Um brinde ao ócio

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( Publicado originalmente no blog etílico Copoanheiros… )

Adauto de Andrade

( Publicado no Legal em 04/04/2007 )

Plena terça-feira. Feriado na cidade de Jacareí – aniversário de 355 anos. Fomos agraciados com um dia de descanso no meio da loucura burocrática que usualmente nos afoga.

Moro na cidade vizinha, onde o comércio funcionou normalmente e “aproveitei” (lema da Dona Patroa) para fazer inúmeras coisas. Desde providenciar algumas “cópias para avaliação perpétua” de alguns DVDs para um amigo, passando pela compra (e armazenamento – na pá!) de meio metro de areia, bem como levar o carro no mecânico, procurar e comprar algumas peças para restauração, levar os filhotes para escola (pelo menos um dia de folga também para a Dona Patroa), até outras compras e tarefas básicas – e eis que me deparei com as duas da tarde.

O mecânico pediu para que eu lhe ligasse lá pelas três, então teria uma hora para matar pela frente.

Com o calor que está fazendo (sei lá, uns 35 graus?) e já suando em bicas, decidi passar essa hora “proseando” com uma loura. Gelada. Estupidamente gelada.

Das diversas opções à minha frente, restaurantes, bares, happy-hours e outros, decidi por um resgate à simplicidade. Um mero boteco em pleno centro comercial de São José dos Campos, próximo do velho shopping e da antiga Câmara Municipal.

Boteco mesmo. Com ovos cozidos na estufa e garrafas empoeiradas de cachaça espalhadas por todas as paredes.

Aliás, essa é a melhor maneira de se tornar total e completamente invisível. Ninguém olha pros capiaus que estão num lugar como esse.

– Pode fumar aqui? – o atendente me olha com uma cara de incredulidade. Tolo que fui. É LÓGICO que pode.

Passei a hora seguinte sentado ao balcão exercendo a mais doce arte do ócio. Sem pensar no passado, presente ou futuro, simplesmente vendo o movimento de pessoas na calçada enquanto me refrescava com uma Brahma (royalties, please) ignorantemente gelada. Acendi um cigarro.

Após a primeira baforada, comecei a prestar mais atenção no desfile humano que passava a minha frente. Inúmeras moças, moçoilas e senhoras, todas com pressa e certeza de que têm que chegar logo a seu destino – seja ele qual for. Em comum entre elas somente o fato de que quase todas estão “na moda”, usando aquelas sandálias, chinelos e tamancos plataformas. Coisas gigantes. Ainda bem que não nasci mulher. Certamente eu cairia daquele troço no primeiro passo.

Passam dois ébrios, um mais encardido e encachaçado que o outro, com os tradicionais cachorros vira-latas os seguindo (alguém sabe explicar esse mistério?). Pelo menos nenhum deles veio me pedir um real para “ir” sabe lá Deus pra onde.

Um carro com um equipamento de som potentíssimo passa na rua, democratizando a todos que não querem ouvir uma música de qualidade muito abaixo do nível do discutível. Outra indagação de cunho universal se faz presente: por que desses caboclos que gastam milhares – sim, milhares – de reais para colocar um equipamento de som desses num carro, nenhum deles têm sequer um mínimo de bom gosto cultural? Não sou nenhum expert na área musical, mas conheço o suficiente para saber que “tô ficando atoladinha” não é nenhum clássico da MPB ou do rock progressivo mundial.

Dois policiais militares passam eu suas motos. Alguém se lembra de CHiPs? Pois é. Totalmente diferentes. Sob suas fardas e coletes à prova de balas (sinal dos tempos), devem estar derretendo com esse calor.

Encho meu copo e acendo outro cigarro.

Como já trabalhei nos mais diversos lugares e profissões, desde entregador de jornais, bicicleteiro, “fazedor” e “entregador” de salgados, passando por bancário, funcionário público, e até mesmo junto à redação de jornais locais e agências de publicidade, conheço MUITA gente. Mais do que sou capaz de lembrar. E dos inúmeros rostos que passam pela minha frente, muitos são de velhos conhecidos, que, em algum momento, pertenceram ao meu passado.

Dentre esses, vejo passar, todo apressado, um rapaz que foi meu funcionário. A última notícia que tive dele foi que assumiu a gerência de uma agência bancária. Está engravatado e com uma camisa de mangas compridas. “Quente”, penso eu. E velho. Marcas de constantes preocupações e estresse estão bem delineadas em sua face. Cabelo grisalho. Ar de cansado.

Mas, como disse, estou invisível e ele não me vê. Pergunto-me intimamente se também não estou tão velho e marcado como ele, apesar de meus parcos 38 anos.

