Incapacidade jurídica

Há pouco tempo rolou um proseio com amigos acerca da falta de capacidade de uma boa parcela dos advogados hoje em dia. Tanto os velhos de guerra quanto os recém-formados (basta ver a taxa de reprovação do último exame da Ordem em São Paulo – mais de 80%).

Confiram algumas pérolas recentes relativas a indeferimento da Inicial num Fórum:

  • ação de reconhecimento de paternidade consensual;
  • pedido de alvará para declaração de herdeiros;
  • ação de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato (sem declinar o nome do réu).

 
Isso sem falar nas inúmeras ações que simplesmente não possuem o valor da causa ou, ainda, aquelas que após descrever tudo, tudo, tudo, não pedem a citação da parte contrária.

A boa notícia é que isso prova que não é preciso necessariamente ser o melhor, basta saber o que faz – pois tem muita gente ruim no mercado…

Questão de ordem!

E estava nosso herói, Alegado, o adEvogado, em uma audiência tumultuada, quando a promotora vira-se para ele e fala: “Doutor, o senhor é tão irritante que, se fosse sua mulher, colocaria veneno no seu café”. O advogado, não menos irritado, responde: “Ora, excelência, se EU fosse seu marido, tomaria com prazer tal café…”

* Existem diversas histórias que permeiam os corredores dos fóruns da vida, que já aconteceram comigo, com você e com todo mundo, mas que seriam impublicáveis se conhecida a autoria. Pensando nisso criei o “Dr. Alegado”  – um personagem que possibilita compartilhar tais histórias – todas verídicas!

“in dubio pro reo”

Uma das presenças constantes na vida de um advogado em começo de carreira são os “clientes” da PGE – Procuradoria Geral do Estado – também carinhosamente conhecidos como “Jóta-Gê”, ou seja, Justiça Gratuita. Tratam-se de pessoas que necessitam da presença de um advogado – porque são demandantes ou demandadas em juízo – mas cujos rendimentos são tão baixos que o próprio Estado se incumbe de constituir um representante legal para eles.

Os advogados interessados se inscrevem numa listagem e, na medida em que os futuros clientes passam por uma prévia triagem, são encaminhados para esses defensores. Nenhum dos dois se conhece até o momento em que esse cliente entra no escritório do advogado munido de sua carta de encaminhamento. Após o final da demanda judicial o cartório envolvido emite uma certidão assinada pelo juiz de direito atestando que o advogado fulano de tal cumpriu com as tarefas para as quais foi nomeado. Essa certidão é apresentada para o Estado, o qual (normalmente depois de loooooooongo e tenebroso inverno) deposita os honorários advocatícios numa conta-corrente específica para isso. É LÓGICO que a tabela do Estado não tem NADA a ver com a tabela da OAB, estando bem aquém desta…

Ainda assim são muitos os advogados que se inscrevem. Inclusive como ocorreu com o nosso amigo, Alegado

Foi dessa maneira que ele se viu defendendo um sujeito contra o qual a mulher ajuizou ação de separação. Em tese seria uma audiência simples, um pouco de lavagem de roupa suja – como de praxe -, algum acordo e pronto. A audiência transcorreu conforme o esperado e, após a assinatura do termo pelas partes, pouco antes de sair, eis que, remexendo em seus papéis e um tanto quanto distraída, a juíza diz:

– Senhor Fulano, espere apenas mais um momento… Parece que temos também aqui uma ação de execução de alimentos correndo em outro cartório na qual o senhor ainda não foi citado e recebi o processo aqui para que se procedesse a dita citação em audiência… Deixe-me ver…

Mais tarde Alegado viria a saber que aquela senhorinha da separação havia ajuizado DUAS ações contra o tal do Fulano. Por se tratar de justiça gratuita, foram nomeados dois advogados distintos e as ações foram distribuídas em dois cartórios distintos. Entretanto, na de execução de alimentos, simplesmente não conseguiam citar seu cliente e quando descobriram que estava marcada uma audiência de separação… bem, num sinal de perspicácia da advogada dessa outra ação, foi só questão de requerer a citação em audiência.

