
Também chamada de “Punch Buggy” e “Beetle Bug”, a galhofa teve origem nos anos 60 como um inocente passatempo de estrada, e foi posteriormente capitalizada pela marca Volkswagen em comerciais de tevê. No livro The Official Rules of Punch-Buggy, Ian Finlayson e Michael Lockhart cogitam que a brincadeira tem raízes no Egito antigo, o que obviamente se trata de uma graçola.
A prática é regida por um único mandamento: “O primeiro a vislumbrar um Fusca azul no caminho tem o direito de aplicar um soco no ombro de quem estiver nas redondezas, gritando com fervor: FUSCA AZUL!”. Ao perdedor é vedado retribuir o golpe, a menos que aviste outro VW de tom cerúleo.
Quanto à força utilizada, devem-se observar os preceitos de proporcionalidade, sendo, portanto, pouco recomendável nocautear uma velhinha frágil que atravessava a rua quando, no horizonte, surgiu um garboso “besouro” azul. Inimigos de longa data devem aceitar a brutalidade da pancada como uma dessas coisas da vida que não se pode contestar, como as saladas com rúcula e o time da Portuguesa.
É válido golpear desconhecidos e desafetos sob tal justificativa, embora não conste (ainda) uma cláusula no Código Penal que conceda ao avistamento de um Fusca a condição de atenuante em casos de lesão dolosa, sobretudo na região escapular. Alguns juízes, porém, já legislaram a respeito, como no caso “Meirelles vs. Coutinho”, em que este foi acusado de agressão ao colega, mas uma testemunha corroborou o avistamento do fusquinha.
“Mas o senhor réu chegou a gritar: ‘Fusca Azul’?”
“Sim, meritíssimo.”
“Então o declaro inocente. Estão dispensados.”
Outras normas da modalidade dispõem sobre falsos avistamentos; nesse caso, há duas saídas: a vítima pode imediatamente conferir um soco duplo em seu carrasco ou contabilizar o dano sofrido como bônus para o próximo Fusca que lhe escapar da vista.
Nas regiões mais abastadas de São Paulo, tem sido cada vez mais difícil vislumbrá-los, mas os Fuscas azuis ainda abundam nos rincões da zona norte. (Outro dia vi um Fusca azul ao lado de uma Kombi verde, e pensei que teria razão em dar uma voadora em alguém, coisa que só não fiz por falta de normatização a respeito.)
A verdade é que não há tristeza maior do que ver um Fusca azul e não ter ninguém por perto a quem comunicar tal alegria. Ainda assim, sempre existe a opção de comprar um e passar bem devagar em frente a uma escola, só para ver a magia acontecer.
( Roubartilhei daqui… )