Entrevista: Wagner Baccaro

Muito boa esta entrevista, mui digna da criatividade do Wagner, nosso copoanheiro eventual, e que faz coro com dezenas de centenas (de milhares?) de muitas outras gentes – inclusive eu.

A original tá lá no blog dele, o Rebostejos.

O segundo turno eleitoral se aproxima. Para elucidar as questões que você nunca quis saber, publicamos esta entrevista exclusiva com Wagner Baccaro, na qual são tratadas suas preferências políticas e as razões de seu voto.

Rebostejos: Wagner, em quem você vai votar no dia 26, no segundo turno da eleição presidencial?

Wagner: Votarei na Dilma, como fiz no primeiro turno.

Rebostejos: Mas por que você votará nela?

Wagner: Porque acho que, embora seu mandato não tenha cumprido as expectativas que eu tinha, certamente foi muito melhor do que a imprensa insiste em divulgar.

Rebostejos: Se não cumpriu, não seria hora de mudar?

Wagner: Não acho que a mudança para o Aécio seja melhor. Em termos de macroeconomia, não existem grandes diferenças nos projetos, o que muda é o enfoque social. Não acredito no comunismo, mas também não creio que o livre mercado é capaz de fazer a sociedade mais justa e melhorar a vida de todos.

Rebostejos: Quando falamos em ”social”, pensamos primeiramente no Bolsa-Família. Esse programa não é uma forma de compra de votos?

Wagner: Acho engraçado quem pensa assim. Ora, toda ação de governo que beneficie determinada faixa social pode ser tachada de compra de votos. Redução do IPI? Compra de votos da classe média. Aumento dos juros dos Bônus do Tesouro Nacional? Compra de votos dos investidores. Bolsa-Família? Compra de votos dos mais pobres… O problema é que existe um preconceito arraigado de nossa elite que faz pensar que seu voto é mais qualificado porque lê a Veja e ouve a Jovem Pan (risos).

Rebostejos: Mas o Bolsa-Família tem viés eleitoreiro, virou peça de propaganda.

Wagner: Se pensarmos assim, então nenhum governo não pode fazer nada. Toda ação de governo se transforma em peça de propaganda, cabe ao povo decidir se tal ação foi boa ou não. O Serra faz propaganda dos genéricos até hoje, então por que o Governo Federal não pode falar do Minha Casa, Minha Vida?

Rebostejos: Quem pergunta aqui? Eu ou você?

Wagner: Faz diferença?

Rebostejos: Bem… E o que você achou da reeleição do Alckmin?

Wagner: Ninguém se sente seguro em São Paulo, todo mundo que pode foge da escola pública, a participação do Estado na Saúde é pífia e agora temos a falta d’água. Mesmo com tudo isso, São Paulo reelegeu o PSDB para completar 24 anos de mandato, o que é coerente.

Rebostejos: Coerente?

Wagner: Sim, coerente com o voto de quem elege o Russomano, o Tiririca, o Marco Feliciano e o Maluf. Depois o paulista tem coragem de bater no peito pra dizer que o nordestino é que não sabe votar.

Rebostejos: Voltando à eleição presidencial, você não se preocupa com a corrupção?

Wagner: Muito! Me preocupo com a corrupção no Governo Federal e no Governo Estadual. A diferença é que no primeiro a apuração tem sido feita, e no segundo, não. O PT é acusado de ser antidemocrático, chavista, etc., mas em que outro governo alguns líderes do partido no poder foram julgados e condenados por erros que cometeram? O mensalão foi pelo menos tão grave quanto a compra de votos para a reeleição do FHC, mas neste último ninguém foi sequer processado. Os culpados pelo mensalão tucano, pela propinas do metrô paulista, pelo aeroporto na fazenda do tio do Aécio e outros escândalos do PSDB também não foram apurados, por isso não faz sentido dizer que vai votar no Aécio por questões éticas.

Rebostejos: Você não diz isso tudo por que é comissionado em um cargo numa administração petista? Você não é petralha?

Wagner: Petralha é a senhora sua mãe. Eu fui comissionado por dez anos, agora não sou mais. Tenho muito orgulho do trabalho que realizei nesse tempo. Pode ser que em alguns lugares não seja assim, mas as pessoas com quem tive contato trabalhavam muito sério e muito duro para melhorar a cidade. E em dez anos nunca ouvi falar num plano para transformar o Brasil numa nova Cuba.