Uma criança, com sua jovem mãe (quanto terá? apenas de uns 16 a 17 anos?) passa saboreando uma espiga de milho verde. Um negro, rastafari, camiseta estampada com uma foto do Bob Marley, passa com um estampado ar de dignidade. Alguns executivos se vangloriando do quão bons eles são, logo são seguidos por algumas prostitutas discutindo quem sairá na próxima etapa do Big Brother.

Um pequeno interlúdio para atender um amigo que me liga no celular, contando uma das inúmeras desventuras que sempre encontra no mister de sua profissão. Hilário. Inenarrável. Mas, ainda assim, hilário.

Mas o desfile continua e meu tempo vai chegando ao fim.

Acendo outro cigarro.

Crianças suando, dormindo no colo de suas mães. Portadores de deficiências (desculpem-me, não sei qual o “termo politicamente correto” em voga) passam lentamente. Quarentões, barrigudos, cobertos de correntes “de ouro”, com suas camisas abertas até o umbigo, mesclam-se com patricinhas e office-boys apressados. Um sujeito que parece saído de uma festa country – ostentando uma gigantesca fivela em seu cinto – pára, tira o chapéu, enxuga o suor da testa, enquanto aguarda alguns momentos para seu cavalo defecar bolotas em plena via pública.

Mesmo assim, o show de horrores e maravilhas continua incessantemente.

Mais rostos conhecidos desfilam à minha frente – alguns me fazem lembrar de nomes e lugares, outros não. Mas minha hora de ócio está praticamente no fim.

No decorrer dessa hora não me tornei mais sábio ou mais inteligente. Não desvendei os segredos do universo, nem tampouco me tornei um ser humano melhor.

Mas, no decorrer das duas cervejas que tomei, tive um momento de sobriedade na vida, constatando quão efêmera ela é.

Estamos aqui de passagem. Invisíveis, apenas observando ou correndo, efetivamente participando. Podemos assumir um papel ativo ou passivo no decorrer das coisas.

Particularmente, creio que o caminho do meio ainda é o melhor. Um pouco de cada. Acho que seria a melhor maneira de não desperdiçar nosso tempo.

E encerro meu relato sob a discussão acalorada de duas meninas que procuram decidir qual seria o melhor meio de retocar a tatuagem de uma delas, enquanto meu vizinho de balcão chuta o cesto de lixo em meus pés e corre para o banheiro (o qual, aliás, é como qualquer banheiro de qualquer boteco).

Minha última imagem?

A passagem de um saltitante pequerrucho, de uns dois anos, segurando a mão de sua mãe, divertindo-se a valer com sua bexiga, fazendo de conta que era um balão.

Esperança. Imaginação criativa. De fato, estas ainda são as melhores opções!

Nós, os temulentos

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( Publicado originalmente no blog etílico Copoanheiros… )

João Guimarães Rosa

Entendem os filosófos que nosso conflito essencial e drama talvez único seja mesmo o estar-no-mundo. Chico, o herói, não perquiria tanto. Deixava de interpretar as séries de símbolos que são esta nossa outra vida de aquém-túmulo, tãopouco pretendendo ele próprio representar de símbolo; menos, ainda, se exibir sob farsa. De sobra afligia-o a corriqueira problemática quotidiana, a qual tentava, sempre que possível, converter em irrealidade. Isto, a pifar, virar e andar, de bar a bar.

Exercera-se num, até às primeiras duvidações diplódicas: – “Quando… – levantava doutor o indicador – … quando eu achar que estes dois dedos aqui são quatro”… – Estava sozinho, detestava a sozinhidão. E arejava-o, com a animação aquecente, o chamamento de aventuras. Saiu de lá já meio proparoxítono.

E, vindo, noé, pombinho assim, montado-na-ema, nem a calçada nem a rua olhosa lhe ofereciam latitude suficiente. Com o que, casual, por ele perpassou um padre conhecido, que retirou do breviário os óculos, para a ele dizer: – Bêbado, outra vez… – o Chico respondeu, com, báquicos, o melhor soluço e sorriso.

E, como a vida é também alguma repetição, dali a pouco de novo o apostrofaram: – Bêbado, outra vez? E: – Não senhor… – o Chico retrucou – … ainda é a mesma.

