Ah… Nossa língua!

E então essa senhora, que na flor da idade trabalhava numa indústria química, manuseava ácido sulfúrico. E é LÓGICO que algo sempre respingava e se transformava em furos em seu avental.

Ao chegar em casa, diante da caçulinha, eis que esta lhe pergunta:

– Quiéisso???

– São furinhos lá do trabalho.

– Mas por quê? (criança SEMPRE pergunta isso…)

– É que eu trabalho com ácido sulfúrico e ele acaba estragando minha roupa…

– Ah… Ácido fúrico!

– Não, minha linda. Ácido SULfúrico.

– Não! É ácido fúrico!

– Ué? Por quê?

– É porque faz furo!

Viver não dói

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Definitivo, como tudo o que é simples.
Nossa dor não advém das coisas vividas,
mas das coisas que foram sonhadas
e não se cumpriram.
Por que sofremos tanto por amor?
O certo seria a gente não sofrer,
apenas agradecer por termos conhecido
uma pessoa tão bacana,
que gerou em nós um sentimento intenso
e que nos fez companhia por um tempo razoável,
um tempo feliz.

Sofremos por quê?
Porque automaticamente esquecemos
o que foi desfrutado e passamos a sofrer
pelas nossas projeções irrealizadas,
por todas as cidades que gostaríamos
de ter conhecido ao lado do nosso amor
e não conhecemos, por todos os filhos que
gostaríamos de ter tido junto e não tivemos,
por todos os shows e livros e silêncios
que gostaríamos de ter compartilhado,
e não compartilhamos.

Por todos os beijos cancelados,
pela eternidade.
Sofremos não porque nosso trabalho é desgastante
e paga pouco, mas por todas as horas livres
que deixamos de ter para ir ao cinema,
para conversar com um amigo,
para nadar, para namorar.

Sofremos não porque nossa mãe
é impaciente conosco,
mas por todos os momentos em que
poderíamos estar confidenciando a ela
nossas mais profundas angústias
se ela estivesse interessada
em nos compreender.

Sofremos não porque nosso time perdeu,
mas pela euforia sufocada.
Sofremos não porque envelhecemos,
mas porque o futuro está sendo
confiscado de nós, impedindo assim
que mil aventuras nos aconteçam,
todas aquelas com as quais sonhamos e
nunca chegamos a experimentar.

Como aliviar a dor do que não foi vivido?
A resposta é simples como um verso:
Se iludindo menos e vivendo mais!!!
A cada dia que vivo,
mais me convenço de que o
desperdício da vida
está no amor que não damos,
nas forças que não usamos,
na prudência egoísta que nada arrisca,
e que, esquivando-se do sofrimento,
perdemos também a felicidade.
A dor é inevitável.
O sofrimento é opcional.

Pois é…

Meu xará sempre me surpreende com algo que jamais vi escrito antes – o que comprova o quão profundamente conheço tão superficialmente sua obra…

Consignações

Eu, sinceramente, gostaria de ter o dom da escrita…

Àqueles que pensarem em me contradizer, já contradigo: sou um mero narrador. Exagerado. Bem humorado. Floreado, Ríspido até. Mas, ainda assim, um mero narrador.

Fico imaginando como seria delicioso poder contar histórias e estórias, experiências de vida, convicções pessoais, sentimentos sinceros e confusos – tudo isso nunca através de minha própria boca, mas sim por meio de personagens!

Mas o dom da criação da vida literária me foge…

Pequenos avatares imersos em seu próprio mundo fictício – ou não – que dariam vazão às mais profundas e ocultas ideias que se passam na minh’alma. Situações ocorridas ou apenas imaginadas dentro de um passado ou futuro que poderiam se materializar virtualmente por intermédio de personalidades criadas com o intuito final de compartilhar tanto minha visão quanto minhas impressões do mundo e das pessoas que me cercam.

Confesso que já tentei.

E já me frustrei.

É fácil, para mim, me colocar na situação de qualquer outra pessoa. Mas é extremamente complicado conseguir passar qualquer mensagem como se fosse outra pessoa. E isso, por si só, já mata qualquer personagem no nascedouro.

Complicado.

E – vamos combinar? – eu sou um cara complicado.

