Habeas Pinho

Torcicolo!

Nestes últimos dias por mais de uma vez estive tentado a sentar frente ao computador e colocar em palavras os devaneios de minh’alma. Mas não o fiz. E, sinceramente, perdi aquele momento de inspiração. Eu pretendia falar sobre muitas coisas, desde a riqueza e maravilha do mero SILÊNCIO em um ambiente (certo, Paulo?), passando pelo último filme de Harry Potter (muito bom, como sempre), mais alguns detalhes das obras de marcenaria que me custaram um ombro são (ainda tá doendo), e, talvez, concluindo com a demagógica visita de representante do Tribunal de Justiça para inauguração das novas Varas de Família de São José dos Campos (que sequer estão em condições de atender ao público).

Mas ainda voltarei a falar com detalhes desses assuntos.

Para não passar em branco, eis uma mensagem que recebi na forma de arquivo de powerpoint, enviada por Eloy Franco, com um soberbo fundo musical de Dilermano Reis (Abismo de Rosas):

Em 1955 em Campina Grande, na Paraíba, um grupo de boêmios fazia serenata numa madrugada do mês de junho, quando chegou a polícia e apreendeu o violão.

Decepcionado, o grupo recorreu aos serviços do advogado Ronaldo Cunha Lima, então recentemente saído da Faculdade e que também apreciava uma boa seresta. Ele peticionou em Juízo, para que fosse liberado o violão.

Aquele pedido ficou conhecido como “Habeas Pinho” e enfeita as paredes de escritórios de muitos advogados e bares de praias no Nordeste.

Mais tarde, Ronaldo Cunha Lima foi eleito Deputado Estadual, Prefeito de Campina Grande, Senador da República, Governador do Estado e Deputado Federal.

Eis a famosa petição:

HABEAS PINHO

Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da 2ª Vara desta Comarca:

O instrumento do crime que se arrola
Neste processo de contravenção
Não é faca, revólver nem pistola.
É simplesmente, doutor, um violão.

Um violão, doutor, que na verdade
Não matou nem feriu um cidadão.
Feriu, sim, a sensibilidade
De quem o ouviu vibrar na solidão.

O violão é sempre uma ternura,
Instrumento de amor e de saudade.
Ao crime ele nunca se mistura.
Inexiste entre eles afinidade.

O violão é próprio dos cantores,
Dos menestréis de alma enternecida
Que cantam as mágoas e que povoam a vida
Sufocando suas próprias dores.

O violão é música e é canção,
É sentimento de vida e alegria,
É pureza e néctar que extasia,
É adorno espiritual do coração.

Seu viver, como o nosso, é transitório,
Porém seu destino se perpetua.
Ele nasceu para cantar na rua
E não para ser arquivo de Cartório.

Mande soltá-lo pelo Amor da noite
Que se sente vazia em suas horas,
Para que volte a sentir o terno açoite
De suas cordas leves e sonoras.

Libere o violão, Dr. Juiz,
Em nome da Justiça e do Direito.
É crime, porventura, o infeliz,
cantar as mágoas que lhe enchem o peito?

Será crime, e afinal, será pecado,
Será delito de tão vis horrores,
perambular na rua um desgraçado
derramando na rua as suas dôres?

É o apelo que aqui lhe dirigimos,
Na certeza do seu acolhimento.
Juntando esta petição aos autos nós pedimos
e pedimos também DEFERIMENTO.

Ronaldo Cunha Lima, advogado.

O juiz Arthur Moura sem perder o ponto deu a sentença no mesmo tom:

Para que eu não carregue
Muito remorso no coração,
Determino que seja entregue,
Ao seu dono, o malfadado violão!

Tirinha do dia:
Desventuras de Hugo...

Mais dois causos

Uma preguiça do tamanho do MUNDO…

Mais alguns “causos” interessantes de doutores adEvogados de direito jurídico…

E diz que o advogado estava na sala do juiz, sozinho, esperando o meritíssimo voltar. Entra um outro advogado, com um processo na mão.

– Bom dia, doutor.

– Bom dia…

– Escuta, o senhor não acha que esse caso, segundo essa ótica, de acordo com as minhas argumentações, deveria ter uma solução distinta?

– Hmmm (lendo)… Sim, sim, o senhor está coberto de razão!

– Que bom que pense assim! O senhor poderia despachar no processo, então?

– Claro, claro.

Puxou o processo e deu um despacho minucioso acerca do caso.

– Obrigado excelência, muito obrigado. Vou indo para o cartório então.

– Não por isso. Só mais uma coisinha doutor.

– Pois não, excelência?

– Eu não sou o juiz não. Sou advogado, tanto quanto o senhor…

Sinceramente não sei qual foi a reação do advogado.

