O comércio eletrônico e o Código de Defesa do Consumidor

Artigo publicado no site da Revista Unicamp (http://www.revista.unicamp.br)

 
Osmar Lopes Junior
Procurador Municipal,
Ex-Diretor e Coordenador do Procon de Campinas.

Introdução

Não é preciso dizer o quanto a internet desenvolveu-se nos últimos anos e nem que continuará a se desenvolver nos anos que virão, alterando a vida e os negócios da população mundial. Um aspecto que ganha força na mesma proporção, senão maior, é o comércio eletrônico – “e-commerce”, que no Brasil ainda não possui uma regulamentação legal, apesar de existirem normas que dão amparo ao consumidor, como é o caso do Código de Defesa e Proteção do Consumidor. Aliás, o anteprojeto de Lei PL 1.589 de 1999 em tramitação pelo Congresso Nacional dispõe sobre o assunto, e sobre a validade do documento eletrônico e da assinatura digital, sendo explícito quanto ao fato de que ao comércio eletrônico são aplicáveis as normas consumeristas.

Alcance

As normas consumeristas, de sua vez, não se aplicam à todas as relações jurídicas ou, em outras palavras, à todos os fatos. Um exemplo seria a locação de um imóvel de praia para a passagem das férias via internet. Qualquer problema não seria resolvido com base no Código de Defesa e Proteção do Consumidor, mas com base na legislação específica que trata de locações. Neste ponto, para melhor compreensão, poderíamos dizer que há relação de consumo quando alguém adquire um produto ou serviço de um fornecedor como destinatário final.

Assim, também estaria excluído da proteção legal aquela pessoa que adquire via internet, por exemplo, diversos “notebooks” para em um segundo momento revendê-los. Neste caso seriam aplicáveis as normas comerciais para a solução de eventual conflito.

Delimitado, ainda que superficialmente, o conceito do que seja relação de consumo, passemos a pontuar certos aspectos sobre os quais a legislação consumerista incide no comércio eletrônico.

Da oferta e publicidade

Certamente, uma das principais funções das internet é propiciar o meio de apresentação e oferta de produtos e serviços. A oferta e apresentação de produtos e serviços feitas na internet devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa, sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, além de eventuais riscos que apresentem à saúde e segurança dos consumidores (art. 31 da Lei 8078/90). Exemplificando: o site de um supermercado, quando oferecer um produto importado, deverá trazer o preço (em real), seu fabricante, garantia, quantidade disponível (especialmente se estivermos diante das famosas “promoções”, que visam atrair clientela), prazo de validade e de garantia, além das demais exigências legais acima mencionadas. A transparência no relacionamento entre fornecedor e consumidor é um dos princípios a serem seguidos.

Uma das inovações que devemos aplaudir no anteprojeto de Lei PL 1599/99 é que na oferta devem vir também informações acerca do nome do ofertante (fornecedor), número de sua inscrição no cadastro geral do Ministério da Fazenda ou o número de inscrição, se for profissão regulamentada (advogado, médico, etc), endereço físico do estabelecimento, identificação e endereço físico do armazenador (no caso de importação e para garantir ao consumidor a entrega de seu produto), meio pelo qual é possível contatar o ofertante, inclusive por correio eletrônico (evitando-se assim a possibilidade de que em um eventual problema não se ter a quem reclamar), arquivamento do contrato eletrônico pelo ofertante (e, neste caso, entendemos ser direito do consumidor o envio de uma cópia) e sistemas de segurança empregados na operação. Tais normas visam, sem sombra de dúvida, a dar mais garantias ao consumidor de que irá receber seu produto/serviço. A questão de segurança ainda provoca dúvidas no consumidor, sendo uma barreira de venda. Daí a importância da regulamentação.

Os órgãos de proteção do consumidor recebem diversas reclamações referentes à compras feitas em sites no exterior, cujos produtos não foram recebidos. Porém, os consumidores desconhecem a localização dos fornecedores, prejudicando qualquer ação, inclusive na área judicial. A prevenção continua sendo o melhor remédio. Assim, o consumidor deve ser precavido ao contratar, buscando informações nos órgãos de defesa do consumidor, bem como perante conhecidos.

A publicidade das ofertas também devem seguir o previsto na legislação consumerista. Não é permitida aquela que seja inteira ou parcialmente falsa, ou que por qualquer outro modo, mesmo por omissão, seja capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, característica, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços (publicidade enganosa) ou, ainda, aquela que seja discriminatória de qualquer natureza, incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, e que desrespeite valores ambientais (publicidade abusiva). Para o fornecedor que insistir, lembramos que se trata de crime e passível de sanções nas áreas administrativas (multas que vão de 200 Ufir´s à 3.000.000 Ufir´s) e cível.

Banco de Dados

Outro aspecto diz respeito ao banco de dados formado a partir de informações dos consumidores que acessam os sites. Pela legislação consumerista, a abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deve ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele, podendo a qualquer tempo ser acessada pelo interessado. No caso de inexatidão dos dados e cadastros, o mesmo poderá exigir sua imediata correção. Os cadastros e dados não poderão conter informações negativas referentes a período superior a 5 anos. Sites que contenham tal informação (SPC, dentre outros) devem observar tais normas, sob pena de responderem por dano moral. De outro lado, o projeto de lei 1599/99 prevê que o ofertante (fornecedor) somente poderá solicitar informações de caráter privado necessárias à efetivação do negócio oferecido, devendo mantê-las em sigilo, salvo prévia e expressa autorização do titular (consumidor). Qualquer outra, deverá ser solicitada informando ao consumidor de que é opcional.

Outras proibições

É proibido também através da internet: a) enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto ou fornecer qualquer serviço, considerando-se caso ocorra, como sendo amostra grátis, não sendo obrigado a pagar; b) cumprir o prazo de entrega do produto ou de execução do serviço; c) informar préviamente das despesas de remessa do produto; d) executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor; e) cobrar quantia indevida, que uma vez paga, deverá ser devolvida em dobro corrigida monetariamente e com juros legais.

Da garantia legal

O prazo para reclamar de um vício no produto ou serviço é de 30 dias no caso de produtos e serviços não duráveis e 90 dias no caso dos não duráveis. É chamado também de garantia legal, pois dentro dos prazos mencionados o consumidor tem direito a que o fornecedor repare os vícios apresentados pelo produto/serviço. Este, por sua vez, tem o prazo legal de 30 dias para proceder ao reparo. Caso não o faça, o consumidor poderá escolher entre substituição do produto ou reexecução do serviço, restituição imediata da quantia paga corrigida monetariamente ou abatimento proporcional do preço. Caso o vício seja tal que não permita o reparo, as possibilidades acima podem ser de imediato utilizadas pelo consumidor. Neste caso a reclamação poderá ser feita diretamente ao fornecedor ou através dos órgãos de defesa e proteção do consumidor. O projeto de Lei 1599/99 prevê a possibilidade do consumidor fazê-lo através de email para o fornecedor.

Do direito de arrependimento

Ao contrário do que muitos pensam, uma vez contratado um serviço ou adquirido um produto o negócio não pode ser desfeito pura e simplesmente. O chamado direito de arrependimento somente pode ser exercido em certas circunstâncias. A lei o permite quando o consumidor adquirir um produto ou contratar um serviço fora do estabelecimento comercial. O prazo é de 7 dias a partir da assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço. Tal preceito é perfeitamente aplicável ao comércio eletrônico. Nada impede no entanto, que o fornecedor oferte prazo maior.

Conclusão

Como visto, no comércio eletrônico, a legislação consumerista já regula certos aspectos, sendo plenamente aplicável. A dificuldade prática que se apresenta é que a contratação de produtos e serviços muitas vezes ultrapassa os limites continentais do País. O consumidor deve tomar as cautelas necessárias, portanto. Se nas vendas presenciais, onde o consumidor dirige-se ao estabelecimento comercial ocorrem problemas (não entrega do produto, atraso na entrega, defeitos, etc.), na internet tais problemas podem não ter solução. De outro lado, os fornecedores que resolverem atuar nesta área, devem ser transparentes quanto ao produto/serviço oferecido, cumprindo a oferta realizada, especialmente a entrega e assistência técnica. A confiabilidade deve ser adquirida dia após dia, através da qualidade, responsabilidade e comprometimento nos serviços oferecidos.

( Publicado originalmente em meu antigo domínio “HABEASDATA”, em outubro/2000 )

O Direito do Ciberespaço

Artigo publicado no site do autor http://www.nts.com.br/tarcisio

 
Tarcísio Queiroz Cerqueira

“Ciberespaço”, que deve ser pronunciado com “i”, não com “ai”, do inglês “cyberspace”, é como se poderia denominar o espaço onde ocorre a comunicação entre máquinas, ou “espaço cibernético”, como querem alguns. É o ambiente digital, formado por redes de computadores, denominadas, genericamente, internet.