Rebostejos: Não corremos o risco de uma cubanização, ou uma venezualização, do Brasil?

Wagner: Olha, me desculpe a franqueza…

Rebostejos: Claro que desculpo, o blog é seu…

Wagner: …acho muita idiotice acreditar que o Brasil está sob a influência de Cuba ou da Venezuela, ou que corremos o risco de nos transformarmos num país totalitarista. Quem pensa assim não sabe nada sobre Cuba ou Venezuela e, pior, sabe menos ainda sobre o Brasil. Essas teses só servem para que articulistas de uma revista de m*** tenham assunto.

Rebostejos: Por favor, modere o linguajar, este é um blog de família.

Wagner: Desculpe. Quem faz isso de qualificar pejorativamente quem pensa diferente é essa revista aí. Cometi o mesmo erro.

Rebostejos: Tudo bem, é uma revista de m*** mesmo.

Wagner: Veja, ops, perceba que já em 1989 eu escutei da dona da banca de jornal que ela tinha medo do Lula, que ele faria que repartíssemos nossas casas com outras famílias. Essa mesma ladainha é usada até hoje. O duro é muitos que criticam a eleição do Tiririca acreditam nessas bobagens a ponto de ter paranoia com o vermelho das ciclovias, sendo que a ignorância de votar no Tiririca ou de acreditar no comunismo do PT é a mesma.

Rebostejos: É verdade que você vai se afastar do Facebook nesses próximos dias?

Wagner: Sim. As redes sociais já estavam difíceis, mas se tornarão insuportáveis até o fim do segundo turno. Tenho muitos amigos que pensam igual a mim, e tantos outros que pensam diferente, então não quero me indispor com pessoas de quem eu gosto mas que por vacilo ou por emoção do momento podem se achar mais inteligentes do que os outros só que porque votam assim ou assado.

Rebostejos: Você tem consciência de que não vai fazer falta nenhuma?

Wagner: Absoluta.

Rebostejos: Agora, para finalizar, nos responda uma coisa: o que você sabe sobre transtorno dissociativo de personalidade? E sobre transtorno de personalidade narcisista?

Wagner: Talvez não o suficiente para publicar esta entrevista.

E se nossos partidos fossem bandas de música?

Professor da USP faz uma divertida analogia entre partidos políticos brasileiros e tendências e ritmos musicais

Wagner Iglecias
( C&P daqui. )

Muito se diz que os partidos políticos estão muito desgastados. Seriam parte na crise de representação política geral que afeta não só o Brasil, mas o mundo. Pra muita gente partido é coisa chata, pesada, quase dispensável. De fato muitas eleitores preferem votar em pessoas, e não em partidos. Se os partidos fossem bandas de música podíamos dizer que grande parcela do eleitorado escolhe pela cara e pelo jeito do vocalista, e pouco se importa com os músicos que o acompanham. Se é assim, se a metáfora vale, fica a pergunta: e se nossos partidos políticos fossem bandas, como eles seriam? Seguem meus palpites, já em espírito de Carnaval e das brincadeiras típicas desta época do ano.

PSDB – Banda sofisticada, sendo que alguns de seus músicos têm formação erudita, obtida em conservatórios no exterior. É um conjunto que toca jazz, rhythm & blues, folk e rock progressivo. Seu ritmo preferido, no entanto, é a bossa nova, por alguns maldosamente chamada de “samba de apartamento”, dado seu caráter um tanto elitizado. Ressalte-se que a cena musical brasileira andava uma bagunça quando o PSDB começou a dar o tom na política nacional. Com a sua bossa nova os tucanos recolocaram o Brasil no mapa musical do mundo, após as décadas de marchas militares e a barafunda melódica dos anos 1980. No entanto desde que foram solapados na preferência do público pelos rapazes do PT eles passaram a ser vistos por aí como uma banda meio demodée. Mas isso não importa, afinal a bossa nova continua sendo sucesso lá fora, soa muito bem aos ouvidos gringos, e aqui ela é quase sempre trilha sonora da novela das nove, na qual as pessoas de bem da zona sul carioca vivem em perfeita harmonia com o núcleo pobre da trama, oriundo de subúrbios festeiros e felizes. Se já não é o sucesso de público de outrora, a banda tucana ao menos continua tendo fãs entre boa parte dos críticos. E isso mesmo com muita gente lembrando que o grupo há tempos não lança repertório novo com músicas inéditas.