Noutra oportunidade, esse mesmo advogado – já famoso por suas gozações – chegou numa sala de audiência onde estava uma escrevente de sala nova. Ela ainda não conhecia o juiz. Aproveitando a situação, o danado senta-se de frente para ela, puxa um processo crime e lhe diz:

– Vamos lá! Vou lhe ditar uma sentença.

E a menina, toda solícita, começou a digitar a malfadada sentença, sendo que ele enveredou pelas teses mais absurdas jamais sequer cogitadas no mundo jurídico. Estava já ao final da sentença, quando chega o verdadeiro juiz, se posta entre ambos e fica observando, com um mal disfarçado sorriso no canto da boca.

– … e assim, ante as provas constantes dos autos, condeno o réu ao ENFORCAMENTO em praça pública, a ser realizado ao meio-dia do dia tal, na presença de testemunhas e autoridades de direito, nos termos da Lei. Publique-se, registre-se, intime-se.

Os olhos da escrevente já estavam DESTE TAMANHO, mas não perdeu uma vírgula da sentença. Nisso, o juiz falou:

– Mas o doutor não acha que está carregando muito na sentença, não?

Ao que ele se voltou para o juiz, sorrindo, mas com o dedo em riste:

– Ah não, não, não. Ele merece… Aliás, se o doutor não estiver contente, que apele!

Tirinha do dia:
Desventuras de Hugo...

Dois causos

MUITO quente!

Só pra não passar em branco o dia de hoje, mais duas historinhas (com “H” mesmo) da hora do almoço.

Um certo advogado foi contratado para fazer a defesa em um crime de assassinato. A vítima fôra esfaqueada pelas costas. TREZE vezes.

A teste defendida: “Legítima defesa”.

“Como assim, doutor??? Cumpre lhe lembrar que foram TREZE facadas. Ainda que fosse legítima defesa, como se justificariam os demais golpes?”

“Simples” – ele disse. “O meu cliente sofre do mal de Parkinson.”

Outra:

A vítima levou uma surra e, como golpe final, ao cair de costas no chão, o assassino esmagou sua cabeça com um paralelepípedo (ARGH!).

A tese defendida: “Meu cliente é inocente. Acontece que a vítima já morreu ANTES do golpe final. De susto.”

O juiz, num lampejo de misericórdia, convocou o dito advogado para que trocasse a defesa antes que ele a avaliasse “oficialmente”. Ao que sei, ele trocou…

Tirinha do dia:
Desventuras de Hugo...

Maldades…

Histórias da hora do almoço… Conversando hoje com uma funcionária do Cartório Eleitoral ela nos contou acerca das urnas que chegaram para o referendo sobre a comercialização de armas. E, junto com as urnas, os manuais de operação e o pessoal técnico.

Mas… Havia um estagiário no meio do caminho; no meio do caminho havia um estagiário…

Avisaram o rapaz que, como ele era novo no serviço, teria uma “provinha” a ser feita sobre o manual da urna. “Tudo bem”, ele comentou com os amigos, “quando chegar a hora eu puxo o manual e dou uma colada básica!”

Ao saber disso essa funcionária simplesmente chegou pra ele, com aquela cara de casualidade mais normal do mundo e disse: “Olha, a gente tinha marcado sua prova pra sexta, mas o juiz não vai estar aí. Então vamos fazer o seguinte: fica pra segunda-feira que com certeza o doutor estará no cartório. É até bom, pois daí você vai ter o final de semana pra estudar, né?”

O rapaz ficou verde.

Antes do final do dia ele voltou pra perguntar se tinha que vir vestido “socialmente”. Disseram-lhe que um esporte fino já estava bom.

Correrias normais de um cartório e esqueceram o caso. Já na terça alguém lembrou: “E aí? Foi fazer a prova”, ao que o rapaz respondeu, num cochicho: “Fica quieto, acho que esqueceram…”

Heh… Pequenas maldades. Nada como isso pra alegrar o dia…

Senhor Doutor Você Juiz

Placar atual: Família 5 x Virose 4

Dando sequência às “sentenças curiosas” já publicadas aqui, e graças ao Paulo (aquele, o pai do César e do Daniel), nosso correspondente extraordinário, segue mais um texto interessante. Reparem como o juiz sentenciante “pisa em ovos” no decorrer da sentença…

Lembram-se do Juiz de Niterói que entrou na Justiça contra o condomínio onde morava, apenas e tão-somente pelo fato de ser tratado por “você”?

Saiu a sentença!