O direito do ciberespaço, por seu turno, é o conjunto de leis, regulamentações em geral e práticas contratuais de todos os tipos e níveis, que envolvam a utilização e funcionamento de redes de software e computadores. É também chamado “direito online”, debatido nos nos Estados Unidos desde 1985, com o objetivo de se estabelecerem regras para a comunicação, os negócios e o uso em geral das redes de computadores.

Em recente congresso onde se discutiu o futuro da lei do ciberespaço, concluiu-se, até certo ponto, que estamos cometendo um erro tentando aplicar em redes de computadores os mesmos conceitos que aplicamos nas comunicações convencionais. Para nós o ato de enviar e receber mensagens pela Internet tem sido encarado da mesma forma que o ato de fazer uma chamada telefônica, ou enviar uma mensagem por telex, ou fax, ou mesmo distribuir imagens e sons por canais de televisão (ou “broadcasting”).

Outros assuntos e aspectos que compõem a atual discussão com relação `a regulamentação e legislação do ciberespaço, em acordo com as conclusões do congresso, seriam:

A dificuldade em se chegar a alguma conclusão com relação ao ciberespaço é porque não o encaramos como um lugar à parte, diferente de tudo o quanto até agora se conhecia.

Adotar a idéia de que ciberespaço é um ambiente à parte resultaria em admitir que temos que repensar nosso tradicional conceito de fronteiras entre paises, já que a comunicação digital eletrônica independe de quaisquer outros tipos de separações.

A maior parte da controvérsia acerca da regulamentação do ciberespaço existe porque as pessoas estão discutindo quem terá o poder para regulamentar e aplicar a lei. Regulamentar o funcionamento e utilização da Internet é uma questão de distribuir poderes e vantagens.

Há, nos países desenvolvidos, duas correntes opostas que tentam estabelecer uma teoria acerca da regulamentação do ciberespaço: uma delas, a mais forte, define ciberespaço como um lugar à parte e que merece sua própria jurisdição; a outra defende a idéia de que não existe nada de novo, em termos legais, com o ciberespaço ou mesmo com qualquer tipo de comunicação eletrônica. Essa corrente seria sustentada por aqueles que acham que os atuais conceitos e a atual legislação, especialmente a de Direitos Autorais/Copyright, que vem atuando sobre o software, resolvem todos os problemas e deveriam ser aplicados também às redes de computadores.

Não resta dúvida que a comunicação por redes de computadores possui características especiais, que a tornam diferente do que conhecemos até agora, o que, por si, é suficiente para atrair a atenção do Direito. Primeiro, as mensagens por computador que vêm escritas, automáticas e ricamente registradas, representam fatos de valor econômico e expressam as vontades das pessoas, são sucessivamente copiadas ao longo do seu caminho e ocupam lugar, materialmente considerado, no espaço físico, qual seja o disco ou qualquer outro meio físico. São provas documentais mais fidedignas que escritos em folhas de papel e muito mais fidedignas que escritos em papéís transmitidos por fax. Além disso, redes de computadores já provaram ser um meio eficaz de transmissão de produtos, tais como filmes, publicações escritas e sonoras, imagens e, last but not least, programas de computador. A Internet não só transformou-se em meio comum de acesso transcontinental a informações e local conveniente, e habitual, para pessoas efetuarem pesquisas, discussões e trocas de opiniões acerca de qualquer assunto concebível na cultura humana, além de mostrar-se como instrumento até certo ponto eficaz para a realização de negócios, em geral, para assumirem-se compromissos e direitos e também, consequentemente, para o cometimento de atos ilícitos.

DISTRIBUIÇÃO DE SOFTWARE ATRAVÉS DA INTERNET

O relatório do Grupo de Trabalho da Infra-estrutura Nacional de Informação – qualquer coisa semelhante ao Conselho Nacional de Informação da Casa Branca, nos EUA – definiu que há algo de especial com a transmissão de cópias de programas de computador de uma para outra máquina, principalmente porque quando a transmissão se completa a cópia original do programa permanece na máquina que transmitiu e outras cópias idênticas passam a residir nas máquinas receptoras, em suas memórias centrais ou equipamentos periféricos, o que acontece também com transmissões por fac-símile (fax). O relatório concluiu que os Direitos Autorais, ou Copyright, aplicam-se à distribuição de software pela Internet e que a definição de “transmissão” (da lei de copyright) constitui, na realidade, uma distribuição de programas para o público – a “comunicação” da obra ao público, como na nossa lei.

O ato de uma pessoa, à frente de um computador pessoal, transformado temporariamente em terminal, transmitindo software para uma ou várias outras pessoas, equivale à transmissão de arquivos de textos. Software é binário, ele mesmo – então seu transporte digital é como se fosse parte de sua própria natureza, poderíamos acrescentar, para enfatizar a facilidade e fluência com que software pode ser transmitido através de qualquer meio de comunicação digital/eletrônico.

Programas de computador podem ser transmitidos de uma para outra máquina, descarregados para discos rígidos, flexíveis ou qualquer tipo de mídia (ou “media”) para armazenamento e transporte; podem ser usados, licenciados e até vendidos. São transmitidos com perfeição e inteiramente descarregados (“downloaded”) com facilidade, de forma cada vez mais rápida e prática.

Licenças de uso de software, assim como qualquer outro tipo de contrato, podem ser inteiramente negociadas através de redes de computadores. Alguns advogados norte-americanos chegam a afirmar que concretizar negócios através de redes de computadores é uma maneira até mais segura e confiável, legalmente falando; principalmente quando se usa software e informação encriptada, ou seja, transformada segundo uma fórmula, ou chave, e tornada irreconhecivel – e que brevemente nos lembraremos da época em que contratos eram feitos em papel e assinados à caneta, à moda antiga.

A lei que regulamenta programas de computador nos países da União Européia – EC Directive 250/91, de 17/05/91 – estabelece que o detentor de direitos de programas de computador é o único que pode autorizar a distribuição de programas em qualquer forma. A Lei dos Direitos Autorais, no Brasil – antiga lei Nº 5.988/73, Art. 29, atual lei 9.610, de 19/02/98 – determina que o autor é o único que detém o direito de utilizar, fruir e dispor de sua obra, bem como o de autorizar sua utilização ou fruição por terceiros, “…no todo ou em parte”.

Certamente tais determinações se aplicam à distribuição de software através de redes de computadores. Geralmente, quando o detentor de direitos sobre programas de computador autoriza a distribuição de um programa, através de uma rede de computadores, também outorga, ou deveria outorgar, expressamente, ao provedor de serviços, o direito de praticar qualquer ato necessário para a referida distribuição, como o de copiar o programa, ou até adaptá-lo. Em contrapartida, os provedores de serviços teriam o dever, ou a faculdade, dependendo do contrato, de negar-se a transmitir programas não autorizados, ou aqueles programas reconhecidamente obtidos, assim como suas cópias, de maneira ilegal.

Não há nenhuma regulamentação especifica acerca de distribuição de software através de redes de computadores. Programas podem ser transmitidos fácil e livremente, gratuita ou onerosamente. O pessoal que administra redes de computadores, também chamados administradores de redes, provedores de serviços, “servers”, ou mesmo “posters”, não são normalmente considerados responsáveis nos casos de transmissão ilegal de software. Isto porque, por outro lado, eles não têm a obrigação de verificar mensagens, investigar comunicações ou qualquer outra forma de transmissão de informação “online” para saber da sua veracidade e autenticidade.

Seria sensato, de qualquer maneira, de forma a aumentar a segurança e fortalecer a proteção legal sobre programas de computador, que as pessoas envolvidas com administração de redes passassem a ser responsáveis por – e tivessem o direito de – verificar, por algum meio, a transmissão de software a fim de assegurar-se da ocorrência, ou não, de cópias autorizadas para distribuição.

É senso comum que a distribuição de programas de computador e sua respectiva documentação através da Internet oferece uma série de vantagens sobre a distribuição convencional. A primeira delas é a redução do custo de distribuição. A segunda é a redução do custo dentro da própria empresa recebedora, ou usuária, que opera mais facilmente com cópias eletrônicas dos manuais e do programa que com material impresso.

No comércio de software via redes de teleprocessamento, ou seja, na Internet, já existe a prática de se firmarem contratos de adesão (“shrink-wrap licenses”) através da Internet: ao invés de rasgar o invólucro, como na licença tradicional, o usuário tem que seguir uma certa rotina interativa para obter e descarregar o software, o que é encarado, legalmente, como o mesmo que assinar um contrato, ou aderir a ele.