PT – No início era um grupo de punk rock. Formado por gente que vinha de variadas experiências musicais anteriores, o que unia a todos os seus componentes era a aparente rejeição ao mercado e um desejo difuso de revolucionar a cena musical brasileira. Sem grana, praticamente uma garage band, o PT tocava com equipamentos precários, fazendo shows nas periferias e portas de fábrica. Mas seus músicos eram bastante sintonizados com as novas tendências que rolavam na Europa naquela época, fim da década de 1970, início dos anos 1980. E sempre se identificavam muito mais com o som que o operariado fazia naqueles tempos na Inglaterra, na França e na Alemanha do que com a musicalidade burocrática do proletariado soviético. Cânticos católicos, pitadas de ritmos caribenhos e o arrasta-pé do sertão nordestino também foram influências importantes nos primeiros anos da legenda. Mas aí um belo dia, como sempre acontece com as bandas alternativas, alguns componentes do partido quiseram deixar de ser indies e o grupo acabou assinando um contrato com as grandes gravadoras. A banda deu então uma repaginada no visual, trocou as letras ácidas por canções de amor e chegou às paradas de sucesso. Alcançou não apenas o 1º lugar entre as mais tocadas como conquistou um lugar no coração do grande público. Obviamente que esse processo não ocorreu sem dor, e aqueles membros que queriam se manter fiéis ao som original foram convidados a deixar o grupo por conta das tais “divergências musicais”, sempre elas. Primeiro saiu a turma que formou as bandas PSTU e PCO, e mais recentemente, já após o estrondoso sucesso petista, outros componentes deixaram o conjunto musical e fundaram o grupo PSOL. Na crítica especializada muita gente diz que a sonoridade petista anda muito melosa e repetitiva, e que a banda já não consegue mais compor os hits que lhe deram sucesso no passado recente. Entre o público, porém, o grupo parece continuar sendo o que tem a maior quantidade de fãs. Se hoje em dia empolga as massas, o som romântico petista é visto porém com desdém pelos adoradores de bossa nova e guarda pouca semelhança com a proposta musical mais radical do passado.

PMDB – É uma dessas orquestras que existem há muito tempo, com anos e anos de estrada. Sempre com muitos músicos, vindos de todas as partes do país. Todos muito experientes, dominam os mais variados instrumentos de corda, teclas, metais, madeiras e percussão e transitam pelos mais diferentes ritmos. Tocam nas mais diversas ocasiões sociais e políticas. Têm habilidade para passar da valsa ao punk, do samba ao funk, da moda de viola ao baião. Todos que alcançam as paradas de sucesso querem ter o apoio dessa orquestra para o caso de algum imprevisto. Foi assim com a banda tucana e tem sido assim com a banda petista. Acostumado a secundar os artistas do momento, o que tem faltado ao partido nos últimos tempos, porém, é um crooner. Um popstar pra chamar de seu.

PSB / Rede – Banda que promete sacudir a cena musical com uma batida nova, por ela batizada de “nova política”. O grupo faz um mix de vários ritmos, como o forró pernambucano, o sertanejo universitário engajado e os tambores da floresta. Também tem influência do som new age de empresas ecologicamente corretas. Vai fazer sua grande estréia nos palcos no festival musical de outubro, e muita gente aposta que pode surpreender, tocando algo diferente dos hit parades petistas e da nostalgia musical tucana. Seu vocalista, no entanto, parece que tem ouvido cada vez mais bossa nova. A conferir.

DEM – Conjunto com influências musicais bastante antigas, que vêm das extintas bandas PDS, Arena e UDN. Alguns críticos chegam a situar os músicos do DEM como receptores da herança melódica dos antigos partidos republicanos estaduais do início do século passado, ou até mesmo dos partidos Liberal e Conservador da época do Império, formados por senhores de terra. Já tocaram com a orquestra peemedebista na década de 1980, quando o grupo chamava-se PFL, e desde os anos 1990 são parceiros musicais da banda tucana.

