Fabrício Carpi Nejar
Toda mulher tem um casaquinho preto, de malha, que custou barato e é uma companhia inseparável.
De aparência simples e discreta, o casaquinho é mais importante do que qualquer roupa de estilista famoso.
O casaquinho é aquele que ela diz para as amigas que deveria ter comprado dois e que jamais encontrará igual. E ela nunca compra dois, apesar de já ter amaldiçoado a avareza antes.
O casaquinho é uma segunda bolsa, tamanho seu valor prático, combate o frio do cinema, da saída de festa e de jantares.
Toda mulher que se admira tem um casaquinho preto, que cavou em uma liquidação como um dos grandes achados de sua vida.
É uma peça invisível que não estraga nenhuma combinação. É um travesseiro para os ombros. É uma vitamina C de pano para prevenir a gripe.
Não se habilite a segurar o casaquinho preto dela, é muito pessoal. Cometerá uma gafe. O máximo que pode fazer é ajudá-la a vesti-lo.
Nenhuma mulher aceita emprestá-lo. Não é gentileza, e sim invasão de privacidade, o equivalente a mexer em suas redes sociais.
O casaquinho é um objeto íntimo, intransferível, lingerie pelo lado de fora.
Não queira assumir a responsabilidade. Se tomar conta e extraviar, ela ficará enlouquecida e não perdoará a distração.
Casamento é bem capaz de terminar quando o homem inventa de proteger o casaquinho e acaba esquecendo em algum lugar.
Não corra riscos. Eu perdi um casaquinho num show. Amarrei na cintura. Ao pular e dançar como um negro gato no show do Luiz Melodia, deixei cair no meio da pista.
Estávamos felizes, radiantes, nos beijando e nos abraçando com furor, um casal antologicamente apaixonado em Porto Alegre, cantando as canções de cor e trocando risos caprichados. Quando, no intervalo de uma música, ela me perguntou “Cadê o casaquinho?”, a noite mudou de feição, ela mudou de feição, eu mudei de feição vendo a noite e ela mudando de feição ao mesmo tempo. Paralisei minha boca em uma careta, porque ele havia sumido sem que percebesse.
Com a lanterna do celular, eu me postei no chão, me agachei como o aspirador dos dedos para reconhecê-lo entre latas e copos de bebida. Pisaram em minhas mãos, me empurraram, e nada de resgatar o pobrezinho.
Ela passou a madrugada lamentando o casaquinho, a manhã seguinte lamentando o casaquinho, o mês seguinte lamentando o casaquinho.
Era viúva do casaquinho. Não se falava em outra coisa.
Procurei corrigir o erro e adquirir um semelhante. E agravei a minha falha: só ela tem o direito de escolher seu casaquinho.
As mulheres não são difíceis, mas fetichistas.
( Crônica publicada no jornal Zero Hora, de 03/05/2015 )