A Terra é plana!

Sim, é isso mesmo. A Terra é plana.

Isso é de uma obviedade que não tem tamanho, pois não importa se todos os demais planetas de nosso sistema solar (e do restante do Universo conhecido) possuem formato esférico, nem se a própria Lua vista a olho nu é nitidamente redonda e muito menos o formato da sombra que é projetada nos eclipses lunares – é incontestável que o Planeta Terra é uma gigantesca panqueca que viaja pelo espaço.

Aliás, perdoem-me pelo ato falho: é lógico que nosso planeta não viaja pelo espaço. Desde a Grécia Antiga já era sabido, pela Teoria do Geocentrismo, que o Planeta Terra permanece fixo no centro do Universo, com todos os demais corpos celestiais – inclusive o Sol – girando ao seu redor.

E é por isso mesmo que se faz necessário acabar com esse falso pensamento ideológico de que haveria necessidade de um “Horário de Verão” – uma mentira criada pelas classes outrora dominantes tão somente para tentar comprovar essa visão distorcida de que a Terra seria redonda e giraria em torno do Sol, com supostos solstícios de Inverno e de Verão. Eu nunca vi! Nunquinha! Então está claro que não existe absurdo maior!

Ah, mas existe sim. Eu falo dessa conspiração que já existe há décadas e que foi perfidamente elaborada pela NASA – a agência espacial do Governo Norte Americano – a qual, desde que pôs as mãos nos meios de comunicação em massa, vive de espalhar mentiras e de ditar regras para a indústria mundial de satélites. Não existe a mínima possibilidade de um ser humano já ter ido à Lua, pois é muito, muito longe! Ainda mais se fosse para contar com aquela tecnologia ultrapassada da década de sessenta. E não importa que mesmo outros países  hoje em dia lancem satélites no espaço, pois eles são obrigados a perpetrar as mentiras da NASA, tendo sido inventado um conceito delirante de “satélite em órbita geoestacionária” para dar a falsa impressão de que esses equipamentos girariam em torno do planeta acompanhando sua rotação – o que evidentemente é uma mentira! Uma vez que a Terra é plana e é o Centro do Universo, não existe esse negócio de “rotação”. O que eles fazem é jogar seus satélites para cima e eles ficam lá, parados, no vácuo do espaço. Simples assim.

Isso se torna tão evidente, ainda mais na medida em que o próprio Criador nos colocou nessa posição, pois somos a única forma de vida que existe no Universo e qualquer outra alegação diferente dessa deve ser guardada para os livros e filmes de ficção científica. Fomos criados à sua imagem e semelhança e foi através de Adão e Eva que tiveram origem todos os povos e etnias que povoam o mundo inteiro. E isso pode ser facilmente comprovado por qualquer pessoa que quiser, basta consultar a Bíblia – tá lá, bem no comecinho, eu mesmo já li! Essa coisa de “Teoria Evolucionista” é claramente uma obra de fariseus sofistas e comunistas, que ficam criando questões casuísticas para ocultar a verdade.

Basta lembrar uma outra passagem que tá lá na Bíblia (e essa eu não só li, como também assisti a um filme que comprova que foi verdade): a Arca de Noé. Os céticos até hoje teimam em negar essa história, usando das mais absurdas alegações. Ora, é lógico que com a ajuda do Senhor seria muito fácil para que os escolhidos, no caso a família de Noé, juntasse um casal de cada uma das bilhões de espécies de animais que ocupam todo o planeta em toda sua extensão e os conduzisse para aquela gigantesca pokebola de madeira que foi construída por apenas um homem e seus três filhos, inclusive com espaço para armazenar a comida que serviria de alimento a todos por quarenta dias! Vejam só que prodígio! Pessoas de visão curta, não compreendem que coube a essa família gerar uma descendência suficiente para repovoar todo o Planeta Terra, dando origem novamente a todos os povos e etnias que hoje existem – até porque, como todo mundo sabe, com prima não é pecado.

E é justamente por conta disso, dessa superpopulação que foi gerada e hoje existe ao redor de todo o planeta, quer dizer, sobre todo o planeta (pois a Terra é plana), que é indispensável que os militares estejam no poder. Isso porque uma guerrazinha de vez em quando serve justamente para ajustar a quantidade de gente existente. Basta ver o exemplo da Alemanha no século passado, povoada por aqueles nazifascistas de esquerda e que, apesar de tudo, ajudaram a efetuar esse necessário controle histórico populacional.

Um exemplo que, inclusive, foi seguido no Brasil, quando do advento da Revolução Redentora de 1964, quando teve início um governo militar democrático (e nada dessa falácia de “Golpe” ou de “Ditadura”) que contou com o apoio de toda a população, sem exceção – menos dos comunistas que queriam levar o país à bancarrota, através de suas falsas ideologias protecionistas, descendentes daqueles que foram derrotados pelo nazismo na Europa.