PCB – Conjunto musical muito antigo, de 1922, durante décadas tocou o metal proletário que emanava do Leste Europeu. Nos anos 1990 uma parte de seus componentes deixou a banda e fundou o PPS, aproximando-se da turma da bossa nova e lançando vários rocks com letras críticas à banda petista. Os membros que permaneceram no grupo PCB continuaram sua trajetória musical, que não tem nenhuma identidade melódica com o PPS.

PcdoB – Grupo musical do início dos anos 1960, o PcdoB sempre tocou uma espécie de heavy metal muito específico, que na verdade era uma variação do metal soviético tocado pelo PCB acrescida de pitadas de música chinesa e albanesa. Mais recentemente suavizou suas melodias e tem se apresentado em shows conjuntos com a banda petista.

PDT – Tocava os bolerões dos anos 1950 até algum tempo atrás. “Bota o retrato do velho outra vez” foi, durante muito tempo, a canção mais executada pela banda. Depois do desaparecimento de seu lendário vocalista, que gostava do vanerão, do xote gaúcho e da milonga mas curtia também fazercovers de punk e metal, enveredou por ritmos musicais mais suaves.

PSOL – Banda formada por ex-músicos petistas, quer recuperar o punk visceral do PT de raiz. Seguem buscando a batida perfeita, mas às vezes parecem estar mais preocupados é em se diferenciar das melodias românticas do petismo.

PSTU e PCO – Seguem fazendo o punk e o metal que agradam a uma pequena parcela da sociedade, a qual lhe é muito fiel. Mas permanecem desconhecidos do grande público.

PP, PR e PTB – À semelhança da banda peemedebista, porém sem tantos componentes como aquela orquestra, são grupos musicais formados por gente que já tocou por todo o país, com os mais variados artistas e os mais variados ritmos. Experiência e capacidade de adaptação não faltam a estes grupos.

PV – Banda surgida nos anos 1980, época da new wave. Muitos achavam que o grupo fazia um som cabeça, conceitual, com letras inovadoras que iam muito além da velha temática capital / trabalho tão comum no repertório de tantos outros conjuntos. A banda tinha um vocalista moderno, forjado na resistência às marchas militares da década de 1960, mas acabou não alcançando o sucesso de público que se esperava. Mais recentemente o grupo se apresentou em conjunto com a banda tucana.

PSD – Banda criada há poucos anos, segundo muitos críticos seria um projeto solo de seu vocalista. Em pouco tempo atraiu muitos músicos de outros grupos e aos poucos tem conquistado fatias importantes da cena musical brasileira.

PSC – Grupo musical surgido em cultos religiosos, tem grande potencial de crescimento visto que há cada vez mais gente curtindo música gospel neste país.

PROS e SDD – Bandas novas, mas formadas por componentes que já tocaram em muitos outros grupos. Também estrearão no festival de outubro.

Para além das bandas, há outros ritmos bombando por aí. Tem uma garotada tocando bumbo nas ruas, sem ligar muito para os partidos. Ainda não é certo se o som que fazem terá influência no festival. Para alguns eles não sabem ler partitura e só fazem ruído. Para outros eles estão fazendo uma bela jam session nas ruas desse país e criando a playlist dos próximos anos na política nacional. A ver. E há ainda quem diga que o festival de outubro poderá ter um cantor solo, estreando nos palcos da política com sua ária, talvez aguardada ansiosamente por uma parcela não-desprezível da platéia. Será? Sem banda, qual seria então o compasso de sua campanha e o arranjo de seu eventual governo?

Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor do Curso de Graduação em Gestão de Políticas Públicas e do Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da USP.

A vida e suas escolhas

Será que eu teria tido coragem de lutar como eles lutaram?

