E ainda mais TSE…

Mais um pequeno capítulo acerca do perrengue sobre o qual falei antes por aqui…

Eis algumas migalhas lá do Migalhas:

O MP entrou com representação contra a editora Abril. A representação de ontem é devido à entrevista publicada com o prefeito Gilberto Kassab, candidato à reeleição, na edição de 18 de junho da revista “Veja São Paulo”. No entendimento do parquet, a entrevista representa propaganda eleitoral antecipada.

Vejo a aplicação dessas multas aos jornais e revistas, por entrevistas com pré-candidatos, com preocupação. A uma, porque pena – e a multa é modalidade de pena – somente a lei pode impo-la, é dizer, não há pena sem lei. A proibição, no caso, decorre de ato regulamentar, Resolução do TSE. A duas, porque a Resolução do TSE, que prevê a imposição de multas (pena) à imprensa escrita, na hipótese que cuidamos, parece-me inconstitucional, porque representa censura à imprensa, o que a Constituição não tolera (C.F., art. 5º, IX, IX; art.220, §§ 1º e 2º). Ressalte-se que a Lei das Eleições, Lei 9.504/97, art. 36, não permite a propaganda eleitoral antes do dia 5 de julho do ano da eleição. Não me consta, entretanto, que a citada lei imponha pena à imprensa escrita por publicar entrevista com pré-candidato. E, ao que me parece, assim procede tendo em consideração que a Constituição não tolera a censura, conforme acima foi dito. Considero necessário que a Res do TSE nº 22.718, de 2008, na linha da Res. 21.072, de 2006, seja alterada, voltando-se ao sistema da Resolução 21.610, de 5 de fevereiro de 2004, que disciplinou a propaganda nas eleições de 2004 e que estabelecia, no art. 27, que os pré-candidatos poderiam participar de entrevistas, debates e encontros antes de 6 de julho, desde que houvesse tratamento isonômico entre aqueles que se encontrassem em situações semelhantes. A Res. 21,610, de 2004, foi sábia, ao estabelecer, como condição de legitimidade das entrevistas, o tratamento isonômico entre os pré-candidatos. Não haveria, então, tratamento discriminatório, em termos de privilégio, para um pré-candidato. Ontem, em entrevista que concedi à Folha, disse que em todo o meu tempo de juiz eleitoral – mais de 10 anos – nunca vira caso igual ao que me fora descrito: imposição de pena ao jornal Folha de São Paulo pela publicação de entrevista de pré-candidato, com observância do princípio da igualdade (Migalhas 1.921). É que me aposentei (me aposentou, aliás, a Constituição, por implemento de idade), em janeiro de 2006. Até então tinha vigência a Res. 21.610, de 2004, art. 27, que permitia as entrevistas, desde que observado o princípio isonômico.Carlos Velloso

Fora mais um pouquinho lá da AASP:

A origem de toda a polêmica e das ações da promotoria de São Paulo contra a Folha de S. Paulo e a revista Veja – e agora contra o Estado – está na resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de 2006, que valerá para as eleições deste ano. O texto, que impede os jornalistas de entrevistar pré-candidatos sobre suas propostas, afronta a Constituição, segundo o presidente do TSE e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto. “Eu entendo que ela se contrapõe à Constituição”, afirmou Britto ao Estado.

(…)

O ministro explicou que a Constituição estabeleceu ressalvas para o trabalho de rádios e televisões, mas não restringiu a atividade dos jornais. Assim, concorda um ex-presidente do TSE, a resolução teria exorbitado de seu alcance e seria inconstitucional.

Esse dispositivo, aprovado em 2006, determinou que jornais e revistas podem publicar entrevistas com os pré-candidatos, desde que as propostas dos políticos não sejam abordadas no texto. “Os pré-candidatos poderão participar de entrevistas, debates e encontros antes de 6 de julho de 2008, desde que não exponham propostas de campanha”, estabeleceu a norma.

É com base nessa resolução que os promotores eleitorais de São Paulo acionaram judicialmente a Folha de S. Paulo e a revista Veja por entrevistar a ex-prefeita Marta Suplicy, pré-candidata do PT à prefeitura. No caso do Estado, três promotoras representaram anteontem ao Tribunal Regional Eleitoral paulista contra o jornal e também contra o prefeito Gilberto Kassab, por entender que, em entrevista, ficou caracterizada propaganda eleitoral antecipada.