Um dos métodos utilizados para aumentar a segurança e o controle na comercialização de software e serviços através da Internet (ou, simplesmente, comercialização “online” de software e serviços) é o do chamado “envelopes de software”, onde informação protegida é enviada de forma encriptada e tornada incompreensível, perfazendo, junto com o software, um programa executável. As possibilidades de cada “envelope” limitam o acesso do usuário, assim, para pesquisas em bancos de dados o software permite a pesquisa em índices e a consequente exibição (“display”) da informação, para CAD o software permite a exibição de informação e a manipulação de atributos, para processamento de textos o programa age em acordo com um processador de textos, para operar em hipertexto o programa permite “navegar” pelas informações, etc…

O “envelope de software” pode, também, agir em acordo com uma central de comando da rede (um endereço de comando) enviando e recebendo mensagens acerca de abertura de “envelopes”, tempos de utilização, observação de limites de copyright, prorrogação ou cessação da permissão de uso, etc…

A EXPERIÊNCIA DE LIVERPOOL NO COMÉRCIO DE PROGRAMAS EM REDES

Vale mencionar que a Universidade de Liverpool, na Inglaterra, há mais de dois anos, vem desenvolvendo com sucesso um arquivo, ou biblioteca, de software de dominio público para determinados tipos de equipamentos.

Para os programas gratuitos não existem mecanismos mais complexos para acessá-los e copiá-los. Os 150 pacotes de software existentes em 1992 passaram a 800 em Abril de 1995. Até então os pacotes eram mantidos em arquivo na forma fonte, o que significa que os usuários tinham que descompilá-los antes de operá-los. Atualmente o software é mantido na forma binária, podendo ser operado logo após gravado em disco ou outro meio físico.

A universidade, através de uma empresa privada, além de oferecer “shareware” está comercializando software através de um procedimento denominado “escolha, experimente, compre e tenha”.

O cliente pode escolher qualquer dos pacotes de software disponíveis na biblioteca através de um catélogo online, acessar informações acerca de cada um dos pacotes – que são fornecidas em forma de descrição e ilustrações em hipertexto, de forma que o cliente saiba o que cada pacote oferece. Decidindo-se por um, ou mais de um, pacote, o cliente interage com o sistema, fornece algumas informações e fica autorizado a copiar uma versão de demonstração que funciona por tempo determinado. Ao copiar o software o cliente assume o compromisso de, caso se decida por não adquiri-lo, explicar porque, o que fornece um importante “feedback” de informações.

Experimentando o pacote, e decidindo-se por adquiri-lo, o cliente, então, novamente interage com o sistema, fornecendo maiores informações, e paga pelo pacote que quer adquirir. Informações consideradas confidenciais (como dados pessoais e outros relativos ao cartão de crédito) são fornecidas de forma encriptada por motivo de segurança.

Assim que o pagamento é feito e confirmado o cliente pode entrar na posse do pacote. Prevendo a existência de problemas com redes e conexões, a empresa dá um prazo de 30 dias, após o pagamento, para o cliente copiar o programa inteiramente.

Tudo realizado com a pompa legal necessária.

PROVEDORES DE SERVIÇOS & CONTRATOS ATRAVÉS DA INTERNET

A troca de mensagens, através da Internet ou de qualquer rede de computadores, pode dar origem a um contrato com todos os requisitos e exigências estabelecidos pela legislação; desde que as pessoas sejam capazes e troquem as mensagens conscientes e voluntariamente, isto é sem estarem sendo enganadas ou sofrendo qualquer tipo de coação física ou psicológica, e desde que o objeto seja lícito, possível e determinado, ou determinável, tudo exatamente como mandam os Arts. 82 e segs. do Código Civil Brasileiro de 1916.

Quando se performa um contrato em redes de computadores, ou um “contrato online”, seja através da troca de mensagens por “e-mails” ou qualquer outra forma de comunicação digital, é recomendável gravar as informações em meio magnético seguro (disquetes ou fitas) para se evitarem futuros problemas legais. Cópias em papel costumam ser úteis na medida em que evitam excessiva consultas às máquinas.

Provedores de serviços costumam oferecer, por contrato, serviços de conexão às redes, de forma individualizada e intransferível, em alguns casos com possibilidade de diferentes níveis de acesso para classes diferentes de usuários, cada classe sendo definida, na maioria das vezes, em função da quantia paga mensalmente ao provedor. O contrato será, quase sempre, de prestação de serviços, com ou sem licenciamento de programas.

Normalmente o provedor exige, em contrato, que o assinante faça uso apropriado do serviço, estabelecendo penalidades para uso indevido. Usos indevidos seriam , entre outros, desrespeitar direitos, em geral, invadir privacidade, causar danos de quaisquer tipos, divulgar comercialmente produtos ou exercer o comércio de forma desautorizada, divulgar mensagens não desejadas, e, principalmente, atentar contra o pudor público divulgando, de forma não desejada, textos ou imagens considerados imorais ou indecentes.

O provedor não se responsabiliza por perdas de dados sofridas, por acidentes ou atos intencionais de terceiros, por problemas existentes em programas não fornecidos pelo provedor ou por qualidade ou legitimidade e legalidade de dados e produtos digitais transmitidos.

Uma maneira do provedor identificar os diferentes níveis de acesso é fornecendo a cada classe uma certa quantidade de tempo de acesso – quem paga mais tem direito a mais tempo (para trocar e-mails, navegar pelo WWW, gravar arquivos de seu interesse ou engajar-se em qualquer atividade online). O tempo de acesso pode ser medido pela quantidade de minutos por dia a que o usuário tem direito.

Outra maneira de diferenciar os níveis de acesso pode não ser através da quantidade de tempo, mas, sim, através de até onde é permitido que o usuário vá, o que pode ser chamado de “privilégios de acesso”, ou seja, existirão áreas, ou serviços, que somente certos usuários terão direito de atingir. Esta maneira de separar as classes pode ser usada, entre outras, para diferenciar clientes individuais e empresas.

Adicionalmente aos diferentes níveis de acesso, os provedores de serviços podem fornecer, entre outros: a) acesso a noticias, b) acesso a bancos de dados diversos, incluindo total acesso ao WWW-World Wide Web, com a facilidade de copiar e gravar arquivos, c) serviço de correio eletrônico em ambos os sentidos, isto é, para enviar, coletar/estocar e expor mensagens, d) acesso a grupos de discussão no país e no exterior, e) acesso a “newsgroups”, jogos, etc…

Quando há casos de problemas, ou inadimplência, algumas empresas usam o sistema de ir cortando, aos poucos, os direitos do usuário, até que ele acerte os pagamentos atrasados e fique em dia novamente. Tudo tem que estar bem esclarecido no contrato, e é conveniente que o provedor de serviços conheça bem seus usuários, mesmo quando se tratar de serviços gratuitos.

Nenhum serviço poderá ser descontinuado – mesmo que seja gratuito – sem que o usuário seja avisado com certa antecedência. Isto porque usuários acabam se fiando em certos serviços, mesmo que não paguem por eles, e podem ser prejudicados em caso de corte abrupto. Em certos casos, mesmo que não seja uma violação contratual, quando há cláusulas contratuais que o prevejam, o corte repentino de um determinado serviço pode gerar obrigações de indenizar, do âmbito do direito civil, e ser péssimo negócio para as relações entre provedor e usuário.

Para os serviços pagos, o cliente/usuário tem que entender perfeitamente o mecanismo utilizado, ou a fórmula empregada, para cobrá-los, e o contrato deve especificar inconfundivelmente os períodos de pagamento. É melhor ser claro no contrato do que ter que sê-lo frente a um Juiz, posteriormente.

LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DO PROVEDOR DE SERVIÇOS

Prover serviços em redes de computadores, agindo como intermediário em um ambiente onde usuários, pessoas físicas e juridicas, passam a trocar e ter acesso a informações, algumas de razoável valor estratégico e econômico, torna os provedores extremamente vulneráveis. Por isso, uma clara e bem redigida cláusula de limitação de responsabilidade deve ser incluída em todo e qualquer contrato entre provedores de serviços e usuários, principalmente porque muita coisa que acontece em uma rede, e que passa de um para outro usuário – tal como um “vírus”, uma troca de mensagens ofensivas ou uma violação de direitos autorais – costuma ser não por culpa do provedor dos serviços.

