Processo n. E-2.102/00
Relatora – Dra. MARIA CRISTINA ZUCCHI
Revisor – Dr. LUIZ ANTÔNIO GAMBELLI
Presidente – Dr. ROBISON BARONI
Julgamento – 18/05/00– v.u.
RELATÓRIO
A consulta versa sobre a possibilidade de uma sociedade de advogados, composta de dois sócios, instalar uma página na Internet para divulgação de serviços da mais variada ordem. Tal divulgação abrangeria desde a indicação de várias áreas do direito e suas respectivas ramificações, bem como o encaminhamento para que sejam marcadas consultas com o advogado que atende na área especificamente indicada. Assegurando que não haverá atendimento “on line”, afirma o Consulente que a penalidade por infringência a este procedimento estará prevista no próprio contrato social da sociedade.
Com a consulta solicitada no site, a secretária, no dia seguinte, telefonará confirmando ou agendando novo horário para a mesma. A página será preparada tanto em português quanto em inglês e espanhol.
Outros sites seriam abertos, com a preocupação de levar o conhecimento do direito ao povo, à semelhança do que é feito em jornais, apresentando desde doutrina e jurisprudência a “opinião virtual” acerca de temas jurídicos variados, bem como a informação acerca de eventos jurídicos que estejam sendo apresentados.
A intenção de prestar relevantes serviços ao direito é ressaltada várias vezes no teor da consulta, ao lado da preocupação em tornar o site interessante, antecipando uma opinião do próprio Consulente no sentido de que tudo seria apresentado de forma muita “discreta”, com certeza respeitando as regras éticas vigentes.
A consulta é concluída com seis perguntas que resumem os pontos indagados, sendo que a última acrescenta a possibilidade de a sociedade participar de uma ONG.
PARECER
A consulta trazida a exame eivada de bons propósitos profissionais, humanos, sociais e inclusive informáticos, demonstrando inegável intuito olímpico de abarcar todos os propósitos numa mesma página da internet e seus sites, sob o manto de levar ao povo um conhecimento privilegiado e a oportunidade de ser atendido em seus problemas ante a gama de esclarecimentos que tal página proporcionaria.
Necessário se faz dissecar os propósitos pretendidos para verificar as conseqüências e efeitos em que implicam, e daí inferir sua admissibilidade perante as normas éticas vigentes e perante o avanço que da informática proporcionaria.
1. Uma sociedade de advogados abrindo página na internet, com ampla divulgação das áreas em que pretende atuar, inclusive das ramificações abrangidas por estas áreas. Através desta página pode ocorrer o agendamento de consultas a serem atendidas posteriormente pelos advogados em seus respectivos escritórios, até que a sociedade constituída ofereceria sua sede própria para tal atendimento?
Em se tratando de internet, é preciso constatar que o espectro de publicidade ganha contornos especiais, e ainda surpreendentes. E isso porque não se trata de mero anúncio que será colocado na porta da sede da sociedade, ou veiculado em periódico jurídico, ou ainda instalado em parede externa de localidade pública. A “localização” que da internet resulta supera de forma estonteante qualquer previsão que as normas vigentes pudessem ter imaginado. Trata-se de localidade alcançável por qualquer pessoa, em qualquer parte do globo terrestre, sem que para isso ela precise sair de casa.
Num primeiro momento, portanto, a indicação da norma ética como “vetusta e fora de moda” parece demonstrar a ausência de regramento, e portanto o “tudo pode”, desde que propósitos humanos altruístas e cativadores para tanto se alevantem. Mas não é bem isso o que ocorre, segundo nos parece.
De acordo com o que está expressamente determinado pelo Código de Ética e Disciplina da OAB, em seu artigo 28, o advogado PODE ANUNCIAR SEUS SERVIÇOS PROFISSIONAIS, de forma individual ou coletiva, COM DISCRIÇÃO E MODERAÇÃO, COM FIM MERAMENTE INFORMATIVO. Esta é a regra geral.
Nos artigos seguintes abrangidos pelo capítulo IV – da publicidade -, o código ético vigente se refere ao “anúncio” que o advogado possa ou não fazer, indicando que os princípios básicos da discrição e moderação impõem a ausência de qualquer postura mercantilista que viole as regras estabelecidas pelo CED (arts. 28/34) e pela Resolução 02/92 deste Sodalício.
Seria aplicável também à internet o regramento da publicidade acima referido ou demandaria a nova tecnologia regramento específico, caracterizando lacuna normativa perigosa?
Os princípios básicos da publicidade advocacia são a discrição e a moderação acoplados ao intuito meramente informativo, para que dela não decorra o “animus” captativo de clientela, sem dúvida turbador do princípio da igualdade e da proteção à classe que, acima de qualquer norma específica, orienta o próprio legislador ético em primeiro lugar.
Aplicar tais fundamentos ao campo da internet parece-nos perfeitamente normal e até mesmo incluível dentro do campo de abrangência das normas vigentes, pois anunciar na página internáutica com discrição e moderação, com intuito meramente informativo é consectário normal das referidas normas.
Descabe, portanto, a possibilidade de indicar no site inicial do Consulente, informações outras que não as atinentes a:
a) títulos ou qualificações profissionais;
b) especialização técnico-científica;
c) filiação a associações culturais e científicas e
d) endereços, horário de expediente e meios de comunicação (vedados o rádio e televisão).
e) nome fantasia.
(CED, art. 29).