(…)

“Eu não entendo essa resolução. Não concordo com essa inovação”, afirmou o ex-ministro do TSE Fernando Neves. “Essa resolução é um equívoco jurídico”, concordou Admar Gonzaga, advogado do DEM.

Na opinião de ex-ministros do tribunal, a resolução de fato permite esse tipo de interpretação, mesmo que ela seja exagerada. “As promotoras não erraram, mas não tiveram bom senso”, argumentou Gonzaga.

“Considero necessário que a resolução seja alterada, voltando-se ao sistema da resolução de 2004”, defendeu o ex-presidente do TSE Carlos Velloso. “É salutar o eleitor saber, por meio da imprensa, o que pensa cada um dos pré-candidatos.”

Mas, de volta ao Migalhas, temos o seguinte fecho:

“É claro que o político tem de falar de seus programas. Ele não tem de dizer se gostou do Cirque du Soleil. Atribuo isso realmente à falta de escolaridade dos promotores e, sobretudo, do juiz, que aceita uma proposição inédita como essa. Como a falta de escolaridade é tão gritante, acho que os tribunais não podem nem debater isso, têm de anular imediatamente. Quando a gente fica velho, perde a paciência com os mais moços. A gente vê umas barbaridades assim e se irrita.” – Saulo Ramos hoje na Folha de S.Paulo, comentando a decisão que puniu a Abril e a Folha.

Sobre liberdade de expressão

Contribuição do amigo Marcelo Bicarato, dando seus dois cents para toda essa controvérsia que já vem acontecendo no cenário pré-eleitoral.

Segundo notícia da Folha Online o juiz Francisco Carlos I. Shintate, da Primeira Zona Eleitoral de São Paulo, em sentença de 14 de junho de 2008 (que pode ser lida na íntegra aqui), acolheu duas representações do Ministério Público Eleitoral e numa tacada só decidiu multar, por “propaganda eleitoral antecipada”, a editora Abril, a Folha e Marta Suplicy.

Numa até bem construída linha de raciocínio ele cita diversos dispositivos constitucionais, bem como traz outras fundamentações doutrinárias e jurisprudenciais (credo, quanto juridiquês!), até desaguar no seguinte:

Por outro lado, a publicação de entrevista em mídia escrita poderia violar a igualdade entre os pré-candidatos, ao permitir que um deles expusesse, antes dos demais e fora do período permitido, sua pretensão de concorrer ao cargo, sua plataforma de governo, enaltecendo suas qualidades e realizações passadas, criticando as ações do atual governo e imputando qualidades desfavoráveis aos adversários.

(…)

Dito isso, força é convir que, embora a liberdade de imprensa esteja elevada à categoria de princípio constitucional, não se pode esquecer que, além desta garantia, por igual vigora outro princípio, de mesma hierarquia, que garante a igualdade dos candidatos no pleito.

PÉRAÊ!!!

E cadê a liberdade de expressão, nesse sentido? Mesmo os “pré-candidatos” a tem, de modo que entendo plenamente passível de que possam dizer se gostam ou não de determinada administração, de suas realizações, de suas omissões, da cara de beltrano ou fulano, da cor de seus olhos, enfim, de que possam se expressar propriamente dito.

Ademais, se fosse como deseja o ilustre magistrado, e até mesmo voltando à discussão sobre candidatos, blogs e Internet, então nenhum veículo noticioso poderia trazer qualquer entrevista com eles? Mesmo que se tratasse de pessoas atualmente exercendo cargos públicos? Tudo que eles disserem será usado contra eles até prova em contrário? É isso?

Ora, se a liberdade de comunicação é princípio constitucional, assim como o tratamento com igualdade entre as pessoas, também o é a liberdade de expressão, não concordam?

E daí? Quem teria razão?

Trago a lição do juiz George Marmelstein (também blogueiro), que em seu artigo “Princípios e Regras: uma distinção didática” ensina (grifos meus):

E com relação aos princípios? O que fazer quando dois princípios apresentam soluções diferentes para o mesmo problema, já que não há entre eles, em regra, hierarquia e eles foram promulgados ao mesmo tempo e possuem o mesmo grau de abstração?

Esse fenômeno é chamado de colisão de princípios e é muito mais frequente do que se imagina. Muitas vezes, quando se segue um rumo indicado por uma norma-princípio é possível que se afaste do rumo indicado por outra norma-princípio. Os princípios nem sempre apontam para o mesmo destino.

