Ela se rendeu aos aplicativos de paquera. Tímida e conservadora, nunca acreditou muito nessas tecnologias do amor. Mas acontece que a solidão torna-se uma insistente companheira para aqueles que não tomam alguma atitude, como sair de casa mais vezes ou até encarar sites de relacionamento. Encorajada pelas amigas que arrumaram seus “crushs” na internet, ela montou seu perfil. Escolheu algumas fotos e ficou pensando se colocaria informações pessoais. Melhor não, vai saber quem é que leria sobre a sua vida. No começo, ela tinha que decidir se apertava o xis ou o coraçãozinho: não ou sim. Com qual critério decidir se o cara era um paquera em potencial? A foto. Até ali, era só a aparência física que estava valendo? Ok. Ela resolveu jogar o joguinho de encontrar um “crush”: não; não; não; não; não; não; não. Tinha alguma coisa errada. Será que ela estava sendo exigente demais? Com certeza, sempre foi (deve ser por isso que anda sem sorte no amor). Mas essa maneira de escolher não parecia muito justa. E se os nãos anteriores fossem pessoas legais e interessantes? Ela só saberia se conversasse, certo? Então despiu-se mais uma vez de seus preconceitos e começou a espalhar coraçãozinhos: sim, sim, sim, sim, sim, sim! Mais uma barreira vencida. Ela estava se sentindo orgulhosa. Ficou esperando para ver o que aconteceria em seguida, quando chegou a primeira mensagem: “oi linda”. Hum. Curioso. A abordagem, que para muitas mulheres deve ser uma delícia, para ela pareceu invasiva. O cara nem tinha intimidade e já ia chamando-a de linda. Mas, ok, ela estava decidida a romper barreiras. Papo veio, papo foi e o dia correu com uma variação de cantadas digitais. Mas alguma coisa estava esquisita. Não era que os moços não parecessem bacanas, até pareciam. Uns mais atirados, outros, discretos; fazia parte do processo, como na vida real. Mas um detalhezinho a incomodava: quanto erro de português, meu Deus! Veja bem: ela não é nenhuma literata nem professora de Língua Portuguesa. Mas, quanto mais madura e independente é uma mulher, mais seletiva ela fica em seus relacionamentos. Se isso é bom? É e não é; cada experiência que o diga! E, em se tratando dela, escrever o básico de forma correta é imprescindível (fazer o quê?!). Como sentir tesão com um “moro aqui a cinco anos” e “concerteza você vai gostar”? Ela, com absoluta certeza, não gostou. E gostou menos ainda quando leu “pra mim fazer”, “fazem 3 dias” e “agente vamos”. Sobre os porquês, ela até deu um tempo na sua implicância. A língua portuguesa é difícil mesmo, não seria justo julgar alguém só por ele não saber por que os porquês são escritos de forma junta ou separada. Mas, porque chegou a próxima mensagem, ela quase surtou: “linda agente podia marca um rapi”. Será que ele estava convidando-a para dançar rap? Não. Era “happy hour”! As pessoas escrevem mensagens com um ritmo acelerado nos dias de hoje. Ela entendia que abreviaturas como vdd (verdade), blz (beleza), vc (você), ctz (certeza), n (não) e bj (beijo) fossem aceitas na era da escrita digital. Mas, mesmo assim, ela chegou a pensar que a profecia de José Saramago seria cumprida algum dia: “De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido”. Entretanto, o que a chateava era ver a “última flor do Lácio, inculta e bela” ser tão maltratada. O seu coração doía ao ler tanta coisa errada. Por que assaltaram a gramática e assassinaram a nossa lógica? Para ela, havia uma grande diferença entre licença poética e erro de português. Foi então que seu celular apitou: “Boa noite. Tudo bem com você?”. Os olhos dela brilharam. Como era bonito ler palavras que não estavam abreviadas. E a mensagem tinha até pontuação! Ela ficou interessada e respondeu. A conversa prosseguiu tão deliciosamente pelo aplicativo de paquera que, logo, eles passaram para o WhatsApp — e não “Zap”, como disse um outro candidato ao coração dela. E depois? Será que rolou o encontro ao vivo? Bom, isso é uma outra história (ou estória, para quem preferir).