Alcançamos o valor da multa em dez dias de campanha familiar. Essa é uma vitória que tem um significado enorme dentro de nossa incansável luta em busca de verdadeira justiça para José Genoino

por Miruna Kayano Genoino, especial para Rede Brasil Atual publicado 20/01/2014 01:16, última modificação 20/01/2014 01:38

Quando eu tinha por volta de 13, 14 anos, comecei a ter consciência de tudo o que meu pai e minha mãe tinham feito na época da ditadura. Abriram mão de família, amigos, conforto, estabilidade e entraram em clandestinidade, fuga, medo, prisão e tortura porque não duvidaram um minuto sobre de que lado estavam: o de quem lutava pela liberdade para todos. Apesar de ser para mim claro o fato de que tinham lutado por algo sem dúvida muito importante, sempre me vinha à mente uma pergunta: será que se eu vivesse naquela época, teria tido coragem de fazer tudo isso? Será que eu teria tido essa força? Será?

Hoje percebo que em alguns momentos da vida não temos escolha quanto a tomar essa ou aquela decisão, quando tudo em que acreditamos está em risco, seja, como naquela época, a liberdade, seja, como agora, a justiça para uma pessoa honesta, como meu amado pai, José Genoino Neto. Ao longo de mais de oito anos de martírio e sofrimento, foram muitas as situações de desespero, de angústia e de muita, muita solidão.

E por isso, quando de repente percebemos pequenos espaços de luz e força que vão se abrindo e se construindo por meio de atitudes generosas de tantas pessoas, o alívio e a emoção são sentimentos que ocupam totalmente tudo aquilo que pensamos e vemos acontecer nessa trilha tão difícil que temos percorrido nos últimos tempos.

Gostaria de mencionar uma grande amiga que no dia 15 de novembro levou meus filhos para passear, dispondo de seu tempo para nos ajudar a lidar com toda a perseguição que estávamos sofrendo na casa sitiada pela mídia. Com seu pequeno gesto, poupou duas crianças de 7 e de 5 anos, de presenciar o momento em que o avô saiu de casa para ser preso injustamente.

Aquele gesto, de dar carinho e acolhimento para meus filhos, quando eu apenas podia ser filha, e não mãe, vai marcar sempre minha vida e meu coração, porque mostra que mesmo em meio a tanta desgraça, sempre existe o lado da humanidade pura, bondosa, generosa, e capaz de acolher, verdadeiramente.

Esse gesto pequeno, individual, pode ser comparado ao que estamos vivendo agora, com a multa imposta a meu pai em decorrência de sua condenação injusta. No primeiro momento de desespero, pelo valor solicitado, tão enormemente distante de nossas possibilidades, já surgia um primeiro site que se dispôs a unir muita gente e assim iniciar uma primeira arrecadação para meu pai. E ainda que aquele site não tenha seguido em frente por questões técnicas, acredito profundamente que foi uma ação que nos deu força para prepararmos o segundo site que possibilitou a arrecadação do valor total da multa.

Foram muitas doações, muitas. Pessoas que dedicaram parte de seu tempo para enviar a nós R$ 10, R$ 20, R$ 50, R$ 100 reais, às vezes mais, R$ 1.000, R$ 5.000… e mensagens, muitas mensagens, de carinho e solidariedade.

Aposentados, desempregados, professores, advogados, secretárias, jornalistas, dentistas, bordadeiras, gente, muita gente, que quis de alguma maneira, mostrar que estão conosco, que sabem que apenas assim poderíamos pagar esta enorme multa, porque José Genoino nunca acumulou riqueza material, nunca, ainda que alguns tenham tido coragem de condená-lo por corrupção. Sua riqueza é apenas de ideias, de sonhos, de esperança, de verdade e de justiça – que um dia, de alguma forma, acreditamos que chegará.

Essa campanha foi criada pela mulher e pelos filhos de José Genoino. Nós mesmos elaboramos e escrevemos cada uma das palavras que aparecem no site. Nós mesmos mandamos os e-mails a amigos e familiares contando sobre o início desse pedido de ajuda. Nós mesmos fomos em busca de tentar compreender e organizar toda a burocracia necessária para que tal arrecadação desse certo.

E com a ajuda de amigos queridos, que nunca deixaremos de agradecer, fomos lendo os e-mails um a um, cadastrando cada pessoa, respondendo cada mensagem, ainda que, pela forma familiar de ação, esteja acontecendo em uma velocidade nem sempre compreendida por um mundo sempre recheado de grandes grupos administrando eficazmente grandes gestões e situações. Nossa resposta não é automática, mas sim manual, e foi feita por outras tantas pessoas especiais que também dedicaram seu tempo e sua alma, para permitir que a campanha funcionasse.

