We need to talk about Jean

Exílio de Jean Wyllys mostra que democracia
se tornou perigosa no Brasil

Leonardo Sakamoto

Por medo de ser assassinado, o deputado federal reeleito Jean Wyllys (PSOL-RJ) desistiu do mandato e afirmou que não pretende voltar ao país tão cedo – ele está fora por conta das férias. Jean, que sempre recebeu ameaças de morte por conta de sua atuação parlamentar em defesa da população LGBTT e dos direitos humanos, sentiu sua situação piorar após a execução da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes e das eleições do ano passado.

O deputado, que vive sob escolta policial, disse em entrevista ao jornalista Carlos Julianos Barros, na Folha de S.Paulo, que pesou na decisão as informações de que familiares de um policial militar suspeito de chefiar uma milícia no Rio de Janeiro trabalhavam no gabinete do deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro. “O presidente que sempre me difamou, que sempre me insultou de maneira aberta, que sempre utilizou de homofobia contra mim. Esse ambiente não é seguro para mim”, disse.

Você não precisa gostar de Jean Wyllys ou concordar com ele para entender que uma democracia pressupõe a garantia que pessoas não sejam ameaçadas de morte por aquilo ou por causa daqueles que defendem. Principalmente quando essas pessoas são políticos eleitos pelo voto popular para falar em nome de uma parcela dos cidadãos no Congresso Nacional. Porque, quando isso acontece, não é apenas o representante que está sendo expulso pelo clima de terror contra ele, mas é a opinião de cada eleitor e eleitora que está sendo amordaçada e violentada.

Uma democracia incapaz de investigar com rapidez e seriedade as ameaças de morte contra um congressista é perigosa. Uma democracia em que uma desembargadora divulga ameaças de morte contra um deputado federal nas redes sociais é disfuncional. Uma democracia em que políticos ironizam um parlamentar que deixa o país com medo de morrer é ridícula.

Não deixo de sentir uma certa vergonha alheia com relação às autoridades que afirmam, com peito estufado, que as “instituições estão funcionando normalmente”. Qual o referencial histórico que adotam para tal avaliação? O Ato Institucional número 5 do Brasil de 1968? A Noite dos Cristais da Alemanha de 1938?

Nosso país sempre matou seus pobres, suas mulheres, seus negros, suas minorias em direitos, seus sem-terra e sem-teto, seus trabalhadores rurais, seus ativistas, seus jornalistas, seus políticos e qualquer um que resolvesse se insurgir contra a desigualdade e a injustiça social. No ano passado, contudo, inauguramos um novo ciclo de violência política. Marielle Franco e Anderson Gomes foram executados em março. Os ônibus da caravana do ex-presidente Lula foram alvos de tiros no mesmo mês. O então candidato Jair Bolsonaro sofreu um atentado em setembro que quase lhe custou a vida. Em outubro, o mestre capoeirista e compositor Moa do Catendê foi esfaqueado e morto por um eleitor de Bolsonaro após uma discussão. Isso não resume a violência, claro.

Esse ciclo encomenda mortes, mas também permite que elas aconteçam, através da omissão e do incentivo.

Em “Eichmann em Jerusalém – Um relato sobre a banalidade do mal”, a filósofa Hanna Arendt conta a história da captura do carrasco nazista Adolf Eichmann, na Argentina, por agentes israelenses, e seu consequente julgamento. Ela, judia e alemã, chegou a ficar presa em um campo de concentração antes de conseguir fugir para os Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial.

Ao contrário da descrição de um demônio que todos esperavam em seus relatos, originalmente produzidos para a revista New Yorker, o que ela viu foi um funcionário público medíocre e carreirista, que não refletia sobre suas ações e atividades e que repetia clichês. Ele não possuía história de preconceito aos judeus e não apresentava distúrbios mentais ou caráter doentio. Agia acreditando que, se cumprisse as ordens que lhe fossem dadas, ascenderia na carreira e seria reconhecido entre seus pares por isso. Cumpria ordens com eficiência, sendo um bom burocrata, sem refletir sobre o mal que elas causavam.

A autora não quis com o texto, que acabou lhe rendendo ameaças, suavizar os resultados da ação de Eichmann, mas entendê-la em um contexto maior. Ele não era o mal encarnado. Seria fácil pensar assim, aliás. Quis ela explicar que a maldade foi construída aos poucos, por influência de pessoas e diante da falta de crítica, ocupando espaço quando as instituições politicamente permitiram. O vazio de pensamento é o ambiente em que o “mal” se aconchega, abrindo espaço para a banalização da violência. Já fiz essa reflexão sobre o livro aqui, mas é pertinente retomá-lo neste momento.

Líderes políticos, sociais ou religiosos afirmam que não incitam a violência através de suas palavras. Porém, se não são suas mãos que seguram o revólver, é a sobreposição de seus argumentos e a escolha que fazem das palavras ao longo do tempo que distorce a visão de mundo de seus seguidores e torna o ato de atirar banal. Ou, melhor dizendo, “necessário”. Suas ações e regras redefinem o que é aceitável, visão que depois será consumida e praticada por terceiros. Estes acreditarão estarem fazendo o certo, praticamente em uma missão divina.

Os envolvidos nesses casos colocam em prática o que leem todos os dias na rede e absorvem em outras mídias: que seus adversários político e ideológico são a corja da sociedade e agem para corromper os valores, tornar a vida dos outros um inferno e a cidade, um lixo. Seres descartáveis, que nos ameaçam com sua existência, que não se encaixa nos padrões estabelecidos do “bem”.

Jean Wyllys foi vendido, ao longo dos anos, como uma dessas pessoas descartáveis, que ameaçam a existência de “homens e mulheres de bem”. Nesse sentido, o agressor pode ser qualquer um.

A discussão não é entre direita e esquerda, mas entre civilização e barbárie.

Com o exílio de Jean Wyllys por medo de morrer, a barbárie marca mais um ponto.

