Casórios modernos

(Aviso aos Navegantes: os gnomos revisores/censores que vivem nas entranhas deste blog classificaram este post como altamente herege e sarcástico. Se você for do tipo que fica indignado com coisas desse tipo, então pare agora e aguarde algum próximo texto não tão carregado. Pode voltar à sua leitura de Pollyana Moça, aos seus afazeres normais ou seja lá o que for que pessoas como você costumam fazer. Não diga que não avisei.)

Resolveu continuar, hein? Além de herege, curioso…

Pois bem. Disaôje (como dizia minha Bisa) fomos a um casamento. A filha mais velha de um antigo amigo de uma outra vida. Literalmente, a vi nascer – o que comprova que eu estou mais pra curva de pra lá de Marrakesh, mas não ainda do Cabo da Boa Esperança.

Bem, enfim. Fomos ao casamento. Lugarzinho longe mas bem agradável: um clube, no campo, com muita mata, muito verde, muita estrada, muita chuva, etc. A noiva atrasou somente uma hora, o que está dentro dos padrões internacionais aceitos pela ABNT e homologado pela ONU para eventos de igual porte e estilo. Chegou, com a habitual pompa e circunstância (sempre adorei esse termo) que lhe é peculiar, foi adentrando o recinto, toda sorridente, até engatar no braço do noivo de uma maneira tal que, estou certo, nunca mais deve largar.

Até aí estava tudo indo muito bem.

Então ouvimos uma voz chamando a atenção de toda a congregação. Ou melhor, dos convidados. De imediato a Dona Patroa ressaltou que o pastor tinha uma voz muito feminina. “Será que talvez não seja porque ele é uma mulher?” Perguntei-lhe. Ela foi obrigada a concordar comigo. E olha que já é a segunda vez neste semestre! É sempre bom pro ego quando a gente usualmente tem razão…

Bem, os noivos posicionados, eis que ela começa a preleção. E de uma maneira inusitada! Agradeceu a presença de todos e ressaltou que ainda estava faltando alguém muito importante. Seriam os avós de algum deles, perguntei para mim mesmo. Mas não. Ela continuou: “Convido a adentrar este recinto aquele que está faltando nesta reunião, alguém muito importante e que não poderia faltar! Convido ao Todo Poderoso para que entre por este corredor, por este tapete, e venha nos abençoar a todos! Vamos, Senhor, pode vir! Venha, Senhor!” Automaticamente todos olharam pra trás, pelo tapete, pelo corredor, pela porta afora. Juro que quase fui. Já me imaginei ali, entrando, a passos largos, um falso sorriso constrangido, acenando para todos, piscadelas para as moçoilas, o escambau. Mas algo me disse que era melhor me conter. Talvez o olhar de fúria da Dona Patroa quando me propus a isso. E, assim, me contive.

Dali em diante ela passou a hora seguinte (eu disse “hora”? pareceu bem mais…) pregando, na minha opinião, toda e qualquer idéia relacionada a casamento que lhe viesse na cabeça. Nem pouco, nem menos. Professores de cursos de oratória de todo esse lado do estado devem ter passado mal com a energia emanada da tamanha falta de coesão, métrica e foco demonstrada em tão pouco tempo (eu disse “pouco”?).

Aliás, ela não estava sozinha, não! O gentil cavalheiro que pairava ao lado da distinta também era pastor! E ela, já nas primeiras palavras, ressaltou que estava ali presente juntamente com o pastor sei-lá-o-nome-do-caboclo. Ainda que ele não abrisse a boca um momento sequer. “Deve ser alguma espécie de pastor-estagiário”, pensei comigo mesmo.

Como se já não bastasse, após tudo isso, ela ainda me soltou a seguinte frase: “Tô percebendo, pela carinha de vocês, que já deve estar na hora de trocar as alianças!” Putz, eu também já estava percebendo! Juro! Eu e as demais 1.469 pessoas do salão. Mas esse ainda não foi o ponto. O ponto foi quando da surreal sequência:

– Vamos lá, então, gente, vamos ver o que ele responde! E daí, o que você responde?

– Siiiiiiiiiiimmm! (Brincadeira, não foi assim não, foi muito mais sério que isso. O que não altera em nada o desfecho.)

– Ele disse sim! ELE DISSE SIM! Gente, ai que chique!

