Muita celeuma tem se feito e a temperatura encontra-se agitada nas redes sociais por conta do que aconteceu com a estátua de Borba Gato.
Mas, antes de começar esse proseio, cá entre nós: vocês sabem quem foi Borba Gato?
Manuel de Borba Gato (*1649 +1718) foi um bandeirante paulista, descobridor de ouro e que exerceu o cargo de juiz ordinário em Sabará, MG. Participou da Guerra dos Emboabas (conflito pelo direito de exploração das então recém-descobertas jazidas de ouro onde hoje é o estado de Minas Gerais) e era genro do bandeirante Fernão Dias Pais Leme (conhecido como o “Caçador de Esmeraldas”). Percorreu com o sogro as matas de São Paulo e do Mato Grosso e, mais tarde, a região de Minas Gerais, tendo encontrado ouro no Rio das Velhas. Ascendeu ao posto de Tenente-general do Mato e foi responsável pela organização da justiça, divisão das lavras de ouro e do envio dos impostos que correspondiam à Coroa Portuguesa. Era muito estimado pelos governadores de São Paulo, pois entregou várias permissões para explorações de minas, datas e lavras a amigos e parentes.
Bandeirantes como Borba Gato, Fernão Dias e Raposo Tavares fazem parte da formação histórica da cidade e do estado de São Paulo, sendo que seus nomes até hoje batizam ruas, avenidas, estradas e possuem estátuas no Museu Paulista. Afinal, foi por causa das bandeiras que os limites do Tratado de Tordesilhas foram alargados e a América Portuguesa cresceu, obrigando os soberanos de Portugal e Espanha a assinarem outros tratados a fim de resolver as questões de limites entre suas colônias na América.
Entretanto os benefícios históricos não têm o condão de apagar os malefícios cometidos, eis que um dos objetivos dessas expedições denominadas “bandeiras” era também o de caçar indígenas e escravizá-los, sendo que, muitas vezes, aldeias inteiras eram dizimadas e seus habitantes dispersados para sempre (resumo histórico da professora de história Juliana Bezerra no site TodaMatéria).
Agora que vocês já sabem quem foi Borba Gato e qual sua representatividade na história do Brasil – tanto para o bem quanto para o mal – então já têm condições de avaliar por si próprios essa ocorrência com relação à estátua de 13 metros que lhe foi erigida em Santo Amaro, capital paulista, no início da década de sessenta. Na tarde deste último sábado, dia 24, atearam fogo na estátua e um grupo denominado Revolução Periférica assumiu a autoria do ato, o qual foi exaustivamente veiculado nas redes sociais. Não é necessariamente uma novidade, pois em 2008 um grupo de moradores da cidade questionou o valor da homenagem a um homem de virtude tão duvidosa e propôs eliminar o monumento; também em 2020 a estátua foi pichada, pois muitos consideravam que uma pessoa que causou tanto sofrimento aos indígenas não mereceria ter sua imagem exposta em via pública (informações da reportagem de Daniela Mercier, no jornal El País).
Diante desse quadro duas correntes se criaram: aquela que repudia o que foi feito por se tratar de depredação a um monumento histórico; e aquela que apoia o que foi feito por se tratar de uma espécie de justiça tardia em defesa aos povos indígenas.
Ambas as correntes têm meu respeito – desde que suas convicções tenham se formado a partir da análise dos elementos históricos e não por meras opiniões desvencilhadas de fundamentos (que é o motivo pelo qual fomos conduzidos ao buraco em que estamos).
Particularmente sou integrante da terceira corrente.
Sou a favor de discutirmos a existência e até a substituição de monumentos desse tipo, mas não de meramente derrubá-los, num ato de selvageria. Já temos tecnologia para adentrar o espaço sideral e ainda assim, após milhares de anos de evolução, ainda voltamos à barbárie, com nossas tochas, ancinhos e forcados para “combater o mal”. Mas que “mal” é esse? Apenas a mera imagem do mal, que há décadas estava exposta e agora, por mera conveniência, oportunidade ou vontade de aparecer mereceu ser combatido? Ora, façam-me o favor!
É como esse negócio de “rediscutir” as obras de literatura de antigamente, reescrevendo-as de acordo com o que hoje se julga politicamente correto. Os livros, pelas histórias e estórias que contam, por si só são o retrato de uma época. Esse retrato pode ser bonito ou não, mas não vai deixar de ser um retrato e o que aconteceu à época não vai deixar de existir só porque resolvemos contar de um jeito diferente. Se pararmos para pensar bem, essa questão das estátuas homenageando o que hoje julgamos facínoras é um bom exemplo pra isso: tentaram recontar a história e construíram monumentos para pessoas que, à época, eram “heróis” e “desbravadores”, mas que aos olhos de hoje não passariam de bandidos e exploradores da miséria humana.
É óbvio que Borba Gato destruiu nações inteiras ao longo dos mais de vinte anos que duraram suas bandeiras. Não tenho nem ideia de qual foi o número de indígenas massacrados e povos dizimados no decorrer desse período. Mas respondam-me com sinceridade: será que em algum momento durante esse período ele teria conseguido o “prodígio” de ser responsável, quer seja por sua ação ou omissão, pela morte de mais de meio milhão de pessoas em menos de um ano e meio?
Vocês querem discutir a derrubada de imagens de genocidas? Então sugiro que comecem a ler os jornais, assistir os noticiários e a acompanhar fontes confiáveis de informação. O principal genocida a ser derrubado não é o da imagem de décadas atrás, mas sim aquele que está confortavelmente sentado em sua cadeira levando nosso país à bancarrota. E, pior, se divertindo com isso. Fazendo troça e espalhando mentiras (“fake news” é muito chique, pois mentira é mentira, não importa o nome que se lhe dê).
Enfim, antes de se postarem como defensores ou indignados pelo que foi feito a uma mera escultura, sugiro que se questionem profundamente se já não passou da hora de retomarmos as rédeas de nossa nação, o que somente vai ter início se destituirmos aqueles que desejam o poder pelo poder, somente em benefício de si e dos seus, ignorando a gigantesca massa da população que a cada dia se vê numa situação pior, sendo paulatinamente dizimada, tal e qual o sofrimento impingindo pelos bandeirantes de antigamente.