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO COMARCA DE NITERÓI

NONA VARA CÍVEL Processo n 2005.002.003424-4

S E N T E N Ç A

Cuidam-se os autos de ação de obrigação de fazer manejada por ANTONIO MARREIROS DA SILVA MELO NETO contra o CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO PLAZA VILLAGE e JEANETTE GRANATO, alegando o autor fatos precedentes ocorridos no interior do prédio que o levaram a pedir que fosse tratado formalmente de “senhor”. Disse o requerente que sofreu danos, e que esperava a procedência do pedido inicial para dar a ele autor e suas visitas o tratamento de “Doutor”, “senhor” “Doutora”, “senhora”, sob pena de multa diária a ser fixada judicialmente, bem como requereu a condenação dos réus em dano moral não inferior a 100 salários mínimos.

Instruem a inicial os documentos de fls. 8/28.

O pedido de tutela antecipada foi indeferido às fls. 33. Interposto Agravo de Instrumento, foram prestadas as informações de fls. 52. às fls. 57 requereu o autor que emanasse ordem judicial para que os réus se abstenham de fazer referência acerca do processo, sobrevindo a decisão de fls. 63 que acolheu tal pretensão.

O condomínio se manifestou ás fls. 69/98, e ofertou cópia do recurso de agravo de instrumento de fls. 100, cujo acórdão encontra-se às fls. 125.

Contestação do condomínio às fls. 146 e da segunda ré de fls. 247, ambos requerendo a improcedência do pedido inicial. Seguiu-se a réplica de fls. 275.

Por força de decisão proferida no incidente de exceção de incompetência, verificou-se a declinação de competência, com remessa dos autos da Comarca de São Gonçalo para esta Comarca de Niterói.

Em decorrência do despacho de fls. 303v, as partes ofertaram seus respectivos memoriais, no aguardo desta sentença.

É O RELATÓRIO.

DECIDO.

“O problema do fundamento de um direito apresenta-se diferentemente conforme se trate de buscar o fundamento de um direito que se tem ou de um direito que se gostaria de ter.” (Noberto Bobbio, in “A Era dos Direitos”, Editora Campus, pg. 15).

Trata-se o autor de Juiz digno, merecendo todo o respeito deste sentenciante e de todas as demais pessoas da sociedade, não se justificando tamanha publicidade que tomou este processo. Agiu o requerente como jurisdicionado, na crença de seu direito. Plausível sua conduta, na medida em que atribuiu ao Estado a solução do conflito. Não deseja o ilustre Juiz tola bajulice, nem esta ação pode ter conotação de incompreensível futilidade. O cerne do inconformismo é de cunho eminentemente subjetivo, e ninguém, a não ser o próprio autor, sente tal dor, e este sentenciante bem compreende o que tanto incomoda o probo Requerente.

Está claro que não quer, nem nunca quis o autor, impor medo de autoridade, ou que lhe dediquem cumprimento laudatório, posto que ser homem de notada grandeza e virtude.

Entretanto, entendo que não lhe assiste razão jurídica na pretensão deduzida. “Doutor” não é forma de tratamento, e sim título acadêmico utilizado apenas quando se apresenta tese a uma banca e esta a julga merecedora de um doutoramento. Emprega-se apenas para pessoas que tenham tal grau, e mesmo assim no meio universitário. Constitui-se mera tradição referir-se a outras pessoas de “doutor”, sem o ser, e fora do meio acadêmico. Daí a expressão doutor honoris causa – para a honra -, que se trata de título conferido por uma universidade à guisa de homenagem a determinada pessoa, sem submetê-la a exame. Por outro lado, vale lembrar que “professor” e “mestre” são títulos exclusivos dos que se dedicam ao magistrado, após concluído o curso de mestrado.

Embora a expressão “senhor” confira a desejada formalidade nas comunicações – pronome -, e possa até o autor aspirar distanciamento em relação a qualquer pessoa, afastando intimidades, não existe regra legal que imponha obrigação ao empregado do condomínio a ele assim se referir. O empregado que se refere ao autor por “você”, pode estar sendo cortês, posto que “você” não é pronome depreciativo. Isso é formalidade, decorrente do estilo de fala, sem quebra de hierarquia ou incidência de insubordinação. Fala-se segundo sua classe social. O brasileiro tem tendência na variedade coloquial relaxada, em especial a classe “semi-culta”, que sequer se importa com isso.

Na verdade “você” é variante – contração da alocução – do tratamento respeitoso “Vossa Mercê”. A professora de linguística Eliana Pitombo Teixeira ensina que os textos literários que apresentam altas frequências do pronome “você”, devem ser classificados como formais. Em qualquer lugar desse país, é usual as pessoas serem chamadas de “seu” ou “dona”, e isso é tratamento formal.

Em recente pesquisa universitária, constatou-se que o simples uso do nome da pessoa substitui o senhor/ a senhora e você quando usados como prenome, isso porque soa como pejorativo tratamento diferente.

