Valorizando seu dinheiro – VIII

Collonoscopia econômica!

Cruzeiro
(Cr$1,00 = NCz$1,00)

Antes de mais nada, vamos nos situar. Em março de 1990 finalmente assumiu um presidente verdadeiramente eleito pelo povo (e que iria se demonstrar como uma bela de uma fraude – um verdadeiro estelionato eleitoral!): Fernando Collor de Mello

E desta vez, tal qual aquela outra vez durante a Ditadura, ainda em 1970, não houve corte de zeros. Apesar da desembestada inflação arredia e galopante do início dos anos noventa, e apenas pouco mais de um ano da última alteração da moeda, no dia seguinte ao de sua posse foi anunciado um novo “Plano Econômico” (o primeiro de muitos) no qual o Cruzado Novo voltaria a se chamar Cruzeiro. Aliás foi esse mesmo plano que decretou o confisco bloqueio das cadernetas de poupança e das contas correntes de todos os cidadãos brasileiros por 18 meses!

Mas sejamos técnicos.

Foi a Medida Provisória nº 168, de 15 de março de 1990 – mais tarde convertida na Lei nº 8.024, de 12 de abril de 1990 – que restabeleceu a denominação de Cruzeiro para a moeda brasileira, sendo que 1 Cruzeiro equivalia a 1 Cruzado Novo.

Este foi o primeiro ato da pantomina presidencial que viria a seguir, editando de uma só tacada 23 medidas provisórias visando combater a inflação que em abril de 90 atingiria inconcebíveis 6.238,57% acumulados nos últimos 12 meses – o mais alto pico da inflação já visto no país!

Em tese todo esse pacote tinha por pretensão combater a inflação, eliminar o déficit público e reduzir a máquina estatal. E, assim como os planos de estabilização econômica anteriores, o Plano Collor fracassou estrondosamente. A inflação não foi controlada, o fechamento de empresas estatais com a consequente demissão arbitrária de funcionários desorganizou ainda mais os serviços públicos e o confisco do dinheiro das contas bancárias desagradou absolutamente todos os setores da sociedade.

Também como já feito anteriormente em outras mudanças de moeda, mais uma vez usou-se a estratégia de apor um carimbo identificador nas cédulas e desta vez ele era – uau! – retangular… As primeiras emissões nesse padrão foram cédulas de 50, 100, 200 e 500 Cruzados Novos reaproveitadas com esse carimbo retangular com a nova denominação de de 50, 100, 200 e 500 Cruzeiros.

Com a inflação corroendo diariamente o valor do dinheiro, uma cédula provisória de 5.000 Cruzeiros com projeto simplificado entrou em circulação para atender o aumento da demanda antes da emissão das novas cédulas próprias da nova moeda.

Cr$5.000,00. Na face possuía a efígie da República, tendo, à esquerda, rosácea em guilhochê (desenhos contínuos e simétricos em que a ponta de trabalho retorna ao ponto inicial); no verso, uma representação das Armas Nacionais, ladeada por composição de rosáceas em guilhochê..

Tal qual Sarney no início de seu governo, ainda naquele ano de 90 entraram em circulação as novas cédulas no valor de 100, 200 e 500 Cruzeiros, “aproveitando” os elementos das cédulas lançadas anteriormente, apenas com a adaptação das legendas e do valor facial para o novo padrão.

Cr$100,00. Na face possuía o retrato de Cecília Meireles (1901-1964), tendo à esquerda a reprodução de desenho de sua autoria, ao qual se sobrepõem alguns versos manuscritos extraídos de seus “Cânticos”; no verso, uma gravura, à esquerda, representa o universo da criança, suas fantasias e o momento da aprendizagem e o painel é completado, à direita, com a reprodução de desenhos feitos pela escritora, representativos de seus estudos e pesquisas sobre folclore, músicas e danças populares.

Cr$200,00. Na face possuía a efígie simbólica da República, interpretada sob a forma de escultura e, à esquerda, gravura simbolizando a reunião de ideais republicanos, onde aparecem as personagens históricas de Silva Jardim, Benjamim Constant, Marechal Deodoro da Fonseca e Quintino Bocaiúva; no verso, detalhe do quadro “Pátria”, do pintor Pedro Bruno (1888-1949), onde aparece a bandeira do Brasil sendo bordada no seio de uma família.