Agora que já conversamos com seriedade, vamos relaxar, pois este aqui é um blog que continua tentando trazer algum entretenimento para vocês. A respeito dos bandeirantes uma de minhas tirinhas preferidas foi feita por Laerte, na edição nº 1 da revista Piratas do Tietê, em 1990, quando ao chegar nessas paragens paulistanas quem foi que eles encontraram? O Capitão e sua tripulação, é claro! E cá entre nós, adorei a “negociação”! 😀
Mas melhor ainda foi a estória contada também pela Laerte e publicada na edição nº 12 da revista Piratas do Tietê, em 1992, sob o título “Bandeirantes do Pinheiros”, onde, com muito bom humor – e um tanto mais de sarcasmo – ela nos conta como foi que se deram as bandeiras através dos tempos. Confiram!
“Você me diz que seus pais não entendem Mas você não entende seus pais (…) São crianças como você ‘O que você vai ser quando você crescer?’” (Pais e Filhos, Legião Urbana)
O cartaz de meu primeiro Dia dos Pais com o Kevin, a tampa da caixinha porta-treco
(que uso até hoje) que ganhei do Erik e “arte” feita pelo Jean…
Dia dos Pais… Trata-se de uma data comemorativa para homenagear a paternidade, atualmente celebrada no segundo domingo de agosto – e que neste ano de 2020 cairá no próximo dia nove.
Ainda que em outros países seja celebrado em datas diversas, no Brasil somente foi comemorado pela primeira vez em 1953 – tendo sido “pensado” por um publicitário chamado Sylvio Bhering, à época diretor do jornal O Globo (do grupo empresarial de Roberto Marinho), um tanto com objetivos sociais – homenagear, de fato, os pais – quanto com nada nobres objetivos comerciais – movimentar a sociedade de consumo em busca de presentes para esse dia. Inicialmente a tentativa foi associar a data ao dia de São Joaquim, pai de Maria, mãe de Jesus Cristo (16 de agosto no calendário litúrgico da Igreja Católica), mas já nos anos seguintes a data também foi deslocada para um domingo, certamente por ser um dia mais fácil de se reunir a família, no caso o segundo domingo do mês de agosto – e assim permanece até hoje.
Apesar de seu apelo inicial ao consumismo, a comemoração do Dia dos Pais acabou ficando arraigada na sociedade brasileira, sendo uma data em que muitos filhos, ainda que distantes, se lembram de mandar ao menos um “oi” para seus pais – o que se torna muito mais relevante nestes tempos de pandemia e de forçado isolamento social. É, enfim, uma data em que um pai gostaria de se sentir amado e lembrado por seus filhos.
Mas, na minha livre interpretação da letra da música Pais e Filhos, do Legião Urbana, todo pai já foi também um filho. E mais: também teve por sua vez seu próprio pai. E suas diferenças. E discussões. E reconciliações. Aquele que hoje deveria ter todas as respostas também já foi ontem um garotinho cheio de perguntas. É um ciclo que se repete. Ou melhor, são ondas, tais como as ondas do mar, que vêm e vão. Explico.
Quem me conhece minimamente sabe que também é do conhecimento até do Reino Mineral o quanto gosto de história e genealogia. Então, para manter o foco genealógico do que tenho a dizer, vamos ficar somente na minha linha paterna – sem entretanto deslembrar os acontecimentos históricos, sociais e econômicos de cada época para que possamos compreender como veio se dando a relação de pais com filhos desde então. Somente assim a conclusão deste texto deverá ficar menos ininteligível…
Apesar de ter traçado minha ascendência nesse ramo até o ano de 1629, comecemos já com meu trisavô, Joaquim Theodoro de Andrade, que em fins do Século XIX foi um dos herdeiros das diversas fazendas deixadas por seus pais na região de Madre de Deus, MG. Ora, pela tradição familiar não é muito difícil cogitar que ele provavelmente também tenha se dedicado à vida no campo, nos tratos de lavoura e de gado. Estamos falando do ano de 1868 (quando da abertura do inventário), em pleno Brasil-Império ainda governado por Dom Pedro II, mas já em pleno declínio da cultura cafeeira, principalmente pela falta da mão de obra escrava – o que já vinha ocorrendo desde os anos seguintes à proibição do tráfico de escravos (1831) e que ainda iria se agravar com o advento da Lei do Ventre Livre (1871) e a própria Abolição da Escravatura (1888). Diante desse quadro cabe supor que, diferente de seu pai, e em conjunto com seus 11 irmãos, Joaquim deve ter vivido muito mais para tentar manter (e ver se desfazer) um patrimônio que não foi construído por ele.
“Pai rico, filho nobre, neto pobre”. Este é um antigo ditado que parece retratar bem o que aconteceu em diversas famílias não só pelo Brasil, mas também pelo mundo afora.
O filho de Joaquim, nascido em 1877 na cidade de Madre de Deus, MG, foi meu bisavô João Agnello de Andrade. Há notícias de que teria falecido cedo, com cerca de apenas 40 anos. Apesar de seus ancestrais terem sido fazendeiros na região de Sul de Minas – e diante da falta de documentação da época – num gigantesco exercício de suposições é plenamente possível imaginar que a fortuna amealhada nas gerações passadas não veio a agraciar essa nova geração. Ora, logo após a Proclamação da República (1889) e com as sucessivas crises do café, na virada do Século XIX para o XX tivemos o começo da Revolução Industrial no Brasil (com cerca de cem anos de atraso em relação à Inglaterra) bem como a Crise do Encilhamento, conjunto de fatores que veio a resultar no início da industrialização no Rio de Janeiro (então Capital do País). Assim, em que pese a cultura familiar de fazendeiros, é bem provável ter sido esse o motivo que fez com que meu bisavô tenha migrado ainda mais para o Sul, para a cidade de Santa Rita de Jacutinga, MG, onde em 1901 casou-se. Há registros de que não só ele como também parte de seus filhos, tenham trabalhado na cidade vizinha de Valença, no Rio de Janeiro. Ou seja, diferente de seu pai, quebrou uma tradição, saiu do campo e, talvez com um quê de esperança, para criar seus 10 filhos resolveu abraçar aquele novo mundo que se lhe surgia.
