Ditados do arco da velha

Dia desses, numa experiência facebookesca, resolvi publicar alguns ditados e frases que não se ouve mais nos proseios de hoje em dia e lancei um “desafio”: se alguém se habilitava a continuar essa lista do arco da velha. Aliás a própria expressão “arco da velha” por si só já é démodé (que já não está mais na moda), pois há muito tempo não ouço ninguém utilizá-la.

Aliás do aliás, a origem da expressão é interessante, eis que antes do significado que atualmente lhe é dada de coisa antiga ou de antigamente, dizer “isto é do arco da velha” ou “são coisas do arco da velha” seria o mesmo que dizer que são coisas incríveis, invulgares, mirabolantes. É uma expressão que tem origem no Antigo Testamento, segundo Orlando Neves no seu Dicionário de Expressões Correntes:

Fez Jeová um pacto de paz com Noé, quando, depois de findo o Dilúvio, lhe disse: “Este é o sinal da aliança que faço entre mim e vós e todo o animal vivente que está convosco, para perpetuar gerações: o meu arco tenho nas nuvens, e será ele o sinal de uma aliança entre mim e a terra. Quando eu trouxer nuvens sobre a terra e aparecer o arco nas nuvens, então me lembrarei da minha aliança que está entre mim e vós e todo o animal vivente de toda a carne; as águas não mais se tornarão em dilúvio para destruir toda a carne. O arco estará nas nuvens; olharei para ele, a fim de me lembrar da aliança eterna entre Deus e todo o animal vivente de toda a carne, que estará sobre a terra. Disse Deus a Noé: este é o sinal da aliança que tenho estabelecido entre mim e toda a carne que está sobre a terra” (Génesis, 9,12-17). Assim nasceu, biblicamente, o maravilhoso arco-íris, o arco-celeste, o arco-da-velha. Velha porquê? Porque é descrito no Antigo Testamento, no Velho Testamento, ou seja, na lei velha.

Bem, agora que já tiveram sua cota de cultura inútil, voltemos à nossa tarefa principal. Dos ditados a seguir eu compartilhei somente alguns e todo o restante veio da colaboração coletiva.

“Por fora, bela viola; por dentro, pão bolorento.”

“Num dia, calça de veludo; noutro, bunda de fora.”

“O sujeito roeu a corda.”

“O sujeito não vale o que o gato enterra.”

“O que arde, cura; o que aperta, segura.”

“Vou te mostrar com quantos paus se faz uma canoa.”

“O pau que bate em Chico é o mesmo que bate em Francisco.”

“A grama do vizinho sempre é mais verde.”

“O que aqui se faz, aqui se paga.”

“Cachorro mordido de cobra tem medo de linguiça.”

“Casa de ferreiro, espeto de pau.”

“Quem com ferro fere, com ferro será ferido.”

“Mais tem Deus para dar que o diabo pra tirar.”

“Filho criado, trabalho dobrado.”

“Um olho no gato e outro no peixe.”

“Quanto mais você é bom, mais te fazem de trouxa.”

“Apressado come cru.”

“Quem não tem cão caça com o gato.”

“Quem tem amigo não morre pagão.”

“O roto falando do esfarrapado.”

“Água mole em pedra dura tanto bate até que fura.”

“Vão os anéis, ficam os dedos.”

“Não confunda bife de caçarolinha com rifle de caçar rolinha.”

“Finge que me engana e eu finjo que acredito.”

“É de pequenino que se torce o pepino.”

“Quem espera sempre alcança.”

“Quem tem filhos tem cadilhos.”

“Farinha pouca, meu pirão primeiro.”

“Vai que a coruja erra o toco.”

“Morrem as vacas para a alegria dos urubus.”

“O vento que venta lá, venta cá.”

“Coruja quando gaba o toco é porque tá podre.”

“Quando a esmola é muita, o santo desconfia.”

“Desgraça de pobre só tem começo.”

“Fulano é que nem biscoito de polvilho: faz barulho, mas não resolve.”

“É andando que cachorro acha osso.”

“Se tem uma chance de dar errado, vai dar errado.”

“Quem tem um backup não tem nenhum.”

“Achado não é roubado.”

“Quem perdeu é relaxado.”

“Dois bicudos não se beijam.”

“Chuta que é macumba da brava.”

“Cabeça vazia, oficina do diabo.”

“Falando no diabo, apareceu o rabo.”

“De grão em grão a galinha enche o papo.”

“O sujo falando do mal lavado.”

“Chutou o balde.”

“Panela velha faz comida boa.”

“Chutou o pau da barraca.”

“Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão.”

“A cavalo dado não se olha os dentes.”

“Mais vale um pássaro na mão do que dois voando.”

“Quem vê cara não vê coração!”

“Enquanto houver cavalo, São Jorge não anda a pé.”