Mas… Esperem um pouco…

Se o nazismo é de esquerda – o que é óbvio, porque foi o que o Presidente disse – e eles lutavam contra o comunismo, então, por meio de um perfeito silogismo, isso significa que os comunistas eram de direita. Mas se os comunistas eram de direita, então isso quer dizer que o nosso governo militar era de esquerda? Mas e todos os partidos socialistas que foram criados depois? Seriam, então de direita? Não, péra, então tem que ver isso aí. Pois se for assim, esse próprio governo que está aí seria de…

Ôpa!

Estão batendo na porta. Acho que é um pessoal que vinha aqui para uma reunião. Gente que pensa como nós, a maioria correta da população. Vocês sabem, né? Volto assim que puder…

A Gargalhada de Sócrates

E eis que no último sábado, logo pela manhã, fui agraciado pelos serviços de entrega do Correio com a chegada do meu exemplar de A Gargalhada de Sócrates: como o maior filósofo do ocidente desvendou o intrigante caso do assassino em série ateniense, com a improvável ajuda de seu desafeto Aristófanes, de autoria de Nelson Moraes Alves.

Como sempre costumo fazer quando me chegam às mãos novos livros (não necessariamente livros novos), dei uma boa olhada na capa, li o conteúdo da contracapa, li atentamente ambas as orelhas do livro, fiquei feliz com o autógrafo, dei uma checada na dedicatória e… só. Mais tarde eu daria início à leitura, juntamente com os outros quatro ou doze livros que sempre estão me aguardando na cabeceira de minha cama.

Os prognósticos já eram bons, pois, da Internet, já conhecia o “jeitão” do Nelson escrever – desde os tempos do blog Ao Mirante, Nelson! (falarei disso mais adiante) e, mais recentemente, pelas redes sociais, com seus ferinos comentários ou pequenas e bem humoradas parábolas. Mesmo assim permanecia um certo “receio”, pois não se tratava de uma coletânea de seus escritos (como eu já havia feito com meu blog), mas sim de algo totalmente novo e desconhecido: um romance completo, com começo, meio e fim distribuídos por mais de 300 páginas! E esse meu sentimento somente se dá porque, para mim, existem basicamente dois tipos de livros: aqueles que você não consegue largar e aqueles que você não consegue voltar… E se ele fosse dessa segunda categoria? Bem, só mesmo lendo para saber.

Como os sábados sempre costumam ser um tanto quanto atribulados (aliás, não diferente dos demais dias úteis da semana), deixei para a noite de domingo para começar a me engraçar com o livro. Assisti alguns episódios de algumas séries junto com a Dona Patroa (dentre elas, a britânica Killing Eve – recomendo!) e lá pelas dez da noite, enquanto ela ainda assistia um filme que me causou mais sono que interesse, recolhi-me ao quarto, afofei os travesseiros, engatei a primeira e abri o livro.

E só o fechei às cinco horas da manhã!

Na última página.

Sem parar.

É bem como está lá no comentário de Janaína Jordão, na contracapa do livro: “Me diverti horrores. O livro prende do começo ao fim, é impecável. Não dei conta de largar. E do epílogo para frente fiquei lendo com um misto de curiosidade crescente e um medo de acabar logo”. Aconteceu o mesmo comigo, pois foi de uma só toada.

Os incautos podem até vir a se assustar um bocadinho num primeiro momento, pois o livro é composto quase que inteiramente de diálogos na segunda pessoa do singular (eu, tu, ele… lembram?) e com muitas palavras tanto complexas quanto “de época”, pois a estória se passa no século 4 a.C. – eu mesmo quase fui buscar um dicionário para deixar ali do ladinho. Mas é só uma primeira e equivocada impressão. Ao começar a entrar no fio da meada a gente acaba percebendo que mesmo aquelas palavras desconhecidas se encaixam perfeitamente no contexto das frases, sendo subliminarmente compreendidas e não atrapalhando em nada a dinâmica da leitura.

O que, aliás, me fez lembrar de uma antiga piada envolvendo estudantes de grego clássico, marinheiros e uma inusitada viagem à Grécia…

Mas deixemos isso para um outro momento.

Voltemos ao livro.

O Nelson conseguiu montar uma trama excelente e bem humorada, com diálogos totalmente permeados de trocadilhos e ironias. E, de quebra, podemos aprender e compreender o que era o método maiêutico utilizado por Sócrates, bem como a maneira pela qual funcionava a contemporânea Escola Sofística de pensamento. E não, não vou explicar. Se quiserem saber vão pesquisar – ou melhor, comprar o livro!