Mesmo assim o provedor de serviços pode ser pego pelo fogo cruzado entre usuários descontentes uns com os outros; o que também deve ser previsto em cláusula contratual. Além da cláusula de limitação de responsabilidade, clara e bem redigida, deverá haver menção ao fato – tanto para usuário quanto para provedor do serviços – de não se ser responsável por ação de outro, que pode ser outro usuário ou até um terceiro, que nada tenha a ver com o sistema. Deve-se, também, deixar claro que qualquer atividade ilegal, na rede, não será admitida, e que a responsabilidade pelas mensagens e outros produtos enviados é do usuário.

OS PODERES DO PROVEDOR DE SERVIÇOS E A PROPRIEDADE DE TEXTOS E MENSAGENS

O provedor de serviços pode quase tudo em uma rede de computadores. Ele pode enviar mensagens públicas ou particulares, negar-se a transmitir certas mensagens ou arquivos, abrir mensagens, redirecionar mensagens, etc. E isto também deve ficar claro, por escrito, para o usuário, para que ambas as partes compreendam que o provedor não pode abrir mensagens, a não ser em casos de comprovada suspeita de estar havendo ato ilícito contratual ou legal.

A propriedade das mensagens e arquivos, textos, imagens, sons e programas de computador, entre outros produtos digitais que podem ser transmitidos por uma rede, é do usuário. O contrato deverá, entretanto, especificar que direitos tem o provedor de serviços em relação às mensagens e textos de que o usuário é dono. Excepcionalmente, alguns sistemas especificam que todas as mensagens e textos ali trocados e enviados seriam de domínio público; o que, evidentemente, é inadmissível para o usuário, o qual está apenas usando a internet como meio de transmissão.

Admitindo-se que a propriedade dos textos e mensagens é do usuário, o provedor dos serviços tem direitos (restritos) de propriedade sobre a compilação, ou resumo dos textos e mensagens, quando, por exemplo, produz resumos e textos de sua autoria de forma a ilustrar o assunto de que trata o grupo, quando for o caso. Pode-se dizer que o usuário tem direito sobre as obras individuais que originalmente introduziu na rede e o provedor de serviços sobre as “obras coletivas” das redes.

A RELAÇÃO DE TRABALHO “ONLINE”

Fica cada vez mais comum a existência de relação, com vínculo trabalhista, que opera de forma “online”, entre empregado e empregador, na internet, por isso os contratos de trabalho devem especificar as condições dessa relação, incluindo a questão da propriedade intelectual e, válido também para relações de trabalho convencionais, em que situações o empregador teria direito de “abrir” as mensagens do empregado.

A PIRATARIA DE SOFTWARE EM BBSs

Nos EUA, na Europa, e no Brasil, muitos BBS piratas são operados por jovens. Pirataria de software de entretenimento, jogos, etc. é comum entre jovens que usam computadores. Em alguns países, empresas de software preferem não propor ações judiciais contra tais jovens, e alguns juizes já decidiram não enquadrá-los legalmente por crimes contra copyright. “Sysops” de BBSs piratas usam falsos nomes e códigos no lugar de nomes reais, o que dificulta o enquadramento legal. “Sysops” piratas tem consciência da sua condição ilegal e mantém suas bibliotecas de software extremamente bem escondidas, autorizando acesso com muito cuidado. “Sysops” que permitem acesso livre a seus acervos de software desaparecem da mesma maneira que apareceram: isto é, instantaneamente.

Às vezes é necessário para o proprietário de programas, que está sendo prejudicado por pirataria, trabalhar em conjunto com um BBS e preparar uma espécie de armadilha para o pirata. Ainda há casos, nos Estados Unidos, em que várias empresas de software mantêm um investigador, empregado por tempo integral, sentado à frente de um PC/terminal várias horas por dia, operando um pequeno BBS, fora das instalações físicas da empresa, a título de atrair outros BBSs interessados em mostrar suas bibliotecas de programas. Nesse momento o investigador pode constatar, com relativa calma, se existem ou não programas sendo ilegalmente distribuídos.

Às vezes o BBS usa artifícios para disfarçar sua exata localização, ou seja, seu endereço físico. A ausência de endereço físico (rua, quadra, número, etc.) dificulta citar, intimar, realizar busca e apreensão ou tomar qualquer medida judicial. Busca e apreensão de programas ilegais, em BBSs, são feitas nos respectivos “hard disks” e memória RAM dos computadores.

Quando o proprietário de um programa decide entrar na justiça contra um provedor BBS, ele pode ter certeza de uma coisa: mesmo que consiga provar sua razão e interromper os atos de pirataria, ou até multar ou prender o(s) operador(es), poderá não haver chance de conseguir qualquer indenização, já que a maioria dos “Sysops” não cobram por uso e geralmente não possuem muito dinheiro. No máximo consegue-se apreender algum equipamento e dar publicidade ao fato. Mesmo assim, ações judiciais contra BBSs piratas tem se mostrado positivas em varios países. Elas baixam os índices de pirataria e deixam “Sysops” piratas preocupados, pois qualquer cliente/usuário novo pode ser um espião da policia, à procura de programas ou outros produtos ilegais.

PROVEDORES DE ACESSO NO BRASIL, O ICMS – IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS E O ISS – IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS

O Decreto nº 1.790, de 29 de abril de 1997, que aprova o RICMS – Regulamento do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre a Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação do Estado de Santa Catarina, que entrou em vigor a partir de 1º de maio de 1997 (D.O.E. Nº 15.664, de 29/04/97) estabelece, em seu Art. 1º, inciso III, que o ICMS tem como fato gerador as “…prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza.”

O mesmo Decreto estabelece, no Art. 3º, inciso VII, que considera-se ocorrido o fato gerador do ICMS no momento “… da prestação onerosa do serviço de comunicação feita por qualquer meio inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza.”

Provedores de acesso, em qualquer estado brasileiro, são prestadores de serviços que, por possuírem uma configuração de hardware adequada, fazem “timesharing”, ou blocagem de hora-máquina com utilização de área de disco rígido, particionada entre seus usuários.

Os usuários dos provedores de acesso são assinantes de linhas telefônicas que se “conectam” ao provedor. O provedor, por sua vez, também por linha telefônica, liga-se a um chamado “backbone”, ou concentrador, o qual, no Brasil, faz conexão com a Embratel, o que permite a comunicação do usuário com o restante do mundo. Todos, em qualquer estágio, pagam por comunicação telefônica – e o imposto recolhido é, sempre, o ICMS. Não há porque criar outros. Deixemos o ciberespaço com poucos impostos.

A prestação de serviço pelo provedor não se enquadra como “prestação onerosa de serviço de comunicação”, como no entender do RICMS – Regulamento do ICMS, pois as operações do provedor constituem atividade definida de modo totalmente diferente daquela cuja definição é sugerida pelo regulamento. Quando um provedor de acesso opera, seu serviço pode ser basicamente constituído de:

– cessão de uso, para uma pessoa física ou jurídica definida, de determinado espaço em disco, para depósito de informações de sua propriedade e responsabilidade, pagando um valor mensal que varia segundo a área do referido espaço;

– acesso síncrono/assíncrono a redes de computadores por meio de linhas telefônicas e com uso de protocolos, os quais também devem ser especificados. Alguns provedores permitem acesso por número ilimitado de horas;

– disponibilização de endereço de correio eletrônico eletrônico (e-mail) reconhecido nas redes de computadores, para que o usuário se comunique com outros que também possuam endereço eletrônico;

– acesso a “home-pages” e “mailing lists”;

– IRC – Internet Relay Chat.

Cada um destes serviços deve ser mencionado no contrato entre o provedor e seu cliente, além, evidentemente, de outros serviços específicos, do preço a ser pago, das especificações técnicas acerca de equipamentos e transmissões e direitos e deveres de ambos.

Entre os deveres do usuário, um dos mais polêmicos é identificado pela cláusula que trata da proibição de circulação de informação que vise ao comércio ou à propaganda, dirigida a usuários indistintos, a denominada prática do “spam”, havendo usuários que defendem o chamado “spam responsável”, ou seja propaganda honesta e que atinge o interesse do usuário, sem lhe causar incômodo ou qualquer tipo de constrangimento.

O “spam” é combatido, em primeiro lugar, pois pode ser praticado para espalhar “vírus” e “contaminar” sistemas, causando sérios prejuízos. Além disso o “spam” é, por si, considerado anti-ético, a não ser em raros casos em que existe efetivo benefício para o usuário. Exemplos clássicos de “spam responsável” foram a divulgação da prestação de serviços para se conseguir a cidadania norte-americana, feita por uma empresa de assessoria sediada em São Paulo e o anúncio dos sistemas de “callback”, que oferecem ligações telefônicas internacionais a preços reduzidos. São claramente condenados o envio mensagens do tipo pregação religiosa, “correntes de felicidade” e “pirâmides”, estas últimas oferecendo forma de enriquecimento rápido.