Mas ainda estamos falando da virada do século. Num curto período de tempo o mundo ainda seria flagelado pela Primeira Guerra Mundial (1914), pela Gripe Espanhola (1918), pela Grande Depressão (1929) e pela Segunda Guerra Mundial (1939). Como resultado direto desses acontecimentos, em cerca de apenas 30 anos, foram diretamente consumidas mais de 140 milhões de almas por todo o planeta. Restaram ainda outros tantos milhões de mutilados e com sequelas. Não deve ter sido um período nada fácil para aqueles que sobreviveram e só posso imaginar uma densa falta de esperança que pairava no ar por esses tempos. Algo como tudo isso que estamos vivendo especificamente neste ano de 2020 em virtude do Coronavírus.
E o filho de João Agnello, meu avô nascido em 1909 em Santa Rita de Jacutinga, MG, Antonio de Andrade passou por tudo isso. Não o conheci, pois faleceu em 1970, quando eu tinha apenas um ano de idade. Até onde pude descobrir, diferente de seu pai, foi um homem que tinha um pé na cidade e outro no campo (talvez mais para este último). Ao que tudo indica o que lhe interessava era tentar possuir seu próprio canto para poder criar os 12 filhos que viria a ter, de modo que abraçava as oportunidades que se lhe apresentassem. Tanto o é que montou e manteve um salão de barbeiro próximo à estação ferroviária local, o que lhe garantia tanto o sustento como o dinheiro para as cachaças que tanto gostava.
Mais tarde, no final da década de 40, veio de trem com toda a família para São José dos Campos, SP, após seu irmão já ter vindo e se certificado de que haveria trabalho para ele. Antes de ter sua própria terra, morou em diversos locais na zona rural, entre São José e Igaratá, sempre cultivando a terra (feijão, milho, arroz, etc) e criando um “gadinho”… Mas nem só da terra viveu, pois também empregou-se pelas fazendas da região, onde fazia serviços diversos, principalmente de marcenaria. E apesar da vida sofrida, era bem animado, adorava os arrasta-pés, foguetórios e tomar umas e outras sempre que podia.
A cidade de São José dos Campos (que agora em 2020 completou 253 anos) até então era classificada como estância climatérica, pois desde 1918, com a construção do Sanatório Vicentina Aranha (assim como de várias outras casas depois), foi o centro de migração de centenas de doentes vindos de várias regiões do país para tratamento da tuberculose. Aqui ficavam todos aqueles que não tinham posses suficientes para serem tratados na estância de Campos do Jordão, escolhidas à época pelo fato de ambas serem cidades afastadas dos grandes centros urbanos, o que minimizava o risco de contágio. Essa fase sanatorial durou até cerca de 1950, quando começou a transformação de São José dos Campos em um polo industrial e tecnológico, tendo início com a instalação do Centro Técnico de Aeronáutica – CTA (1950), do Parque Industrial da Johnson & Johnson (1954), do Complexo Industrial da General Motors do Brasil (1958), bem como de diversas outras empresas e indústrias dos mais diversos setores. Foi um período de prosperidade para a região e ainda levariam alguns anos para que se instalasse a Ditadura Militar no Brasil.
E foi por essa época que o filho mais velho de Antonio, nascido em Santa Rita de Jacutinga, MG, em 1937, José Bento de Andrade (também conhecido como meu pai), resolveu que já era hora de deixar o campo e seguir seu rumo para a cidade. Meu avô foi contra, pois queria que ele tivesse uma “profissão de sucesso”, o que no seu entender era ser tropeiro pela região e pelo Brasil afora. Mas esse “sonho” era dele e não de seu filho. Do alto de seus cerca de 20 e tantos anos ele lhe disse que não queria nada com isso não, que a vida ali era muito sofrida, que queria ir para a cidade tentar a sorte. E assim o fez. Apesar de ser um homem de estudos primários escassos, fez-se a si mesmo. Construiu-se. Com um inafastável esforço próprio no desejo de ser alguém, veio para cidade, arranjou emprego numa mecânica, casou-se, levantou sua casa no bairro de Santana (onde vive até hoje), teve três filhos, e por fim mudou-se para outro emprego numa indústria onde ficou até sua tranquila aposentadoria. Ele nunca foi de mudanças drásticas, de vida atribulada no campo, nem nada disso, e, ainda, apesar de à sua época até ter tomado suas cervejinhas, nunca gostou de bebida alcoólica em excesso – ou seja, ordenou toda sua vida de um modo bem diferente de seu pai…
A assim chamada Geração X abrange aqueles que nasceram no início dos anos 60 até o final dos anos 70 (pegando, talvez, o comecinho dos anos 80). É considerada como um grupo de pessoas sem identidade aparente, mas que enfrentariam um mal incerto, sem definição, um futuro hostil de pós-guerra, num tempo de incertezas e de Guerra Fria (a longeva polarização entre Estados Unidos e União Soviética). Essa geração nasceu, cresceu, passou pela fase hippie, teve ideais, esqueceu-se dos mesmos e foi fazer carreira no mercado de trabalho. Atravessou todo o período de evolução tecnológica, tendo presenciado o surgimento e desenvolvimento dos modernos meios de comunicação, viu surgir o computador pessoal, a Internet, o celular, a impressora, o e-mail, etc. O mundo ao seu redor mudou muito e adaptação nunca foi uma opção, mas sim uma necessidade.