E, mais três passos, pernibambo, tapava o caminho a uma senhora, de paupérrimas feições, que em ira o mirou, com trinta espetos. – Feia! – o Chico disse; fora-se-lhe a galanteria. – E você, seu bêbado? – megerizou a cuja. E, aí, o Chico: – Ah, mas… Eu?… Eu, amanhã, estou bom…

E, continuando, com segura incerteza, deu consigo nooutro local, onde se achavam os copoanheiros, com método iam combeber. Já o José, no ultimado, errava mão, despejando-se o preciosíssimo líquido orelha adentro. – Formidável! Educaste-a? – perguntou o João, de apurado falar. – Não. Eu bebo para me desapaixonar… Mas o Chico possuía outros iguais motivos: – E eu para esquecer… – Esquecer o que? – Esqueci.

E, ao cabo de até que fora-de-horas, saíram, Chico e João empunhando José, que tinha o carro. No que, no ato, deliberaram e adiaram, e entraram, ora em outra porta, para a despedidosa dose. João e Chico já arrastando o José, que nem que a um morto proverbial. – Dois uísques, para nós… – Chico e João pediram – e uma coca-cola aqui para o amigo, porque ele é quem vai dirigir…

E – quem sabe como e a que poder de meios – entraram no auto, pondo-o em movimento. Por poucos metros: porque havia um poste. Com mais o milagre de serem extraídos dos escombros, salvos e sãos, os bafos inclusive. – Qual dos senhores estava na direção? – foi-lhes perguntado. Mas: – Ninguém nenhum. Nós todos estávamos no banco de trás…

E, deixando o José, que para mais não se prezava, Chico e João precisavam vagamente de voltar a casas. O Chico, sinuoso, trambecando; de que valia, em teoria, entreafastar tanto as pernas? Já o João, pelo sim, pelo não, sua marcha ainda mais muito incoordenada. – Olhe lá: eu não vou contar a ninguém onde foi que estivemos até agora… – o João predisse; epilogava. E ao João disse o Chico: – Mas, a mim, que sou amigo, você não podia contar?

E, de repente, Chico perguntou a João: – Se é capaz, dê-me uma razão para você se achar neste estado?! Ao que o João obtemperou: – Se eu achasse a menorzinha razão, já tinha entrado em lar – para minha mulher ma contestar…

E, desgostados com isso, João deixou Chico e Chico deixou João. Com o que, este penúltimo, alegre embora física e metafisicamente só, sentia o universo: chovia-se-lhe. – Sou como Diógenes e as Danaides… – definiu-se , para novo prefácio. Mas, com alusão a João: – É isto… Bêbados fazem muitos desmanchos… – se consolou, num tambaleio. Dera de rodear caminhos, semi-audaz em qualquer rumo. E avistou um avistado senhor e com ele se abraçou: – Pode me dizer onde é que estou? – Na esquina de 12 de Setembro com 7 de Outubro. – Deixe de datas e detalhes! Quero saber é o nome da cidade…

E atravessou a rua, zupicando, foi indagar de alguém: – Faz favor, onde é que é o outro lado? – Lá… – apontou o sujeito. – Ora! Lá eu perguntei, e me disseram que era cá…

E retornou, mistilíneo, porém, porém. Tá que caiu debruçado em beira de um tanque, em público jardim, quase com o nariz na água – ali a lua, grande, refletida: – Virgem, em que altura eu já estou!… E torna que, sesoerguido, mais se ia e mais capengava, adernado: pois a caminhar com um pé no meio-fio e o outro embaixo, na sarjeta. Alguém, o bom transeunte, lhe estendeu a mão, acertando-lhe a posição. – Graças a Deus! – deu. – Não é que eu pensei que estava coxo?

E, vai, uma árvore e ele esbarraram, ele pediu muitas desculpas. Sentou-se a um portal, e disse-se, ajuizado: – É melhor esperar que o cortejo todo acabe de passar…

E, adiante mais, outra esbarrada. Caiu: chão e chumbo. Outro próximo prestimou-se a tentar içá-lo. – Salve primeiro as mulheres e as crianças! – protestou o Chico. – Eu sei nadar…

E conseguiu quadrupedar-se, depois verticou-se, disposto a prosseguir pelo espaço o seu peso corporal. Daí, deu contra um poste. Pediu-lhe: – Pode largar meu braço, Guarda, que eu fico em pé sozinho… Com susto, recuou, avançou de novo, e idem, ibidem, itidem, chocou-se; e ibibibidem. Foi às lágrimas: – Meu Deus, estou perdido numa floresta impenetrável!

E, chorando, deu-lhe a amável nostalgia. Olhou com ternura o chapéu, restado no chão: – Se não me abaixo, não te levanto. Se me abaixo, não me levanto. Temos de nos separar, aqui…

E, quando foi capaz de mais, e aí que o interpelaram: – Estou esperando o bonde… – explicou. – Não tem mais bonde, a esta hora. E: – Então, por que é que os trilhos estão aí no chão?

