Categoria: Martelando o Teclado
Medo de arriscar?
Afeto entre irmãs

( Crônica publicada no jornal O Vale, de 23/06/2012 )
Zenilda Lua
Poetisa, Assistente Social e
Pesquisadora de Literatura Regional
Ela continua compondo meu divino quadro-família.
Sou de cochilos e cachos, ela é vaidosa. Sou toda coração, ela é exata. Gosto de escrever e ela de dançar.
Continuamos parceiras como no tempo que cuidávamos da fazenda de flores.
As minhas eram brancas, amarelas e azul bem dormentinho; flor de malva, bogari, nove horas e alfazema.
As dela tinham cor perpétua e absoluta; flamboyant, carmim, girassol e açaí vivíssimo.
Eu só tinha medo de alma. Sofria contrita olhando as estrelas de claridade baixa.
Ela temia papafigo e, Zé Biró, doente mental que era filho da mulher que pegava menino.
Só bem depois viemos saber que, essa história de mulher que pegava menino era porque a mãe de Zé Biró, D. Leondina, parteira.
Minha irmã é uma orquestra de sentidos.
Corajosa moça de honestíssimas pétalas.
Corta o pé nos cacos, mas não tira o salto.
Nunca falta ao serviço, nem se aborrece quando adio o depósito das minhas promessas.
Quando espremem seu coração viro uma fera aflita.
Agachada na tocaia do sereno nem respiro, só penso em pegar minha espingardinha de soquete e, brincar de cobrir o coisa-ruim com folhas mal cheirosas e segredos de senhas.
Minha irmã é uma extensão de tudo que é favorável.
Repara minhas vestes, e joias de miçangas advindas dos tabuleiros hippies.
Tenta me ajeitar com seus xales finos, suas camisas de carestia e calças de marca que encobrem a brancura fina de minhas canelas.
Vira as costas eu a engabelo. Volto para minhas estampas florais e brincos de capim dourado.
Ela esquece que nasci no tempo de porta-pote e, que ainda sento no cepo de peroba escura que, virou cadeira na sala de casa.
Invés de abajur escolhi luminária de vela amarela com roxo nas bordas, coberta por sementes de cravos, casca de laranja cheirosa e pau de canela.
Minha irmã é uma dádiva. Meu insetinho da sorte.
Seguro no seu braço direito com as duas mãos de cuidados, como na infância irmãzinha e, na parte mais limpa da alma lhe guardo diariamente.
Temos sonhos comuns, gostamos de jardins.
Quando a mãe lhe punha para tomar sol, acomodadinha num cesto que parecia berço, eu ficava inventando que as florzinhas de pereiro que, sombreava o terreiro, falavam contigo e, você punha-se a sorrir com minha fala de raposa espavorida:
“Faz cara de feliz menina banguelinha, faz cara de feliz…” e você fazia.
Por obediência natural ao esquecimento, não te lembras mais destas passagens.
Não faz mal, eu as reinvento. Pois me falta talento para esquecer.![]()
(Observação: Na realidade o texto publicado no jornal possui ligeiras diferenças – algumas mais sutis, outras não. Preferi o original, esse aí de cima. Mais saboroso. Roubartilhei diretamente lá do blog da autora, neste endereço aqui…)
As sem-razões do amor

Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.![]()
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( C&P daqui. )
Raríssimos!

No fundo…
(…) Pois ouvi uma voz e cheguei à janela. Era uma jovem que passava para me dizer bom dia; vai à praia. Entrou, sentou-se; tivemos uma rápida conversa banal. É moça, bela, simples; é mais conhecida que amiga. Temos uma espécie de amizade distraída, fraca, suave. Quando se foi, cheguei à janela, e acompanhei-a com os olhos até a esquina. Ela não sabia que estava sendo vista. Andava com seu passo natural, e não se voltou. Ia pensando suas coisas. Comoveu-me. Não sei por que seus saltos altos me comoveram, enquanto andava, e assim também o leve movimento de seus cabelos. Seria despropositado dizer-lhe a mínima palavra de ternura, hoje, amanhã, ou nunca. Não podemos recolher o brilho do lombo elástico de uma onda e fazer um discurso ao mar, acaso podemos? Quando subimos aquela capoeira estorricada, entre carvões de troncos, ao sol ardente, antes de pegar o caminho do outro lado do morro, paramos um instante sob uma árvore qualquer; e então uma brisa vinda dos morros passou em nossa cara suada. Temos um vago sentimento de bênção; a sombra, a leve mão da brisa. Mas seria absurdo dizer: muito obrigado. Na verdade, falamos muito pouco, embora, nos botequins, levemos horas a tagarelar. No fundo somos calados; para a ternura e para a ofensa. Como poderia dizer a essa moça que me comoveu seu corpo de breves ancas andando sobre os saltos altos; ou que o leve movimento de seus cabelos castanhos me fez bem.![]()
“Não mais aflitos”
Rubem Braga



