Vida e morte citadina

Em casa temos um quintal relativamente grande – ao menos se comparado ao usual padrão que costuma ser encontrado por aí. Já o descrevi, com alguns detalhes, um bom tempo atrás.

E como lá existem muitas árvores frutíferas, a passarinhada costuma ferver. Pela manhã e logo ao entardecer fica que é uma beleza.

E, de quando em quando, também costuma aparecer algum passarinho morto. Da última vez foi um pardalzinho.

Preparávamo-nos para sair, quando o filhote do meio veio avisar:

– Paiê! Tem um passarinho morto lá no fundo!

Fui checar e encontrei o pobrezinho já estatelado, começando a ser consumido pelas formigas. O primeiro impulso foi de pegar uma pá e transferi-lo para o usual jazigo que as pessoas lhe dão num caso desses: a lata de lixo.

Mas, num relampejo, mudei de ideia. Falei pro filhote, que a esta altura já estava acompanhado do curioso caçula:

– Péraê!

Peguei uma dessas colheres de jardineiro (é esse mesmo o nome?), fui até a extremidade do quintal, logo após o gramado, e fiz um buraquinho fundo o suficiente para enterrá-lo. Recolhi o aquele corpinho, depositei-o na covinha improvisada e comecei a cuidadosamente ajeitar a terra sobre  ele.

– Paiê? Por que ele tá com esse cheiro ruim?

– É porque ele já está se decompondo, filho. Toda a carne é passageira. Uma casquinha que ficou vazia.

– Mas agora ele vai morar aí?

– Não é bem assim filho. Olha só. A gente não sabe o porquê, mas ele morreu. Não sei se de velhice, de doença, porque algum outro pássaro maior o atacou, simplesmente não sei. Mas ele morreu. O espírito dele foi descansar lá no Céu dos Passarinhos. O corpinho dele agora virou uma casquinha vazia, que vai se decompor e voltar pra natureza. Ao enterrá-lo ele vai acabar de se desmanchar, vai fazer parte da terra, adubando-a, e pode até ser que venha a ajudar a alimentar alguma sementinha, que pode virar uma árvore, que pode dar frutinhas, que vão servir para outros passarinhos comerem. É o ciclo da natureza. A morte é necessária para dar continuidade à vida.

Sei que parece um tanto quanto filosófico para uma criança de apenas cinco anos, mas garanto que ele entendeu (quase) tudo muito bem. Isso porque ao final ele ainda me perguntou:

– Mas pai, e se vier outro passarinho igualzinho ele pra comer essa frutinha?

– Ué? Qual o problema?

– Mas então o outro passarinho vai comer ele?

Brinquedos de Amyra

“Brinquedos de Amyra” é uma peça teatral da Companhia Teatral Repênoti. Tomei conhecimento dessa empreitada através da amiga Dani Peneluppi (e sem saber que já conhecia o Diego, um dos autores da peça).

Muito bom.

Apesar do enredo original, dá pra reconhecer umas pitadas de Toy Story, uma ou outra colher das estórias infantis clássicas, algumas gotas de humor circense (no estilo dos antigos Trapalhões), bem como um cheirinho de Monteiro Lobato. Coincidência ou não, isso não lhe diminui em absoluto o mérito.

Até porque foi plenamente aprovada pelos verdadeiros críticos teatrais (e é com estes que os artistas realmente devem se preocupar): as crianças.

Dava gosto de ver o Erik (5 anos) se esmerando para cantar as mesmas músicas, o Jean (3 anos) batendo palmas e pulando junto com os atores, e até mesmo o Kevin (8 anos) – que, pra variar, chegou emburrado – quebrou o próprio protocolo e deu diversas gargalhadas no decorrer da peça.

Estão todos de parabéns, em especial os atores – por saberem lidar tão bem com um público tão exigente como é essa criançada da era da Internet e dos videogames.

Só lamento que a divulgação maior (ao que aparenta) tenha sido apenas no boca-a-boca. A apresentação se deu aqui em São José dos Campos, num espaço cultural próximo de casa, ou seja, os artistas têm vindo onde o povo está. Mas, na minha opinião, tais peças deveriam ser amplamente divulgadas para que esse mesmo povo venha a ter conhecimento de sua existência. E esse povo (incluo-me nesta seara) usualmente está por demais atarefado trabalhando, pagando contas, correndo com seu dia a dia e sequer vem a saber que, ali do lado, tem uma atividade cultural de primeira para comparecer e levar seus filhotes.

E existiriam inúmeros meios para essa ampla divulgação. Quer seja pelos usuais veículos de comunicação, quer seja através dos “jornaizinhos” que o Poder Público faz circular pela cidade. Basta que este queira fazê-lo…

Capacidade (k)

– Paiê?

– Oi, filho.

– Você sabe o que significa “capás” no dicionário, mas não com a letra Z?

– Ué? Não seria então “capas”, sem esse acento aí no final? Capas seria o plural de capa, como, por exemplo, a capa da revista do Batman, ou então uma capa para cobrir o carro, ou capa de chuva. Sei lá, filho. Pode ser um montão de coisas.

– Nada disso pai! Capás é uma letra do alfabeto grego!

– …

Detalhe: o amigo e copoanheiro Bica presenciou essa trucada. Acho que deve estar rindo até agora…

Prestatividade

Ultimamente o filho nº 2, vulgo Erik, o do meio, tem sido pra lá de prestativo. Por exemplo: todos os dias, após tomar o café da manhã, ele já vai até o banheiro e prepara as escovas de todos, não só a dele, como também a de seus irmãos e, inclusive, a minha própria.

Conclusão?

Não aguento mais escovar os dentes com creme dental sabor tutti-frutti…