Na edição promovida por Jorge Amado “Crônica de Viver Baiano Seiscentista”, nos poemas de Gregório de Matos, destacou o escritor que Márcio Tati anotara que “você” é tratamento cerimonioso. (Rio de Janeiro/São Paulo, Record, 1999). Urge ressaltar que tratamento cerimonioso é reservado a círculos fechados da diplomacia, clero, governo, judiciário e meio acadêmico, como já se disse. A própria Presidência da República fez publicar Manual de Redação instituindo o protocolo interno entre os demais Poderes. Mas na relação social não é ritual litúrgico a ser obedecido. Por isso que se diz que a alternância de “você” e “senhor” traduz-se numa questão sociolinguística, de difícil equação num país como o Brasil de várias influências regionais.

Ao Judiciário não compete decidir sobre a relação de educação, etiqueta, cortesia ou coisas do gênero, a ser estabelecida entre o empregado do condomínio e o condômino, posto que isso não é tema interna corpore daquela própria comunidade.

Isto posto, por estar convicto de que inexiste direito a ser agasalhado, mesmo que lamentando o incômodo pessoal experimentado pelo ilustre autor, julgo improcedente o pedido inicial, condenando o postulante no pagamento de custas e honorários de 10% sobre o valor da causa. P.R.I.

Niterói, 2 de maio de 2005.

Tirinha do dia:
Desventuras de Hugo...

Fogueira Santa gera indenização

Alguém já andou de moto com calça social no frio?

Olha só o que saiu no jornal local de hoje. Uma certa Igreja Universal do Reino de Deus de São José dos Campos – não vamos citar nomes pra não ficar chato – fez entre seus fiéis uma campanha de arrecadação denominada “Fogueira Santa”, onde um deles “doou” um cheque pré-datado de R$1.000,00 – é, MILÃO – tendo pedido que o segurasse até a venda de uma moto.

Bem, a moto não foi vendida, e o cheque – de cunho “caridoso”, diga-se de passagem – acabou sendo devolvido. E REAPRESENTADO! Conclusão: o nome do fiel não só foi para o cadastro de emitentes de cheques sem fundo, como também agora figura como titular em uma ação de indenização por danos morais face à empresa, digo, igreja. Valor? R$100.000,00!

Gente, vou deixar os comentários jurídicos totalmente de lado. Sequer vou entrar nos comentários teológicos. No nível da moral, então, nem vou falar. Capacidade de cognição do indivíduo? Deixa pra lá!

Cada um que chegue a suas próprias conclusões.

PS: Os quadrinhos que integram esta página são ordenados numericamente, e eu nunca sei previamente qual é que irá ao ar, senão quando da conclusão do texto. Segundo uma amiga minha, coincidências não existem…

Tirinha do dia:
Deus!

Sucinto, eu?

Quinta confusa…

Apesar de ter MUITOS assuntos para abordar (gente, esse meu trabalho tá pegando fogo!), hoje vou me limitar a transcrever mais uma de advogado, que recebi há uns dias da Psôra Edna:

Um professor perguntou a um dos seus alunos do curso de Direito:

– Se você quiser dar uma laranja a uma pessoa chamada Epaminondas, o que deverá dizer?

O estudante respondeu:

– Aqui está, Epaminondas, uma laranja para você.

O professor gritou, furioso:

– Não! Não! Pense como um Profissional do Direito!

O estudante respondeu:

– Ok, então eu diria: Eu, por meio desta dou e concedo a você, Epaminondas de tal, CPF e RG nºs., e somente a você, a propriedade plena e exclusiva, inclusive benefícios futuros, direitos, reivindicações e outras vindicações, títulos, obrigações e vantagens no que concerne à fruta denominada laranja em questão, juntamente com sua casca, sumo, polpa e sementes transferindo-lhe todos os direitos e vantagens necessários para espremer, morder, cortar, congelar, triturar, descascar com a utilização de quaisquer objetos e de outra forma comer, tomar ou de qualquer forma ingerir a referida laranja, ou cedê-la com ou sem casca, sumo, polpa ou sementes, e qualquer decisão contrária, passada ou futura, em qualquer petição, ou petições, ou em instrumentos de qualquer natureza ou tipo, fica assim sem nenhum efeito no mundo cítrico e jurídico, valendo este ato entre as partes, seus herdeiros e sucessores, em caráter irrevogável e irretratável, declarando que o aceita em todos os seus termos e conhece perfeitamente o sabor da laranja, não se aplicando ao caso o disposto no Código do Consumidor.

E o professor então comenta:

– Melhorou bastante, mas não seja tão sucinto.

Tirinha do dia:
Deus!