Eu, filho do Seo Zé Bento, pertenço a essa geração. Nasci em São José dos Campos, SP, em 1969. Tive uma boa infância, meio de nerd, meio de pé descalço. Minha família era da chamada “classe média” (quando essa ainda existia), de modo que vivi plenamente minha adolescência, viajei um tanto (normalmente de carona) e paquerei outro tanto – pois ainda não existia o termo “ficar” e aqueles relacionamentos esporádicos não podiam ser chamados de namoro. Desde o início da adolescência aprendi a beber, a fumar, a teimar e a ser dono do meu próprio nariz. Sempre adorei estar com os amigos, no meio de gente, de falar alto, de curtir a vida. Eu e meu pai tivemos discussões homéricas por conta disso, pois eu não concordava com o modo e opção de vida dele, assim como ele também não concordava com o meu. Foi somente alguns anos após meu primeiro casamento (casei aos 18) e depois de um tanto de lambadas existenciais que finalmente entendi que ambos estávamos errados: não fazia sentido nos compararmos. Ele, com todos seus defeitos, era ele, assim como eu, também com todos os meus, era eu. Apesar de aparentemente contraditório, foi somente com essa compreensão que veio a aceitação de que eu não precisava gostar de meu pai para amá-lo. Pois não adianta: eu sempre fui, sou e serei diferente de meu pai.
Do meu primeiro casamento, que durou cerca de dez anos, não tive filhos. Se os tivesse, provavelmente seriam da Geração Y, também conhecidos como Millenial: aqueles nascidos do começo dos anos 80 até meados da década de 90. Uma geração que desenvolveu-se em uma época de grandes avanços tecnológicos e prosperidade econômica, tendo crescido com muito do que seus pais não tiveram, como TV a cabo, videogames, computadores, vários tipos de jogos e muito mais. Internalizaram a tecnologia desde pequenos, acostumaram-se à multitarefa e a conseguir o que queriam, não gostando de se sujeitar às tarefas subalternas de início de carreira e por isso sempre trocando de emprego com frequência em busca de oportunidades que oferecessem maiores desafios e crescimento profissional.
Não, meus três filhos, todos de meu segundo (e último) casamento, pertencem à Geração Z, também chamada de Centenial. São aqueles nascidos a partir do final dos anos 90 até aproximadamente 2010 – o que é justamente o caso deles: Kevin em 1999, Erik em 2001 e Jean em 2004. Os que pertencem a essa geração são “nativos digitais”, pois nunca viram o mundo sem computador. São multitarefa, mas seu tempo de atenção é muito breve. Como informação não lhes falta, estão sempre um passo à frente dos mais velhos, concentrados em adaptar-se aos novos tempos. Seu conceito de mundo é desapegado de fronteiras geográficas, pois para eles a globalização não foi um valor adquirido no decorrer do tempo e a um custo elevado. Aprenderam a conviver com ela já na infância. Daí serem desapegados de conceitos históricos ou mesmo da história em si, pois o que interessa é que o presente é a estrada a ser pavimentada para o futuro. Seus maiores problemas são relacionados à interação social, pois, paradoxalmente, por estarem tão conectados virtualmente acabam por sofrer de falta de intimidade com a comunicação verbal.
Quando pequeninos e ainda cabiam em meu colo e eu em seus corações.
Acho que já perceberam onde essa história vai dar, né?
Sim, é isso mesmo: meus filhos são diferentes de mim. E principalmente com a chegada da adolescência essa diferença aumentou de forma exponencial. Tenho absoluta certeza de que a responsabilidade é só minha, pois no decorrer de sua infância até que fomos bastante parceiros, mas quando estavam crescendo e provavelmente mais precisavam de minha presença, eu estava ausente. Seria muito cômodo de minha parte alegar que foi em razão do trabalho, das responsabilidades, da política, ou do que quer que seja. Foi tudo isso, também. Mas na sua essência, não. Não mesmo. Eu estava muito ocupado (ainda) sendo e fazendo tudo aquilo que meu pai não gostava e não queria e não percebi que estava mais uma vez repetindo um ciclo de gerações. Ou sendo apenas o refluxo de mais uma onda na areia, afastando-me cada vez mais da margem. Não só o fosso que começou a nos distanciar acabou por se transformar num imenso vale, como eu ainda tive a capacidade – ainda que involuntária – de queimar todas as pontes pelas quais passei.
Kevin, Jean e Erik em 2020: Geração Z.
Talvez por sermos de gerações tão distintas – afinal “pulamos” toda a Geração Y – essa situação estivesse fadada a acontecer. Não sei. Não posso ter certeza. Mas sei que foi n’o ano que passei fora que tudo se consolidou pra pior, quando minha ausência começou a se fazer presente e nosso distanciamento de gostos e coisas se acentuou. Afinal, diferente de meus filhos, eu vivo com um pé nos dias de outrora pois acredito que a história, o passado, é que verdadeiramente nos ensina o caminho para o futuro para que não cometamos os mesmos erros – nem os nossos, nem os de nossos pais (ainda que, mesmo conscientes disso, acabemos por fazê-lo). Acredito também que a vida é feita de momentos (e mesmo assim, com eles, eu os estou perdendo um a um devido à minha própria negligência), por isso tenho uma profusão deles na minha memória: situações tanto corriqueiras quanto inusitadas que vivenciamos, momentos de carinho e de amor, circunstâncias de dor e de sofrimento, mas principalmente aqueles especiais, marcantes, o primeiro passo, a primeira palavra, a primeira conquista… Não os tenho todos de memória, mas esforço-me para guardá-los.
E é por isso que escrevo. Porque sei que a memória é curta e delével. Não conseguirei reter para sempre esses momentos, pois tudo é inconstante e passageiro. Até nós mesmos. Então é preciso deixar registrado. Porém a comunicação se torna tão mais difícil já que as poucas paixões que tenho (veículos antigos, motos, mecânica, história, genealogia, a família) sequer lhes interessam. E pela falta de interesses comuns até mesmo nosso diálogo restou comprometido. Ou praticamente inexistente. Quero ter a certeza de que meus filhos me amam, mas também sei que meramente me toleram. Então guardo tanto os meus quanto os nossos momentos em palavras impressas para que fique registrado que, de fato, existiram. Ainda que não se lembrem. Ainda que não se interessem. Ainda que não queiram. Mas essa foi a maneira que encontrei de conservá-los para mim, para eles e para quem mais queira apreender desse passado. Pois, independentemente de todos os meus erros, tenho um orgulho gigantesco de cada um de meus filhos, cada qual a sua maneira, e meu maior desejo é que algum dia eles venham também a ter orgulho de mim.