Alcançamos o valor da multa em dez dias de campanha familiar. Essa é uma vitória que tem um significado enorme dentro de nossa incansável luta em busca de verdadeira justiça para José Genoino. Em nome dele, que está impedido de falar publicamente, precisamos agradecer com toda a intensidade possível a todas essas pessoas que tornaram esse momento de vitória possível.

A você, que contribuiu. A você que divulgou o site. A você que respondeu os emails. A você que nos informou. A você que escreveu honestamente sobre nós. A você que são tantos vocês, nosso agradecimento por não terem tido nenhuma dúvida de que sim, quando chega o momento de dificuldade, vocês são daquele grupo de pessoas que têm coragem de lutar por algo que é verdadeiro e no qual acreditam. De verdade.

Obrigado, sempre.

Miruna Genoino, em nome da família Genoino

Brasília, 19 de janeiro de 2014

(Observação: Em breve divulgaremos o total arrecadado e as resoluções práticas quanto a possíveis excedentes.)

A esquerda e o iphone

Excelente texto! Roubartilhado daqui.

Confesso que não sabia bem o que era um iphone até ouvir esse tipo de frase de efeito: “é comunista/socialista, mas usa iphone”. Só então descobri que era uma marca comercial específica de smartphone, que não é a mesma coisa que um ipod.

Descobri isso graças à wikipedia, uma enciclopédia virtual construída por cooperação voluntária, usando um computador fabricado por alguma empresa capitalista, mas inventando em universidades públicas, através do sistema operacional Linux, software livre, produzido por cooperação voluntária, acessando a internet, rede de comunicação criada no setor público militar dos Estados Unidos, e das redes de telecomunicação via satélite, uma invenção soviética. No dia em que fiz essa descoberta sobre smartphones e ipods, comi três refeições de alimentos produzidos pela agropecuária, uma invenção das comunidades tribais neolíticas. Tenho certeza que vários produtos que utilizei hoje tem origens heterogêneas, em culturas capitalistas, socialistas, feudais, escravistas, camponesas, nômades, etc, originadas em uma, aperfeiçoadas em outras, e assim por diante.

É praticamente impossível mapear a origem da técnica e o processo econômico pelo qual passaram os produtos que eu utilizo no meu cotidiano. Pelo meu conhecimento histórico e sociológico, presumo que algumas coisas que consumo passam, em pelo menos um elo da produção, pela devastação ecológica e trabalho escravo ou precário. Alguns são de grandes marcas, outros de pequenos produtores, alguns de cooperativas.

O que eu nunca fui capaz de descobrir é qual é a contradição entre ser de esquerda e usar algum produto tecnológico. Pessoas de mentalidade conservadora/direitista pensam saber o que é ser de esquerda e poder ensinar para quem é de esquerda o que significa sê-lo. E o que parece se depreender de uma postura de esquerda coerente, segundo os reacionários, é ser um eremita. Afinal, nada melhor para a direita se toda a esquerda fosse morar em comunidades hippies ou em Cuba. Os ricos respirariam aliviados, pois seus inimigos não criariam problemas gravíssimos, como denunciar injustiças e participar de mobilizações populares.

Não direi que estão completamente incorretos em algumas críticas. Não sou extremista. É realmente “feio” alguém da esquerda anticapitalista ter um comportamento consumista, fazendo questão de esbanjar riquezas e acumulando coisas desnecessárias.

Muito pior que isso, no entanto, é defender abertamente e incentivar o consumismo individualista e desenfreado como privilégio de alguns bem-nascidos, estigmatizando quem sofre com baixos salários ou desempregado como “vagabundos” e coisas semelhantes. É muito mais “feio” naturalizar desigualdades extremas, patrimônios exorbitantes e exclusão social. Porque aí não se trata apenas de um comportamento privado “feio”. É também o comportamento público horrendo. É uma conduta integralmente perversa.

Uma parte importante da esquerda busca uma reforma dentro dos limites do capitalismo, para redução das desigualdades, exclusão e exploração mais extremas. Outros tentam ir além, procurando meios de superação do modo de produção capitalista. A questão chave é a redistribuição dos produtos e meios do trabalho que se encontram concentrados nas mãos, principalmente, de quem não trabalha, mas é proprietário do capital.