Armas foram feitas para matar

Élida Ramirez

Tânia era uma tia para mim. Foi morta pelo irmão esquizofrênico que usou uma pistola com silenciador. Rodrigo, irmão mais novo de um amigo, tinha 19 anos quando foi atingido por uma bala no peito disparada por um militar que fazia bico em uma festa universitária. Edma fazia minhas unhas e sumiu. O corpo foi achado em um lote vago, cheio de tiros. Nos três casos, armas legalizadas e ilegais. Que cumpriram o papel do armamento: matar. Fico pensando que se fosse uma faca, talvez, os atos violentos não tivessem sido fatais. Conjecturas de quem perdeu afetos. Antes dessas mortes, já era contrária à política do armamento. A discussão sobre o tema gera polêmica há décadas no Brasil. A falta de consenso vai desde o copo sujo aqui perto de casa aos especialistas. E, para mim, a informação parcial desencontrada e o uso político do assunto são tão perigosos quanto ter um revólver no travesseiro em uma casa cheia de crianças.

O uso de arma, suas consequências e simbolismos desde sempre conferiram ao assunto o troféu de abacaxi histórico. Por que tanto bafafá em relação ao assunto? Pois desde a criação da pólvora na China até os fuzis e metralhadoras mais potentes de hoje, as armas cumprem a mesma função: tirar a vida das pessoas. Não vim aqui para convencer ninguém pois as redes sociais já estão lotadas de opiniões de todo tipo. Mas proponho reflexões. A violência não acontece porque estou desarmada. Ela é conjuntura de fatores socioeconômicos. Portanto, ter revólver só ajuda a matar mais.

Muito dirão: “ah, se o estado não me protege 100%, tenho direito a fazê-lo”. De fato. Se a função da arma é matar e é liberado a civis a ter em seus lares, indiretamente é dada a licença para atirar. Rejeito veementemente a noção infantil, rasa e preconceituosa que anda circulando por aí de cidadão do bem. A falta de dinheiro não é a única responsável pelo crime. Meu pai passou fome e nunca tirou um centavo de ninguém. Jamais mataria. Reconheçamos, a conjuntura interfere. E justificar assassinatos de supostos bandidos com o argumento da autoproteção é optar pelo conformismo imediatista, primitivo e perigoso do “olho por olho, dente por dente”.

A solução de problemas por meio da morte não pode ser naturalizada. Quando cobria crimes, como jornalista, tratava o morto informalmente como “presunto”. O maior desrespeito. É que estava tão imersa naqueles cenários de assassinatos, que o corpo era sempre mais um. Horrível e vergonhoso. Reconheci, assumi e saí daquilo. E, olha, sou bastante sensível. Gente, não tem jeito. Mesmo que permitam possuir armas. E hajam brechas, entendimentos, circunstâncias jurídicas atenuantes de homicídios garantindo a absolvição. Quem mata nunca deixará de ter sido autor da morte de alguém. Eu não conseguiria conviver com esse peso.

Solitude

Oi?

Alguém aí?

Ninguém?

ÓTIMO.

É que já tem meses que escrevi algo que tivesse saído de minha própria cabeça e, na prática, ANOS que escrevi algo que realmente eu mesmo possa rotular de “interessante”…

Esse distanciamento deste espaço virtual se deu em parte por conta da correria do dia a dia (que – vamos combinar? – nem é tão corrido assim…), um tanto de crise criativa e outro tanto de ceticismo generalizado após acompanhar o FEBEAPÁ que grassou nas redes sociais

E não foi sem motivo que fiz uma boa faxina por lá. Não, não exclui ninguém – ainda que muitos merecessem – apenas “me” exclui. Explico. Tirando o Instagram, que na maioria das vezes é uma simpática diversão, o Twitter, onde praticamente ninguém se importa se existo ou não, e o Linkedin, que até hoje não tenho certeza do que estou fazendo por lá, restou-me o degenerado Facebook, um sangrento campo de batalha em que qualquer tentativa de demonstrar algum posicionamento (político, religioso, humorístico, filosófico, pessoal, fiscal, sexual ou seja lá o que for) invariavelmente desanda numa flame war digna de Game of Thrones!

Quer passar incólume por lá? Fácil. Basta se limitar a postar: fotos ou vídeos que mostram os queridos amigos ou a excelente família que você possui e como todos vocês se dão bem, quer sejam recentes, antigas, verdadeiras ou não; frases e citações bonitinhas que servem para estimular o lado positivo das pessoas, ainda que você jamais tenha lido uma vírgula sequer do autor da frase ou, pior, naquele costumeiro exercício insano de recortar-e-colar-sem-nada-checar, que tenha atribuído o texto a quem nunca o disse (e, talvez, jamais o dissesse); e pets. Não as garrafas, mas sim aquelas fotos e vídeos fofinhos de animaizinhos de estimação, nas quais as pessoas gastam horas admirando e readmirando, curtindo, comentando e compartilhando com todo o restante do UNIVERSO – mesmo quando os demais mortais que estão em sua timeline não tenham a mínima vontade de ter o mesmo peculiar e carinhoso olhar do remetente no que diz respeito aos pequenos monstrinhos.

Existem variações, mas a receita básica é essa.

Só que esse negócio já me deu nos pacová, de modo que eu simplesmente apaguei tudo, TUDO, que existia na minha timeline desde 2010 até outubro deste ano. Fotos, frases, vídeos, curtições, postagens, compartilhamentos, comentários, bate-papos, etc. Tudo. Tá certo que eu continuo sendo o neurótico do backup de sempre, de modo que tenho tudo isso muito bem guardado nas catacumbas de meu computador (para eventuais referências futuras…) – mas, lá na rede, mais nada.

Por quê?

Porque preciso – mais uma vez – voltar ao básico. Ao que é simples. Ao que é objetivo. Preciso ter foco.

Mesmo este blog sequer começou como blog! Como já contei antes, lá nos idos de janeiro de 98, o que era para ser uma simples página para consultas jurídicas paulatinamente foi se transformando, se moldando, se ajustando, até que, anos depois, viria a assumir sua natural vocação para se tornar um verdadeiro blog. E só para não deslembrar: BLOG corresponde ao acrônimo de WEBLOG, que nada mais é que uma página da WEB (rede) em que o LOG de dados (registro de eventos) tem suas atualizações organizadas cronologicamente de forma inversa, do mais antigo para o mais atual. Isso mesmo, é exatamente como um DIÁRIO, em que a última página disponível também foi a última a ser escrita.

Ah, eu e esse meu didatismo…

Mas, enfim, é como a mais famosa frase de uma série que sempre adorei, Battlestar Galactica: “all of this has happened before and will happen again”… E com este ano de 2019 se aproximando, juntamente com tudo o que ele representa para este Velho Causídico que vos tecla, essa frase é mais sintomática que nunca. Pois já passei por isso antes, como, há anos, contei neste texto.