E se prestarmos um pouco mais de atenção a esses diálogos, veremos que também temos verdadeiras aulas sobre justiça, democracia e até mesmo sobre a forma e os limites do humor…

A base da estória (não se preocupem, sem spoilers) gira em torno de como Sócrates, aprisionado enquanto aguardava a execução da sentença que o condenou à morte, conseguiu, juntamente com Aristófanes, desvendar o caso do assassinatos que, um a um, estavam acontecendo em Atenas enquanto se desenrolava a trama. Trama essa muito bem construída para esconder a identidade do assassino até o último momento – se bem que, confesso, logo após o terceiro assassinato comecei a ter minhas desconfianças, as quais se confirmaram no final. Mas isso não é uma crítica e nem diminui a beleza da obra, pois talvez tenha se dado simplesmente porque já li muitos livros da Agatha Christie e todos do Sherlock Holmes, sendo que, neste caso em especial, me veio à mente Um Estudo em Vermelho.

Enfim, leiam. Leiam esse livro sem dó. Recomendo veementemente.

Mas ainda resta uma última pergunta: quem afinal de contas é esse tal de Nelson Moraes Alves?

Blogueiro das antigas, mas que há muito já aposentou seu blog Ao Mirante, Nelson!, tive que dar uma fuçada no Internet Archive para encontrar algumas de suas antigas referências… Parece que tudo começou por volta de outubro de 2002, no endereço www.aomirante.com, mais tarde tendo passado para o www.interney.net/blogs/aomirante, o que duraria até dezembro de 2009, quando foi para o www.aomirante.net e lá ficou até seus últimos posts, em dezembro de 2011. Ao menos é o que eu acho, mas posso estar errado…

Mas creio que quem possa melhor descrevê-lo seja o Idelber Avelar, conforme publicou lá em maio de 2009 no também finado blog Biscoito Fino e a Massa:

“Nelson Moraes talvez seja o único blogueiro brasileiro a ter inventado um gênero. O que você lê em Ao Mirante, Nelson! não é microconto, não é poema em prosa, não é fait divers. É um gênero próprio, burilado ali, algo para o qual ainda não há nome e que poderíamos chamar de post elevado à condição de arte.

No final de 2004, logo depois de abrir o Biscoito, ainda sem saber onde aterrizara, saturado de ler porcarias – ou uns poucos blogs bem escritos que, no entanto, não me diziam muito –, já meio rendido à tese de que tudo na blogosfera era ruim, eu cheguei a um post. Foi, ao mesmo tempo, lição de humildade e fonte de gargalhadas que insistiam em se repetir cada vez que eu revisitava o texto. Eu nunca havia visto aquilo: um diálogo de meia página que combinava uma erudição assombrosa com um domínio perfeito de todos os tiques da linguagem tecnológica daquele momento. Trata-se daquele que eu ainda considero o post mais perfeito já produzido em lusitana língua: Se os diálogos de Platão fossem pelo MSN. Se você nunca leu, siga o link e fique por lá. Volte aqui só no domingo.

A obra de Nelson Moraes – sim, de uma obra se trata – tem essa característica, a de agarrar um momento da tecnologia, da política ou do cotidiano, extrair-lhe a essência mais hilária e, ao mesmo tempo, confrontar-nos com o seu vazio. No caso da tecnologia, o mais recente exemplo é o emblemático Jornal x Blog x Twitter: a série, que diz mais que todas as nossas verborrágicas discussões sobre o futuro das mídias. Os próprios blogs são temas constantes, como nesta paródia aos comentaristas ou nesta sátira à republicação de posts. Não custa lembrar, Nelson é o responsável pela tese de que não existe ex-blogueiro.

Ninguém se lembra o que realmente foi roubado do MASP em 2007, mas para muitos de nós, aquele desimportante acontecimento jamais será esquecido. Foi, afinal de contas, quando Nelson escreveu Ladrões arrombam o MASP e se recusam a furtar inúmeras obras de arte. A criminalização da bebida para motoristas já vai caindo no olvido, como sói acontecer com as leis brasileiras, mas duvido que eu me esqueça de Lei seca ameaça piadas de bêbado. “Leem” e “voo” já me saem naturalmente sem acento (e eu não conheço tema de discussão mais chato que a Reforma Ortográfica). Mas muito depois que tenhamos nos esquecido que “heroi” “heroico”* um dia teve acento, lá estará um clássico: Após o acordo ortográfico, entra em vigor agora o acordo aritmético.

Nelson possui uma tremenda erudição literária, cinematográfica, musical e filosófica. No entanto, ao contrário de certo humor pseudoaristocrático que floresceu durante algum tempo em comarcas mais direitosas da blogosfera, a erudição de Nelson não exclui, mas inclui o leitor, mesmo aquele que não domine todo o intertexto do post. Eu, que possuo cultura cinematográfica tão vazia que nela não cabe mais nada, não deixei de gargalhar com Post Noir.