Os que defendem o “spam”, na sua forma consciente, mencionam o comercial da televisão, os anúncios de rádio e as propagandas em fitas de vídeo e as malas diretas convencionais, como forma de anúncio, ou divulgação de informação, não encomendada pelo usuário, mas que não o incomoda tanto, além de poder trazer-lhe benefícios.

O que se verifica, ainda hoje em dia, é que a internet ainda é uma “terra sem leis”, onde “sneakers” perambulam de um lugar para outro em busca de acesso a senhas proibidas e algo para copiar, “hackers” desaparecem sem deixar pistas e “sysops” piratas agem camuflados. Abrir um arquivo de origem desconhecida é considerado próximo do suicídio, quando se está online. Apesar disso, cresce o uso da internet para comercializar software e produtos em geral e algumas práticas começam a se definir como legais e ilegais, na medida que os países legislam sobre o assunto e os problemas são levados à justiça.

ALGUNS CASOS JUDICIAIS MAIS RECENTES

A Corte de Justiça de Hamburgo, na Holanda, decidiu que o criador de uma home-page na Internet é legalmente responsável pelo conteúdo de sua página e por qualquer página que esteja na relação de links de seu site.

No Brasil, uma admiradora do compositor de músicas populares Vinícius de Moraes criou uma home-page em sua homenagem, sendo obrigada a retirá-la da rede a pedido dos herdeiros do compositor, que consideraram violados os direitos autorais. O caso tornou-se de conhecimento público e vários outros sites foram criados, alguns anonimamente, outros em forma de protesto, demonstrando que na Internet o mecanismo legal não funciona da maneira usual.

Em outro caso, um residente em João Pessoa, capital da Paraíba, colocou alguns links pornográficos em sua home-page. Um funcionário do Tribunal de Justiça da Paraíba acessou a página e reclamou ao Juiz Onaldo Queiroga que, por sua vez, decidiu processar o menor por atentado ao pudor. A Curadoria da Infância, através da Promotoria de Justiça do Estado, encarregou-se da defesa do menor, por acreditar que as consequências da lide seriam piores do que o próprio conteúdo da página.

( Publicado originalmente em meu antigo domínio “HABEASDATA”, em outubro/2000 )

Existe limite jurisdicional na Internet?

Artigo publicado no site direito.com.br

 
Juliana Castelo Branco Protásio

– Se um brasileiro faz um site de nudez, pode ser condenado por um país islâmico?

Acredita-se que no âmbito jurisdicional abrangido pela Internet não existe nenhum país que seja completamente soberano, pois não haveria como controlar 100 milhões de pessoas, nem 150 milhões de endereços eletrônicos, ou qualquer dos números sempre vultuoso que cercam a Grande Rede.

É comum, quando estuda-se o limite da competência na Grande Rede, encontrarmos argumentos que afirmam que o usuário visita o site que quer, que a rede é mundial e nenhuma censura teria seu alcance completo e, principalmente, que a Internet segue a ética da liberdade, todavia surgem duvidas, tais como: se um menor cria um site de pedofilia, não está sua mente ainda em formação devendo ser instruída do valor moral e ético de seu ato? E, se um brasileiro faz um site de nudez hospedado no Brasil, pode ser condenado por um pais islâmico? E os cassinos em países que os permitem podem ter brasileiros como usuários?

Como podem ser solucionados esses impasses? O ideal seria que existissem acordos, contudo sabemos que seria utópico acreditar que todo o mundo assinaria tal acordo e, principalmente que o cumpriria.

Tal problema vem sendo amplamente discutido, sem, contudo, haver sido vislumbrada nenhuma solução, haja vista o constante pensamento em criar-se um tribunal especializado, porém acredito que a resposta para essas dúvidas não é complicada.

Sugiro que seja levado em consideração o fato do ato ser punível ou não no local em que se encontra o agente do fato, por exemplo, o brasileiro que invadir uma máquina canadense, o Governo brasileiro também puniria, um brasileiro que assinou um contrato com um site iraquiano, o Brasil poderá punir o brasileiro, se no Brasil o objeto do contrato for criminoso, pois deve ser do conhecimento do brasileiro que este está descumprindo a lei do seu país e não do webmaster iraquiano, já que tal ato não é considerado como crime em seu país.

Há, por exemplo, que se comunicar ao país estrangeiro caso seja identificado um site de pedofilia no Geocities (no caso, a pedofilia é crime tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos) e, punir os brasileiros que o acessarem (quando for possível, logo que a tecnologia permitir), mesmo que o site esteja hospedado em uma máquina em outro país o agente o fez tendo consciência da ilegalidade de seu ato.

Pode-se criar um tribunal orientador, o qual não resolveria todos os problemas relacionados a Internet em cada país mas, criaria diretrizes, que funcionariam como conselhos, e resolveria apenas os grandes impasses, contudo é dever de cada país regulamentar a Internet, abrindo lugar também para ouvir a opinião deste tribunal central orientador, caso este algum dia seja criado. Não há a necessidade de criar-se uma lei especifica para solucionar todos os casos relacionados à Internet no mundo, pois para isso, os crimes teriam que ser unificados, o que é utópico, uma vez que existem grandes diferenças culturais.

Quanto a competência interna devem ser aplicadas as normas já regulamentadas no Código de Processo Civil e Penal e, a depender do caso de competência externa, se algum processo ficar sem competência definida mas, tenha algum brasileiro envolvido, deverá o Brasil agir “supletivamente”.

Esta foi a solução por mim encontrada até o momento, porém pode ser que agora mesmo esteja sendo criada uma nova tecnologia capaz de jogar aos ares tudo o que aqui escrevi…

( Publicado originalmente em meu antigo domínio “HABEASDATA”, em outubro/2000 )

Serviços jurídicos on-line ferem ética da advocacia

Rubens Approbato Machado
Advogado, é presidente da OAB-SP

A informática vem entrando no mundo jurídico de duas formas: facilitando a vida do advogado e, ao mesmo tempo, colocando-o no limiar da fronteira ética. No primeiro caso, as facilidades decorrem da informatização do Judiciário, da qual a OAB-SP tem colaborado de forma decisiva, elaborando um anteprojeto de regulamentação do comércio eletrônico (nº 1.589/99) em tramitação na Câmara; promovendo parcerias com Fóruns, como o de Ribeirão Preto, para consultas on line de processos e outros serviços; disponibilizando acesso à legislação e jurisprudência nacional e internacional; promovendo inscrição e controle informatizado da Assistência Judiciária e colocando à disposição de todos os advogados do Estado um E-Mail gratuito no sentido de ampliar o serviço de petições virtuais, uma vez que o provedor da Ordem servirá de garantia de origem para todos os Tribunais do país.

Os serviços jurídicos na web constituem o outro lado da mesma moeda, ao ameaçarem cruzar a fronteira ética prescrita para a Advocacia. O Código de conduta profissional é bastante claro: ao advogado é vetado fazer captação de clientes, assim como prestar consultoria jurídica on line – mesmo aquela disfarçada em orientação ao consumidor – para quem não se constitua um cliente conhecido. Embora a publicidade informe, ela tende a exagerar nas qualidades do produto anunciado. A ética advocatícia repele a propaganda prestidigitadora de valores, porque transforma os serviços jurídicos em produto mercantil, utilizado para captar clientes ou causas. O advogado presta serviço público, trabalha pelo resgate da cidadania e exerce função social, reconhecida constitucionalmente, não podendo vender seu mister como “sabonete” para a massa de consumidores, em diferentes mídias.

O capítulo IV do Código de Ética, que trata da propaganda na profissão, é bastante explícito ao fixar que “o advogado pode anunciar os seus serviços profissionais, individual ou coletivamente, com discrição e moderação, para finalidade exclusivamente informativa, vedada a divulgação em conjunto de outra atividade”. O advogado pode promover a divulgação de seu nome, número de inscrição na Ordem e fazer referência a títulos e ramos do Direito em que atua. Há quem professe uma postura mais flexível por parte da Ordem diante do incremento da concorrência, mas em questões éticas, o próprio Conselho de Presidentes da Seccional, em sua última reunião, ponderou que a entidade deve refletir profundamente antes de sugerir mudanças para não suscitar abusos ainda maiores. O Direito não pode ser restrito a ter função e rentabilidade. Prescinde, também, de sentido.