E é bem como está escrito lá, pois “não me sinto nem um pouco diferente, mas sei que não sou mais o mesmo”, pelo que me faz falta “uma época em que as coisas eram mais simples, a vida mais doce e a morte mais distante”“Desde então tenho procurado algo que estava faltando. Aquilo que eu esqueci. O Básico

“Quero poder escrever sem saber se e quando vou ser lido. De mim para mim. E deixar lá. Palavras ao vento. Úteis ou não. Não me importa, nem quero me importar mais com o que em qualquer exato momento outrem estiverem fazendo ou pensando. Deixem seus registros e eu, também quando e se quiser, os verei.”

E não, não estou velho e amargurado. Nem solitário. Nem sofrendo de solidão. Mas de uma outra coisa, sim.

Solitude.

Palavrinha interessante, que me foi generosamente apresentada há não muito tempo e cujo conceito não me era estranho – somente não sabia que existia um nome para esse conceito. Inclusive meio que já escrevi sobre isso antes

Diferente da solidão, que é encarar o vazio – que pode se dar pela ausência de contato com outras pessoas, de se expor a relações ou mesmo de poder confrontar as próprias ideias – criando um verdadeiro isolamento de si mesmo (ensimesmar-se), a solitude diz respeito ao pleno contato consigo mesmo, não havendo necessidade de estar sempre em companhia de outras pessoas – e não há solidão por conta disso. É poder estar sozinho viajando numa nave no vazio do espaço e, ainda assim, satisfeito.

A solitude confunde quem olha de fora, pois o observador tem a sensação de que não estamos bem, que estamos sofrendo, enquanto que a realidade é outra: é de paz.

E é essa a paz que busco.

Para isso me é necessário aprofundar-me um tanto numa solitariedade – sem abraçar a solidão – para atingir uma plena solitude

E tentar voltar a escrever.

Escrever como nunca!

Mesmo que não seja lido, como sempre…

Questão de Honorários

Há não muito tempo um cliente meu foi vencedor numa ação contra um determinado município – uma execução de um débito resultante de serviços prestados e não pagos. Desse valor – considerável, diga-se de passagem – foi fixado pelo juiz de primeira instância, a título de sucumbência, o percentual de 10%, conforme prevê o Código de Processo Civil.

Até aí, tudo bem.

Entretanto, em sede de recurso, a sentença condenatória foi confirmada em sua quase totalidade, EXCETO NUM ITEM. Adivinhem qual? Isso mesmo. A questão dos honorários. O “brilhante” desembargador entendeu que não caberia aquele valor fixado e o reduziu para cerca de 1/3. A discussão continua, mas não vejo vislumbre de reversão desse posicionamento.

Entretanto, SOMENTE AGORA, encontrei uma decisão interessante, justamente sobre esse tema. Se eu tivesse tido acesso a ela quando do recurso, talvez o resultado fosse outro. Paciência. Resolvi deixar registrado por aqui para que, caso venha a ser necessário, futuramente seja de valia para mim mesmo ou para algum outro causídico de plantão.

STJ – Regra do CPC que fixa percentual mínimo de 10% para honorários em execução é impositiva

Fonte: Superior Tribunal de Justiça
Publicado em 06/12/2018

A regra contida no artigo 827 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), relativa aos honorários advocatícios na execução por quantia certa, é impositiva no tocante ao percentual mínimo de 10% sobre o valor do débito exequendo arbitrado na fase inicial.

Com base nesse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu não ser possível diminuir o percentual mínimo estabelecido em 10% no despacho inicial da execução, exceto no caso previsto no parágrafo 1º do artigo 827, que possibilita a redução dos honorários à metade se o devedor optar pelo pagamento integral da dívida no prazo de três dias.

O recurso analisado foi apresentado ao STJ por uma empresa de investimentos imobiliários do Distrito Federal, que ajuizou ação de execução de título extrajudicial contra locatária que não cumpriu as obrigações financeiras referentes ao contrato de locação de imóvel comercial, cujo valor atingiu cerca de R$ 241 mil.

Em primeiro grau, após interpretação do previsto no CPC/2015, o magistrado fixou os honorários em R$ 12 mil, abaixo do percentual mínimo de 10%.

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) negou provimento ao recurso da imobiliária e confirmou ser possível a alteração do patamar mínimo, sob o argumento de que é preciso observar a proporcionalidade e a razoabilidade na aplicação do ordenamento jurídico.

Literalidade

Segundo o relator no STJ, ministro Luis Felipe Salomão, o tribunal tem reconhecido a prevalência da interpretação literal de alguns dispositivos do CPC/2015. O dispositivo legal, disse, não pode ser interpretado de forma isolada e distanciada do sistema jurídico ao qual pertence. A clareza da redação do artigo 827 do CPC é tamanha que não parece recomendável uma digressão sobre seu conteúdo, devendo o aplicador respeitar a escolha legiferante.

Para o ministro, ainda que se reconheça que a interpretação literal do texto da lei possa ser simplista em algumas situações, ela é altamente recomendável, não dando espaço para que o intérprete possa criar a regra.

Salomão destacou ainda que a doutrina também entende ter sido opção do legislador, justamente, evitar lides paralelas em torno dos honorários de sucumbência.

Opção consciente

Penso ter havido uma consciente opção legislativa na definição do percentual mínimo da verba honorária, não se tendo deixado margem para interpretação que afaste a própria letra da lei no que toca ao quantum a ser arbitrado na fase inicial da execução, acrescentou.

Ao dar provimento ao recurso especial para fixar em 10% sobre o valor do débito os honorários advocatícios iniciais, o ministro ressalvou que, conforme prevê a lei, o juiz poderá, dentro do espectro dos percentuais de 10% e 20%, realizar, seja pela rejeição dos embargos, seja, ao final do procedimento executivo, em virtude do trabalho extra executado pelo advogado (parágrafo 2º do artigo 827), majorar a verba honorária.

Salomão observou ainda que, no que se refere ao valor mínimo, só poderá haver redução dos 10% quando for efetuado o pagamento integral da dívida em três dias, o que possibilita o corte dos honorários pela metade, como dispõe o novo CPC.

