
Adeus, Marvin…

Adeus, Marvin…
Numa ligeira caminhada debaixo de um sol escaldante para pegar minha moto na oficina após uma indispensável retífica no motor (sim, motos precisam de óleo), pude rememorar com saudade meus tempos de infância.
Nos verões insuportáveis de outrora – uns vinte e tantos anos atrás – a molecada costumava se reunir com suas bicicletas e pegar a chamada “Estradinha de Monteiro” (que vai pra cidade de Monteiro Lobato) pra dar uns mergulhos no rio.
Eram bicicletas de todos os tipos: Monareta, Berlineta, Barra-circular, Barra-forte, Caloi 10, Sprint 10, BMX (sem tanquinho) e as invejadas Caloicross… Toda a tropa pedalava coisa de uns cinco a dez quilômetros até chegar na hoje extinta ponte de madeira do Rio Buquira, onde nadávamos por toda a tarde.
Nós chegávamos, empilhávamos todas as bicicletas na margem do rio, arrancávamos a roupa (não toda, o short ficava), e nos posicionávamos sobre o corrimão da ponte para o merecido mergulho após toda aquela árdua pedalada.
Lembro-me como se fosse hoje. O sol quente batendo nas costas, ainda arfando e suando devido ao trajeto de bicicleta, eu subia no corrimão (sei lá a quantos metros de altura do rio) e preparava-me para o mergulho. Esticava-me todo, numa pseudo-preparativa (como um nadador olímpico), abaixava-me, jogando os braços para trás e… IMPULSO!
Indescritível aquele momento de vazio, em pleno ar, antevendo as águas geladas do rio…
O próprio “cair”, totalmente envolvido pelo vento, já era o início do processo para refrescar…
E então o choque!
O corpo mergulhava totalmente na água e – por um breve momento – todos os problemas do mundo simplesmente não existiam. Ainda submerso, tudo que importava era aquele frescor vivenciado num momento de puro êxtase.
É lógico que tínhamos que voltar à superfície algum dia. Muitas vezes perdíamos a noção do tempo e quando emergíamos já estávamos adiantados, sendo arrastados pela correnteza, além da curva do rio. O chato era ter que voltar até a ponte, pela margem, a pé. O divertido era que podíamos começar tudo de novo.
Ah, bons tempos…
E eis que ocorre uma daquelas situações mais prosaicas que costumam acontecer: encontrar um velho amigo na fila do supermercado. Dos advogados que conheço, o Doni é um dos que mais amam a profissão, chegando quase a um sacerdócio. Nunca deixou de ser um bon vivant, lá do jeito dele, e atualmente trabalha e vive numa cidadezinha idílica ao pé da serra, a meio caminho de Campos do Jordão. Tem umas quatro ou doze histórias muito divertidas sobre esse caboclo que ainda preciso contar por aqui…
Cinquentão, ex-professor de história (será que a gente realmente deixa de sê-lo?), socialista convicto (daqueles de já ter ido até Cuba para conhecer Fidel), pai de dois filhos e com um bom humor a toda prova, lá estava ele, cabelos lisos e compridos já tocando o colarinho, barba grisalha no melhor estilo Raul Seixas, calça de agasalho e camisa preta (dos Beatles). E seguiu-se o proseio. Perguntou da vida, da patroa e da criançada, ao que lhe disse que estava tudo bem, graças a Deus, e com você como vão as coisas? Tudo bem, tudo tranquilo, meu filho mais velho fez dezoito anos hoje, que legal, fiquei sabendo que sua filha também está estudando direito, pois é, não tem juízo igual ao pai, e a conversa foi fluindo enquanto caminhávamos até o estacionamento.
Falamos ainda mais um pouco sobre a vida, sobre os filhos, sobre os amigos, sobre trabalho, e – lógico – mal da vida alheia. Já nos momentos finais, quase indo embora, o mardito tinha que dar uma alfinetada…
– Puxa, enfim cara, foi muito bom ver você. Não envelheceu nada, tá igualzinho, só um pouquinho mais “encorpado”…
Seguiu-se um pequeno momento de silêncio dramático, enquanto ele com um olhar divertido – quase que numa expectativa – avaliava e aguardava minha reação.
– Porra, Doni. Isso foi uma maneira gentil de dizer que engordei?
– Hmmmm… É.
E foi embora pra terrinha, rachando o bico de dar risada.
Fiadaputa.
Dentro do rol de temas que aguçam minha curiosidade, juntamente com o tema “história”, sou também um fissurado em estórias, contos, lendas, causos, e folclore em geral. Recentemente ganhei do amigo Bicarato (sempre ele!) um livro chamado O que se conta daqui… Nas palavras das autoras, Érica Turci e Tatiana Baruel, trata-se de um reencontro com o fascinante imaginário do jacareiense, através dos “causos” da cidade, num livro que mistura fatos verídicos e ficção, personagens históricos e seres sobrenaturais.