Mas naquele momento, naquele átimo em que as últimas palavras da juíza ainda reverberavam pela sala de audiência, ante a lividez de seu cliente, e num estágio de pleno curto circuito cerebral, tudo que Alegado conseguiu lhe dizer foi o seguinte:

– Se você tem pernas, corre!

E lá se foi o Fulano porta afora…

Já disse antes que a sorte de Alegado anda de braços dados com o desastre iminente. Bem, nesse caso, foi pura estupidez mesmo. Todos os demais presentes na sala encararam Alegado com ar estupefato. Não era crível que alguém, em sã consciência, desse um “conselho” daquele tipo. Ainda mais NA FRENTE da juíza.

E esta, numa cena digna da fúria do mago Gandhalf em Senhor dos Anéis, colocou as mãos sobre a mesa, levantou-se, o olhar em chamas, e do alto de seus quatro metros de altura vociferou:

– O SENHOR FICOU LOUCO?!!! ACHA MESMO QUE ISSO VAI IMPEDIR A CITAÇÃO DO FULANO?!!! POIS SAIBA QUE NÃO SÓ VOU DÁ-LO COMO CITADO COMO AINDA VOU REPRESENTAR VOSSA SENHORIA NA ORDEM DOS ADVOGADOS!!!!!

Tudo que restou a Alegado foi desvanecer da sala de audiência, sentindo-se sem uma gota sequer de sangue no corpo. Ainda tentou, mais tarde, verificar com a advogada da ação de execução de alimentos o que exatamente a juíza teria certificado nos autos daquele processo (pois algumas ações de família correm em segredo de justiça), mas a única resposta que obteve – com uma certa satisfação dessa advogada, diga-se de passagem – foi:

– Faz o seguinte, doutor: o senhor junta uma procuração nesse processo e daí o senhor vai poder não só ver o que quiser como também peticionar se achar necessário…

Bem, no mundo real, um advogado que tivesse cometido tal sandice certamente seria representado na Ordem, com o sério risco de ter sua carteira cassada, nem que tivesse mais de treze anos de profissão. Mas como esse é o mundo do Alegado, o AdEvogado, e como ele ainda deverá passar por muita coisa por aqui, basta dizer que não foi desta vez que ele deu com os burros n’água.

Mas certamente não foi a última gafe que cometeu…

* Existem diversas histórias que permeiam os corredores dos fóruns da vida, que já aconteceram comigo, com você e com todo mundo, mas que seriam impublicáveis se conhecida a autoria. Pensando nisso criei o “Dr. Alegado”  – um personagem que possibilita compartilhar tais histórias – todas verídicas!

Alegado, o AdEvogado

Seu curioso nome foi fruto de uma feliz experiência de vida de seu pai. Tendo trabalhado por muitos e muitos anos em uma oficina mecânica de caminhões, ligada a uma transportadora, eis que numa bela manhã de sol viu-se desempregado. Apesar de já beirar os quarenta, sua mulher estava grávida pra valer pela primeira vez. Digo “pra valer” porque ela já havia tido complicações em duas gestações anteriores e dessa vez tudo corria bem.

Talvez tenha sido por isso, ou pela falta de perspectivas naquele momento em um Brasil vivenciando a plena ditadura, que se encheu de coragem para ajuizar uma reclamação trabalhista contra seus ex-patrões. Por certo gostava deles – afinal tinham lhe dado emprego quando sequer conhecia direito o ofício – mas, enfim, precisava sobreviver.