Uma vez vislumbrei uma antologia de posts de Nelson Moraes ilustrada por André Dahmer. Bem promovida, venderia mais que boa parte do catálogo de qualquer editora, mesmo que não se apagasse nada da internet. Talvez, algum dia, apareça um editor lúcido o suficiente para fazê-lo.

Vida longa e infinitas Bohemias para o Almirante.”

Por fim, uma última observaçãozinha pessoal… Desde sempre eu achava que, menos que o sujeito que derrotou Napoleão, o nome do blog dele era um trocadilho com o nome deste Almirante Nelson, da mesosóica série Viagem ao Fundo do Mar

Educação para a vida deveria incluir aulas de solidão

Rebeca Bedone

Nem todo mundo entende que algumas pessoas vivem melhor quando têm seus momentos sozinhas. Chamam-nas de solitárias e individualistas. Mas a verdade é que existem homens e mulheres que curtem a solidão, dure ela poucas horas ou muitos dias. No silêncio, essas pessoas escutam melhor a si mesmas. É uma necessidade genuína de ser unidade. Não tem a ver com individualismo egoísta ou autossuficiência, mas com o aprendizado que se adquire com o tempo: como nas vezes em que, acompanhada, a pessoa se sentiu sufocada ou incompleta. Ou, simplesmente, não conseguiu pensar com clareza. São muitas as cobranças de quem não entende a escolha da solidão. O parceiro que não entende que o outro precisa ter seus momentos sozinho, mesmo que dentro do relacionamento. O amigo que insiste em virar a noite em baladas com vodca e energético e não aceita a opção pela madrugada com vinho tinto e sessões de filmes na Netflix. Outros acham insuportável estarem desacompanhados — seja por parentes, amigos ou amores — e precisam ficar com alguém o tempo todo. Cada um tem a sua própria maneira de enxergar a si mesmo. Cada vez mais acredito que minha força está na solidão. Em meu exílio, sou tempestade em dia de verão. Encontro meus medos, segredos e saudades em meio à calmaria de estar só. Minha própria companhia pode até me apavorar de vez em quando, mas são estes raios tempestivos que me guiam para dentro de mim mesma: o lugar onde tudo é mistério e solução. Quem se reconhece em si mesmo não teme o silêncio da espera e o vazio do quarto. Aproveita a leitura na madrugada e a ressonância dos pensamentos. Supera o cansaço e resgata anseios esquecidos. Entende que sempre existirão tristeza e alegria, estando só ou acompanhado. Mas este processo nem sempre é fácil. Para estar só, é preciso abandonar o comodismo e ir de encontro aos próprios defeitos. É preciso encaixotar sonhos impossíveis. Encarar despedidas e aceitar o que não tem explicação. E, às vezes, é necessário sofrer para entender o amor. Algumas pessoas precisam ficar sozinhas para encontrar o equilíbrio sobre a frieza da vida, como um dançarino que patina sobre o gelo. A alma silenciosa desliza na musicalidade que expressa sentimentos escondidos. A solidão se torna solitude quando se harmonizam sonho e realidade, sem se preocupar demais com as quedas que a dança da existência pode trazer; a quietude surge na decisão de erguer-se sempre. Depois da solidão, tenha ela a duração de uma noite, várias semanas ou o tempo que for necessário, chega o tempo de recomeçar. Surge a vontade de ir ao encontro das pessoas queridas, uma necessidade honesta de lhes distribuir atenção e carinho. Porque é o reinício do voo sem a certeza de onde se irá pousar, pois o que importa é o caminho. O caminho de ser uma pessoa mais feliz e serena, e não um pedaço incompleto de si mesma.

Qual deles?

No início do ano de 1997 eu comecei a advogar de fato e fazia parte, juntamente com outros amigos, de uma sociedade de advogados aqui da cidade. Nesse início éramos em dez ao todo: cinco advogados recém formados, os “agregados” (eu entre eles), e cinco advogados já com larga experiência no mercado, os “sócios” (Luís Henrique e Luiz Arnaldo entre eles).

E a secretária.

Se não me engano, a primeira dentre várias que ainda viriam.

Mocinha simpática, moreninha, bem magrinha, bonitinha até!

Mas que até hoje não sei dizer se se possuía um senso de humor único, uma perspicácia além da conta ou se era, digamos, “limitadinha” mesmo…

E este causo aconteceu pouquinho tempo após a inauguração do escritório.