Fiquei surpreso ao ver causos ali contados – como o do “corpo seco” – que eu mesmo ouvia de minha bisa quando era pequeno. O que para mim comprova que toda essa região está definitivamente ligada com o sul de Minas, e também com a herança cultural deixada pelos bandeirantes que por aqui passaram.
Ainda assim é curioso que, mesmo com tanta riqueza cultural, a molecada de hoje (leia-se crianças e adolescentes) tenham mais afinidade com o norte-americano halloween que com as tradições da terrinha…
Apesar da bem-humorada figura ali de cima, tenho que esclarecer que não, não sou adepto da xenofobia, até porque tem muita coisa divertida e interessante além do nosso próprio quintal. Porém sou da opinião que há espaço para todos – afinal de contas que mal faria para as escolas e outras entidades, ao comemorar o Dia de Todos-os-Santos, fazer uma saudável mescla de ambas (ou mais) culturas? Creio que, culturalmente falando, somente teríamos a ganhar com isso! Ademais o folclore é (e realmente deve ser) dinâmico, ou seja, não temos que nos prender somente em tradições estáticas do passado: elas devem evoluir como todo o restante do mundo. É saudável e recomendável que guardemos suas raízes e origens, mas não podemos manter nossas tradições estagnadas.
Tem gente que já percebeu isso e vem fazendo o possível para demarcar esse território. Por exemplo: pra grande alegria da turma da SOSACI – Sociedade dos Observadores de Saci, temos que foi oficialmente criado o Dia do Saci. Segundo a Wikipedia:
O Dia do Saci é um evento criado pelo governo do Brasil em 2005, de caráter nacional, elaborado pelo então líder do governo Aldo Rebelo (PCdoB – SP) e Ângela Guadagnin (PT – SP) com o objetivo de resgatar figuras do folclore brasileiro, em contraposição ao “Dia das Bruxas”, ou “Halloween”, da tradição cultural dos Estados Unidos da América. Por isso é celebrado em 31 de Outubro. Anteriormente, o projeto de lei já havia sido aprovado na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo e na Câmara Municipal de São Paulo.
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E, só por curiosidade, também segundo a Wikipedia, o Halloween – chamado de “Dia das Bruxas” nestas terras tupiniquins – tem suas remotas origens nas tradições celtas, quando se comemorava o fim do verão. Entre o pôr-do-sol do dia 31 de outubro e o amanhecer de 1º de novembro, ocorria a noite sagrada, ou seja, a Hallow Evening, palavra que através dos tempos deve ter sido deturpada para Hallowe’en, e, finalmente, Halloween.
Enfim, particularmente acho que há espaço pra todos. Afinal trata-se do imaginário popular, ou seja, do folclore, do saber do povo – do inglês folk (povo) e lore (saber) – que, repito, deve ser dinâmico.
De minha parte, juntamente com os filhotes, nesse feriado quero ver se consigo ir até São Luiz do Paraitinga pra tentar encontrar algum saci…

Há cerca de 20 anos eu estava na fase final de minha adolescência. Estudava, trabalhava e estava prestes a me casar.
Há cerca de 15 anos eu havia acabado de passar pelo “facão” do banco onde trabalhava e, depois de quatro anos e um status de quase gerente, passei então a trabalhar num escritório de contabilidade num bairro do subúrbio. Ganhava um salário mínimo e mesmo assim resolvi começar uma faculdade. É. Direito parecia bom.
Há cerca de 10 anos, depois de passar por poucas e boas, altos e baixos, com subidas e descidas, tanto na vida pessoal quanto na profissional, eu estava prestes a me formar. Foram aproximadamente cinco longos anos desde o vestibular até a festa dos 100 dias. Às vezes parece que foi mais. Às vezes parece que foi menos.
Mas com certeza foi bom.
Comecei a estudar na turma da manhã (mais uma vez, por causa de um novo trabalho), porém, uns seis meses depois, passei pra noite. Conheci muita gente e mais gente ainda me conheceu. É certo que não me lembro lá muito bem de todos (ah, mardita memória!), mas de todos que me lembro, garanto que é com carinho. Nem sempre fui muito próximo de todos, mas de alguns fui mais próximo que se possa imaginar.
Após a formatura e com o passar dos anos algumas amizades esfriaram, algumas pessoas se distanciaram e outras simplesmente desapareceram. Entretanto, também novas amizades surgiram, outras melhoraram e algumas permanecem até hoje. E tudo entre os formandos!