Após alguns meses de demanda, com seu filho prestes a nascer, eis que chegou o dia da audiência. E seus ex-patrões simplesmente não compareceram! Maravilhado com o que mais tarde descobriu chamar-se revelia, ouviu a sentença que foi dada ali, na hora, ditada em voz alta pelo magistrado – mas que guardou na memória tão-somente a parte final: “Assim, em face do alegado, dou ganha de causa ao senhor…”

Estava estupefato!

Seu advogado havia lhe dito que tudo aquilo poderia demorar anos – mas não! Tudo havia dado certo! Ligou para seu vizinho para poder compartilhar sua felicidade com a esposa, mas recebeu a notícia de que ela não estava lá. A hora havia chegado e sua sogra a tinha levado para o hospital.

Pegou o ônibus e dirigiu-se o mais rápido que pôde para maternidade. Aquelas palavras da sentença martelando em sua cabeça. Ao chegar, seu menino, seu herdeiro, acabara de nascer. Era um bom sinal. Tudo aquilo era um bom agouro. Naquele momento decidiu que seu nome deveria refletir a face de sua felicidade. A face de sua sorte. A face do Alegado.

Seu pai soube trabalhar bem com o dinheiro que havia recebido, além de ter arranjado um novo emprego logo em seguida, o que garantiu à família uma boa vida de classe média (quando esta ainda existia).

E Alegado cresceu. E tornou-se adulto. Possuía um tipo comum para quem é do Estado de São Paulo: era mais alto que baixo, mais magro que gordo, mais claro que escuro, com o cabelo mais pra liso que pra cacheado. E, por inúmeros motivos, formou-se advogado.

Sua estrela talvez não fosse tão brilhante quanto a de seu pai, mas é certo que se esforçava. A sorte sempre o acompanhou, mas de braços dados com o desastre iminente. Sua carreira traduz-se numa série de momentos tragicômicos: alguns resultando em vitórias e outros em fracassos – mas sempre gerando algum causo pra ser contado às futuras gerações.

A passagem a seguir ocorreu numa audiência em São Sebastião, litoral paulista. Lá pr’aquelas bandas a predominância é de dois tipos de ações judiciais: investigação de paternidade e reintegração de posse (pela proximidade com o porto e pela grilagem de terras).

Num dia que fazia um calor causticante, aguardando o início da audiência, e tentando demonstrar sua boa vontade, Alegado puxou conversa com os advogados da outra parte. Eis que passam duas moçoilas, bronzeadíssimas, pernas de fora, bustiê, exalando hormônios…

– Êita, que abriram a porta da zona no meio da tarde! – Foi o comentário de Alegado. Os outros advogados só esboçaram um sorriso, piscando entre si. Ainda assim Alegado continuou sua preleção sobre as beldades que passaram.

Minutos depois, no horário marcado, eis que todos são chamados à sala de audiência. E Alegado sentiu o sangue esvair-se do corpo. Deu de cara com as “meninas”: juíza e escrevente, respectivamente…

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Pois bem. Vocês acabaram de conhecer a gênese de “Alegado, o AdEvogado”. Como diria Richard Bach, trata-se de uma forminha de pensamento que criei para poder expressar melhor algumas idéias. Existem diversas histórias que permeiam os corredores dos fóruns da vida e que seriam impublicáveis se conhecida a autoria. Através do Alegado, de quando em quando vou compartilhar tais histórias por aqui. Muitos talvez se recordem que já publiquei alguns desses causos antes, mas – oras bolas – precisava dar um passado ao nosso personagem!…

Ponto pro estagiário!

Bem no meio de uma das inúmeras crises de estresse diário pelo qual eu e minha subprocuradora passamos, o estagiário pergunta:

– Posso sair pra tomar um lanche? Se quiserem que eu traga alguma coisa é só falar…

– Uma Coca Diet – ela brincou.

– Uma cachaça – eu completei.

– Brincadeira. Não precisa de nada, não.