Cr$500,00. Na face possuía a efígie do cientista Augusto Ruschi (1915-1986), ladeada por alegorias de flora e fauna, destacando-se uma representação da “Cattleya labiata warneri”, orquídea que, com dezenas de variedades, é a mais típica do Espírito Santo e a maior flor do gênero no Brasil; no verso, Ruschi examinando orquídeas, aparecendo em destaque a figura de um beija-flor.

E, juntamente com essas, também foram lançadas as novas cédulas de 1.000 e de 5.000 Cruzeiros.

Cr$1.000,00. Na face possuía a efígie de Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon (1865-1958), tendo à esquerda uma gravura em que aparece uma estação telegráfica pioneira, além da representação de uma floresta e de mapa com contornos do Brasil e da América do Sul; no verso, casal de índios carajás, ladeado pela representação de alimentos e de uma habitação nhambiquara.

Cr$5.000,00. Na face possuía a efígie de Antônio Carlos Gomes (1836-1896), tendo à esquerda três figuras que fazem parte do monumento existente junto ao Teatro Municipal de São Paulo, as quais representam “O Guarani”, “Salvador Rosa” e “O Escravo”, três de suas mais importantes óperas; no verso, à direita, parte do monumento já referido no anverso e, à esquerda, um piano que pertenceu ao homenageado.

Mas a escalada da inflação não dava trégua e o Governo foi obrigado a emitir novas cédulas: em 1991 no valor de 10.000 Cruzeiros e em 1992 no valor de 50.000 e 100.000 Cruzeiros em 1992. E, por fim, no início de 1993, entrou em circulação a cédula de 500.000 Cruzeiros, a última desse padrão monetário.

Cr$ 10.000,00. Na face possuía a Efígie do cientista Vital Brazil (1865-1950), tendo à esquerda uma gravura que representa cena clássica de extração do veneno, tarefa básica para a produção de soros; no verso, um painel calcográfico mostrando um antigo serpentário, com destaque para a cena de cobra muçurana devorando uma jararaca.

Cr$ 50.000,00. Na face possuía a efígie de Luís da Câmara Cascudo (1898-1986), tendo à esquerda cena de jangadeiros; no verso, cena do “Bumba-meu-boi”, bailado popular do folclore brasileiro.

Cr$ 100.000,00. Na face possuía a cena de um beija-flor (Amazilia lactea) alimentando filhotes no ninho; no verso, vista das Cataratas do Iguaçu, situada na fronteira com a Argentina.

Cr$ 500.000,00. Na face possuía a efígie de Mário Raul de Morais Andrade (1893-1945), tendo à esquerda desenho inspirado em fotografia de sua autoria, intitulada “Sombra Minha”, acompanhada pelo último verso do conhecido poema “Eu sou trezentos…”; no verso, cena representando Mário de Andrade conversando com crianças, ladeada por prédios que simbolizam o crescimento vertiginoso da cidade de São Paulo na época do escritor.

Mas o que começou mal certamente iria acabar mal. Já em meados de 91 o outrora “Caçador de Marajás” começou a ser denunciado por esquemas de corrupção, irregularidades e outras safadezas. A imprensa tupiniquim (aquela mesma que o colocou lá) pressionou tanto a população e o circuito político que em fins de 92 foi votado e aprovado o impeachment do Presidente, com seu consequente afastamento do cargo. Em dezembro de 92, poucas horas antes de ser condenado pelo Senado por crime de responsabilidade e ter seus direitos políticos suspensos por oito anos, Collor ainda tentou renunciar. Só que essa “renúncia” não foi reconhecida e ele ainda teve a petulância de procurar a imprensa para se fazer de vítima. Covarde.

E assim fechamos a oitava parte desta saga… O Cruzeiro, moeda que já havia sido sepultada em 67 e novamente em 86, mais uma vez caminhava para seu derradeiro fim. A boa notícia é que a inflação acumulada daquele ano de 92 fechou em “apenas” 1.129,45%


(Início da Saga)

(Continua…)