Muitos de nós, ainda que arduamente, conseguimos permanecer na área do Direito. Não foi fácil. Mesmo aqueles que já tinham uma certa tradição na família, ainda assim penaram bastante. Outros nunca conseguiram ou sequer quiseram exercer a profissão. E outros, ainda, foram em busca de novas experiências em outras áreas. Alguns mudaram de vida, de ares e até mesmo de país.
Porém o que nos une depois de tanto tempo é o simples fato de que nos formamos juntos. Passamos por muitos apertos, sofremos com as mensalidades, com a falta de professores, com as fogueiras de vaidades do corpo docente, com salas de aula chuvosas, atrasos, cansaços, tarefas, trabalhos, provas, exames, etc, etc, etc. Mas também tivemos nossas cotas de coisas boas, nos divertimos em festas e bares, comemoramos a vitória de boas notas, matamos aula pra prosear, farreamos no pindura… Enfim, passamos por muita coisa juntos por cinco anos até que nos formamos.
E isso já foi praticamente há dez anos…
Mas vamos aos fatos. Não é de hoje que a nossa colega (e também amiga, diga-se de passagem) Cinthia Polatto vem orquestrando a idéia de um churrasco pra comemorar esses dez anos. Uma boa parte do povo tá lá no Orkut, alguns outros estão perdidos pelos e-mails da vida e o resto acho que nem sabe que existe Internet… Mesmo lá na nossa comunidade orkutística o pessoal vem falando do churrasco, mas ninguém se anima de verdade.
A última expressão de vontade nesse sentido veio há quase três meses por parte do Tiago! Ele sugeriu um churrasco ainda este ano para aquecermos as turbinas. Comentou que sempre aparecerá alguém pra dizer que não poderá ir neste, mas com certeza estará no próximo. Sugeriu que começássemos a pensar com antecedência. De minha parte lhe respondi que basta marcar (desde que tenha espaço suficiente pros três filhotes correrem à vontade).
Mas ninguém mais se manifestou.
Com esse post estou tentando dar um pontapé inicial nessa idéia. Vamos marcar alguma coisa e simplesmente executar! Quem está por aqui na Internet que avise outros que também estão e, independente disso, que todo mundo procure avisar aqueles que não estão.
Vamos ver se isso vai surtir efeito…
E, pra matar a saudade, seguem três imagens de três bons momentos de parte do povo da facultas. Quem quiser ver a foto (beeem) ampliada, basta clicar na imagem. Alguém se habilita a dizer quem é quem?

( Clique na foto para ampliar… )
1948. Seu Bento (vulgo Meu Pai) tinha, então, apenas onze anos de idade e veio do interior de Minas, juntamente com toda sua família, de trem, para o Vale do Paraíba, em São Paulo, onde seu pai (vulgo Meu Avô) resolveu tentar nova vida. Instalaram-se na zona rural de São José dos Campos, a família cresceu, fizeram amigos, conheceram o povo em geral. Pouco mais de dez anos depois seu Bento casou-se com Dona Dete (vulgo Minha Mãe) e instalaram-se na mesma cidade, no bairro de Santana (também conhecido como estância hidromineral – muita água em baixo e mais mineiro ainda em cima). Repetiu-se o ciclo, tiveram seus filhos e também eu nasci, sem saber que num futuro não muito distante teria a aparência física tão semelhante à de meu pai.
1988. Um ano que começou quente e abafado, com chuvas tão ligeiras que mal era possível se refrescar. Eu (vulgo Eu mesmo) havia me casado há pouco tempo e estava de mudança para uma casa nova, ainda em reforma, em Santana. Bairro antigo na cidade, onde a maioria dos moradores já remontava a outras épocas. Dentre estes, estavam as chamadas “Irmãs Cajazeira”. Quem se lembrar da antiga série “O Bem Amado”, com Odorico Paraguaçu, Zeca Diabo e outros personagens pra lá de caricatos também vai se lembrar dessas moçoilas.
Na vida real, lá em Santana, tratavam-se de três irmãs já idosas e solteironas convictas que moraram juntas a vida toda. Minha nova residência ficava a apenas algumas dezenas de metros da casa delas e, na época eu ainda não sabia, elas foram amigas de minha família e conheciam meu pai de longa data. Naquele entra e sai de mudança, organizando tudo, eu e a falecida (vulgo ex-esposa) estávamos a todo momento na calçada, sob a vistoria intrépida daquelas senhoras que tinham por missão particular de vida fiscalizar toda a vizinhança. E eis que entre elas surge o conversê (cujo teor só fiquei sabendo por elas mesmas, anos depois):
– Olha lá, vizinhos novos!