Mas, em termos de narrativa, quero crer que consigo me manifestar razoavelmente bem. Muito melhor, inclusive, que pessoalmente. Ou seja: escrevo melhor que falo. As palavras, pensamentos, tiradas, ideias, enfim, tudo que se passa na minha cabeça acaba fluindo muito mais fácil e naturalmente para as pontas dos dedos que para a ponta da língua.

Porém, sempre em primeira pessoa.

É e sempre será o meu ponto de vista.

E, às vezes, tenho a nítida impressão de que seria preciso um avatarzinho qualquer para poder falar o que é preciso, interessante ou necessário. Lobato que o diga! Ou melhor, Emília.

E o que necessariamente eu quero dizer com tudo isso?

Boa pergunta.

Nada.

Tudo.

Talvez seja simplesmente porque acho que tenho ideias demais transbordando para todos os lados (rompendo os diques d’alma, como costumo dizer) – mas espaço, leitores ou ouvidos de menos para poder materializá-las…

Mais baladas…

Isso aqui já tá virando um repositório dinossáurico…

Mas, ainda assim, vamos lá!

Diretamente do ano de 1986, com vocês, Eduardo e Mônica:

 
Quem um dia irá dizer
Que existe razão
Nas coisas feitas pelo coração?
E quem irá dizer
Que não existe razão?

Eduardo abriu os olhos, mas não quis se levantar
Ficou deitado e viu que horas eram
Enquanto Mônica tomava um conhaque
No outro canto da cidade, como eles disseram…

Eduardo e Mônica um dia se encontraram sem querer
E conversaram muito mesmo pra tentar se conhecer…
Um carinha do cursinho do Eduardo que disse:
“Tem uma festa legal, e a gente quer se divertir”

Festa estranha, com gente esquisita
“Eu não ‘to’ legal, não agüento mais birita”
E a Mônica riu, e quis saber um pouco mais
Sobre o boyzinho que tentava impressionar
E o Eduardo, meio tonto, só pensava em ir pra casa
“É quase duas, eu vou me ferrar…”

Eduardo e Mônica trocaram telefone
Depois telefonaram e decidiram se encontrar
O Eduardo sugeriu uma lanchonete,
Mas a Mônica queria ver o filme do Godard

Se encontraram então no parque da cidade
A Mônica de moto e o Eduardo de camêlo
O Eduardo achou estranho, e melhor não comentar
Mas a menina tinha tinta no cabelo

Eduardo e Mônica era nada parecidos
Ela era de Leão e ele tinha dezesseis
Ela fazia Medicina e falava alemão
E ele ainda nas aulinhas de inglês

Ela gostava do Bandeira e do Bauhaus
De Van Gogh e dos Mutantes, de Caetano e de Rimbaud
E o Eduardo gostava de novela
E jogava futebol-de-botão com seu avô

Ela falava coisas sobre o Planalto Central
Também magia e meditação
E o Eduardo ainda tava no esquema “escola, cinema
clube, televisão”.

E mesmo com tudo diferente, veio mesmo, de repente
Uma vontade de se ver
E os dois se encontravam todo dia
E a vontade crescia, como tinha de ser…

Eduardo e Mônica fizeram natação, fotografia
Teatro, artesanato, e foram viajar
A Mônica explicava pro Eduardo
Coisas sobre o céu, a terra, a água e o ar…

Ele aprendeu a beber, deixou o cabelo crescer
E decidiu trabalhar
E ela se formou no mesmo mês
Que ele passou no vestibular

E os dois comemoraram juntos
E também brigaram juntos, muitas vezes depois
E todo mundo diz que ele completa ela
E vice-versa, que nem feijão com arroz

Construíram uma casa há uns dois anos atrás
Mais ou menos quando os gêmeos vieram
Batalharam grana, seguraram legal
A barra mais pesada que tiveram

Eduardo e Mônica voltaram pra Brasília
E a nossa amizade dá saudade no verão
Só que nessas férias, não vão viajar
Porque o filhinho do Eduardo tá de recuperação
Ah! Ahan!

E quem um dia irá dizer
Que existe razão
Nas coisas feitas pelo coração?
E quem irá dizer
Que não existe razão!