O Código de Ética e Disciplina da Advocacia é recente, data de 1994, e substituiu o Código elaborado pelo prof. Francisco Morato, da década de 30. Portanto, as prescrições que regem a publicidade da profissão nada têm de conservadora ou radical, incorporaram mudanças, buscando acumular diretrizes éticas que sempre nortearam a profissão. O Código Internacional de Ética do Advogado, da International Bar Association, é muito mais severo do que o brasileiro na questão da publicidade. Estabelece “Ser contrária à dignidade do advogado recorrer a anúncio”. No entanto, não impede os constantes abusos praticados nos Estados Unidos, onde a publicidade dos advogados já atingiram mídias pouco discretas, como os outdoors.

A OAB-SP estará atenta aos excessos praticados na web, seja por ignorância ou oportunismo. A ética é uma imposição profissional e uma demanda da classe e da sociedade. Por isso mesmo é a única profissão que reconhece publicamente a falha de seus membros, dando divulgação às punições de seus filiados, de forma transparente. Não omite nem acoberta sob o manto do corporativismo os desvios de conduta de seus profissionais – que não chegam a 3% da totalidade – no sentido de que possam servir de alerta e balizamento aos demais. No caso da Internet, manterá a mesma postura vigilante e preventiva, que lhe é atribuída estatutariamente.

( Publicado originalmente em meu antigo domínio “HABEASDATA”, em agosto/2000 )

Internética

( Publicado originalmente em meu antigo domínio “HABEASDATA”, em julho/2000 )

INTERNET – NOME FANTASIA – SENHA DE ACESSO – ESPECIALIZAÇÃO – USO DE ÍCONE PARA FACILITAÇÃO DE E-MAIL – DIZERES DO ANÚNCIO

Processo n. E-2.155/00
Relator – Dr. JOÃO TEIXEIRA GRANDE
Revisor – Dr. JOSÉ ROBERTO BOTTINO
Presidente – Dr. ROBISON BARONI
Julgamento – 27/07/00 – v.u.

RELATÓRIO

Um jovem e uma jovem, advogados recém-formados, com sociedade profissional devidamente inscrita nesta Seccional da OAB, formulam consulta sobre procedimento a ser adotado em página na internet.

Inicialmente, louve-se a iniciativa, porque, como se verá, demonstra preocupação e atenção às normas éticas, além de trazer indagações novas e bem formuladas.

“A presente Carta-Consulta tem por fito a elucidação acerca da publicidade (e não propaganda) de sociedade de advogados, veiculada através de página eletrônica na Internet (rede mundial de computadores).”

A seguir, reportam-se os consulentes à campanha “Ética – A Bandeira do Advogado”, bem como a orientação deste Tribunal Deontológico sobre criação, manutenção, conteúdo e limites ético-profissionais, citando cinco decisões anteriores sobre a matéria.

Formulam quatro indagações, sendo de se destacar a exposição clara e gramaticalmente correta, prejudicados hoje em dia tão raros, mas essenciais para o bom profissional.

Primeira – O endereço eletrônico constitui nome fantasia?

Discorrendo sobre o tema, destacam que a empresa consultada para criar a página na Internet salientou que, tecnicamente, o endereço com o nome oficial do escritório, www.________________, não seria prático e, ao contrário, poderia criar dificuldade de acesso porque o vocábulo Bühler, de origem suiça, contém trema sobre o u. Além disso, poderia ocorrer a troca do hl por lh. Em qualquer hipótese, o acesso seria impossível. Impor-se-ia, pois, a adoção de um endereço eletrônico mais simples, que os consulentes não sugerem, mas temem venha a caracterizar nome fantasia.

A Internet, como rede mundial de comunicação, evidentemente tem suas características de inovação e tecnicidade que exigem adaptações às suas regras mecânicas. Assim, a facilidade de acesso é inerente às suas funções, devendo os interessados atentarem para esse aspecto, sob pena de prejudicarem o próprio objetivo. O endereço de acesso, de outra parte, é apenas um endereço. E como qualquer outro mais convencional, é único, com a diferença de que pode ser criado pelo titular. Mas, por ser endereço, e como tal mera informação de localização geográfica ou virtual, nada tem a ver com o nome fantasia. É verdade que o endereço eletrônico, via de regra, se destaca pela parecença com o nome de seu titular, o que não o descaracteriza como informe de localização. O endereço na Internet, portanto, é um destino para comunicação, que tanto pode ser criado com letras ou palavras estranhas ao titular, como parecidas, sem constituir nome fantasia, vedado pelo Código de Ética Profissional.

Segunda – Utilização de senha para clientes efetivos. Dizem: “Obviamente, a relação de pessoalidade tão aclamada por este E. Tribunal e por todos os profissionais que realmente primam pela prática correta, honesta e transparente da advocacia NÃO pode e NÃO deve ser esquecida.” Partindo desse princípio, os consulentes pretendem a atribuição de senhas aos clientes do escritório, de forma a que eles tenham acesso mais prático e seguro às informações que lhes dizem respeito, respectivamente. Vale dizer, cada cliente terá seu corredor privativo para chegar aos seus interesses, dentro da página do escritório.

É sabido, e bem sabido, que a navegação na Internet faculta acesso gratuito a incontáveis informações, das mais variadas naturezas. Ao se tratar, porém, de comunicação privativa, há que se adotar mecanismo de segurança que é a senha individual. Estabelecimentos bancários, comerciais, industriais, governamentais, organizacionais, enfim, toda instituição que se valha da rede mundial adota, impreterivelmente, senha para segurança do sigilo nas transmissões. Da mesma forma, cliente e advogado devem primar pelo segredo do que tratam entre si, seja por comunicação epistolar, telefônica, pessoal, pela Internet. Assim, não há infração ética na adoção de senha para comunicação privada entre cliente e advogados, via Internet, mas, ao contrário, deve existir exatamente para preservar o sigilo preconizado nos artigos 25 a 27 do Código de Ética Profissional.

Terceira – A “especialização” a que se refere o § 2º do artigo 29 implica necesariamente em formação curricular como pós-graduação, doutorado etc.? Podem ser usadas expressões como “Advocacia Previdenciária”, “Escritório de Advocacia especializado em Direito Previdenciário”, “Escritório de Advocacia com atuação na área de Direito Previdenciário”?

A dedicação do profissional a uma das muitas áreas do Direito resulta em lhe dar a característica de especializado naquela matéria. Por preferência pessoal, por talendo inato, por aprendizado em escritório da família, por resultado de estágio ou por qualquer outra razão que a sorte lhe tenha destinado, o advogado se torna especialista. O gosto pela atuação, a preocupação com o aperfeiçoamento, o interesse profissional e até mesmo a justa vaidade pessoal por título acadêmico podem levar o advogado novamente ao banco acadêmico, para continuidade dos estudos. Adquirirá, então o título de pós-graduado, doutor etc., em determinada matéria, sendo um especialista.

Todavia, a dedicação com maior afinco ao ramo escolhido, mesmo sem cursos posteriores à colação de grau, atribui ao advogado a condição de especialista. O estudo metódico, as causas repetidas, os arrazoados com fundamentação, a pesquisa, leituras esparsas, troca de pareceres com colegas, consultas aos mais experientes, dentre outras possibilidades de aprendizado levam ao aprimoramento, ao conhecimento profundo do tema, à especialização. Por isso, poderá o advogado dizer-se especialista sem ter freqüentado cursos específicos, sem pós-graduações. Não fere a Ética anunciar-se especialista, estando o anúncio dentro dos critérios próprios. A propósito, temos que a parcimônia nos dizeres do anúncio recomendam seja adotada a expressão “Advocacia Previdenciária”, por ser um ramo definido do Direito e, por abrangente, indica a especialidade do escritório.

Quarta – Ícone de acesso. Pretendem ter na página o ícone “Entrar em contato” para proporcionar ao cliente a rapidez no acesso. Sob o argumento de que a Internet só é usada por pessoa interessada, entendem que não há oferta indiscriminada e, portanto, captação de cliente. O ícone “tem por função abrir o editor de mesagens (e-mail)…”.