Essa é, hoje, a nossa realidade.
Talvez algum dia mude, não sei.
Como já havia dito, queimei as pontes pelas quais passei e não há retorno fácil, pois é preciso reconstruí-las. Sei que reconstruir pontes é uma tarefa árdua e difícil, mas também sei que tem que ser feito através de esforço mútuo a partir de ambas as margens que se encontram isoladas.
E é esse o desafio que devo me impor… É bem como diz a música: “É preciso amar as pessoas / Como se não houvesse amanhã / Por que se você parar pra pensar / Na verdade não há”. Estou desperdiçando tempo, idade, saúde e sanidade sem dar um passo sequer para consertar essa situação. É difícil. É doído. Mas é necessário ao menos tentar reconstruir o diálogo enquanto ainda há tempo. E mudanças drásticas serão necessárias. Rogo sinceramente para que eu tenha perseverança e que me seja concedida oportunidade para isso – bem como dizem as primeiras linhas da Oração da Serenidade:
“Deus,
Conceda-me a serenidade
Para aceitar aquilo que não posso mudar,
A coragem para mudar o que me for possível
E a sabedoria para saber discernir entre as duas.
Vivendo um dia de cada vez,
Apreciando um momento de cada vez (…)”
PS1: Tenho em casa muito bem guardada uma pasta que contém a maioria dos desenhos e recadinhos que meus filhotes costumavam me deixar antigamente, quando ainda tínhamos diálogo. Dentre eles tenho esta “planta da casa” – segue com a planta em escala (da época) para fins de comparação…
Legenda: no gramado do fundo nós jogando bola, à direita a churrasqueira soltando fumaça, no corredor à esquerda nossa cachorrinha Léa, no corredor à direita os latões de lixo, os quartos identificados com os móveis dispostos nos exatos lugares, o escritório com dois computadores, no banheiro alguém no chuveiro com sabonete na mão, a cozinha com sua bancada externa e na sala a mesa redonda que costumávamos ter.
PS2: A partir dessa música veio boa parte da inspiração para este texto. Ouçam a letra, com calma e atenção, do começo ao fim. Vale a pena.
O rei Ricardo III estava se preparando para a maior batalha de sua vida. Um exército liderado por Henrique, Conde de Richmond, marchava contra o seu. A disputa determinaria o novo monarca da Inglaterra.
Na manhã da batalha, Ricardo mandou um cavalariço para verificar se seu cavalo preferido estava pronto.
– Ferrem-no logo – disse ao ferreiro, – o rei quer seguir em sua montaria à frente dos soldados.
– Terás que esperar – respondeu o ferreiro, – há dias que estou ferrando todos os cavalos do exército real e agora preciso ir buscar mais ferraduras.
– Não posso esperar – gritou o cavalariço, impacientando-se, – os inimigos do rei estão avançando neste exato momento e precisamos ir ao seu encontro no campo. Faze o que puderes agora com o material de que dispões.
O ferreiro, então, voltou todos os esforços para aquela empreitada. A partir de uma barra de ferro, providenciou quatro ferraduras. Malhou-as o quanto pôde até dar-lhes formas adequadas. Começou a pregá-las nas patas do cavalo. Mas, depois de colocar as três primeiras, descobriu que faltavam-lhe alguns pregos para a quarta.
– Preciso de mais um ou dois pregos – disse ele, – e vai levar tempo para confeccioná-los no malho.
– Eu disse que não posso esperar – falou, impacientemente, o cavalariço, – já se ouvem as trombetas! Não podes usar o material que tens?
– Posso colocar a ferradura, mas não ficará tão firme quanto as outras.
– Ela cairá? – perguntou o cavalariço.
– Provavelmente não – retrucou o ferreiro, – mas não posso garantir.
– Bem, usa os pregos que tens – gritou o cavalariço, – e anda logo, senão o Rei Ricardo se zangará com nós dois!
Os exércitos se confrontaram e Ricardo participava ativamente, no coração da batalha. Tocava a montaria, cruzando o campo de um lado para outro, instigando os homens e combatendo os inimigos. “Avante! Avante!”, bradava ele, incitando os soldados contra as linhas de Henrique.
Entretanto, lá longe, na retaguarda do campo, avistou alguns de seus homens batendo em retirada. Se os outros os vissem, também iriam fugir da batalha. Então, Ricardo meteu as esporas na montaria e partiu a galope na direção da linha desfeita, conclamando os soldados de volta à luta. Mal cobrira metade da distância quando o cavalo perdeu uma das ferraduras. O animal perdeu o equilíbrio e caiu, e Ricardo foi jogado ao chão. Antes que o rei pudesse agarrar de novo as rédeas, o cavalo assustado levantou-se e saiu em disparada. Ricardo olhou em torno de si. Viu seus homens dando meia volta e fugindo, e os soldados de Henrique fechando o cerco ao redor. Brandiu a espada no ar e gritou:
– Um cavalo! Um cavalo! Meu reino por um cavalo!
Mas não havia nenhum por perto. Seu exército estava destroçado e os soldados ocupavam-se em salvar a própria pele. Logo depois, as tropas de Henrique dominavam Ricardo, encerrando a batalha…
E desde então o povo passou a cantarolar:
“Por causa de um prego, perdeu-se uma ferradura; por causa de uma ferradura, perdeu-se um cavalo; por causa de um cavalo, perdeu-se uma batalha; por causa de uma batalha, perdeu-se uma guerra; por causa de uma guerra, perdeu-se um reino… Por causa de um único prego, perdeu-se um reino inteiro!”
Esse é um sobrenome que não possuo, mas, poucos o sabem, faz parte de minha linhagem pelo lado materno.
E o que tem isso a ver com o aniversário da cidade de São José dos Campos?
Bem, acontece que essa parte da minha família já vem há quase dois séculos produzindo joseenses!