Processo(s): REsp 1745773

“Redes sociais formaram geração de pessoas inseguras”, diz criador do Orkut

Juliana Carpanez

Orkut Buyukkokten é um sujeito que parece gostar de se conectar com pessoas. Na entrevista ao UOL, na cafeteria de um hotel em São Paulo na terça-feira (3), o criador da plataforma que levava seu nome conversou por quase uma hora, olho no olho, sem encostar uma única vez no celular. Quem dos seus amigos altamente ligados em tecnologia faz isso?

Na sessão de fotos, mesmo com hora marcada para outro compromisso, topou fazer poses e trocar de roupa a pedido do fotógrafo. Conhecido por suas camisas exóticas, subiu duas vezes até seu quarto no hotel para variar o look. Apenas quando terminado o dever, pegou o celular e postou no Instagram com apenas 882 seguidores, as imagens que sua assessora havia feito durante a sessão de fotos para o UOL (a tal foto da foto). Em seus stories, esse registro apareceu numa sequência do evento de marketing digital Digitalks 2018 e de muita comida – fartos buffets, amendoim, pudim, pão de café e caipirinha estavam na lista.

No encontro, conversou sobre como as redes sociais prejudicam as pessoas e mostrou como acha que dá para melhorar esse cenário – aqui aproveitou para divulgar sua nova rede, Hello, lançada no Brasil há um ano. Também contou que viu as fake news se aproximando, negou ter lucrado com a criação do Orkut, revelou usar o Tinder e se declarou para o Brasil, que visita pela segunda vez, agora para uma série de palestras. Só se mostrou reservado quando questionado sobre a idade, que prefere não revelar.

Cientista da computação formado em Stanford (EUA), ele deixou o Google em 2014, mesmo ano em que a rede social Orkut foi extinta. Antes disso, Orkut já havia parado de trabalhar em sua plataforma para virar gerente de produto da gigante de tecnologia. Hoje ele mora em San Francisco (Califórnia, EUA), onde disse dedicar seu tempo ao Hello e aos amigos. Seu dinheiro vem dos investidores que apostam neste novo projeto.

Antes de apresentar os principais trechos da entrevista, com as respostas editadas para melhor compreensão, duas curiosidades. Primeira: o turco Orkut fala Orkut.com para referir-se à rede social (e diferenciá-la de seu nome). Segunda: o plano inicial era chamar essa plataforma de Eden. Como a palavra não estava mais disponível para registro de domínio, os chefões do Google decidiram usar Orkut.

UOL – Você é importante para o Brasil, pelo fato de tanta gente ter usado sua rede social. Quanto o Brasil é importante para você?

Orkut Buyukkokten – Vim para o Brasil em 2009, quando conheci as pessoas, a cultura, a comunidade. Fiquei encantado em como todos eram amigáveis, receptivos, apaixonados, cheios de vida. Eu já tinha essa impressão por causa dos brasileiros com quem eu trabalhava no Orkut.com.

Chegamos a ter cerca de 70% dos internautas brasileiros no Orkut, criando momentos mágicos: essas pessoas fizeram amigos, se casaram, encontraram melhores empregos. Queremos trazer de volta todos esses valores e essas conexões autênticas com o Hello.

UOL – Como você quer fazer isso? As outras redes também começaram com propostas parecidas, mas de alguma forma as pessoas acabam transformando a maneira de usá-las.

Orkut – As redes sociais são hoje especialmente desenvolvidas para as pessoas se promoverem: essas plataformas ganham dinheiro quando você mostra interesse no que as outras pessoas exibem. Os algoritmos e feeds de notícia são otimizados para aumentar o engajamento e os minutos gastos nesses serviços, criando valor para os anunciantes, os cocriadores de conteúdo, as marcas e os acionistas. Não são desenvolvidos para aumentar a felicidade humana.

O que acaba acontecendo é que estamos mais atentos à vida das pessoas do que nunca: vemos seus casamentos fabulosos, as férias sem fim de nossos amigos, jantares incríveis, gente de aparência maravilhosa. Criamos assim uma geração insegura, que olha para esses feeds de notícias e acha que nunca poderá se comparar aos outros, nunca poderá fazer o bastante, nunca poderá ser o bastante.

Então além das expectativas de nossas famílias, amigos, vizinhos, temos hoje toda essa ansiedade que vem das redes sociais ao nos compararmos com os outros. Temos uma sociedade que é realmente insegura, ansiosa, deprimida, estressada, infeliz e solitária. E as redes sociais têm um papel nisso. Elas não aumentam a felicidade, não melhoram a qualidade de vida. Elas a torna pior.

Se usarmos a tecnologia da maneira certa, ela pode abrir portas, nos conectar mais, servir às comunidades. Vimos isso acontecendo nos bons tempos do Orkut.com. Hoje as redes sociais não criam engajamentos autênticos, as pessoas pararam de mostrar quem realmente são. Elas compartilham o que pensam que os outros querem ver.

Como resultado, nossa vida é repleta de cascatas de momentos falsos perfeitamente orquestrados. Paramos de nos arriscar, de ser genuínos, criando paredes que nos protegem dos outros. Não nos conectamos, não criamos intimidade, não somos vulneráveis.

UOL – E como você pretende fazer diferente?

Orkut É preciso desenvolver uma plataforma na qual os usuários sejam os campeões, eles devem vir sempre em primeiro lugar. A interação com as pessoas precisa ser divertida, precisa haver um engajamento autêntico. E a forma mais natural de nos conectarmos uns com os outros na vida real é com as comunidades: eram elas as características mais populares no Orkut.com.

Além disso, existe uma combinação de tecnologia, de algoritmos, de aprendizado das máquinas. É possível fazer as iniciativas positivas suprimirem o que não é bom. Para postar anonimamente no Hello, por exemplo, temos um sistema de monetização. Então a pessoa pode falar sobre política ou sexualidade sem se expor. Mas, como é preciso pagar por isso, ela nunca usará o anonimato para praticar bullying ou espalhar o ódio. Trata-se de uma forma de equilibrar o ecossistema e melhorar a experiência do usuário.

UOL – Quando você começou a perceber os impactos ruins das redes sociais?

Orkut – Vi esses primeiros sinais no meu próprio feed de notícias. Um amigo havia postado uma foto feliz em um piquenique com sua mulher, quando eu sabia que eles estavam se separando. Não era um momento real, era um momento falso. Vejo isso o tempo todo.

Vejo pessoas gravando vídeos em um show, não vivendo aquela experiência. Recentemente, na Europa, fui a uma balada e tinha três jovens sentados que estavam o tempo todo olhando seus telefones. Eles não se falavam e só foram dançar para gravar um vídeo.