Observe os direitos de personalidade (honra, imagem, privacidade etc.). Eles apontam para a proteção da pessoa, para o resguardo da intimidade, para o segredo, para a não divulgação da imagem…

Agora observe o direito de informação e o direito de liberdade de expressão. Eles apontam para a direção oposta: para a transparência, para a divulgação de dados e informações, inclusive pessoais…

Quanto mais se caminha em direção aos direitos de personalidade mais se distancia do direito à liberdade de expressão e vice-versa.

Acontece que, na minha ótica, a liberdade de expressão individual não deixa de ser um direito personalíssimo. E, assim o sendo, o dito “tratamento com igualdade” – que, neste caso, será exercido por terceiros – possui um cunho generalizador que extrapola o direito pessoal.

E o curioso é que em sua sentença o juiz chega a considerar essa questão, quando então deveria ser exercida uma ponderação, de modo a verificar a prevalência deste ou daquele princípio. Mas, em sua equação, faltou considerar também a própria liberdade de expressão do indivíduo…

Bom, enfim, acho que ainda tem muito pano pra manga nesse caso. Não diria necessariamente que o juiz esteja “errado” (a despeito de outros absurdos vistos em instâncias superiores), mas simplesmente que não levou em consideração todas as facetas do problema.

Ou seja, seus sucrilhos ainda não estão vencidos – mas tá bem pertinho disso!

😉

Emenda à Inicial: numa curiosa invertida, observando o disposto no artigo 3º da malfadada Resolução nº 22.718 do TSE, eis um trechinho do clipping da AASP: O presidente do TSE também afirmou que não é proibida a realização de entrevista com ‘supostos ou até prováveis candidatos’. ‘Não está proibido nesse período fazer entrevista com supostos candidatos ou até prováveis candidatos. Pode traduzir idéias, opiniões. O que não pode é antecipar uma plataforma de governo.’

Infidelidade virtual

Essa veio do clipping do Migalhas:

Ex-marido infiel vai pagar indenização por danos morais porque cometeu “infidelidade virtual

Um ex-marido infiel foi condenado a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 20.000,00 porque manteve relacionamento com outra mulher durante a vigência do casamento. A traição foi comprovada por meio de e-mails trocados entre o acusado e sua amante. A sentença é da 2ª Vara Cível de Brasília.

Para o juiz, o adultério foi demonstrado pela troca de fantasias eróticas – sexo virtual – entre o casal. A situação ficou ainda mais grave porque, nessas ocasiões, o ex-marido fazia comentários jocosos sobre o desempenho sexual da ex-esposa, afirmando que ela seria uma pessoa “fria” na cama.

Se a traição, por si só, já causa abalo psicológico ao cônjuge traído, tenho que a honra subjetiva da autora foi muito mais agredida, em saber que seu marido, além de traí-la, não a respeitava, fazendo comentários difamatórios quanto à sua vida íntima, perante sua amante”, afirma o magistrado.

As provas foram colhidas pela própria ex-esposa, que descobriu os e-mails arquivados no computador da família. Ela entrou na Justiça com pedido de indenização por danos morais, alegando ofensa à sua honra subjetiva e violação de seu direito à privacidade. Acrescenta que precisou passar por tratamento psicológico, pois acreditava que o marido havia abandonado a família devido a uma crise existencial. Diz que jamais desconfiou da traição.

Em sua defesa, o ex-marido alegou invasão de privacidade e pediu a desconsideração dos e-mails como prova da infidelidade. Afirma que não difamou a ex-esposa e que ela mesma denegria sua imagem ao mostrar as correspondências às outras pessoas.

Ao analisar a questão, o magistrado desconsiderou a alegação de quebra de sigilo. Para ele, não houve invasão de privacidade porque os e-mails estavam gravados no computador de uso da família e a ex-esposa tinha acesso à senha do acusado. “Simples arquivos não estão resguardados pelo sigilo conferido às correspondências”, conclui. Da decisão, cabe recurso de apelação para a segunda instância do TJ/DF.

Nº do processo: 2005.01.1.118170-3.