E aí? Vocês também não teriam pelo menos alguma contribuiçãozinha para este nosso interessante rol de ditados do arco da velha? 😀

Moral conservadora: perguntas que podem revelar a hipocrisia

J. C. Guimarães

Costumes conservadores são baseados na ideia de família tradicional, homem e mulher, com nuclearidade na figura masculina; na monogamia; na heteronormatividade, combinando os dois sexos opostos; no judaísmo-cristianismo enquanto sistema de crenças transcendentais (do qual a Bíblia seria o código), com forte componente racial de superioridade dos brancos. Têm sido a ideologia hegemônica no Brasil desde os tempos coloniais, quando aqui teve início a exploração econômica, sexual e racial de nativos e africanos, pelos conquistadores portugueses. São a ideologia do governo atual porque são, também, a ideologia das classes dominantes e, até, das classes dominadas, que, reconhecidamente, tendem a reproduzir convicções estranhas aos seus interesses.

Não é preciso valer-se dos conceitos clássicos (de Morgan, Mauss, Malinowski etc.) para saber que essas representações mentais são estruturantes em sistemas culturais complexos. Legítimas, têm a função de dar significado e coesão a grupos que nelas se reconhecem. Sem elas, perdem-se as referências que mantêm a noção de ordem, fundamental para a manutenção cósmica. São, nesse sentido, verdadeiros nortes existenciais, em que se baseiam o equilíbrio comunitário e individual. Daí a violenta reação a tudo que ameaça o conservadorismo, como aqueles grupos em ebulição — as chamadas “minorias” — aos quais se contrapõe. Conviver com as diferenças não é fácil, pela simples razão de que todos os grupos humanos buscam não apenas a própria identidade e afirmação, mas também a universalização de seus valores. É a hegemonia que está em jogo e o temor de extinção de uns pelos outros, o que tenciona o conjunto social e leva ao confronto aberto. A sociedade brasileira chegou a esse estado de polarização, a partir de 2015. Desde então, costumes e valores viraram guerra declarada.

Convém perguntar: os tabus conservadores são integralmente levados a sério por seus aderentes? Analisados ponto a ponto, será verdade que os conservadores são fiéis ao conservadorismo? Serão eles, na vida privada, leais seguidores das normas de conduta publicamente exortadas e defendidas? Talvez nos decepcionemos ao entrar sorrateiramente nesta “honrada” casa, onde, ao que parece, nem tudo deve ser tão harmonioso. Pode ser que aquele elenco de ideias do início desse artigo seja ilusório — de fato, apenas ideologia —, falseando práticas comportamentais contraditórias que o desmentiriam, em parte ou no todo. Estudos antropológicos e sociológicos poderiam, com mais eficácia, revelar a imensa hipocrisia que nós, enquanto observadores, suspeitamos existir por entre as quatro paredes dessa casa. Uma série de questões bastante polêmicas se impõe, aos seus moradores.

O patriarcalismo apoia-se, inclusive, no Novo Testamento, e boa parte das mulheres aprecia a ideia de submissão a seus maridos. Mas em que porcentagem isso é escolha livre delas e não produto de repressão? É verdade que os casais, nas famílias tradicionais, estão mutuamente seguros da fidelidade dos seus parceiros? A monogamia é um fato social no Brasil. Significa que a fidelidade é, de fato, observada pelos conservadores ou a traição é mais comum do que se admite, entre eles? E, tendo em vista a traição, as esposas conservadoras têm a mesma chancela social que os maridos, para “pularem a cerca”? Elas estariam de acordo com uma provável desigualdade de tratamento? Casais conservadores restringem, realmente, suas relações sexuais entre marido e mulher ou, além de eventualmente se traírem, transgridem de forma associada, buscando práticas “corruptas” como o swing? Nesses jogos eróticos as trocas são entre sexos diferentes ou, eventualmente, ocorrem manifestações homoeróticas?

A homossexualidade é, de fato, raríssima ou comum entre os conservadores, incluindo seus líderes? Tudo isso não é nada conservador e levanta sérias questões morais, nos termos da moralidade que pretende se impor ao Brasil. Mas precisa ser respondido pelos conservadores, a fim de se estabelecer a coerência entre seu discurso e sua prática. Pública, inclusive.

Opções de arranjo familiar e escolhas sexuais interessam à religião, mas nunca foram agenda para o Estado laico, praticamente único no Ocidente e no Brasil. Somente em países comunistas, como a Coreia do Norte, e teocráticos, como o Irã, o governo controla a vida privada dos cidadãos. Agora, o governo brasileiro, que vocifera contra o Comunismo — regime “autoritário”, que “acabaria com a liberdade das pessoas”, e por isso “é preciso armá-las” — é o mesmo governo que se infiltra nas casas dos brasileiros para impor a visão de mundo de um grupo: os conservadores. Não precisamos, então, temer os comunistas, pois a principal missão da extrema-direita é, justamente, violar nossos muros para acabar com nossa liberdade. Pensando bem, aqui não há contradição, porque apenas comprova seu próprio autoritarismo, fascista. O que será contraditório é se, ao avançarmos das instituições públicas para os recintos domésticos desses novos moralistas, descobrirmos práticas que não recomendam. Será que não temem responder às perguntas mencionadas acima, expondo-se a um grave problema moral: a hipocrisia?

O conservadorismo, enquanto fenômeno público, é bem conhecido e assentado. Um estudo íntimo dele, porém, poderia surpreender a todos nós. E até escandalizar os menos liberais.