– Hmmm, parece casalzinho recém-casado…
– Já têm filho? Alguém viu algum bebê por ali?
– Não, não parece que têm não. Mas aquele rapaz ali até que é bem familiar, não é não?
– Agora que você falou, é sim. Quem será?
– Ah, não acredito que vocês não se lembram! É o Bentinho!
– Será?
– Ah, não pode ser!
– É sim!
– Mas tirou o bigode.
– E tá bem, não tá não?
– Tá sim. Bonitão, como sempre… E casado com aquela mocinha!
– Menininha de tudo!
– E a Detinha?
– Não sei não.
– Deve ter desquitado…
– Pouca vergonha.
– Puxa vida, mas que coisa. Como será que ele conseguiu ficar assim tão bem conservado – tanto que até casou de novo – e nós três aqui, ACABADAS!…
Dia de eleição. Como voto no mesmo lugar desde que tirei o título de eleitor, que, inclusive, é a escola estadual onde estudei da primeira à oitava série, é também uma oportunidade para rever velhos amigos e conhecidos.
Seção cheia, bem cheia. A fila dava volta no corredor. E eis que aquela moça simpática, a alguns metros de distância, sorri para mim e dá um tchauzinho…
Olho para a menina logo atrás de mim, a qual está absorta numa conversa com um rapaz – provavelmente namorado. Olho para a moça na minha frente, que, por sua vez, está examinando atentamente uma mancha formada no teto.
É. É comigo mesmo.
Sorrio e avanço alguns passos na direção da agora sorridente moça, a qual me disse:
– Olá! Tudo bem? Há quanto tempo, hein?
Aproveito – também sorrindo – para tomar-lhe da mão o título e examinar seu nome completo. Nada. Minha mente é um vazio. MUITO sem jeito, digo-lhe:
– Puxa, não fique brava, mas sinceramente não consigo me lembrar de você…
– COMO NÃO??? A gente estudou junto, tinha fulano, beltrano e sicrano na nossa classe! Lembro-me até de uma redação que você fez, que a cada frase você terminava com a frase “É claro”!
Sinto o coração encolher e um rubor subindo às faces. Diacho, do que é que ela está falando? Que raio de redação seria essa? Que terminava com “é claro”? Tem minha cara brincar com as palavras desse jeito, mas desde o ginásio?
– Olha, realmente NÃO me lembro, mesmo. Mas, também, né? Já faz mais de vinte e cinco anos, meus neurônios já estão numa fase de perder as sinapses…
Rimos um pouco e passamos a conversar sobre amenidades. Mas aquela sensação de mal estar permaneceu na pontinha do meu coração. Como diria uma amiga, “borboletas revoavam em meu estômago”…
Havia chegado a hora de ela votar, de modo que voltei para meu lugar na fila (que dava volta, lembram?) – ainda assim fiquei matutando. Foram necessários mais uns dez minutos, até que a lembrança me atingiu como uma bigorna!
– MAS É CLARO!
A moça que estava na minha frente olhou desconfiada para aquele sujeito grandalhão que estava falando sozinho.
Lembrei-me dela! Ainda não conseguia precisar o ano específico em que estudamos, mas a imagem me veio à mente: ela era bem magra, e na época já era meio que alta para a idade; seu cabelo era curto, preto e cheinho nas pontas (e não loiro como agora), e não consigo deixar de imaginá-la com uma blusa, se não me engano de tricô e de gola alta, feita com várias faixas coloridas – cada faixa, um fio de uma cor.
Lembrei-me mais com o coração do que com a mente, pois veio a sensação de que éramos bem mais que colegas de classe! Não, não namorados – até porque não namorei absolutamente ninguém da escola naquela época. Éramos amigos mesmo. Ademais, sempre tive muito mais facilidade de fazer amizades com as meninas que com os meninos. Em sua maioria, elas sempre tiveram bem mais o pé no chão que os demais rapazes, os quais só pensavam em futebol, bicicleta, etc, etc, etc.
Pena que não a encontrei pessoalmente para lhe pedir perdão (e não desculpas) pela memória cheia de buracos que tenho. Poderíamos ter relembrado com mais acuidade aqueles tempos. Mesmo assim consegui achá-la no Orkut, e pude fazer um mea culpa virtual Contudo, a respeito daquela redação, a do “é claro”, sinceramente não consegui me lembrar. Todo o material escolar que eu possuía daquela época já deve ter virado pó, e minha memória – que sequer conseguiu lembrar de pessoas queridas – deixou-me na mão também com relação a isso. Mas, dado o tempo decorrido, e as zilhões de situações pelas quais eu já passei desde então, era de se esperar uns lapsos desse jeito…
É claro.