É preciso olhar nos olhos e para o coração das pessoas. Mas estamos olhando para o smartphone, o que é uma violência contra a humanidade. Somos humanos, não máquinas.

UOL – Você percebeu esses primeiros sinais já no Orkut?

Orkut – Não, foi depois. O Orkut tinha um sistema muito diferente, em que o engajamento acontecia principalmente nos scraps. As pessoas colocavam lá as mensagens para elas mesmas ou para seus amigos. Era mais autêntico: não tinha um feed de notícias que mostrava todo esse conteúdo patrocinado.

Isso é outra coisa que está acontecendo hoje. Tem muito conteúdo que as pessoas postam em benefício próprio e não conseguimos mais distinguir o que é real daquilo que não é. Você vê como isso pode influenciar a política, tem as fake news. As coisas foram se tornando mais superficiais, mais falsas, e assim foi possível ver as fake news chegando.

Olhamos o feed e compartilhamos coisas falsas, mas não acreditamos naquelas que são reais. É muito triste isso.

UOL – O Orkut também teve um final ruim, depois de muitas denúncias de crimes e mau uso.

Orkut – Esse tipo de uso indevido e ilegal realmente vai acontecer, porque são as mesmas pessoas na vida real e no online. Acontece em todas as plataformas, isso eu posso garantir para você. Qualquer serviço que conecta as pessoas, que permite a comunicação, será usado também para fins maliciosos.

UOL – Existe um movimento contrário às redes sociais que denuncia a forma descontrolada como usamos essas ferramentas. Qual sua opinião sobre isso?

Orkut – O problema não é usar muito seu telefone, nem as redes sociais. O problema é usar serviços que o deixam infeliz e, no topo dessa lista, estão coisas como “Candy Crush”, Facebook, Grindr. Acredito do fundo do meu coração que a tecnologia pode estar ligada à felicidade, se você gastar tempo conectado a pessoas e conteúdo de uma maneira significativa.

Não quero falar especificamente do Facebook nem do Instagram. Vou falar do Tinder, Happn, esses aplicativos para encontrar parceiros.

Estou solteiro há dois anos [Orkut teve um longo relacionamento com Derek Holbrook] e, quando interajo com pessoas no Tinder, o que vejo é desespero, solidão, insegurança. As pessoas se esqueceram como se comunicar umas com as outras, como ser respeitosas. Aplicativos como o Tinder tornam as relações descartáveis, você julga alguém em um segundo considerando apenas sua foto. É muito cruel para a sociedade, para a humanidade.

Ghosting virou uma palavra de dicionário. É quando você começa a falar com alguém e depois desaparece. Trata-se de uma das coisas mais cruéis, emocionalmente, que você pode fazer com outro humano, pois é muito doloroso. E quem pratica o ghosting são os mais inseguros, aqueles com mais problemas. Isso tudo me aterroriza e por isso estou tão motivado a criar um ambiente de conexões significativas para as pessoas

UOL – Voltando ao Orkut, você ganhou dinheiro com o site?

Orkut – Desenvolvi esse projeto dentro do Google [na política de 20% do tempo livre] e, quando você é contratado, tudo o que faz é daquela empresa. Então era um produto do Google. Tinha até um rumor que eu ganhava US$ 0,10 por cada scrap postado, mas era um rumor [risos].

A princípio eu era a única pessoa que trabalhava no projeto: eu era o engenheiro, o designer, o gerente de produto e até mexia nos servidores. Quando estava tudo pronto para o lançamento, em uma reunião com [o então CEO] Eric Schmidt e [a então diretora] Marissa Mayer, eles sugeriram usarmos o nome Orkut.com. Isso porque eu era o único funcionário, tinha aquele domínio registrado e era uma palavra de cinco letras, fácil de identificar. No último minuto, decidiram lançar como Orkut.com.

UOL – Como era o outro nome?

Orkut – O nome interno do projeto era Eden, que significa paraíso, um lugar incrível para as pessoas estarem juntas. Mas o domínio não estava disponível e não tínhamos tempo suficiente para comprá-lo.

UOL – Ficou triste com o fechamento?

Orkut – Sim, foi um momento muito triste para mim. Tínhamos uma comunidade com mais de 300 milhões de pessoas, ele as aproximou. Foi triste para mim e para todos. Mas vi isso como o fim de um capítulo, e o Hello como o começo de outro. É uma continuação, uma espécie de sucessor espiritual do Orkut.

Teve vários momentos mágicos que me tocaram. Meu melhor amigo conheceu a mulher no Orkut e pediu que eu fosse padrinho de seu filho.

Hoje, em uma palestra, eu contei como me sentia excluído: nasci na Turquia, cresci na Alemanha, muitas vezes eu não me encaixava. Ou porque era um programador nerd, porque era baixo, porque tinha sotaque, porque era gay. E depois da palestra uma pessoa veio até mim e contou que, quando era mais novo, seus amigos e sua família não sabiam que ele era gay. Mas, por causa do Orkut, ele podia se conectar com outras pessoas que o aceitavam e isso o ajudou.

Essas histórias me tocam, é quando sinto que fiz a diferença na vida das pessoas.

UOL – Os brasileiros dominaram o Orkut. Isso de alguma forma foi negativo para o site?

Orkut – A comunidade cresceu muito rápido e, logo depois de lançarmos, tivemos problemas com os servidores. Havia muitos atrasos, perda de conexão: tinha até aquela mensagem engraçada do “bad, bad service. No donut for you“. Com isso perdemos nossa base de usuários nos Estados Unidos, mas no Brasil ela crescia, crescia, crescia. É difícil dizer se os brasileiros tinham mais paciência ou se estavam acostumados com conexões lentas: na época, muitos usavam cybercafés [o que inclui LAN houses] e conexão discada.

Conseguimos resolver esse problema com os servidores em um ano e chegamos a ter cerca de 70% de todos os internautas brasileiros na plataforma. O Brasil foi incrível para o Orkut.

Darwinismo Informático

Tudo muda.

Tudo sempre muda.

Mas nunca muda totalmente, pois muitas das experiências e situações pelas quais passamos são cíclicas. Vão acontecer de novo. E daí a beleza e a vantagem de todo o conhecimento adquirido e acumulado no decorrer de todas essas mudanças: com o inescapável passar do tempo e através da evolução natural de tudo ao nosso redor, estaremos assim preparados para enfrentar esses novos desafios, essas novas situações, prontos para enfrentar o que é novo – mas não necessariamente desconhecido, para explorar novos mundos, para pesquisar novas vidas, novas civilizações, audaciosamente indo onde nenhum homem jamais esteve!!!