Até onde sei, ao menos desde meu trisavô, José Rodrigues de Moraes Nunes que era casado com Rufina Maria Sinhorinha, seguindo pelo meu bisavô, Claudino de Moares Nunes, nascido no ano de 1867 e que faleceu novo – coitado! Em 20 de fevereiro de 1909, pontualmente às 20:00h, a cidade perdeu um de seus humildes lavradores, de apenas 42 anos, falecido em sua própria casa, no Bairro do Jaguari, de afecção do fígado, provavelmente decorrente de forte hepatite.
Ainda assim, apesar de sua curta vida, houve tempo suficiente para se casar com minha bisavó, Benedicta Maria de Mello, apenas 4 anos mais nova que ele, com quem teve oito filhos!
Destes, temos Bernardo Claudino Nunes, provavelmente o caçula, nascido em casa às 4 da manhã de 24 de março de 1907. Das lembranças pessoais que tenho dele, me vem a mente um senhor alto, um tanto quanto gordo e bonachão, loiro e de olhos profundamente azuis da cor do céu. Faleceu em 31 de janeiro de 1979, quando eu ainda tinha meus incompletos dez anos de idade.
Maria Dionísia e Bernardo, meus avós.
Nesses 71 anos de vida teve pelo menos três esposas, sendo a primeira delas minha avó, a mineira Maria Dionísia de Jesus, com quem se casou aos 24 anos de idade. Um casamento que durou apenas 14 anos, pois ela faleceu pouco tempo depois do nascimento de sua última filha, com apenas 33 anos. Apesar de existirem notícias de que tiveram vários filhos, apenas duas realmente sobreviveram: minha tia Dionísia, joseense, e minha própria mãe Bernardete Nunes, paulistana.
Uai? Mas não eram todos joseenses – vocês podem me perguntar.
Ela acabou sendo “um ponto fora da curva”, pois, apesar de ter sido totalmente criada em São José dos Campos, nasceu em 10 de setembro de 1943 na capital de São Paulo numa fase em que meu avô, cansado da vida de lavrador, estava buscando novos ares e novas oportunidades como mão de obra na indústria. Com o falecimento da esposa e com duas filhas a tiracolo – uma de 6 e outra de 2 anos – resolveu levar a menorzinha para ser criada por seu sogro (no caso, o avô dela pelo lado materno) lá na chácara que possuía no bairro de Santana. Lembro-me bem dessa chácara, sendo que a casa “sede” existe até hoje – mas tornou-se um depósito de bebidas lá no final da Av. Princesa Izabel.
Depois disso, meu avô acabou ficando por São Paulo mesmo, tendo se estabelecido lá pelos lados de Pirituba, onde viveu até o fim da vida ao lado de Geny de Souza, minha “avó postiça” que somente encontrava quando meus pais iam visitá-los. Com ela teve mais 9 filhos. E minha tia Dionísia? Casou-se com o italiano Lelio Silvano Galuzzo em 62 e foi de mala e cuia para a Itália, onde vivem até hoje.
Bernardete e José Bento, meus pais.
E minha mãe – essa joseense que por acidente nasceu fora de São José – aos 17 anos, no ano de 1960, casou-se com um mineirinho bem estiloso, de 23 anos, o seu José Bento de Andrade, vulgo “meu pai”… Foram anos de bastante trabalho duro – ele mecânico, ela costureira – mas ainda assim conseguiram comprar uma boa casa em Santana e se estabelecer. Tiveram três filhos, todos nascidos em São José dos Campos, sendo eu o caçula. Pois foi em 2 de maio de 1969 que o Hospital Pio XII, em Santana, ouviu o forte choro de um enorme bebê de aproximadamente cinco quilos! Adauto de Andrade acabara de nascer!
Em Santana nasci, em Santana cresci, em Santana me criei. Casei, descasei, casei de novo. Tudo sempre cercado de uma bela confusão emocional, que é uma de minhas características mais básicas enquanto ser humano… E deste meu casamento com a Dona Patroa, vinda lá de Marília, tivemos nossos três filhotes: Kevin, Erik e Jean. 1999, 2001 e 2004. Todos nascidos no Hospital Antoninho da Rocha Marmo – adivinhem onde? Isso mesmo, em São José dos Campos!
Ou seja, é seguramente a quarta geração de joseenses. Talvez quinta, se eu conseguir descobrir um pouco mais sobre meu trisavô…
E qual a relevância de toda essa história nesses 248 anos de aniversário da cidade?
Nenhuma. Absolutamente nenhuma. Só quis contar um pouco de minha história. A história da família dentro da história da cidade. Desde o lavrador, passando pelo industriário, pela costureira, o advogado e sabe-se lá o que nos reserva o futuro dos filhotes, esta família tem se criado com solidez e tradição. Ter uma história é importante. Mas ser uma história é mais ainda. Não importam os limites geográficos dos bairros, das cidades, dos estados, dos países, sequer dos continentes: a história de minha família se faz pelo reconhecimento ao passado em direção à evolução rumo ao futuro. Geração após geração nós evoluímos. Onde quer que seja. Quando quer que seja.
Por isso que fique registrado aqui meus votos de feliz aniversário a esta cidade que, em algum lugar no passado, acolheu em seu seio o “primeiro Nunes”, bem como o “primeiro Andrade”, permitindo a esta família se enraizar e, cada vez mais, evoluir.
Parabéns, São José dos Campos!
Em São José dos Campos: Santana de ontem e Santana de hoje…
Vocês sabiam que Graciliano Ramos – escritor conhecido por suas grandes obras, tais como Caetés, Vidas secas, Memórias do cárcere, dentre outras – também já foi prefeito?
Pois é!
Antes mesmo de lançar seu primeiro livro, em 1933, ele foi eleito prefeito da pequenina cidade de Palmeira dos Índios, no agreste alagoano, em 7 de outrubro de 1927, com portentosos 433 votos.
Como prefeito foi um sujeito que, literalmente, arregaçou as mangas e pôs-se a trabalhar, construiu escolas, cuidou da limpeza pública, instituiu um código de posturas, criou o primeiro serviço de higiene pública no interior de Alagoas, abriu estradas, enfim, trouxe modernidade, dinamismo, austeridade e honestidade a uma região geralmente assolada por coronéis e sua política feudal baseada em currais eleitorais.