Ela lá, impávida na recepção, sempre com um sorrisinho estampado no rosto e que raramente se apagava. Chegou um sujeito, assim meio que com cara de perdido, encarou-a, também sorriu e foi falando:

– Por gentileza, eu gostaria de falar com um advogado.

– Tudo bem. Qual deles?

– Ah, tá. Lógico. Tem um monte de advogados aqui… É com o Dr. Luiz.

– Tudo bem. Qual deles?

– Ué? Tem mais de um Luiz aqui? Tá certo. É um nome comum, né? É um assim alto, bem magrinho.

– Tudo bem. Qual deles?

– Tá, tá… Esse é um tipo até comum. É um bem clarinho, quase loiro.

– Tudo bem. Qual deles?

– Pôxa, é o que antes tinha escritório no edifício aqui pertinho, no Vip Center.

– Tudo bem. Qual deles?

– Menina, eu o vi entrando aqui agorinha há pouco. Ele está com uma camisa branca e terno preto.

– Tudo bem. Qual deles?

– Caramba! É o que tem um carro da Fiat… Qual mesmo? Ah, é: um Tempra preto.

– Tudo bem. Qual deles?

– Ô louco! Os dois têm Tempra, é? Pois bem, é um que tem uma criança pequena, não sei que idade.

– Tudo bem. Qual deles?

– Você não tá tirando uma com a minha cara não, né menina? A esposa dele se chama… Deixa eu ver… Ah é! Cíntia! É o que é casado com a Cíntia!

– Tudo bem. Qual deles?

– Ah, não! Agora você tá de gozação! Só pode estar! Não é possível! É o que tem bigode, tá bom? É o que tem bigode! Sabe o que é um bigode? Sabe? É o que tem bigode!!!

– Ah! Então é o Dr. Luiz Arnaldo! Por que o senhor não disse antes?…

Deixarei para que a profícua mente destes incautos leitores possa imaginar – somente imaginar – qual o rol de impropérios que, ainda que não tenha manifestado em alto e bom tom, certamente passou pela cabeça desse indivíduo enquanto se dirigia para a sala do advogado…

Um grito, um sapo e um barranco

Me é estranho, após tanto tempo, retomar da pena.

Ou melhor, do teclado.

As palavras que outrora fluíam tão naturalmente encontram-se escondidas, relutantes – recalcitrantes até.

Mas é necessário desenferrujar estes nervosos neuróticos neurônios que têm fugido de mim tal qual o tinhoso foge da luz, num bloqueio que há muito já ultrapassou o limite do que poderia pensar em ser considerado razoável.

Então, como Roger Waters já vaticinava, é o que me resta: “Tear down the wall”!

E para isso comecemos com um causo recente, algo bem leve, quase que corriqueiro.

Ou não.

Estava eu, numa dessas noites recentes, em casa desfrutando de minha usual breja na varanda enquanto pensava qual seria o tamanho da tal da Superlua por detrás das nuvens, quando ouvi um grito agudo. Vindo lá de dentro de casa. Da Dona Patroa.

Fiquei tranquilo, beberiquei mais um gole. Após tantos anos de convivência aprendi a identificar cada um dos faniquitos, ops, tipos de grito que ela tem. E esse, desse timbre, dessa altura, com essa duração, era inconfundível. Pensei comigo: “sapo”.

E eis que ela me surge na varanda.

– Vai AGORA lá no fundo. Tem um sapo gigante dentro da vasilha de ração da Leia!

– Mesmo? Será que ele é tão grande assim?…

– NÃO QUERO SABER. Só quero que tire ele de lá!

– Ah, tadinho, deixa ele curtir um pouquinho…

– De jeito nenhum! Quero mais é que jogue essa criatura gorda e nojenta lá no meio do mato!

– Ei, sem ofensas! Espero que você esteja se referindo ao sapo!

– VAI! LÁ! AGORA!!!

Ô coisinha estressada, credo…

Mas preciso contextualizá-los: moramos num local que é uma espécie de vale, bem em frente a uma larga avenida que, juntamente com um córrego que a margeia, dividem ambos os lados desse vale, sendo que de um lado ficam as casas e do outro uma Área de Preservação Permanente toda arborizada com uma mata nativa que segue por alguns quilômetros. Basta atravessar a rua e na beirada da calçada do outro lado está a mata, que já começa bem no barranco que desce até o córrego.

Fui até o fundo de casa e encontrei o bichinho bem onde ela disse que estava. “Gordo mesmo”, pensei na hora. Municiado com um saco plástico nas mãos (isso mesmo, não tenho a mínima vontade de pegar um sapo com as mãos nuas) peguei aquele pequeno filhote de hipopótamo anfíbio e fui devolvê-lo à mata de onde não deveria ter saído. Ainda fiz um pouco de graça enquanto o carregava só pra ver a Dona Patroa dar no pinote quando cheguei perto. Ah, essas pequenas maldades…

E justamente enquanto atravessava a rua eis que o fiudumaégua do sapo começou a… mijar! Mas soltou um jorro de longa distância que por um triz não me pega! Quase me deu vontade de dali mesmo arremessá-lo à distância lá pro meio do mato! Quase.