NÃO!

Péra.

Desculpa aí, acho que me empolguei…

Mas creio que vocês pegaram o fio da meada, né? E neste nosso causinho de hoje vamos viajar um pouco em algumas relembranças de experiências de um passado não tão remoto, mas que contextualizados numa linha natural de evolução acabaram sendo cruciais para que eu me tornasse este sujeito tão extraordinariamente especial (e modesto!) que hoje vocês conhecem! E não, não estou falando de minha vida pessoal – que já foi contada em minúcias através dos meus livros – e nem tampouco da minha vida profissional – que já foi totalmente destrinchada em Veredas da Vida.

Hoje vamos tratar um tantinho da trajetória do mundo da informática pela minha vida – algo que já contei, em parte, aqui.

Tudo começou antes mesmo da consolidação da era dos computadores – ainda com a boa e velha máquina de escrever! Afinal de contas, para ter me tornado um exímio digitador antes de mais nada eu teria que ter sido um exímio datilógrafo. E isso somente veio depois de longos quatro meses através do bom e velho cursinho de datilografia! Bem, ao menos naquela época essa era uma realidade… Apesar de tudo vejo muita gente digitando através de avançadas técnicas de catamilhografia e que estão satisfeitas com isso. Paciência.


E ói que passei com a nota 8,5!

E lá pelos idos de 85 foi que se deu (ao menos que eu me lembre nesta já provecta idade) o meu primeiro contato com o mundo da microinformática. E a criatura tinha nome: CP-500.


Sim, esse troço era gigante!

Numa época em que as linguagens de programação que “importavam” para o mundo eram o COBOL (COmmon Business Oriented Language – Linguagem Comum Orientada para os Negócios – que era voltada ao processamento de bancos de dados comerciais) e o FORTRAN (IBM Mathematical FORmula TRANslation System, voltada ao campo da ciência da computação e análise numérica), era uma verdadeira inovação aquela molecada aprendendo BASIC (Beginner’s All-purpose Symbolic Instruction Code – Código de Instruções Simbólicas de Uso Geral para Principiantes – criada especificamente para fins didáticos).


Meu primeiro “diploma informático”!

Sim, BASIC, pois ainda não se falava em microcomputadores e Sistema Operacional era uma coisa que simplesmente não existia. Os dados eram carregados no computador e nossos programas eram gravados em fitas cassete (até porque ainda não existiam disquetes no mercado comum). E não, vocês não entenderam errado não: eram fitas K-7 mesmo – para que pudéssemos executar qualquer programa que tivéssemos escrito tínhamos que conectar no equipamento um gravador (um troço de antigamente, mais ou menos do tamanho de uma caixa de sabão em pó pequena) e carregar os dados. É LÓGICO que todo mundo que programava ao menos uma vez já havia tentado colocar aquela bendita fita com dados no aparelho de som de casa (os chamados três-em-um) pra ver que tipo de ruído saía na caixa de som. Parecia coisa do demo…


Tenho até hoje minha coleção de fitas K-7 com músicas daquela época…

E o tempo foi passando e eu fui acompanhando meio de longe a evolução da espécie… Mesmo assim, ainda que sequer computador tivesse em casa, em 1988 fiz um dos “cursinhos” que pipocavam na época – que serviam mais para arrancar dinheiro dos incautos do que necessariamente prepará-los para esse admirável mundo novo que nos batia à porta. E ali aprendi os mais rudimentares conceitos de programação, planilha de cálculos, banco de dados e editor de texto. Traduzindo: Basic, Lotus 1-2-3, DBase III Plus e Wordstar. Ah, sim, e eu GANHEI a piromba do cursinho…


Como dizem por aí: “de grátis, até ônibus pro lugar errado…”

Segue o andor, até que no decorrer do ano de 1991, mais por força da necessidade do que por minha natural curiosidade, voltei a ter contato direto com a vida virtual. Em parte porque meu irmão mais velho havia comprado um “Poderoso PC XT“, com sua romântica tela verde, dois drives para disquetes 5 1/4” e – A-HA ! – não precisava de disco rígido! A inicialização utilizava um dos drives de disquete enquanto você trabalhava com o outro.

Aliás, os disquetes eram um caso à parte. O único disquete que eu havia visto antes era um enorme, de 8 polegadas, quando ainda trabalhava num banco. Já na época do PC XT, os disquetes de 1,44Mb ainda eram um sonho distante e os que usávamos armazenavam somente 360Kb – que era o suficiente para carregar um Sistema Operacional DOS 3.30 completo, mais um Wordstar para textos e dBase III Plus para bancos de dados. Porém as planilhas precisavam de mais espaço, por isso o Lotus 1-2-3 ocupava um disquete inteiro. E desde então, sendo quem somos, já dávamos nó em pingo d’água, pois estava em voga um programinha italiano que enganava o computador, elevando a capacidade do disquete de 360 para inimagináveis 800Kb! Ainda devo ter uma cópia dele perdida nas catacumbas do meu computador…

E no início dos anos noventa vieram os 386 com suas telas coloridas e coprocessadores matemáticos (normalmente só pra quem rodava AutoCAD), bem como a coqueluche do momento: o Windows 3.11, uma nova forma de trabalhar com os computadores através de um ambiente gráfico que rodava muito bem sobre o Sistema Operacional DOS 5.0. Não muito tempo depois os sistemas “estáveis” rodavam com o Windows for Workgroups sobre o DOS 6.22.


Sim, estes disquetes fazem parte de minha coleção pessoal.

Já conhecendo um tanto de configuração de microcomputadores, e, na época, trabalhando na Telesp, eis que o pessoal da CPD (Central de Processamento de Dados) descobriu que havia um funcionário novo que entendia desse novo sistema operacional que estava tomando conta do mercado e para o qual teriam que migrar – enquanto que eles estavam acostumados com os grandes e parrudos computadores e servidores que rodavam sobre o Sistema Operacional Unix. Foi uma via de mão dupla, pois enquanto eu passava para eles meu conhecimento adquirido na prática e na lida, eles me passaram o deles através de cursos nos centros de treinamento da empresa.