Se se considerar que a Internet é mecanismo de comunicação rápida, dentre outro atributos, toda tecnologia que se preste a essa finalidade deve ser aceita e adotada, por válida. Importante é ter o usuário consciência da utilização que fará, do teor de suas mensagens, para não infringir normas de boa conduta, no caso ética profissional. A maneira com que estabelece a ponte de conversação é lícita se não se destinar a captação de causas ou clientes. É verdade que essa porta, além de facilitar o cliente já constituído, poderá ensejar que qualquer estranho por ela adentre para estabelecer um contato, para colocar seu problema, para fazer uma consulta ou para agendá-la. O problema é muito sério porque desde que exista uma página eletrônica sempre haverá a possibilidade de cliente novo por ela entrar, o que caracterizaria uma forma de captação. Mas mesmo sem o ícone especial para e-mail o navegante interessado poderá acessar o endereço eletrônico e remeter sua mensagem, por via do servidor que adota. Assim, para se evitar procura indefinida, por estranho, só abolindo a Internet, isto é, a permissão para o advogado nela ingressar. Como isso não é possível, nem justo, resta que cada profissional haja com ética, e à OAB puna os faltosos. A solução que se nos parece viável, é recomendar ao advogado que, se procurado via Internet por pessoa sem qualquer recomendação, que a chame e a atenda pessoalmente, em seu escritório, com todos os cuidados da pessoalidade e do sigilo. A página na Internet, em última instância, se assemelha à placa colocada na fachada do prédio, ou ao discreto anúncio publicado nos termos dos artigos 28 a 34 do Código de Ética, os quais favorecem a entrada de qualquer pessoa que pela rua esteja passando, à procura de advogado, ou esteja folheando um periódico. Há muita semelhança da página na Internet com a mala direta, senão pior, sob o aspecto publicidade imoderada e captação, com a única diferença de que na Internet entra quem quer, quem precisa, quem procura especificamente. Caso contrário, basta não navegar naqueles ares. Já a mala direta tem nome e endereço de destinatário, obtido muitas vezes pela venda de pacotes, sem prévia autorização do arrolado. A mala direta é vedada e punida, o mesmo devendo acontecer com o advogado ou escritório criador de página na Internet que se exponha desmesuradamente, dando o cunho mercantilista à sua atuação.

Isto posto, resta atentar para o que os consulentes denominam de “esboço ilustrativo, elaborado por uma empresa especializada e responsável pela disponibilização e manutenção de páginas na Internet.”

O primeiro esboço constitui a página de entrada, indicando as demais e tendo ao alto o nome da sociedade de advogados, tal qual registro na OAB. A segunda, traz os nomes dos dois sócios e a qualidade de inscritos na OAB, porém sem os respectivos números de inscrição, que devem ser inseridos conforme exige o art. 29 do Código de Ética. A terceira, com o título Especialidade, apresenta três modelos de dizeres indicando a área de atuação, os quais extrapolam o desejável e permitido, recomendando-se seja adotado o mais simples, informando assessoria, consultoria e causas judiciais no direito Previdenciário. Sobre o endereço geográfico do escritório e links para acesso a outras fontes de direito, nada a acrescentar.

É o nosso parecer, para apreciação desta Colenda Corte.

EMENTA

INTERNET – NOME FANTASIA – SENHA DE ACESSO – ESPECIALIZAÇÃO – USO DE ÍCONE PARA FACILITAÇÃO DE E-MAIL – DIZERES DO ANÚNCIO – O endereço eletrônico diferente do nome da sociedade ou do advogado não constitui nome fantasia, especialmente em face dos dados da consulta, dadas suas características de brevidade e acentuação gráfica. O advogado pode instituir senha para cada cliente ter acesso às próprias informações e para se comunicar e mantendo sigilo na comunicação. Para se dizer especializado em determinada área do direito, o advogado não necessita cursar pós-graduação, bastando a efetiva dedicação, estudo, pesquisa, trabalhos elaborados, constância e conhecimento específico. A criação de ícone no site para facilitar o envio de mensagens (e-mail) é possível, ainda que facilite a entrada de estranhos, mas cabe ao advogado policiar sua conduta e providenciar o contato pessoal com o cliente, sob pena de infringir a ética e de se sujeitar às penalidades estatutárias. Os dizeres ao longo de sua página devem ser comedidos, com anúncios discretos e informativos, sem mercantilização e intuito de captação de clientes, sendo obrigatório o nome completo, número de inscrição na OAB e endereço. v.u. do parecer e ementa do Rel. Dr. JOÃO TEIXEIRA GRANDE – Rev. Dr. JOSÉ ROBERTO BOTTINO – Presidente Dr. ROBISON BARONI – 27/07/00.

Internética

( Publicado originalmente em meu antigo domínio “HABEASDATA”, em julho/2000 )

INTERNET – SITE SOB O TÍTULO “SOLUÇÕES ON-LINE PARA PROBLEMAS COM A LEI” – CONSULTA DA SECCIONAL DE SANTA CATARINA

Processo n. E-2.192/00
Relatora – Dra. ROSELI PRÍNCIPE THOMÉ
Revisor – Dr. JOÃO TEIXEIRA GRANDE
Presidente – Dr. ROBISON BARONI
Julgamento – 27/07/00 – v.u.

RELATÓRIO

A presente consulta é formulada pelo D. Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de Santa Catarina.

Relata que no Jornal Gazeta Mercantil, de 09.06.00, houve uma matéria publicada sob o título “Soluções on-line para problemas com a lei” (fls.05).

Entende o nobre presidente daquele Sodalício “que a criação de portais como exposto no aludido artigo afronta o Código de Ética e Disciplina, arts. 28 a 33 (CAP. IV), que trata da PUBLICIDADE”.

Diz mais.

“O advogado que vier a associar-se a empresas similares a UNIJURIS, como consta da matéria, estarão sem sobra de dúvida utilizando de anúncio ostensivo, via internet as devidas proporções, os anúncios em jornais, revistas, rádios e televisão”.

“Logo, mesmo não estando inserido no capítulo da publicidade retro mencionada tal tipo de divulgação de serviço, é notório que configura-se violação ao mesmo”.

Solicita posicionamento a respeito, orientando as Seccionais.

É o relatório.

PARECER

Com toda razão o nobre Consulente, quando afirma que os “sites” constantes da matéria veiculada em jornal de grande circulação ferem o Código de Ética e Disciplina.

Li e reli a matéria, sublinhando dados importantíssimos, dela constando:

“O Unijuris surgiu da associação entre o advogado João Carlos Kurtz, ex-procurador do Estado de Santa Catarina, e a Paradigma, empresa especializada em sistemas para comércio eletrônico”.

“Em fase mais embrionária está a Digesto.net, também em Florianópolis. Segundo um de seus criadores Hugo Hoeschi, procurador nacional em Santa Catarina, o foco do site é ajudar as pessoas comuns a obter serviços jurídicos de forma mais descomplicada”.

É assombrosa a notícia, vez que trata-se, com certeza de matéria publicitária, com “serviços” destinados a um número absurdo de pessoas, por advogados, que ainda prestaram ou prestam serviços a órgãos públicos.

É assustador tomar conhecimento de uma situação tão constrangedora, que tanto denigre a nobre profissão do advogado.

A gama de infrações éticas que vem sendo praticadas pelos advogados é tão grande, que irei por diferenciá-los.

A primeira, diz respeito à própria matéria em si, consoante preceitua o artigo 32 do Código de Ética e Disciplina, que diz:

“O advogado que eventualmente participar de programa de televisão ou rádio, ou de entrevista na imprensa, de reportagem televisionada, ou de qualquer outro meio, para manifestação profissional, deve visar objetivos exclusivamente ilustrativos, sem propósito de promoção pessoal ou profissional, vedados os pronunciamentos sobre métodos de trabalhos usados por seus colegas de profissão.

Parágrafo único. Quando convidado para manifestação pública, por qualquer modo e forma, visando ao esclarecimento de tema jurídico de interesse geral, deve o advogado evitar insinuações a promoção pessoal ou profissional, bem como o debate de caráter sensacionalista”.

A segunda refere-se à publicidade imoderada.

A publicidade do advogado vem perfeitamente delineada nos artigos 28 e seguintes do Código de Ética e Disciplina.

Este Tribunal tem decidido, sempre de forma unânime, que com relação à internet, existe a possibilidade de anúncio, mas nos moldes do artigo 29 do Código de Ética e Disciplina, fazendo constar o nome completo do advogado e o número da inscrição na OAB, referências a títulos ou qualificações profissionais, especializações técnico-científica e associações culturais e científicas, endereços, horários de expediente e meios de comunicação, vedada a utilização de nome fantasia.

Nada mais.

O além de tal determinação, configura clara infração ética.

A terceira é a clara e evidente captação de clientela.

Estes serviços de orientação jurídica, tanto pela internet, quanto pela linha 900, ou mesmo serviço de Bip, configuram patente angariação de clientes.

Isto porque, como já afirmado, o número de pessoas que terá acesso aos indigitados “sites” são totalmente imprevisíveis, implicando, destarte, na mercantilização da profissão do advogado.

E não é só.

Imagino as situações aqui existentes e relatadas de total ausência de compromisso, de sigilo, de confiança, imprescindíveis à nossa atividade.

