Sem medo do futuro

Hamilton Ribeiro Mota
(Original no Site do PT-SP)

Chega a ser triste, lamentável, assistirmos à postura – ou falta de – que a oposição assume neste início de ano, e que prenuncia a inquietação e o desespero que, infelizmente, deverão pautar as discussões em torno das eleições de outubro. O mais recente exemplo, e bastante revelador, veio por parte do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, no jornal O Estado de S. Paulo, no último domingo.

Sob o título “Sem medo do passado”, FHC ofusca sua própria trajetória e comete um artigo em que as falácias se multiplicam e evidenciam como, numa situação de desespero, o discurso trai a si mesmo e as argumentações não se sustentam. Nesse sentido, menospreza a inteligência do leitor – “estratégia” que, em um cenário pré-eleitoral, subestimar o (e)leitor pode ser sinônimo de suicídio.

Até mesmo em termos de estilo FHC parece se distanciar do “príncipe dos sociólogos”. O título facilmente pode ser interpretado como nostalgicamente ingênuo, um pretenso pedido para que voltemos aos tempos neoliberais pré-Lula – mas o próprio FHC, quase contraditoriamente, conclui que “eleições não se ganham no retrovisor”. Sim, sua constatação pode bem ser rebatida com o contrário: “Sem medo do futuro”.

FHC acusa o presidente Lula de “inventar inimigos e enunciar inverdades”, mas incorre ele mesmo em invenções e inverdades. Com uma diferença básica: se Lula é movido pelo fato de passar por “momentos de euforia”, FHC o faz movido por “momentos de desespero”, para dizer o mínimo. Outros trechos poderiam ser igualmente usados em referência ao ex-presidente tucano: ele “lamenta que Lula se deixe contaminar por impulsos tão toscos e perigosos” – ora, FHC, lamentamos também que o senhor se deixe levar por impulsos tão toscos e perigosos. E, se Lula “possui méritos de sobra para defender a candidatura que queira”, FHC também possui “méritos de sobra”, legítimos e nada desprezíveis.

Como a ministra Dilma Rousseff já afirmou, não se trata de ignorar realizações do governo FHC, ou se apropriar delas. E Dilma faz o que o ex-presidente pede (mas que ele mesmo omite): “contextualizar” informações: “sem sombra de dúvida, houve passos no governo anterior. Não estou desmerecendo ninguém; estou dizendo que nosso caminho é melhor”, diz a ministra.

Talvez o que fique mais patente é a dificuldade de FHC em reconhecer como, com Lula, o governo tenha mudado o papel do Estado. No auge da crise mundial, no ano passado, o Brasil conseguiu minimizar os efeitos incentivando o consumo – na contramão de todos os prognósticos, os bancos públicos tiveram uma ação fundamental, liberando empréstimos quando os bancos comerciais e o crédito internacional refreavam cada centavo.

E o mais doloroso para FHC, o que possivelmente tenha lhe rendido noites sem sono, foi ver a nata do capitalismo conferir a Lula o “Prêmio Estadista Global”, em pleno Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça). É a primeira vez que este prêmio é entregue, nas 40 edições do fórum. Lula não pôde receber o prêmio, mas o presidente-executivo do Fórum Econômico, Klaus Schwab, resumiu: “o presidente do Brasil demonstrou um verdadeiro comprometimento com todos os setores da sociedade. O presidente Lula é um modelo a ser seguido pela liderança global”.

Se a imagem de Lula em âmbito mundial é mais do que evidente e positiva, ela reflete o sentimento de aprovação do povo brasileiro. Mesmo a contragosto, e mesmo para uma significativa parcela da população, a aprovação ao governo Lula é recorde, e um fato bastante indigesto – para dizer o mínimo – aos tucanos e democratas. Quase constrangidos, são obrigados a reconhecer que “nunca antes, na história deste país”, um presidente brasileiro alcançou tanto sucesso no exterior e tanta aprovação “em casa” – mais de 80%.

Para completar, FHC vê seu principal reduto no “olho do furacão”: violência crescente no estado de São Paulo, mais de 40 dias de chuvas ininterruptas, bairros alagados na capital e com riscos iminentes de epidemias. Nesta segunda-feira, o governador Serra e o prefeito Kassab perdem o prumo e põem a polícia, com direito a gás pimenta, para reprimir com violência uma manifestação pacífica dos moradores alagados. Some-se, portanto, ao desespero diante da crescente aparição de Dilma no cenário eleitoral, o desespero de medidas absolutamente antidemocráticas, e os resultados drásticos da falta de políticas públicas eficientes.