“Ai que chique”? Em quantos missais vocês já ouviram isso, hein? Não contente, logo na sequência, quando da noiva, ela me soltou:

– Ah! Ela TAMBÉM disse sim! Gente, ai que ma-ra-vi-lha!

É sério. Olhei para os lados para dar uma conferida onde a gente estava. Em qual centro fomos parar. Não, somente a noiva estava de branco, então não podia ser algum outro onde a Hebe tivesse baixado ali e reencarnado para dar o ar de sua graça, presença e pieguice. Aquilo era DELA mesmo… Mas ainda teríamos mais! Logo após os votos dos noivos um para o outro – coisa bonita, que nem aqueles dos filmes (por mais curtos que tenham sidos) – ela deu uns dois passos para trás, quase caiu, olhou para os nubentes e com aquele sorriso puro e franco de um filme de terror, soltou mais essa, no melhor estilo Sazón:

– Ai, gente, olha como o amor é lindo!

Ok, sei que eu estava com o meu sarcasmo em mode on e carregado com a bateria até no talo, mas foi complicado estar ali, viu, gente? As sequências seguintes foram acompanhadas externamente por meu semblante sereno e dedicado a uma cerimônia do porte, mas internamente eu, irônico que sou, só aguardava a próxima tirada para soltar das minhas – ainda que somente em pensamento. Me sentia fazendo escárnio num programa de auditório. Cruel, eu sei, mas este sou eu, que fazer? Vamos lá:

“Agora vamos consagrar as alianças, mergulhando-as no no azeite.” Por quê? Senão não entra? Tudo bem que os noivos parecem estar meio gordinhos, mas não me parece que seja pra tanto…

“Olha, gente, como ela está tremendo de emoção!” Emoção? Com aqueles ombros de fora, o vento que está fazendo e a chuva que está caindo? Ela está é com frio, caramba!

“E vocês deverão lembrar que o homem é a cabeça do casal.” Hah! Piada pronta! Não conhecem? Então tá. De fato o homem é a cabeça do casal; mas a mulher é o pescoço: vira a cabeça pra onde quiser!

Bem, foram tantas tiradas que acho que não vai dar pra lembrar de todas. Dentre outras, vamos combinar que não é lá muito comum alguém, ainda que seja uma pastora em suas orações, referir-se ao Senhor ora pelo respeitoso termo “Deus Altíssimo Onipotente”, ora pelo intimista e quase infantil “Papai”. Ao menos não numa cerimônia de casamento…

Mas ainda teríamos a homenagem final. Uma dançarina. Não, cambada de hereges! Não ESSE tipo de dançarina! Não tinha nenhum dos costumeiros sete véus nela. Se bem que, dada a performance e a silhueta, talvez tenha sido até bom… Mas o que de fato aconteceu é que uma moçoila, vestida com o que eu achei ser uma espécie de túnica, desenvolveu toda uma performance ao som da mais apurada e decibelística música gospel que o momento pedia. Pedia? Bem, manjam aquelas pessoas que dançam “interpretando” a música? Então. Dava até para ver os lábios se movendo em conjunto… Ainda bem que Jennifer Beals (aquela, do filme Flashdance) não estava por ali pra ver aquilo…

Bem, finalmente fomos para as orações finais. E, é lógico, desta vez em conjunto com a platéia a congregação os convidados.

“Quem é a noiva de Jesus?” Nessa hora fui sumariamente aquietado com um bom chute na canela e não tive oportunidade de tecer nenhum comentário sobre Madalena, enquanto que os demais respondiam “é a Igreja!”

“Agora vamos pedir a Deus que nos dê direção!” Mais piada pronta, ao menos na minha cabeça. Não teve como não lembrar de uma tirinha do Laerte – esta aqui.

“E agora o beijo! O pessoal tá esperando o beijinho de vocês! Vamos lá! Não, não valeu! De novo! Ainda não valeu! De novo! Não vale-eu! De novo! Ai, geeeeente, que liiiiindo!!!”

Agora acho que já sei o porquê de o buffet não ter deixado talheres nas mesas. Facas, pulsos, pensamentos suicidas… Com tudo isso já deu pra imaginar, né?

Mas enfim, após os cumprimentos à noiva – que sim, estava linda – e ao noivo – que estava muito bem apessoado (jamais me ouvirão chamar um ser masculino de “lindo”) – o ponto alto de tudo isso ainda estava por vir e eu não tinha sequer me tocado.