Apesar de seu desejo sincero de melhorar as condições da cidade, bem como de sua extrema coragem para se contrapor aos grupos que, à época, se beneficiavam do desgoverno e carreavam para si os benefícios decorrentes dos pouquíssimos recursos destinados ao município, no curto período em que permaneceu no cargo Graciliano escreveu dois relatórios anuais (em 1929 e 1930) com balanços de sua gestão ao governo estadual, nos quais descrevia a situação econômica e social da população e a precária situação financeira da prefeitura.
E esses relatórios, longe de serem meros textos burocráticos, até hoje ainda podem ser considerados verdadeiras pérolas da literatura! Confiram:
“Havia em Palmeiras inúmeros prefeitos: os cobradores de impostos, o Comandante do Destacamento, os soldados, outros que desejassem administrar. Cada pedaço do município tinha a sua administração particular, com prefeitos coronéis e prefeitos inspetores de quarteirões. Os fiscais, esses, resolviam questões de polícia e advogavam”, registrou o prefeito, ao descrever ao governador de Alagoas a situação em que encontrou a administração municipal.
“Dos funcionários que encontrei no ano passado, restam poucos: saíram os que faziam política e os que não faziam coisa nenhuma. Os atuais não se metem onde não são necessários, cumprem as suas obrigações e, sobretudo, não se enganam em contras. Devo muito a eles”, completa o zeloso chefe do Executivo.
A partir daí, ia prestando contas das mais diverssas partes da cidade, sempre de maneira magistral: “No cemitério enterrei 189$000 – pagamento ao coveiro e conservação.”
O cemitério volta a ser alvo de um novo comentário, já no segundo relatório: “Pensei em construir um novo cemitério, pois o que temos dentro em pouco será insuficiente, mas os trabalhos a que me aventurei, necessários aos vivos, não me permitiram a execução de uma obra, embora útil, prorrogável. Os mortos esperarão por mais algum tempo. São os municípes que não reclamam.”
No parágrafo seguinte, o prefeito se queixa ao governador da despesa com iluminação pública e, sutilmente, coloca em dúvida a lisura de um contrato de fornecimento de energia elétrica. “A prefeitura foi intrujada quando, em 1920, aqui se firmou um contrato para o fornecimento de luz. Apear de ser um negócio referente à claridade, julgo que assinaram aquilo às escuras. É um bluff. Pagamos até a luz que a lua nos dá.
Esses relatórios abriram portas tanto ao profissional quanto ao escritor. Após seu período como Prefeito, assumiu, a convite do governador, a Imprensa Oficial do Estado. Em seguida, passou por vários outros cargos na administração, todos ligados à área da educação. E, apesar dessa carreira política na década que se seguiu, foram também esses mesmos relatórios que despertaram a curiosidade do editor Augusto Frederico Schmidt, no Rio de Janeiro, pois, ao ler aquelas pérolas de ironia e graça verbal em meio a despachos burocráticos o editor imaginou que o zeloso administrador público poderia ter algum livro que merecesse ser publicado. E, de fato, tinha: Caetés, o primeiro livro de Graciliano Ramos que foi publicado pelo próprio Schmidt em 1933.
( C&P de trechos do texto “O escritor gestor”, de Marcus Lopes. )
Foi quando acabou a fase dos prefeitos nomeados em São José e o primeiro eleito foi Joaquim Bevilacqua. Havia várias correntes na cidade que tentavam responder a pergunta: o que fazer com o Banhado?
Alguns achavam que deveria ser construído um parque aquático, outros uma Disneylândia. A favela se expandia, embora ali não fosse local para habitação, devido ao solo turfoso.
Chamaram, então, Oscar Niemeyer e sua equipe. Ao chegar, o arquiteto ficou por muitos minutos olhando a paisagem. Depois, atravessou a rua e juntou-se ao grupo. Então o prefeito perguntou: “Que devemos fazer com o Banhado?”
A resposta foi simples e objetiva: “A natureza demorou milhares de anos para fazer esta magnífica paisagem. Como e porque destruí-la?”. O grande mestre da arquietetura reconheceu que nem ele era capaz de ofuscar essa obra divina.
Essa história foi compartilhada pelo Jorge diretamente daqui. De minha parte a conheci quando assisti o filme de 2009, com Richard Gere. Muito bom.
A Verdadeira História de Hachiko
Chu-ken Hachiko (o cachorro fiel Hachiko) nasceu em Odate, na província de Akita, no Japão em novembro de 1923. Em 1924, Hachiko foi enviado a casa de seu futuro proprietário, o Dr. Eisaburo Ueno, um professor do Departamento Agrícola da Universidade de Tóquio. A história dá conta de que o professor ansiava por ter um Akita há anos, e que tão logo recebeu seu almejado cãozinho, deu-lhe o de Hachi, ao que depois passou a chamá-lo carinhosamente pelo diminutivo, Hachiko. Foi uma espécie de ‘amor à primeira vista’, pois, desde então, se tornariam amigos inseparáveis!
O professor Ueno morava em Shibuya, subúrbio de Tóquio, perto da estação de trem. Como fazia do trem seu meio de transporte diário até o local de trabalho, já era parte integrante da rotina de Hachiko acompanhar seu dono todas as manhãs. Caminhavam juntos o inteiro percurso que ia de casa à estação de Shibuya. Hachiko parecia ter um relógio interno, e sempre às 15 horas retornava à estação para encontrar o professor, que desembarcava do trem das 16 horas, para acompanhá-lo no percurso de volta a casa.
Em 21 de Maio de 1925, o professor Ueno sofreu um AVC, durante uma reunião do corpo docente na faculdade e morreu. Hachiko, que na época tinha pouco menos de dois anos de idade. No horário previsto, esperava seu dono pacientemente na estação. Naquele dia a espera durou até a madrugada.