Eis “O” Sistema Operacional antes que existissem os demais sistemas operacionais…

E em 1995 o que surgiu? O Windows 95, é claro, trazendo uma nova concepção para o mundo da informática. A multitarefa finalmente parecia que estava saindo dos livros e entrando na vida real. Nessa época eu montava, configurava e vendia computadores em casa, de modo que foi também quando montei meu primeiro computador. Impossível hoje dizer “o que” ele era, pois muitas vezes, a cada vez que chegava um novo computador para conserto ou para montagem, eu precisava abrir o meu próprio computador para testar placas e memórias e outros quetais, de modo que hoje já não tenho mais ideia de qual seria sua configuração.

Mas uma coisa é certa: ele tinha um nome.

Ou melhor, teve vários nomes. A cada vez que eu trocava uma placa-mãe ou instalava uma nova versão do sistema operacional, era como se ele assumisse uma nova identidade, motivo pelo qual eu lhe dava um novo nome.

Nomes são importantes.

Quando você atribui um nome a algo ou a alguém – ainda que seja um nome que somente sirva para você lembrar no seu íntimo – então esse objeto ou ser nomeado passou a ser um indivíduo, não dividual, indiviso. Passou a ter uma forma como um todo reconhecível. Ou seja, ganhou uma personalidade. E, para mim, sempre foi mais fácil lidar com minhas máquinas e equipamentos dessa maneira, atribuindo-lhes características únicas que as diferenciavam de todo o restante – meus computadores de então eram extremamente dedicados a mim, mas geniosos com estranhos; já tive o Brioso, um Fusca extremamente ciumento (deveria ter sido Briosa…); o Cruzador Imperial, um orgulhoso Opala Comodoro; a sempre elegante Madame Zafira; Bilbo, o Ford Ka, também conhecido como o pequeno notável; e, é lógico, Titanic – a Lenda.

Mas deixemos os carros de lado, pois estamos aqui para falar de informática!

No ano de 1996 eu me separei de minha primeira esposa e, de bom grado, saí com somente aquilo que me interessava: a roupa do corpo, minha coleção de gibis e meu bravo computador. Que, não demorou muito, sucumbiu ao mundo capitalista e teve que ser vendido para dar sustento àquele recém-separado estudante do último ano de direito…

Mas o mundo dá voltas e não demorou muito novas e duradouras amizades vieram fazer parte desta minha vida, já um tanto sofrida, inclusive abrindo-me portas para os primeiros passos na carreira profissional de Doutor Adêvogado de Direito Jurídico… Tudo bem que o fato de eu conhecer de informática e viver acertando e configurando todas as máquinas daquele povo também ajudava, né?

Pois bem, naqueles tempos a Internet para o povão era só um mito, uma coisa que acontecia lá fora, em terras estrangeiras, e sobre a qual líamos nas “revistas especializadas”. A solução caseira em terras tupiniquins se dava através dos BBS, uma espécie de rede local via linha discada. Alás, a primeira placa de fax-modem a gente nunca esquece: era uma Zoltrix de velocíssimos 28.800 Kbps!

E então, no final de 1996, finalmente conheci a Internet. Logo após eu ter me formado em Direito, o escritório no qual eu trabalhava resolveu assinar um pacote: míseros R$100,00 por uma hora de acesso no mês (fora a conta telefônica)! Uma verdadeira pechincha! #SQN

Mas os preços foram caindo e as possibilidades se ampliando e o tempo de conexão aumentando. Foi mais ou menos por aí, lá pelos idos de 97, que criei meu primeiro blog. O ano seguinte veio a nos coroar com o Sistema Operacional Windows 98, que durante os anos seguintes reinaria absoluto em termos de estabilidade e segurança – mesmo diante daqueles que tentaram ser seus sucessores dentro da própria Microsoft (Vista e Millennium, pra citar só dois). Também foi nesse período que tive meu primeiro contato com o Linux, mais especificamente um dos primeiros produtos da empresa Conectiva, baseado na Distribuição Red Hat. Mais tarde eu viria a “brincar” bastante também com outras distribuições, em especial o Slackware e mais recentemente com o Ubuntu.

E também foi no ano de 98 que eu viria a me casar pela segunda vez. E ao juntar nossas trouxinhas agora tínhamos dois computadores, o meu e o dela, para administrarmos numa pequena rede em casa – que foi ampliada, reduzida e destruída a cada uma das mudanças que fazíamos (ao todo foram sete). Para nomeá-los resolvi partir para o básico, então simplesmente adotei o Alfabeto Grego. Alfa e Beta.

Mas, ao menos nesse novo período, curta vida teve o caquético Alfa. Exaurido por tanto ser transportado e adaptado desde a época em que estava no escritório, já na nossa segunda mudança ele deu indícios de severa senilidade que o condenaram em definitivo.

As portas estavam abertas para Alfa-2, que foi montado com o que eu tinha à mão e ainda assim sobre os restos mortais de seu antecessor (o que, eu deveria ter previsto, demonstrou ser um erro trágico). Foi vítima de uma tempestade de raios que lhe fritou totalmente os cornos. E, de quebra, meus arquivos.

Estávamos em meados de 2001 quando montei minha primeira “máquina parruda”: ALPHA3 (só pra ser diferentão…). Tinha conexões para todo tipo de cartão de memória, placa de captura de vídeo, dois HDs de gaveta (ainda não existiam HDs externos), o escambau! Desta vez tendo por base o Sistema Operacional Windows XP foi o de mais longeva duração em minhas mãos, mesmo quando do advento do Windows 7 eu me mantive fiel ao sistema anterior – até porque não queria fazer parte daquela obsolescência programada, que nos faz aposentar nossas máquinas atuais sempre que um novo sistema é lançado.

“Mas acontece que tudo tem começo; se começa, um dia acaba…”, como dizia a letra da música… E no decorrer do ano de 2010, após anos de excelentes serviços prestados, inclusive sendo responsável pela maior parte da digitalização das fitas de vídeo que tenho em casa, silenciosamente sua essência partiu para a Grande Nuvem para nunca mais voltar.

E 2010 foi uma complicado. Muito. Alfa-4 se consolidou na figura nada carismática de um computador de loja (da marca Megaware) e sinceramente não me encantou. No final daquele ano, ainda que na época não soubesse, eu viria a passar um bom tempo fora de casa, de modo que depois de alguns meses reconfigurei-o para o uso da Dona Patroa e mandei pra garagem o antigo, mas ainda vigoroso, HP Pavillion que eu havia conseguido numa boa promoção (um leilão de ponta de estoque que merece um causo à parte!).

