Ser Mineiro

Eu já desconfiava, mas agora creio que absolutamente acho que posso ter quase certeza: alguns textos sumiram deste blog/penseira no interregno dos últimos anos. Pode ser que num daqueles arroubos de fechamentos bloguísticos tenha se perdido alguma coisa – mas ainda assim tenho certeza absoluta que acho que esse texto abaixo já havia sido postado aqui antes…

Ser mineiro é não dizer o que faz e nem o que vai fazer, é fingir que não sabe, é falar pouco e escutar muito é passar por bobo e ser inteligente, é vender queijo e possuir bancos.

Um bom mineiro não laça boi com embira, não dá rasteira no vento, não pisa no escuro, não anda no molhado, não estica conversa com estranho, só acredita na fumaça quando vê fogo, só arrisca quando tem certeza, não troca um pássaro na mão por dois voando.

Ser mineiro é dizer “UAI”, é ser diferente, é ter história. Ser mineiro é ter simplicidade e pureza, humildade e modéstia, coragem e bravura, fidalguia e elegância. Ser mineiro é ver o nascer do sol e o brilhar da lua, é ouvir o cantar dos pássaros e o mugir do gado, é sentir o despertar do tempo e o amanhecer da vida. Ser mineiro é ser religioso, conservador, é cultivar as letras e artes, é ser poeta e literato, é gostar de política e amar a liberdade, é viver nas montanhas, é ter vida interior, é ser gente.

Eu, como bom filho de mineiro, sendo natural do bairro de Santana, em São José dos Campos (antiga estância hidromineIral – água embaixo, mineiro em cima), tenho um carinho muito especial por esse texto…

Mas só lembrei disso tudo porque recebi por e-mail o seguinte causo:

O Velhinho Mineiro

O velhinho, mineiro das antigas lá do interior, estava internado num hospital, já nas últimas…

E eis que apresenta-se o padre  e pára ao seu lado para dar-lhe a extrema-unção. Ele lhe diz ao ouvido:

“Antes de morrer, reafirme a sua fé em Deus e renegue o Demônio.”

Mas o velhinho, com as forças que ainda tem, olha pra ele e fica quieto.

Ao que o padre insiste:

“Antes de morrer, reafirme a sua fé em Deus e renegue o Demônio.”

E o velhinho… Nada!

Então o padre pergunta:

“Mas por que esse silêncio? Por que é que o senhor não quer renegar o Demônio?”

Mais uma vez o velhinho olha bem no fundo dos olhos do padre e mesmo com a voz fraca responde:

“Ara, seu Padre! Inquanto eu num soubé pronde é qui eu vô, num quero ficá de mar cum ninguém!!!”

Trincheiras na WEB

Revista Carta Capital nº 652, de 29/06/2011 – fls. 24 em diante

“Sem partidos ou sindicatos, os brasileiros voltam às ruas em grandes manifestações convocadas pela Internet.”

Simplesmente fantástica essa chamada. Seria essa a “democracia” finalmente levada ao seu limite, com a efetiva participação popular? O texto, na prática, se refere à insatisfação com as condições de trabalho dos operários da usina hidrelétrica de Jirau, em Rondônia, bem como ao movimento dos bombeiros no Rio de Janeiro. Apesar da distância – tanto no tempo quanto no espaço – o que ambos os movimentos tiveram em comum foi a mobilização via torpedos de celular, e-mail, Twitter, Facebook e sabe-se lá o que mais.

E isso tem se demonstrado cada vez mais uma realidade nos movimentos da sociedade brasileira…

Mas, mais na prática ainda, vamos combinar que não estamos falando de democracia. Mas sim de anarquia. E, caso você, incauto leitor, não saiba, anarquia não quer dizer caos, bagunça, desordem ou qualquer outro tipo de desorganização do gênero. Anarquia nada mais é que a falta de governo – por não precisar de governo. Não há “líderes”, mas sim consenso.

Isso ficou melhor evidenciado num outro episódio internetístico, dessa vez com a prefeita de Natal, Micarla de Sousa, onde manifestantes se organizaram rapidamente e – sob a batuta do hashtag #foramicarla – acamparam em frente à Câmara Municipal e durante 11 dias não arredaram o pé dali enquanto não foi instalada uma Comissão Especial de Inquérito (CEI) para investigar os contratos da Prefeitura.

Alguns trechinhos interessantes:

O acampamento de Natal foi, até agora, o mais bem-sucedido caso de ativismo on-line no País. Foram seis meses de convocações, sempre utilizando o Twitter e o Facebook, até chegar ao protesto vitorioso. (…)

No Twitter e no Facebook, militantes de partidos de oposição, mas também muitos jovens não militantes, espalharam a hashtag “#foramicarla”, pedindo o impeachment da prefeita, que rapidamente ganhou adesões . Como vários estudantes de Direito da UFRN estavam entre os manifestantes, a legalidade do acampamento na Câmara foi garantida por um habeas corpus preventivo elaborado pelo próprio grupo. “Fiquei impressionado com a agilidade desses meninos. Juridicamente, eles estavam muito bem amparados”, disse o secretário-geral da seção regional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Paulo Coutinho, que atuou como mediador da contenda. Ele ri ao lembrar que uma das maiores dificuldades para a negociação é que não havia líderes.