Sequer o argumento do poder econômico a inviabilizar o acesso desigual da classe advocacia pode ser invocado em se tratando de internet, ao contrário do que ocorre em relação ao rádio e à tv. Também uma natureza mercantilista do “local” internet não pode ser alegada, pois trata-se muito mais de um “local comum” de encontro de pessoas do mundo todo, com ou sem intuito mercantilista. E a apresentação dessas pessoas, cada qual regida por normas éticas e morais atinentes à sua atividade parece, em princípio, normal e necessária dentro deste esquema.
Assim, o primeiro ponto da consulta, qual seja, o de permitir a abertura de um site da sociedade na internet, com indicação de especificação (áreas do direito e suas ramificações) – desde que especialização comprovada dos profissionais que promoverão o atendimento (e não de roll aventureiro) – , afigura-se possível, se presentes os princípios basilares da discrição e moderação com intuito meramente informativo.
2. O outro tópico da consulta seria se, poderia tal página abranger ainda outros site, com preocupação de levar o direito ao conhecimento do povo, oferecendo assim a veiculação de artigos de doutrina e de jurisprudência, bem como “opinião virtual”, divulgação de eventos jurídicos, etc….?
Este Tribunal já se manifestou anteriormente quanto à publicação de artigos, de autoria de advogados de escritório que pretende divulgar opiniões e pareceres de sua autoria. A distribuição indiscriminada de ditas publicações denota inegável intuito captatório, vedado expressamente pelo EAOAB e pelo CED. Porém, tal divulgação, limitada aos clientes já existentes, como forma de mantê-los, pelo fato de serem clientes, informados acerca das últimas notícias e discussões jurídicas, bem como de acontecimentos correlatos à atividade do escritório, são permitidos.
Aqui, portanto, parece-nos que o campo da internet inviabiliza a divulgação acoplada à publicidade do advogado. A isolada, ou seja, a mera publicação de artigos no site de assunto específico, evidentemente não há de ser vedada. A diferença de uma e de outra é nítida diante do regramento ético questionado.
Tampouco pode a veiculação indagada pelo Consulente caracterizar forma disfarçada de convênio jurídico indireto, que captaria mediatamente clientela para o profissional que se faz conhecer na internet.
Da mesma forma, qualquer atuação pretendida pelo profissional do direito há de ser jungida aos parâmetros éticos e fiscalizada pela OAB. Essa a razão pela qual, por exemplo, o atendimento jurídico benemerente à população carente não pode ser permitido, sob pena de estarmos escancarando as portas às mais diversas formas de abuso, angariação e captação de clientela. Da mesma forma, pretender divulgar opiniões e artigos sob o pretexto de atender o povo gerará, sem dúvida, uma situação sem controle e irresponsável ao mesmo povo. O que é pior?
3. Por fim, a consulta indaga se tal sociedade poderia participar de uma ONG, na área social, e “passar” tal experiência na página da Internet pretendida?
A participação de uma sociedade de advogados numa ONG traduz, num primeiro momento, imiscuir a atividade profissional advocacia com atividade social, que não está incluída no rol abrangido pelo EAOAB. Daí se deduz não tratar-se de atividade exclusiva da advocacia, destarte sendo vedada a sua prática juntamente com a atividade advocacia. Sem dúvida a caracterização de uma ONG levará a essa conclusão, daí resultando o impedimento ético.
Sem dúvida, trata-se de assunto que requer do nosso Tribunal Deontológico a continuação do estudo do assunto, com manifestação cada vez mais específica diante das dúvidas que suscita. Por ora, são essas as considerações que julgamos cabíveis, sendo oferecida a proposta de ementa aos nobres pares.
EMENTA
SOCIEDADE DE ADVOGADOS – PÁGINA NA INTERNET – SITES DE PUBLICIDADE COM INDICAÇÃO DE ESPECIALIDADES TÉCNICAS E VIABILIDADE DE AGENDAMENTO DE CONSULTAS – SITES COM ARTIGOS E “OPINIÃO VIRTUAL”. PARTICIPAÇÃO EM ONGs E DIVULGAÇÃO DA EXPERIÊNCIA DECORRENTE – A publicidade individual ou coletiva do advogado através de página na Internet já teve várias manifestações deste Tribunal, que entende serem aplicáveis à espécie os mesmos parâmetros éticos da discrição, moderação e intuito meramente informativo que regem a publicidade advocacia no Brasil. Da mesma forma, viabilizar o contato para o agendamento de consultas, tal como ocorre com os cartões de apresentação do advogado, ou, ainda, como substituição ao meio telefônico tradicional, não infringe as regras vigentes. Já o exercício da atividade advocacia na Internet é vedado, inclusive sob a forma de consultas. Resguardados tais limites, a publicidade do advogado na Internet há de ser permitida dentro da realidade que a informática instalou. Já a divulgação de sites com artigos, atualização jurídica e “opinião virtual”, considerando a divulgação indiscriminada que a Internet propicia, de modo mais abrangente, aliás, do que a mala direta, vedada pela OAB, não há de ser permitida, mantendo-se a respeito os pronunciamentos desta casa (E-1.435, 1.471, 1.640, 1.759, 1.824, 1.877). A participação em ONGs, por sua vez, não configura atividade exclusiva de advogados, não se justificando que tal prática se inclua em site de página que pretende divulgação regular e ética do exercício advocatício. v.u. do parecer e ementa da Relatora Dr.ª MARIA CRISTINA ZUCCHI – Revisor Dr. LUIZ ANTÔNIO GAMBELLI – Presidente Dr. ROBISON BARONI – 18/05/00.