– Calma gente – disse o menino – não fiquem nervosos. Se quiserem, então, eu trago uma cuba libre…

Heh… Esse garoto vai longe…

Pra completar ele ainda mandou um e-mail com doze pérolas jurídicas, o qual transcrevo abaixo (essas eu não conhecia):

1. Dama de muitos leitos

“Nunca se disse que a mãe requerente era uma donzela ingênua, mocinha nova, debutante. Mas também pintar como querem os suplicados, achando que ela ‘dava mais do que xuxu na serra’, isso é uma grande inverdade.”

Da peça de alegações finais, numa ação de investigação de paternidade, julgada procedente no TJ-SC.

2. Escapadelas perdoadas

“Nesses anos todos de união estável, não houve traição praticada pelo réu, nem novos romances que ele tivesse mantido a ponto de desnaturar a relação de marido e mulher, que mantinha com a autora. Foram apenas frugais escapadelas, ‘namoricos’ inconsequentes – que seguramente jamais desbordaram em relacionamento sexual”.

De uma réplica, em ação de dissolução de sociedade de fato, em Montenegro – RS.

3. Barbear em local não-recomendado

“Informamos que o aparelho trabalha com lâminas que cortam bem rente à pele. O saco escrotal possui uma pele bem fina e sensível, além de ser bem enrugado também, e por este motivo o consumidor alegadamente sentiu ardência, e teve pequenos cortes. Recomendamos que o aparelho seja usado apenas para o barbear da face, a fim de evitar o risco de resultados não desejados”.

Teor de documento que instrui contestação em ação indenizatória no 1º JEC de Porto Alegre.

4. Quadril flácido

“Consta que o delegado teria chamado a autora da ação, em duas oportunidades distintas, de ‘juíza bunda mole’, porque ela mandava soltar os infratores por ele detidos, além de insinuar que ela mantinha relações sexuais com ditas pessoas, usando a expressão que a magistrada ‘andava dando’ a eles”.

Trecho do voto do relator, em um acórdão de ação indenizatória contra o Estado do RS, na 5ª Câmara Cível do TJRS.

5. Massagens eróticas

“O cheque que é objeto dos embargos foi, mesmo, emitido pelo devedor e serviu como paga aos serviços profissionais de massagens prestados pela credora ao executado, várias vezes, ao longo do ano de 2001. De nada adianta ao devedor querer escusar-se imiscuindo assuntos de sexo, porque a cártula sustada é um título formal, perfeito, sobre a qual o emitente sequer questiona que sua assinatura seja a própria”.

De uma impugnação a embargos do devedor, na 7ª Vara Cível de Porto Alegre.

6. Senhor juiz, aperte o devedor !

“Pedimos então a V. Exª que entenda que a única maneira de se conseguir receber é apertar o reclamado contra a parede, pois o mesmo não tem palavra para cumprir qualquer tipo de acerto. Excelência faça pela melhor forma possível, porque não tenho mais condições de olhar a fisionomia do reclamado, por não ter mais confiança no mesmo.”

De uma petição na Vara do Trabalho, em Palmeira das Missões (RS)

7. Inseticida no rol de testemunhas

“Discordam do entendimento que cinge importante decisão recorrida em simples decisão interlocutória quando é sabido que a decisão desapontou a lei acenando a antecipação da sentença, no momento em que sucintamente em desrespeito aos atos processuais programático põe um pá de inseticida no rol das testemunhas oferecidas nos rigores da lei ao juízo da causa”.

De uma petição, reclamando contra o indeferimento da oitiva de testemunhas, na comarca de Criciuma-SC.

8. Falecimento sem certidão

“A inventariante deixa por ora de juntar a certidão de óbito de seu finado esposo, por não dispor dela no momento. Protesta pelo deferimento de prazo. Como comprovação junta foto do ‘de cujus’ dentro do caixão.”

De uma petição de abertura de inventário em Barreiras (BA).