(…) A presidência da Câmara acabou por concordar com as reivindicações dos estudantes, que finalmente saíram. Poucos dias depois, no entanto, a mesa diretora passou a dizer que as decisões nada tinham a ver com o acampamento.

(…) Os cerca de cem jovens, com média de idade de 23 anos, como Natália, que dormiram nas 27 barracas montadas no pátio do Legislativo da capital potiguar, dividiram-se em oito comissões, cada qual com sua tarefa. Quem aparecia por lá decidido a passar a noite, mas não tinha tenda, era imediatamente incluído no programa “Minha Barraca, Minha Vida”.

Tanto os participantes não filiados a partidos quanto os filiados relatam uma experiência rica no respeito às diferenças. “Havia uma rejeição mútua entre nós que se dissolveu depois do acampamento. Os não militantes viram que nós, militantes, não somos tão chatos assim nem estamos querendo cooptar ninguém. E nós, militantes partidários, percebemos que mesmo os anarquistas podem se organizar” (…).

Estômago e bolso das togas

Revista Carta Capital nº 652, de 29/06/2011 – fls. 20

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – proclamado erroneamente como de controle externo, mas composto na sua maioria por magistrados – acaba de aprovar resolução a garantir aos juízes brasileiros em atividade dois benefícios: auxílio-alimentação e venda de férias trabalhadas.

A resolução do CNJ deveu-se a uma provocação feita pela Associação dos Juízes Federais (AJUFE). Com base na isonomia, equivalência, a associação pediu benefícios já percebidos por membros do Ministério Público. Convém lembrar que cada juiz federal vence, em média, 23 mil reais, ou seja, não se trata de remuneração famélica. Num Brasil de baixos salários, com um mínimo não ideal e com programas como o Bolsa Família para minimizar a miséria, o tal auxílio-alimentação aos bens nutridos juízes soa como escárnio, data venia.

Por outro lado, nada mais justo indenizar por férias trabalhadas. Só que a categoria goza de dois períodos anuais de descanso. E, pelo justificado há anos, os dois repousos seriam necessários em razão da atividade intelectual desgastante imposta aos magistrados, que, ainda, carecem de tratamento diferenciado para se aperfeiçoar. Só uma coisa soa estranha e gostaríamos de entender. Se, por necessidade e humanidade, dois meses de descanso ao ano são necessários, por que não obrigar os magistrados a gozarem as férias inteiras, em vez de autorizá-los a se eslfalfarem e ainda vendê-las?

Sim, os grifos acimas foram meus.

Não, não vou comentar mais nada.

Reciclar Você…

A Família Gangsters, uma banda paulistana “com influências nas raízes do reggae” (ridículo escrever isso) acabou de lançar esse novo clip (ainda não consigo escrever “clipe”) com a música Reciclar Você… Dica da amiga Paula Losada. Além da boa música, como as filmagens levaram em consideração a vida real do catador Marcelão, serve pra gente enfiar a arrogância no bolso, descer do pedestal e dar uma olhada de perto no que é ter um dia duro de verdade…

Indigna Ação

E então os bombeiros do Rio resolveram entrar em greve. Seria uma coisa “inadmissível”, não fossem as condições que somente vêm a público quando atingem um limite tal que se torna insustentável. E é o que parece ter acontecido naquelas plagas cariocas…

Mas daí, entre o direito constitucional de uma classe trabalhadora proliferar um movimento grevístico – resguardadas as condições mínimas de atendimento à população em situações emergenciais (o que também é uma exigência constitucional) – a compará-los a “vândalos”, bem, é uma distância abissal!

E, pior: utilizar-se do mesmo grupo especial da polícia que impõe terror às favelas do Rio, o BOPE (basta lembrar do veículo blindado carinhosamente apelidado de “Caveirão”), que no sábado instituiu um clima de guerra em pleno centro carioca impondo a força onde deveria haver diálogo, é, no mínimo, revoltante.

Nas palavras do (des)governador Sérgio Cabral Filho: “Esses 440 irresponsáveis vão responder a processos administrativa e criminalmente. A abertura do processo disciplinar já foi determinada, a criminal cabe ao Ministério Público.” Teria razão? Afinal de contas, por suas ordens diretas, esses “440 irresponsáveis” (aqueles mesmos que arriscam a própria vida para salvar as vidas de ilustres desconhecidos) foram presos, dentre outros motivos, por não estarem satisfeitos com o nababesco salário de R$950,00!!!

Difícil até mesmo argumentar. Mas é possível chegar a conclusões mais específicas através das palavras da deputada estadual Janira Rocha (PSOL-RJ), que estava lá quando da ação: “Foi terrível o que aconteceu lá dentro. O BOPE invadiu por trás, jogando bombas de gás e disparando balas de verdade. Tem carros dos bombeiros lá dentro arrebentados a bala. Se os bombeiros não estivessem em movimento pacífico e ordeiro poderia ter ocorrido uma tragédia. (…) Essas pessoas que estão sendo penalizadas são as mesmas que salvam vidas em incêndios e nas praias do Rio. Ganham o pior salário da categoria no Brasil. Quero saber se o governador Cabral, responsável por essa operação, consegue se alimentar em Paris com os R$950 que são pagos a esses homens e mulheres.”