Acabei o trajeto, dei uma última olhada para aquela carinha rechonchuda e bem ali na beirada do barranco, com um ligeiro movimento joguei-o no meio da folhagem lá embaixo. E me virei para voltar pra casa. E pisei em falso. E me desequilibrei.

E caí.

E rolei.

Morro abaixo.

Uma cambalhota atrás da outra, atrás da outra, atrás da outra.

O céu no chão, o chão no céu, o mato na boca e tudo rodopiava pra tudo quanto é lado.

Parei numa aconchegante moita orvalhada que me deixou encharcado.

Fora a terra.

Fora o barro.

Fora a lama.

Puto. Eu estava PUTO da vida. Fiadaputa de sapo dos infernos! Fui subindo de volta à rua, patinando, escorregando e puto. E caí sentado. E fiquei ainda mais PUTO.

Mas era pior do que eu imaginava.

Foi só quando cheguei de volta à varanda – puto ainda, diga-se de passagem – é que me dei conta.

“Meu celular. Cadê o meu celular? Onde está a porra do meu celular???” Olhei pro outro lado da rua, pr’aquela escuridão molhada e enlameada. Olhei pro exato ponto em que eu havia sumido e cambalhotado metros barranco abaixo e então, com desalento, me veio a única conclusão óbvia. “Lá.”

Chamei novamente a Dona Patroa.

– Liga pra mim.

– Ué, por quê? Você já está aqui na minha frente. E por que você está todo sujo assim?

Respirei fundo.

– Celular. Mato. Lá.

– Você perdeu o celular lá embaixo? Mas por quê?

– Meu ANJINHO, só liga pra mim, faz favor!

Novamente atravessei a rua e enquanto perscrutava a escuridão do meio do mato vi o brilho da tela e o característico toque do meu celular. Ufa! Resgatei-o e ele estava inteirinho, sem um arranhão sequer. Duplo ufa!

E é lógico que enquanto eu voltava pro mundo dos vivos escorreguei mais umas duas vezes e quase cambalhotei de volta…

Após toda essa rocambolesca cena circense só me restava tomar um belo de um banho e dormir. Até porque no dia seguinte, bem cedinho, tinha que levar meus meninos para escola.

No dia seguinte, enquanto a criançada tomava seu café, fui até a varanda novamente. Ainda estava escuro. Dei uma olhada pro outro lado da rua e mentalmente xinguei o bendito do sapo.

E, apesar de tão cedo, ouvi um “blip-blop” do celular no meu bolso. Sinal de mensagem. Estranho. Fui pegar meus óculos para ver qual era a mensagem, pois depois dos quarenta o “braço ficou curto” e sem eles não consigo ler absolutamente nada.

Foi aí que me dei conta.

“Meus óculos. Cadê os meus óculos? Onde está a porra dos meus óculos???” Olhei pro outro lado da rua, pr’aquela escuridão molhada e enlameada. Olhei pro exato ponto em que eu havia sumido e cambalhotado metros barranco abaixo e então, com desalento, me veio a única conclusão óbvia. “Lá.”

Rememorando…

Só pra não deslembrar, eis aqui a reunião de muito do que já li – pois dia desses resolvi meio que participar de uma dessas “correntes” lá no Facebook, quando então escrevi: “A convite de ninguém durante dez dias vou publicar dez livros que marcaram minha trajetória como leitor. Sem comentários e explicações, apenas a capa. Divirtam-se. E critiquem…”

O primeiro foi Ilusões – As aventuras de um Messias Indeciso, de Richard Bach (o mesmo autor de Fernão Capelo Gaivota). E se o Salvador, com todos os seus poderes, voltasse nos dias de hoje, mas quisesse simplesmente ser uma pessoa normal? Já perdi a conta de quantas vezes li e reli esse livro…

Depois foi a vez de As Brumas de Avalon, de Marion Zimmer Bradley. São quatro volumes que narram toda a história e magia de Camelot, Rei Artur e a Távola Redonda – só que do ponto de vista feminino.

Citei também Sherlock Holmes, personagem de Sir Arthur Conan Doyle, do qual li a obra completa. Dezenas de livros, já não lembro mais. Eu era apenas um projeto de adolescente e fui totalmente tomado por um universo instigante de mistério e lógica da mais apurada.