9. Quem entender, é favor explicar…

“Diagnosticada a mazela, põe-se a querela a avocar o poliglotismo. A solvência, a nosso sentir, divorcia-se de qualquer iniciativa legiferante. Viceja na dialética meditabunda, ao inverso da almejada simplicidade teleológica, semiótica e sintática, a rabulegência tautológica, transfigurada em plurilingüismo ululante indecifrável”.

De uma petição judicial, transcrita no site da AMB, na campanha em prol da simplificação da linguagem jurídica.

10. Vontade de vomitar

“O firmatário ficou tomado de revolta e impotência ao ler a sentença. Dá vontade de partir para outra profissão e rasgar a carteira da OAB. O advogado patrono do recorrente se recusa a analisar item por item todos os acontecimentos deste feito, e principalmente dos depoimentos prestados pelas testemunhas do reclamado. Dá vontade de vomitar”.

De uma peça de razões de recurso ordinário, oriunda de Caxias do Sul, protocolada no TRT-4.

11. Tropa canina

“Certifico e dou fé que se torna impossível fazer a citação do réu porque o portão da fazenda encontra-se fechado a cadeados. Suspeitando que o réu se ocultasse, pulei a cerca, tendo que correr em retirada, porque alguém atiçou uma tropa de quatro ou cinco cachorros contra mim. Escapei por pouco”.

De uma certidão de oficial de Justiça, em São Gabriel-RS.

12. Réu escorregadio

“Deixei de citar o réu porque, apesar de o ter visto, inclusive tentando se esconder atrás do poste, constatei ser o mesmo muito escorregadio. Quando me aproximei, esgueirou-se no meio dos veículos estacionados nas proximidades e sumiu como que por encanto”.

De uma certidão de oficial de Justiça na comarca de Canoas.

Habeas Pinho

Torcicolo!

Nestes últimos dias por mais de uma vez estive tentado a sentar frente ao computador e colocar em palavras os devaneios de minh’alma. Mas não o fiz. E, sinceramente, perdi aquele momento de inspiração. Eu pretendia falar sobre muitas coisas, desde a riqueza e maravilha do mero SILÊNCIO em um ambiente (certo, Paulo?), passando pelo último filme de Harry Potter (muito bom, como sempre), mais alguns detalhes das obras de marcenaria que me custaram um ombro são (ainda tá doendo), e, talvez, concluindo com a demagógica visita de representante do Tribunal de Justiça para inauguração das novas Varas de Família de São José dos Campos (que sequer estão em condições de atender ao público).

Mas ainda voltarei a falar com detalhes desses assuntos.

Para não passar em branco, eis uma mensagem que recebi na forma de arquivo de powerpoint, enviada por Eloy Franco, com um soberbo fundo musical de Dilermano Reis (Abismo de Rosas):

Em 1955 em Campina Grande, na Paraíba, um grupo de boêmios fazia serenata numa madrugada do mês de junho, quando chegou a polícia e apreendeu o violão.

Decepcionado, o grupo recorreu aos serviços do advogado Ronaldo Cunha Lima, então recentemente saído da Faculdade e que também apreciava uma boa seresta. Ele peticionou em Juízo, para que fosse liberado o violão.

Aquele pedido ficou conhecido como “Habeas Pinho” e enfeita as paredes de escritórios de muitos advogados e bares de praias no Nordeste.

Mais tarde, Ronaldo Cunha Lima foi eleito Deputado Estadual, Prefeito de Campina Grande, Senador da República, Governador do Estado e Deputado Federal.

Eis a famosa petição:

HABEAS PINHO

Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da 2ª Vara desta Comarca:

O instrumento do crime que se arrola
Neste processo de contravenção
Não é faca, revólver nem pistola.
É simplesmente, doutor, um violão.

Um violão, doutor, que na verdade
Não matou nem feriu um cidadão.
Feriu, sim, a sensibilidade
De quem o ouviu vibrar na solidão.

O violão é sempre uma ternura,
Instrumento de amor e de saudade.
Ao crime ele nunca se mistura.
Inexiste entre eles afinidade.

