Abertura: Cena de uma ponta da cozinha em uma grande angular. Percebe-se a longa mesa que atravessa o cômodo, uma parede toda tomada de armários de um lado e, do outro, uma mesinha alta com apenas duas cadeiras. Ao fundo uma também longa pia, sob a janela, ladeada pela porta de saída do lado esquerdo e pelo fogão no canto, do lado direito. No chão, próximo da pia, duas grandes sacolas de feira, ainda com produtos recém-comprados. Duas pessoas estão de costas para a câmera, lado a lado e de frente para a pia, fazendo algum serviço manual.
Corta: O enquadramento da cena agora é do ponto de vista da altura da pia de duas cubas, focado, mostrando nitidamente de baixo para cima o que o casal está fazendo bem como seus rostos e olhares absortos em sua ocupação. Ele, alto, está fatiando um queijo, olhar vago, pensando em alguma coisa. Ela, pequenina, está lavando folhas de couve, semblante ligeiramente franzido. De repente, do nada, apoiando-se sobre a beirada da pia, ela olha para ele e solta:
– Na boa? Você precisa mesmo é criar juízo!
Diz isso e volta-se para a frente, retomando seus afazeres.
– Cuméquié? Pô, tô quieto aqui cortando meu queijinho e você me vem com essa?
– Na verdade é simples: – diz, sem olhar – eu não estou a fim de ficar viúva!
– E você poderia ficar viúva porque eu não teria “juízo”. É isso?
Cerrando os olhos e agora ambos se encarando, ela responde:
– É.
Num gesto teatral e grandiloquente, com os olhos arregalados, cara de espanto e a mão espalmada no peito ele ainda pergunta:
– Falta de Juízo, EEEEEUUUUU???
Não sem um esgar de um sorriso, voltando novamente sua atenção para as folhas de couve, desta vez ela afirma:
– Pois é, amor, o problema é que você não tem juízo…
Também voltando a fatiar o restante que falta do queijo, quase que distraidamente, num tom tranquilo é a vez dele:
– Amor, na verdade quem não tem juízo é você.
– Como assim? Voltando a encará-lo. Por que eu?
Desta vez interrompendo seu fatiado, mas ainda assim sem se abalar, baixando a faca na pia e com um carinho no olhar ele calmamente responde:
– Amor, veja bem. Eu tenho muito juízo. Tenho juízo de sobra. Sabe o porquê? É porque eu me casei com você. Na verdade quem não tem juízo é justamente você, simplesmente pelo fato que casou comigo.
Novo corte: Bem de frente. Ângulo fechado somente na face dos dois. Sérios. De repente os lábios começam a tremer e sonoras gargalhadas dão lugar ao que quase poderia ter sido uma discussão. A câmera se afasta para vislumbrar o casal se abraçando, ainda rindo, olhos nos olhos, com um suave beijo para encerrar o assunto. Cai o pano.
(Flagrante do momento: “Falta de Juízo, eu?”…)