Na noite do velório, Hachiko, que estava no jardim, quebrou as portas de vidro da casa e fez o seu caminho para a sala onde o corpo foi colocado, e passou a noite deitado ao lado de seu mestre, recusando-se a ceder. Outro relato diz que como de costume, quando chegou a hora de colocar vários objetos particularmente amados pelo falecido no caixão com o corpo, Hachiko pulou dentro do mesmo e tentou resistir a todas as tentativas de removê-lo.
Depois que o professor morreu a Senhora Ueno deu Hachiko para alguns parentes do que morava em Asakusa, no leste de Tóquio. Mas ele fugiu várias vezes e voltou para a casa em Shibuya, um ano se passou e ele ainda não tinha se acostumado à nova casa. Foi dado ao ex-jardineiro da família que conhecia Hachi desde que ele era um filhote. Mas Hachiko continuava a fugir, aparecendo frequentemente em sua antiga casa. Depois de certo tempo, aparentemente Hachiko se deu conta de que o professor Ueno não morava mais ali.
Todos os dias à estação de Shibuya para esperar seu dono voltar do trabalho, da mesma forma como sempre fazia. Procurava a figura de seu dono entre os passageiros, saindo somente quando as dores da fome o obrigavam. E ele fez isso dia após dia, ano após ano, em meio aos apressados passageiros. Estes começaram passaram então a trazer petiscos e comida para aliviar sua vigília.
Em 1929, Hachiko contraiu um caso grave de sarna, que quase o matou. Devido aos anos passados nas ruas, ele estava magro e com feridas das brigas com outros cães. Uma de suas orelhas já não se levantava mais, e ele já estava com uma aparência miserável, não parecendo mais com a criatura orgulhosa e forte que tinha sido uma vez.
Um dos fiéis alunos de Ueno viu o cachorro na estação e o seguiu até a residência dos Kobayashi, onde aprendeu a história da vida de Hachiko. Coincidentemente o aluno era um pesquisador da raça Akita, e logo após seu encontro com o cão, publicou um censo de Akitas no Japão. Na época haviam apenas 30 Akitas puro-sangue restantes no país, incluindo Hachiko da estação de Shibuya. O antigo aluno do Professor Ueno retornou frequentemente para visitar o cachorro e durante muitos anos publicou diversos artigos sobre a marcante lealdade de Hachiko.
Sua história foi enviada para o Asahi Shinbun, um dos principais jornais do país, que foi publicada em setembro de 1932. O escritor tinha interesse em Hachiko, e prontamente enviou fotografias e detalhes sobre ele para uma revista especializada em cães japoneses. Uma foto de Hachiko tinha também aparecido em uma enciclopédia sobre cães, publicada no exterior. No entanto, quando um grande jornal nacional assumiu a história de Hachiko, todo o povo japonês soube sobre ele e se tornou uma espécie de celebridade, uma sensação nacional. Sua devoção à memória de seu mestre impressionou o povo japonês e se tornou modelo de dedicação à memória da família. Pais e professores usavam Hachiko como exemplo para educar crianças.
Em 21 de Abril de 1934, uma estátua de bronze de Hachiko, esculpida pelo renomado escultor Teru Ando, foi erguida em frente ao portão de bilheteria da estação de Shibuya, com um poema gravado em um cartaz intitulado “Linhas para um cão leal”. A cerimônia de inauguração foi uma grande ocasião, com a participação do neto do professor Ueno e uma multidão de pessoas.
Hachiko envelheceu, tornou-se muito fraco e sofria de problemas no coração. Na madrugada de 8 de março de 1935, com idade de 11 anos e 4 meses, ele deu seu último suspiro no mesmo lugar onde por anos a fio esperou pacientemente por seu dono. A duração total de seu tempo de espera foi de nove anos e dez meses. A morte de Hachiko estampou as primeiras páginas dos principais jornais japoneses, e muitas pessoas ficaram inconsoláveis com a notícia. Um dia de luto foi declarado.
Seus ossos foram enterrados na sepultura do professor Ueno, no Cemitério Aoyama, Minami-Aoyama, Minato-ku, Tóquio. Sua pele foi empalhado – para conservar-lhe as formas e submetido à substâncias que o isentam de decomposição, e o resultado deste maravilhoso processo de conservação está agora em exibição no Museu Nacional da Ciência do Japão em Ueno.
Durante a Segunda Guerra Mundial, para aplicar no desenvolvimento de material bélico, todas as estátuas foram confiscadas e derretidas, e, infelizmente, entre elas estava a de Hachiko.
Em 1948, formou-se a “The Society For Recreating The Hachiko Statue” entidade organizada em prol da recriação da estátua de Hachiko. Tekeshi Ando, o filho de Teru Ando foi contratado para esculpir uma nova estátua. A réplica foi reintegrada no mesmo lugar da estátua original, em uma cerimônia realizada no dia 15 de agosto.
A estação de Odate, em 1964, recebeu a estátua de um grupo de Akitas. Anos mais tarde, em 1988, também uma réplica da estátua de Hachiko foi colocada próxima a estação. A história de Hachiko atravessa anos, passa de pai para filho, sendo até mesmo ensinada nas escolas japonesas – no início do século para estimular lealdade ao governo, e atualmente, para exemplificar e instilar o respeito e a lealdade aos anciãos.
Na atualidade, viajantes que passam pela estação de Shibuya podem comprar presentes e recordações do seu cão favorito na Loja localizada no Memorial de Hachiko chamada “Shibuya No Shippo” ou “Tail of Shibuya”. Um mosaico colorido de Akitas cobre a parede perto da estação.
Todos os anos, no dia 8 de março. Ocorre uma cerimônia solene na estação de trem de Shibuya, em Tóquio. São centenas de amantes de cães que se reúnem em homenagem à lealdade e devoção de Hachiko. Ao nascimento de uma criança, a família recebe uma estatueta de Akita como desejo de saúde, felicidade e vida longa. O objeto também é considerado um amuleto de boa sorte. Quando há alguém doente, amigos dão ao enfermo esta estatueta, desejando pronta recuperação.
Por causa desse zelo, o Akita se tornou Patrimônio Nacional do povo japonês, tendo sido proibida sua exportação. Se algum proprietário não tiver condições financeiras de manter seu cão, o governo japonês assume sua guarda.