E deteve mais um passante e perguntou-lhe a hora. Daí: – Não entendo… – ingrato resmungou. – Recebo respostas diferentes, o dia inteiro.

E não menos deteve-o um polícia: – Você está bebaço borracho! – Estou não estou… – Então, ande reto nesta linha do chão. – Em qual das duas?

E foi de ziguezague, veio de ziguezague. viram-no, à entrada de um edifício, todo curvabundo, tentabundo. – Como é que o senhor quer abrir a porta com um charuto? – É… Então, acho que fumei a chave…

E, hora depois, peru-de-fim-de-ano, pairava ali, chave no ar, na mão, constando-se de tranquilo terremoto. – Eu? Estou esperando a vez da minha casa passar, para poder abrir… Meteram-no a dentro.

E, forçando a porta do velho elevador, sem notar que a cabine se achava parada lá por cima, caiu no poço. Nada quebrou. Porém: – Raio de ascensorista! Tenho a certeza que disse: – Segundo andar!

E, desistindo do elevador, embrigatinhava escada acima. Pôde entrar no apartamento. A mulher esperava-o de rolo na mão. – Ah, querida! Fazendo uns pasteizinhos para mim? – o Chico se comoveu.

E, caindo em si e vendo mulher nenhuma, lembrou-se que era solteiro, e de que aquilo seriam apenas reminiscências de uma antiquíssima anedota. Chegou ao quarto. Quis despir-se, diante do espelho do armário: – Que?! Um homem aqui, nu pela metade? Sai, ou te massacro!

E, avançando contra o armário, e vendo o outro arremeter também ao seu encontro, assetou-lhe uma sapatada, que rebentou com o espelho nos mil pedaços de praxe. – Desculpe, meu velho. Também, quem mandou você não tirar os óculos? – o Chico se arrependeu.

E, com isso, lançou; tumbou-se pronto na cama; e desapareceu de si mesmo.

Do livro “Tutaméia (Terceiras Estórias)”, 8.ed, Nova Fronteira, 1985. p. 115-118

Tim-tim!

E eis que ontem, após longas e tenebrosas chuvas, finalmente foi inaugurado o Bar Copacabana, mais um empreendimento do advogado, paizão, visionário, enfartado, meio louco e amigo de todas as horas, Lelis Tursi. Fica em Jacareí, bem ao lado da Faculdade Anhanguera, na Rua Pará, 334, Vila Pinheirinho. Cervejas bem geladas, cachaças das boas e porções no prato são apenas alguns dos itens que integram o ambiente aconchegante e pra lá de hospitaleiro desse novo ponto de encontro da região. E não, não estou ganhando absolutamente nada por essa indicação… ;)

Posso afirmar com certeza absoluta que a inauguração se deu exatamente às 18:32, eis que eu e o copoanheiro Bicarato fizemos o primeiro brinde nas dependências do bar…

Aliás, o Bica acabou de elevar o termo “antenado” a um novo patamar. Isso porque, apesar de madrugador, eu não fui o primeiro a escrever sobre o assunto. Ele próprio o fez, ainda ontem, via iPhone, direto da mesa do bar (vejam aqui) com um sinal wi-fi “emprestado” das redondezas…

Eis algumas fotos lá do bar:


Um belo logotipo!


Decoração interna bem ao estilo da praia.


Os inauguradores – mas faltou um de Los Três Amigos…


Uma foto externa antes do movimento (sim, o Opala é meu).


Todo mundo doido na cozinha para dar conta do atendimento.


Galera do bem, logo ali da faculdade.


Não sei quem são – mas deram “figurantes” de primeira!


Lelis e a Dona Patroa (dele).

Xadrez etílico

E aumentando a variedade dos tipos de tabuleiros e peças que podem deixar jogos de xadrez ainda mais interessantes, como eu já havia mostrado antes, segue agora o “xadrez etílico”. Não é necessariamente original, pois lembro-me bem de ter visto um tabuleiro bem similar – mas, no caso, de damas – num dos episódios de M.A.S.H. – A sátira da guerra (não, não sou velho, sou “clássico”).

Atestado etílico

Outro dia (ou melhor, noite) estava eu num boteco’s bar (tá bem, não era tããão boteco assim) quando, no banheiro, vi um cartaz com algo mais ou menos assim escrito: “caso precise de atestado, fale com seu garçom”.

Aquilo me deixou curioso, mas deixei quieto. Só que o copoanheiro de plantão, o amigo Bica, também foi ao banheiro, também viu o cartaz, mas foi mais curioso que eu. Chamou o garçom. E me saíram com essa:

Legal.

Será que cola?…