Orientando as seccionais, conforme elucida o nobre Consulente, entendo que cabe aqui de imediato a aplicação do artigo 48 do Código de Ética e Disciplina, que afirma:

“Sempre que tenha conhecimento de transgressão das normas deste Código, do Estatuto, do Regulamento Geral e dos Provimentos, o Presidente do Conselho Seccional, da Subsecção, ou do Tribunal de Ética e Disciplina deve chamar a atenção do responsável para o dispositivo violado, sem prejuízo da instauração do competente procedimento para apuração das infrações e aplicação das penalidades cominadas”.

Então o presidente da seccional Consulente poderá oficiar aos advogados constantes da matéria, para que cessem imediatamente o “site”, sem prejuízo de determinar a instauração do processo disciplinar competente.

O nobre Presidente deste Tribunal de Ética e Disciplina I, na sua obra Cartilha da Ética Profissional do Advogado, 3ª Edição, LTr, ensina:

“O grande trabalho é fazer com que as pessoas entendam que princípios éticos são regras básicas para a tomada de decisões, em quaisquer situações, com ou sem a presença de alguém, e não fatores a serem considerados, como é difundido, principalmente no campo mercadológico.

Há de se ter em mente que é aceitável perder; na realidade, é preferível perder a mentir, roubar, lograr, insinuar, dissimular, etc. Assim, as pessoas que por si, por costume ou formação, não estão dispostas a perder, certamente estarão propensas a fazer tudo o necessário para ganhar, ou levar vantagem em todas as situações”.

Estes não interessam à nobre classe.

Interessam-nos aqueles que tendo conduta ética enobreçam a nossa profissão.

É o parecer que submeto aos nobres pares.

EMENTA

INTERNET – SITE SOB O TÍTULO “SOLUÇÕES ON-LINE PARA PROBLEMAS COM A LEI” – CONSULTA DA SECCIONAL DE SANTA CATARINA – O Código de Ética e Disciplina da OAB não veda ao advogado o simples anúncio informativo, mas a propaganda indiscriminada, com oferta de soluções para problemas jurídicos. A oferta de serviços jurídicos, como solução on-line para problemas com a Lei, extrapola os princípios da discrição e moderação que devem nortear a conduta profissional, além de ferir os princípios da pessoalidade e da confiança que devem emergir da relação cliente/advogado. A matéria veiculada em jornal de grande circulação demonstra que deixaram de ser observadas as regras contidas nos artigos 7º, 28, 29 e 32, dentre outros, do Código de Ética e Disciplina. O consulente poderá tomar todas as providências preconizadas pelo art. 48 do CED, oficiando aos infratores para que cessem de imediato a prática, sem prejuízo da instauraçào de procedimento disciplinar. v.u. do parecer e ementa da Rel.ª Dr.ª ROSELI PRÍNCIPE THOMÉ – Rev. Dr. JOÃO TEIXEIRA GRANDE – Presidente Dr. ROBISON BARONI – 27/07/00.

Internética

( Publicado originalmente em meu antigo domínio “HABEASDATA”, em junho/2000 )

INTERNET – SITE CONTENDO PERGUNTAS DE CLIENTES E RESPOSTAS POR ADVOGADO MEDIANTE COBRANÇA VIA CARTÃO DE CRÉDITO – ATITUDE ANTIÉTICA

Processo n. E-2.136/00
Relator – Dr. CLÁUDIO FELIPPE ZALAF
Revisor – Dr.LICÍNIO DOS SANTOS SILVA FILHO
Presidente – Dr. ROBISON BARONI
Julgamento – 15/06/00 – v.u.

RELATÓRIO

O Consulente, advogado inscrito na OAB/SP, consulta este Tribunal, alegando em síntese, o seguinte:

a) Que está com uma site montada na Internet, prestes a ser colocada em atividade;

b) Alega que a referida site ou portal destina-se à prestação de serviços de consultoria eletrônica (perguntas-respostas), e que tais serviços são uma espécie de pré consulta jurídica ou consultas simplificadas. Na primeira etapa de 90 dias, as consultas serão gratuitas, posteriormente serão cobradas via cartão de crédito;

c) Alega o Consulente que já realizou tais consultas como testes em estagiários da Faculdade de Direito da cidade do interior paulista, no qual formalizavam suas perguntas e que estas eram respondidas pelo seu escritório, via Internet;

d) Anuncia várias perguntas, algumas anunciadas pelo Relator neste momento;

e) Alega que os testes demonstram que a idéia é viável, permitindo que as pessoas busquem soluções para problemas, que muitas vezes estão pendentes, sem saírem de casa ou do local de trabalho, incentivando a busca dos seus direitos de cidadãos, e também estimulando a contratação de advogados.

PERGUNTA EM FORMA DE DÚVIDA:

1. Os serviços que prestará serão do tipo pergunta-resposta, via Internet, deste modo não terá despesas qualquer e como o Consulente é “pioneiro” neste tipo de atividade, não existe tabela para cobrança de serviços, pensando em cobrar por uma resposta eletrônica o valor mínimo de vinte reais e quanto tratar-se de pessoa jurídica, um salário mínimo.

2. Entende não vislumbrar qualquer violação do Código de Ética e Disciplina, gostando de saber a opinião da OAB;

3. Está usando um BANNER ELETRÔNICO (Espécie de cabeçalho) no início da Home Page, os seguintes dizeres, alternativamente:

“consulte sempre um advogado(a); sem advogado(a) não se faz Justiça; Com advogado(a) se faz Justiça; consulte um (a) advogado(a) você tem direitos”.

Pergunta se existe a necessidade de autorização para uso destas frases.

É o relatório.

PARECER

Muito embora o Consulente venha à esta Corte solicitar informações a respeito de montar um site na Internet, “prestes a ser colocada em atividade”, conforme alude, sua prática anterior à esta já se me parece antiético, porquanto já realizada tal sistema de perguntas e respostas à alunos da Faculdade de Direito, daquela cidade, face a captação de clientela potencial.

No que diz respeito à prestação de serviços via Internet, com perguntas e respostas, e mediante a cobrança de vinte reais, e um salário mínimo, se pessoa jurídica, pagamentos que serão feitos via cartão de crédito, me configura antiético e contrário ao que já tem sido decidido por esta Corte, conforme Processo E-1.976/99 (V.U. relator Dr. Luiz Carlos Branco e Revisor Dr. João Teixeira Grande); Processo E-2.020/99 (V.M. do parecer e ementa da Drª. Maria Cristina Zucchi) e outros (processos E-1.453; E-1.471; E-1.640 e E-1.877).

A simples inserção de anúncio ou informação, discretos e moderados, via Internet, não redunda em restrição por parte do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB, uma vez que se observe os limites estabelecidos pelo Código de Ética e Disciplina, sem seus arts. 28 a 34 e a Resolução nº. 02 desta Corte.

Por outro lado, a oferta de serviços, seja por meio de pergunta e respostas, com cobrança de quantia mínima de vinte reais e, no caso de pessoas jurídicas, um salário mínimo, me conduz a concluir pela situação antiética contida nesta consulta, face a prática ilegal deste tipo de cobrança e a captação de clientela. Acrescenta-se o fato de que os valores acima aludidos poderão ser “cobrados via cartão de crédito”, conforme alude a vestibular, mercantilizando a profissão e quebrando o sigilo profissional do cliente.

O Consulente alega que está utilizando um banner eletrônico com dos dizeres já relatados, tais como “consulte sempre um advogado”, etc.., nada vejo de antiético, porém, não de haver menções alusivas ao Consulente com a pretensão de captação de clientela e concorrência desleal com seu pares.

Diante do exposto, evitando o alongamento desnecessário deste parecer, concluo para responder:

a) A prática dos fatos narrados pelo Consulente e por ele pretendida, se configura antiética, como também entendo ser antiética a prática dos fatos narrados na consulta nas consultas formuladas pelos universitários e respondida pelo Consulente via Internet de seu escritório de advocacia;

b) Com referência se pode utilizar as frases aludidas, nada existe de antipático, ao contrário, tal divulgação sempre é recomendável, deixando ao cliente a livre escolha de seu advogado ou escritório.

É o meu parecer.

EMENTA

INTERNET – SITE CONTENDO PERGUNTAS DE CLIENTES E RESPOSTAS POR ADVOGADO MEDIANTE COBRANÇA VIA CARTÃO DE CRÉDITO – ATITUDE ANTIÉTICA – Reveste-se de caráter antiético, site ou portal montados na Internet destinado a prestação de serviços denominada Consultoria Eletrônica, contendo perguntas e respostas mediante cobrança, seja pela via direta ou via cartão de crédito. v.u. do parecer e ementa do Relator Dr. CLÁUDIO FELIPPE ZALAF – Revisor Dr. LICÍNIO DOS SANTOS SILVA FILHO – Presidente Dr. ROBISON BARONI – 15/06/00.