É… Tempo ao tempo e vamos ver como tudo isso vai acabar. Se acabar…

Politicamente fascista

Marcelo Coelho
Folha de São Paulo

O comediante Danilo Gentili pediu desculpas pela piada antissemita que divulgou no Twitter. A saber, a de que os velhos de Higienópolis temem o metrô no bairro porque “a última vez que eles chegaram perto de um vagão foram parar em Auschwitz”.

Aceitar suas desculpas pode ser fácil ou difícil, conforme a disposição de cada um. O difícil é imaginar que, com isso, ele venha a dizer menos cretinices no futuro.

Não aguentei mais do que alguns minutos do programa “CQC”, na TV Bandeirantes, do qual é ele uma das estrelas mais festejadas.

Mas há um vídeo no YouTube, reproduzindo uma apresentação em Brasília do seu show “Politicamente Incorreto”, em outubro de 2010.

Dá para desculpar muita coisa, mas não a falta de graça. O nome oficial do Palácio do Planalto é Palácio dos Despachos, diz ele. “Deve ser por isso que tem tanto encosto lá.” Quem o construiu foi Oscar Niemeyer, continua o humorista. E construiu muitas outras coisas, como as pirâmides do Egito.

A plateia tenta rir, mas só fica feliz mesmo quando ouve que Lula é cachaceiro, ou que (rá, rá) o nome real de Sarney é Ribamar. Prossegue citando os políticos que Sarney apoiou; encerra a lista dizendo que ele só não apoiou o próprio câncer porque “o câncer era benigno”.

Os aplausos e risadas, pode-se acreditar, vêm menos da qualidade das piadas e mais da vontade de manifestação política do público.

Detestam-se, com razão, os abusos dos congressistas brasileiros. Só por isso, imagino, alguém ri quando Gentili diz preferir que a capital do país ficasse no Rio: “Lá pelo menos tem bala perdida para acertar deputado”.

Melhor parar antes que eu fique sem respiração de tanto rir. Como se vê, em todo caso, o título do show não é bem o que parece.

“Politicamente incorreto”, no caso, faz referência às coisas erradas feitas pelos políticos, mais do que ao que há de chocante em piadas sobre negros ou homossexuais.

A questão é que o rótulo vende. Ser “politicamente incorreto”, no Brasil de hoje, é motivo de orgulho. Todo pateta com pretensões à originalidade e à ironia toma a iniciativa de se dizer “incorreto” – e com isso se vê autorizado a abrir seu destampatório contra as mulheres, os gays, os negros, os índios e quem mais ele conseguir.

Não nego que o “politicamente correto”, em suas versões mais extremadas, seja uma interdição ao pensamento, uma polícia ideológica.

Mas o “politicamente incorreto”, em sua suposta heresia, na maior parte das vezes não passa de banalidade e estupidez.

Reproduz preconceitos antiquíssimos como se fossem novidades cintilantes. “Mulheres são burras!” “Ser contra a guerra é viadagem!” “Polícia tem de dar porrada!” “Bolsa Família serve para engordar vagabundo!” “Nordestino é atrasado!” “Criança só endireita no couro!”

Diz ou escreve tudo isso, e não disfarça um sorrisinho: “Viram como sou inteligente?” “Como sou verdadeiro?” “Como sou corajoso?” “Como sou trágico?” “Como sou politicamente incorreto?”

O problema é que “politicamente incorreto”, na verdade, é um rótulo enganoso. Quem diz essas coisas não é, para falar com todas as letras, “politicamente incorreto”. Quem diz essas coisas é politicamente fascista.

Só que a palavra “fascista”, hoje em dia, virou um termo… politicamente incorreto. Chegamos a um paradoxo, a uma contradição.

O rótulo “politicamente incorreto” acaba sendo uma forma eufemística, bem-educada e aceitável (isto é, “politicamente correta”) de se dizer reacionário, direitista, fascistoide.

A babaquice, claro, não é monopólio da direita nem da esquerda. Foi a partir de uma perspectiva “de esquerda” que Danilo Gentili resolveu criticar “os velhos de Higienópolis” que não querem metrô perto de casa.

Os vizinhos judeus, por exemplo. É este um dos mecanismos, e não o vagão de um metrô, que ajudam a levar até Auschwitz.

Recortado e colado daqui.

Trabalho, trabalho, trabalho…

Sabem todos aqueles problemas que, na sexta-feira, você tinha pensado terem ficado para trás e só voltariam a incomodá-lo na segunda-feira?

Pois é.

Quando menos se espera, eis que a segunda-feira chegou.

E os problemas de sempre rastejam para fora de suas cavernas e, um a um, nos atacam com força redobrada…

Ah, meu São Jorge… Dai-me forças!