De uma perspectiva de esquerda, ou seja, do igualitarismo social, não há lugar para repúdio à tecnologia, apenas as suas funções e usos numa sociedade injusta. Não condenamos todo e qualquer uso da energia nuclear, se denunciamos o bombardeio de Hiroshima e Nagasaki como um ato genocida. A energia nuclear tem muitos usos pacíficos. Da mesma forma que os iphones e ipods provavelmente tem outros usos, além da ostentação consumista.

O problema para a esquerda não é a tecnologia dos ipods e iphones, é a falta de acesso universal à alimentação, moradia, vestuário, transporte coletivo, educação, saúde, aposentadoria e trabalho digno. E também a cultura e meios de comunicação. É a existência de uma ínfima minoria riquíssima, em contraste com grandes massas relativa ou absolutamente pobres e desamparadas.

O que impõe limites à difusão dos ipods e iphones não é a esquerda. É o planeta. Os recursos são limitados, e a generalização de um padrão de consumo como o dos estadunidenses (que são pouco menos de 5% da população mundial e concentram 25% da renda, além de consumir 30% do petróleo), exigiria quatro planetas. Aí é que há limitação legítima do consumo: pela sustentabilidade ecológica de longo prazo. É por isso que melhorar e expandir o transporte coletivo e ciclovias é preferível a universalizar o casso pessoal. Em qualquer um desses casos, trata-se de uma questão coletiva, objeto de políticas públicas, e não de escolhas privadas.

Isso significa que o homem ou mulher de esquerda, como já disseram muitos reacionários, deveria doar sua renda individual? Esse ato seria indiferente. Não é raro que o esquerdista que siga esse conselho seja em seguida acusado de demagogo… Parece que é impossível a pessoa de esquerda ser coerente, não acham? Na verdade, a filantropia é uma escolha privada. A opção pela esquerda é política, diz respeito a decisões de alcance coletivo, e, primeiramente, ao modo de governar e utilizar o Estado.

A economia capitalista certamente não funcionaria caso todos os ricos fossem adeptos da total filantropia, e escolhessem viver com uma renda equivalente a um salário modesto, dividindo todo o resto. Afinal, quem trabalharia para produzir a riqueza?

A esquerda não defende a filantropia, que é uma escolha privada, possível apenas para quem já tem muito mais do que precisa. A filantropia se baseia uma relação de dependência entre o doador e o beneficiário. Às vezes o filantropo tira maior benefício para si deste ato, pois adquire prestígio e influência (e em muitos casos, consegue esconder a sonegação de grandes somas). A esquerda promove a solidariedade, que é a ajuda mútua entre iguais, e políticas públicas, ativas e coativas de redistribuição de renda.

Sim, coativas. Um imposto de renda progressivo é coação. Qualquer imposto é coercitivo – então que ao menos seja justo. Esse imposto arrecadado deve ser direcionado para um investimento social eficiente, que beneficie aos mais pobres (Bolsa-Família, reforma agrária, etc) ou a todos (educação e saúde públicas, transporte coletivo, etc).

Antes que digam que isso é um atentado à liberdade, gostaria de lembrar que a propriedade privada é tremendamente coativa. A propriedade privada é exclusiva: o bem é apropriado por um, que faz dele o que bem entender, quando é excluído do usufruto de todos os outros. Grande parte da violência policial e encarceramento é repressão aos crimes contra a propriedade privada. Grande parte da criminalidade de rua é tentativa de obter propriedade privada por meios ilegais. Qual liberdade proprietária tem o miserável, que nada tem para si? A liberdade individual do pobre é ser escravizado pela necessidade. Uma redistribuição de riquezas desigualmente distribuídas é a maior promoção da liberdade, pouco importando que seja realizada mediante coerção política e jurídica.

Ser de esquerda, portanto, não é ser contra qualquer tecnologia X por ter sido inventada numa sociedade capitalista, feudal ou escravista, mas, pelo contrário, lutar pela socialização dos benefícios do progresso tecnológico. E desde que (re)descobrimos a finitude dos recursos do planeta, de um modo que não comprometa o futuro dos nossos filhos, netos e bisnetos.