Legislando através de súmulas vinculantes

Interessantes comentários do dr. Jorge acerca da tal da súmula vinculante, lá no blog Direito e Trabalho. Essa história vai meio que ao encontro com a minha opinião sobre essa questão de outros órgãos legislarem, como já disse antes por aqui…

Ao que pude apreender a maior preocupação que existe no dito pensamento liberal e que diz respeito às decisões judiciais é, principalmente, em decorrência do sistema da Civil Law, no qual os juízes têm uma margem muito grande para decidir, ao contrário do que ocorre na Common Law, no qual os precedentes tem força vinculante.

(…)

É provável que se acredite que as súmulas vinculantes que começam a ser editadas pelo STF seriam a solução deste mal. No meu entender, no entanto é apenas mais uma patologia. Admitir que um órgão do Poder Judiciário emita súmulas estabelecendo o que acredita ser o conteúdo das leis existentes é outorgar a outro órgão o poder de legislar, inclusive à revelia do poder constituído para tanto.

Administrativando

Depois eu conto com detalhes como foi o curso em Brasília. Mas em termos de clareza (e não, não estou sendo irônico) vejam só um trechinho que fala sobre a discricionariedade do administrador público, extraído do livro de Juarez Freitas, um dos palestrantes:

De sorte que toda discricionariedade, exercida legitimamente, encontra-se sob determinados aspectos, vinculado aos princípios constitucionais, acima das regras concretizadoras. Nessa ordem de idéias quando o administrador público age de modo inteiramente livre, já deixou de sê-lo. Tornou-se arbitrário. Quer dizer, a liberdade apenas se legitima ao fazer aquilo que os princípios constitucionais, entrelaçadamente, determinam.

Cadastro Nacional de Adoção

Uma boa medida. Espero sinceramente que não se perca na usual burrocracia e que efetivamente funcione. De se destacar que uma medida dessas só se torna possível em função do atual estado da técnica em que chegamos com relação à tecnologia da informação. A notícia completa, que peguei pelo Clipping da AASP, pode ser lida aqui.

Um passo contra a burocracia e a falta de informação sobre crianças que esperam ser adotadas e adultos que pretendem adotá-las será dado na próxima terça-feira com o lançamento do Cadastro Nacional de Adoção, o primeiro banco de dados sobre o assunto do País.

O cadastro pretende reunir, em seis meses, informações completas sobre os pretendentes de um lado e de outro. Uma das principais vantagens da iniciativa é unificar as listas e evitar que elas fiquem restritas às comarcas, que em geral abrangem um município ou região, como acontece atualmente.

Com o cadastro, idealizado e coordenado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os candidatos a pais não precisarão mais fazer inscrições separadas em cada comarca onde gostariam de avançar no processo de adoção. Os interessados em adotar uma criança de qualquer ponto do País poderão encontrar um filho no outro extremo com a consulta ao cadastro que será feita pelos juízes da Infância e da Adolescência.

Pena literária

Não sei se a convivência tem transformado o amigo e copoanheiro Bica de jornalista em juridicausista ou tem me transformado de juridicausista em jornalista… Mas o que acontece é que ultimamente estamos até que bem sintonizados!

Essa vai na íntegra, direto lá do Alfarrábio:

Mário Azevedo Jambo — só sei que é juiz federal, lá no Rio Grande do Norte, mas já virei fã do cara. Já que a gente tá acostumado a meter o pau nos juízes & cia, taí um exemplo bacana. Direto da Folha:

Por que obras de Guimarães Rosa e Graciliano Ramos?

Jambo – O Judiciário não pode ficar na mesmice. O que percebo é que essas pessoas acabam voltando [ao crime]. Temos que criar mecanismos que permitam uma reflexão aos acusados. E por que as obras? Elas têm vínculo com o crime em si. Eles não são pobres. Nada como ler um “Vidas Secas” para perceber o que é vida dura.

Explicando: sob o título *Juiz solta hackers, mas exige que leiam obras clássicas* (hackers ou crackers? a imprensa nunca vai aprender), a reportagem conta que o juiz concedeu liberdade provisória pra três acusados de roubar senhas pela internet. Só que os carinhas vão ter que ler e resumir, de próprio punho, dois clássicos a cada três meses. E, de cara, o juiz mandou eles lerem nada menos que *A hora e a vez de Augusto Matraga*, do Guimarães Rosa, e *Vidas Secas*, do Graciliano Ramos.

Paulo Henrique da Cunha Vieira, 22, Ruan Tales Silva de Oliveira, 23, e Raul Bezerra de Arruda Júnior, 30, foram liberados no dia 17, após nove meses presos por envolvimento na Operação Colossus, da Polícia Federal.