O violão é próprio dos cantores,
Dos menestréis de alma enternecida
Que cantam as mágoas e que povoam a vida
Sufocando suas próprias dores.

O violão é música e é canção,
É sentimento de vida e alegria,
É pureza e néctar que extasia,
É adorno espiritual do coração.

Seu viver, como o nosso, é transitório,
Porém seu destino se perpetua.
Ele nasceu para cantar na rua
E não para ser arquivo de Cartório.

Mande soltá-lo pelo Amor da noite
Que se sente vazia em suas horas,
Para que volte a sentir o terno açoite
De suas cordas leves e sonoras.

Libere o violão, Dr. Juiz,
Em nome da Justiça e do Direito.
É crime, porventura, o infeliz,
cantar as mágoas que lhe enchem o peito?

Será crime, e afinal, será pecado,
Será delito de tão vis horrores,
perambular na rua um desgraçado
derramando na rua as suas dôres?

É o apelo que aqui lhe dirigimos,
Na certeza do seu acolhimento.
Juntando esta petição aos autos nós pedimos
e pedimos também DEFERIMENTO.

Ronaldo Cunha Lima, advogado.

O juiz Arthur Moura sem perder o ponto deu a sentença no mesmo tom:

Para que eu não carregue
Muito remorso no coração,
Determino que seja entregue,
Ao seu dono, o malfadado violão!

Tirinha do dia:
Desventuras de Hugo...

Mais dois causos

Uma preguiça do tamanho do MUNDO…

Mais alguns “causos” interessantes de doutores adEvogados de direito jurídico…

E diz que o advogado estava na sala do juiz, sozinho, esperando o meritíssimo voltar. Entra um outro advogado, com um processo na mão.

– Bom dia, doutor.

– Bom dia…

– Escuta, o senhor não acha que esse caso, segundo essa ótica, de acordo com as minhas argumentações, deveria ter uma solução distinta?

– Hmmm (lendo)… Sim, sim, o senhor está coberto de razão!

– Que bom que pense assim! O senhor poderia despachar no processo, então?

– Claro, claro.

Puxou o processo e deu um despacho minucioso acerca do caso.

– Obrigado excelência, muito obrigado. Vou indo para o cartório então.

– Não por isso. Só mais uma coisinha doutor.

– Pois não, excelência?

– Eu não sou o juiz não. Sou advogado, tanto quanto o senhor…

Sinceramente não sei qual foi a reação do advogado.

Noutra oportunidade, esse mesmo advogado – já famoso por suas gozações – chegou numa sala de audiência onde estava uma escrevente de sala nova. Ela ainda não conhecia o juiz. Aproveitando a situação, o danado senta-se de frente para ela, puxa um processo crime e lhe diz:

– Vamos lá! Vou lhe ditar uma sentença.

E a menina, toda solícita, começou a digitar a malfadada sentença, sendo que ele enveredou pelas teses mais absurdas jamais sequer cogitadas no mundo jurídico. Estava já ao final da sentença, quando chega o verdadeiro juiz, se posta entre ambos e fica observando, com um mal disfarçado sorriso no canto da boca.

– … e assim, ante as provas constantes dos autos, condeno o réu ao ENFORCAMENTO em praça pública, a ser realizado ao meio-dia do dia tal, na presença de testemunhas e autoridades de direito, nos termos da Lei. Publique-se, registre-se, intime-se.

Os olhos da escrevente já estavam DESTE TAMANHO, mas não perdeu uma vírgula da sentença. Nisso, o juiz falou:

– Mas o doutor não acha que está carregando muito na sentença, não?

Ao que ele se voltou para o juiz, sorrindo, mas com o dedo em riste:

– Ah não, não, não. Ele merece… Aliás, se o doutor não estiver contente, que apele!

Tirinha do dia:
Desventuras de Hugo...