Não poderia deixar de citar A Bíblia Sagrada, pois, independentemente das minhas convicções religiosas e a maneira pela qual professo minha fé, foi uma obra que a seu tempo me marcou, ainda que hoje eu tenha opiniões bastante diversas acerca dos vários contos que a compõe.

Também não poderia faltar neste rol minhas boas e velhas HQs (conforme já contei antes lá em “Eu e meus gibis“), pois elas sempre me acompanharam durante toda a vida e, do mesmo modo que bons livros, são também responsáveis pela minha formação. A imagem abaixo mostra o conjunto da obra, desde a minha mais tenra idade…

Eis outra obra que também me marcou, pois, diferente da já citada Bíblia, o livro Muitas Vidas, Muitos Mestres, de Brian L. Weiss, ficcional ou não, me fez enxergar muita coisa de modo diferente do que via.

Imprescindível citar o livro Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, de Marçal Justen Filho, pois, ainda que seja um livro técnico, foi o guia que norteou minha carreira profissional. Diferente de outros autores jurídicos, o Marçal tem uma maneira própria de trazer explicações e esmiuçar os artigos da lei, fazendo com que a leitura não seja maçante.

Ainda que sob a ótica de muitos a coleção de livros do Harry Potter, de J. K. Rowling, possa ser encarada como meros “livros para adolescentes” – até porque, obviamente, eu os li depois de adulto – mais do que a magia expressa nesse universo, o que me cativou foi a forma pela qual ela narrou a vida de seu personagem, desde o começo da adolescência até a vida adulta, fazendo com que eu me recordasse com carinho da magia que envolveu as diversas fases de minha própria adolescência, os medos, as inseguranças, as decisões, as confusões, as relações e por aí afora…

Eu comecei a publicar minhas garatujas na Internet, “oficialmente”, desde janeiro de 1998. Em meados de 2004 foi que transformei este site no formato de blog e passei a criar textos de minha própria autoria, transcrever tudo aquilo que eu achasse interessante de outros autores, contar meus “causos” e por aí afora. Ou seja, me tornei um blogueiro. Só que o Rubem Braga já fazia isso magistralmente antes mesmo de qualquer um sequer pensar na existência da Internet, pois através de suas crônicas ele decantava o dia a dia das pessoas, de um modo singelo e objetivo, com um encanto tal que cativa qualquer leitor. Ou seja, ele já era um blogueiro quando ainda nem existiam blogs!

É lógico que este rol não poderia terminar sem ter uma relação dos livros que publiquei – por um acaso alguém consegue imaginar uma trajetória melhor que essa? Foi em setembro de 2014 que resolvi juntar uma boa parte de tudo aquilo que eu já havia publicado e reunir na forma de um livro. Surgiu assim Filosofices de um Velho Causídico – o primeiro da série. Primeiro porque depois disso não consegui parar mais! Continuei escrevendo, blogando, organizando, revisando e publicando (mesmo que meu principal leitor seja eu mesmo)… É mais pelo prazer de ver minhas palavras e ideias impressas do que para cativar algum tipo de público propriamente dito. Mas garanto que quem leu, gostou! Confiram!

Enfim, é certo que já li MUITO mais do que aqui relacionei, entre inúmeros temas, autores de diversas nacionalidades, romances, ficção, poesia, filosofia, aventuras, teses, material técnico, diverso, escrachado e o escambau. Tudo isso faz parte. Mas esta eclética lista que passei pelo Facebook no decorrer de dez dias refere-se àqueles livros que que, sem pestanejar, novamente eu voltaria a ler – e também que, sem dúvida alguma, recomendaria a leitura. Em especial os últimos… 😀

We need to talk about Jean

Exílio de Jean Wyllys mostra que democracia
se tornou perigosa no Brasil

Leonardo Sakamoto

Por medo de ser assassinado, o deputado federal reeleito Jean Wyllys (PSOL-RJ) desistiu do mandato e afirmou que não pretende voltar ao país tão cedo – ele está fora por conta das férias. Jean, que sempre recebeu ameaças de morte por conta de sua atuação parlamentar em defesa da população LGBTT e dos direitos humanos, sentiu sua situação piorar após a execução da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes e das eleições do ano passado.

O deputado, que vive sob escolta policial, disse em entrevista ao jornalista Carlos Julianos Barros, na Folha de S.Paulo, que pesou na decisão as informações de que familiares de um policial militar suspeito de chefiar uma milícia no Rio de Janeiro trabalhavam no gabinete do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro. “O presidente que sempre me difamou, que sempre me insultou de maneira aberta, que sempre utilizou de homofobia contra mim. Esse ambiente não é seguro para mim”, disse.