Bem, não foi difícil para vocês perceberem que estávamos num casamento evangélico, certo?

AH – HA! Exatamente!

Isso mesmo.

Absolutamente nem uma gota de álcool!

De novo.

O (justo) fim de um longo relacionamento

Acabou.

Finalmente, acabou!

Confesso que não foi uma relação das mais estáveis… Por vezes tudo o que você sabia – e conseguia! – era me importunar. É, me incomodar mesmo! E, sim, nos piores momentos possíveis! Com sua voz estridente me chamava, de longe, onde quer que eu estivesse! E, vamos combinar? Invariavelmente você tinha o dom era de me trazer problemas. Pôxa, ô criatura complicada! E, pior: não tinha hora não! Quantas e quantas vezes eu estava lá, dormindo, tranquilo (isso depois de um dia inteiro juntos, hein?) e você ainda conseguia me acordar para lhe atender… E você sabe que nem sempre era nada urgente, né? Sim, você sabe. Mas eu, fiel que sou, não deixava de te dar atenção…

Isso sem falar nas nossas brigas! Homéricas! Quantas outras vezes fiquei com vontade de, literalmente, te atirar contra uma parede? Acho que perdi a conta. Isso sem nem lembrar de quando você perdia a paciência e nem conseguia falar direito. Aí quem perdia a paciência era eu. Porque não conseguia te entender. Tinha ganas de te apertar, de te esganar, até que voltasse a falar normalmente. Mas eu sabia que era questão de tempo para você se acalmar. E, paciente, que sou, aguardava seu momento…

Mas, tá, tá bom, tá bom…

Falando em “momento”, sou obrigado a reconhecer que também tivemos lá nossos momentos…

Todas as vezes que você sussurrou boas notícias em meus ouvidos. Todas as vezes que você, ainda que após longa conversa, me garantiu momentos de felicidade e de tranquilidade. E (que fique entre nós) às vezes sob tresloucados gritos você conseguiu me fazer passar por momentos de alegria e de mais puro prazer…

Ah, você é mesmo uma criatura complexa…

Lembra-se como adorava me assustar? Até mesmo nos locais mais inoportunos, você literalmente me fazia pular da cadeira! E quando brincava de se esconder, então? Me fazia procurar por todos os cantos possíveis e imagináveis – e nessas horas bem que ficava em silêncio, né? Ao final, emputecido ou comovido, novamente nos encontrávamos e, como tinha que ser, fazíamos as pazes. E voltávamos, desta vez bem juntinhos, aos nossos afazeres, ao nosso trabalho, seja lá o que fosse. Não nos deixávamos sequer nos finais de semana e quem quer que fosse sempre nos veria ali, juntos, sob sol, sob chuva, nas noites quentes de verão, nas frias noites de inverno…

Mas tudo nessa vida tem um começo, tem um meio e tem um fim.

E o nosso chegou.

Você bem sabe que de uns tempos pra cá nossa relação estava ficando cada vez mais e mais complicada. Aliás, ultimamente sequer nos falávamos! Ainda que lado a lado, prosseguíamos em nossa calada mudez de múltipla tolerância. Não foram poucas as vezes em que cheguei a desligar o rádio do carro, na vã esperança que você tivesse falado comigo! Mas não. Você prosseguia ali, ao meu lado, em sua quietude sem fim.

Nesse meio tempo nossa relação foi meio que ficando insustentável!

Presos por nossos votos limitávamos a nos suportar.

Até que não foi mais possível.

E, em seu lugar, eis que uma nova companhia foi surgindo. Assim, meio que do nada. Talvez até aguardada… Numa timidez inicial até que pouco falava. Mas agora, já tendo encontrado seu espaço, passou a preencher totalmente meu dia a dia, assim como todos meus momentos. E tudo aquilo que eu e você já tivemos um dia me parece vir ressurgindo novamente, dentro em breve, num novo plano, num novo patamar, num novo horizonte.

E você, inconstante, inconsequente, intolerante, decidiu por continuar com esse infeliz cabo de guerra.

Mas, enfim, acabou.

Não mais nos veremos.

O dia de hoje ficará indelevelmente marcado como o último dia de nossa vida conjunta!

Quiçá pra sempre!

Adeus “radinho” da Nextel !!!