E então veio ALFA-5… Montei carinhosamente esse computador com tudo que encontrei de melhor à época. Não vou perder tempo aqui descarregando sobre vocês um monte de tecnicidades, velocidades, clocks, megabytes e terabytes que só chateiam a leitura para os “não iniciados”. Entendam que era uma EXCELENTE MÁQUINA. Assim, em caixa alta mesmo. Para usufruir melhor de sua capacidade até mesmo abri mão de minha teimosia (ói que difícil!) e instalei o Windows 7. Tive trabalho para reconfigurar um tanto de outros programas que utilizo desde o Windows 98 – mas que até hoje não encontrei melhores no mercado, em especial no que diz respeito à Genealogia e catálogos de peças do Opala.


Alfa-5, ainda em montagem e configuração, ladeado pelos restos mortais de ALPHA3…

Nesse meio tempo, com a criançada de casa já em plena adolescência, fui atrás de algumas máquinas também para eles. Também de prateleira, todas iguais que era para não dar briga. Um detalhe: o sistema embarcado era o Windows 8. Desde o início já deixei bem claro que não conhecia aquele sistema, não queria conhecer e qualquer problema que tivessem teriam que recorrer uns aos outros e se ajudar. Seguindo a ordem alfabética grega, as máquinas entraram na rede com os nomes de Gama, Delta e Zeta (na verdade esta última era para ser “Épsilon”, mas não gostei do nome…).

Porém, como muitos já sabem, há cerca de uma semana eu soltei a seguinte nota nas redes sociais:

NOTA DE FALECIMENTO: depois de sete anos de excelentes serviços prestados, comunico a passagem do meu aguerrido computador. Há tempos já vinha dando sinais de esgotamento nervoso, com eventuais lapsos de memória e desmaios repentinos. Passou por uma recente cirurgia de transplante, após uma súbita parada de fonte. Parecia estar bem, mas hoje, por volta de 06h10min, teve um colapso fulminante e não reagiu mais aos tratamentos de ressuscitação artificial. Deixará saudades e um grande vazio em minha mesa e outro maior ainda em meu bolso.

Péssimo momento.

Foram anos de intenso uso, com muita, muita digitação, edição de imagens, planilhas e mais planilhas, muitas vezes ficando ligado dias e dias para dar conta de uploads e downloads, bem como para renderização de filmes e vídeos dos mais variados tipos.

Mas nada mais havia a ser feito.

Muitos amigos se ofereceram para me emprestar computadores e notebooks, mas, com todo respeito e profundo agradecimento que devo a cada um deles, sou extremamente sistemático. Trabalho com um gama de programas instalados e uma metodologia que só funciona se eu zerar o computador e reconstruí-lo sob essas condições (eu ia escrever “à minha imagem”, mas fiquei com vergonha…), de modo que soluções de curto prazo não se demonstrariam producentes para meu dia a dia.

Até porque ainda tenho o meu notebook (ganhado), mas que, além de jurássico, é dado a surtos esquizofrênicos, de modo que não tenho como desenvolver um trabalho de peso em cima dele.

Assim, resgatei da aposentadoria (e das teias de aranha) aquele geriátrico HP Pavillion e comecei a reconfigurá-lo até que me sobrasse algum cascalho ($$$) para começar a montar um novo computador. Mas a surpresa viria logo a seguir, de uma maneira totalmente inesperada, pois eu jamais poderia prever que o apelo que lancei à procura de quem ainda tivesse algum disquete disponível (que, diga-se de passagem, foi mera brincadeira) acabasse por surtir efeito!

Mas não basta contar o milagre, tenho que dar nome ao santo. Se bem que, de “santo”, não sei não… Então. Eis que numa bela manhã de sol, me liga o meu amigo Renato Gil e me oferece um computador que estava encostado na casa dele. Argumentou que não tem mais a mínima intenção de trabalhar com desktops e que eu poderia usá-lo à vontade. Eu já estava começando com minha ladainha de que não, muito obrigado, que legal, mas eu sou sistemático e…

“Ô seu Zé Ruela, eu tô DANDO o computador pra você! Nem sei se está funcionando direito. Se você formatar e conseguir usar, tudo bem; se quiser só usar pra arrancar as peças, não tem problema, mas ele é SEU!”

GLUP.

Eu deveria conhecer melhor os amigos que tenho…

Enfim, combinamos o combinado e fui lá buscar o bichinho encostado.

Encontrei um simpático e bem conservado computador com placa Intel DG31PR, processador Pentium E2180 de 2 GHz e com 2 núcleos, 2 GB de RAM DDR2 800, fonte de 450 Watts e um modesto HD de 150 GB. Formatei-o e, mais uma vez dando a mão à palmatória, já sabendo que meu próximo computador vai ter que estar atualizado para os dias atuais, resolvi instalar o Windows 10 – na verdade foi por insistência do filhote mais velho, hoje técnico em informática e estudante de engenharia da computação, que preferia inclusive o sistema de 64 bits, mas que não foi suportado pelo computador.

Instalei em paralelo o HD de 1 TB do Alfa-5, onde estão todos os meus arquivos (fora os backups) e confesso que deu um tanto de trabalho para instalar (malditos pendrives de boot!) e outro tanto para configurar (nada está onde deveria estar – ah, que saudades do Windows 98!), mas enfim consegui. Estável. Leve. Rápido. Sem travamentos. Esse novo sistema impressionou-me de maneira extremamente positiva. Baixei e instalei os programas de uso diário devidamente atualizados (sempre freeware ou software livre) e desci às minúcias de configuração. Tudo bem. Tudo bom. Inclusive é nele que estou escrevendo e publicando essas tortas linhas de sempre. Assim nasceu Alfa-6.


Ladies & Gentlemen: conheçam Alfa-6!

Ainda falta configurar um tanto de cousas, mas estou bastante confiante e otimista, pois esse menino vai ficar comigo por um bom tempo. Ao menos até eu conseguir levantar fundos suficientes para nossa próxima grande aventura neste nosso evolucionário mundo do Darwinismo Informático. Aguardem, pois mais dia, menos dia, vocês virão a conhecer seu sucessor: ALPHA7! 😉

(E, mais uma vez, MUITO OBRIGADO, Renato, seu lindo! Valeu mesmo! 😀 )