Você não precisa gostar de Jean Wyllys ou concordar com ele para entender que uma democracia pressupõe a garantia que pessoas não sejam ameaçadas de morte por aquilo ou por causa daqueles que defendem. Principalmente quando essas pessoas são políticos eleitos pelo voto popular para falar em nome de uma parcela dos cidadãos no Congresso Nacional. Porque, quando isso acontece, não é apenas o representante que está sendo expulso pelo clima de terror contra ele, mas é a opinião de cada eleitor e eleitora que está sendo amordaçada e violentada.

Uma democracia incapaz de investigar com rapidez e seriedade as ameaças de morte contra um congressista é perigosa. Uma democracia em que uma desembargadora divulga ameaças de morte contra um deputado federal nas redes sociais é disfuncional. Uma democracia em que políticos ironizam um parlamentar que deixa o país com medo de morrer é ridícula.

Não deixo de sentir uma certa vergonha alheia com relação às autoridades que afirmam, com peito estufado, que as “instituições estão funcionando normalmente”. Qual o referencial histórico que adotam para tal avaliação? O Ato Institucional número 5 do Brasil de 1968? A Noite dos Cristais da Alemanha de 1938?

Nosso país sempre matou seus pobres, suas mulheres, seus negros, suas minorias em direitos, seus sem-terra e sem-teto, seus trabalhadores rurais, seus ativistas, seus jornalistas, seus políticos e qualquer um que resolvesse se insurgir contra a desigualdade e a injustiça social. No ano passado, contudo, inauguramos um novo ciclo de violência política. Marielle Franco e Anderson Gomes foram executados em março. Os ônibus da caravana do ex-presidente Lula foram alvos de tiros no mesmo mês. O então candidato Jair Bolsonaro sofreu um atentado em setembro que quase lhe custou a vida. Em outubro, o mestre capoeirista e compositor Moa do Catendê foi esfaqueado e morto por um eleitor de Bolsonaro após uma discussão. Isso não resume a violência, claro.

Esse ciclo encomenda mortes, mas também permite que elas aconteçam, através da omissão e do incentivo.

Em “Eichmann em Jerusalém – Um relato sobre a banalidade do mal”, a filósofa Hanna Arendt conta a história da captura do carrasco nazista Adolf Eichmann, na Argentina, por agentes israelenses, e seu consequente julgamento. Ela, judia e alemã, chegou a ficar presa em um campo de concentração antes de conseguir fugir para os Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial.

Ao contrário da descrição de um demônio que todos esperavam em seus relatos, originalmente produzidos para a revista New Yorker, o que ela viu foi um funcionário público medíocre e carreirista, que não refletia sobre suas ações e atividades e que repetia clichês. Ele não possuía história de preconceito aos judeus e não apresentava distúrbios mentais ou caráter doentio. Agia acreditando que, se cumprisse as ordens que lhe fossem dadas, ascenderia na carreira e seria reconhecido entre seus pares por isso. Cumpria ordens com eficiência, sendo um bom burocrata, sem refletir sobre o mal que elas causavam.

A autora não quis com o texto, que acabou lhe rendendo ameaças, suavizar os resultados da ação de Eichmann, mas entendê-la em um contexto maior. Ele não era o mal encarnado. Seria fácil pensar assim, aliás. Quis ela explicar que a maldade foi construída aos poucos, por influência de pessoas e diante da falta de crítica, ocupando espaço quando as instituições politicamente permitiram. O vazio de pensamento é o ambiente em que o “mal” se aconchega, abrindo espaço para a banalização da violência. Já fiz essa reflexão sobre o livro aqui, mas é pertinente retomá-lo neste momento.

Líderes políticos, sociais ou religiosos afirmam que não incitam a violência através de suas palavras. Porém, se não são suas mãos que seguram o revólver, é a sobreposição de seus argumentos e a escolha que fazem das palavras ao longo do tempo que distorce a visão de mundo de seus seguidores e torna o ato de atirar banal. Ou, melhor dizendo, “necessário”. Suas ações e regras redefinem o que é aceitável, visão que depois será consumida e praticada por terceiros. Estes acreditarão estarem fazendo o certo, praticamente em uma missão divina.

Os envolvidos nesses casos colocam em prática o que leem todos os dias na rede e absorvem em outras mídias: que seus adversários político e ideológico são a corja da sociedade e agem para corromper os valores, tornar a vida dos outros um inferno e a cidade, um lixo. Seres descartáveis, que nos ameaçam com sua existência, que não se encaixa nos padrões estabelecidos do “bem”.

Jean Wyllys foi vendido, ao longo dos anos, como uma dessas pessoas descartáveis, que ameaçam a existência de “homens e mulheres de bem”. Nesse sentido, o agressor pode ser qualquer um.

A discussão não é entre direita e esquerda, mas entre civilização e barbárie.

Com o exílio de Jean Wyllys por medo de morrer, a barbárie marca mais um ponto.