FHC tem espaço garantido nos principais veículos de comunicação. É de se lamentar, no entanto, que a retórica, por mais elaborada que seja (virtude, aliás, que já foi mais bem exercida pelo ex-presidente), não se sustente. Ou apenas culmina em constatações como “o eleitor vota em quem confia e lhe abre um horizonte de esperanças”, para, inexplicavelmente, arrematar com um adversativo “mas”: “se o o lulismo quiser comparar, sem mentir e sem descontextualizar, a briga é boa”. De nossa parte, trocaríamos o “mas” por “e” – mas é sintomática a opção feita pelo ex-presidente. Desespero somado à vaidade é uma mescla explosiva, e a maior vítima é o senso crítico.

Hamilton Ribeiro Mota (PT) é prefeito de Jacareí (SP)

Sogra

Fantástica essa crônica (mas… será mesmo uma crônica?…) vinda direta lá do Eneaotil por deduração do copoanheiro de plantão.

Virei sogra. Não estava preparada ainda. Eu sabia que um dia isso iria acontecer, mas achei que fosse ser em 2025, mais ou menos. Não com um filho de 8 anos.

Até então eu só tinha sido meio sogra. Só gra. Ou melhor: ogra. Porque o Lucas tinha namorado outras cem vezes, mas as meninas não. Ele namorava sozinho. Milenca, Giovana, Gabriela, Morgana. Elas nem imaginavam que já tinham tido o seu primeiro namorado.

**

Não sei ser sogra. Já experimentei de vários tipos: nova, velha, palmeirense, corinthiana, descolada, reacionária, legal, chata, boa cozinheira, péssima cozinheira, que me fazia rir, que me fazia chorar, maldita, abençoada, mãezona, sogra sogra. Me dei bem com a maioria delas, mesmo quando tive que engolir uma sopa de couve ou um caldo de chuchu com macarrão integral. Ainda assim, perdoei.

Se eu tivesse feito um filho aos 30 e meu filho tivesse arrumado uma namorada aos 30, eu seria daquelas sogras com dupla personalidade, que faz um cachecol para a nora e em seguida envenena os bolinhos de chuva.

Se eu tivesse feito um filho aos 19 e meu filho tivesse arrumado uma namorada aos 15, eu seria daquelas sogras que dá o primeiro porre na nora e vai parar na cadeia depois de ser processada por oferecer bebida alcoólica para menor de idade.

Mas eu fiz um filho aos 19 anos e o dito cujo resolveu arranjar a sua primeira namorada aos 8 anos! Agora eu não posso nem dar um porre de cerveja na criança sem matá-la, muito menos envenenar bolinho de chuva. Porque eu não sei fazer bolinho de chuva!

**

O Lucas sempre namorou sozinho até conhecer a Rebecca. Foi tudo muito rápido, uns dois dias depois de conhecer a Morgana. A Rebecca também é da escola nova do Lucas. E tenho que dizer, meninas, que a Rebecca podia fazer uma apostila de abordagem masculina porque venderia como água.

Acompanhe:

Na segunda-feira desta semana, a Rebecca se tornou amiga do Lucas. Na terça-feira, ela pediu seu MSN e telefone. Ligou 17 vezes durante a tarde, sem exagero. Lá pela 16ª vez, o Lucas já estava escondido de medo da Rebecca e não podia nem ouvir o telefone tocar que começava a tremer. Tive que mentir e dizer que ele havia saído, porque senão teríamos a madrugada toda de telefonemas. Na quarta-feira, ela deu uma sumida e o Lucas sentiu sua falta. Até que ela conectou no MSN de noite e apareceu na webcam para ele, com um monte de emoticons de coraçãozinho. Nesta altura do campeonato, a Morgana já tinha ido para o espaço. Hoje a mãe dela me cumprimentou na porta da escola e eu achei aquilo tudo muito estranho.

**

Na volta da escola, o Lucas me contou:

– Mãe, acho que a Rebecca gosta de mim. Ela me olha a aula toda.

– Ih…

– Toda vez que eu olho, ela olha…

– Ih…

Aí chegamos em casa, não deu nem 5 minutos e a pentelha Rebecca ligou. Eu disse que ele ia almoçar e que ligasse depois. Vim trabalhar e minha mãe me contou via gtalk:

– O Lucas está há meia hora no telefone com a menininha, fechado no quarto.

E me mandou a seguinte conversa, que o Lucas deixou aberta no MSN:

Lucas diz:
porque na aula voce fica o tempo todo olhando para mim?

Rebecca diz:
eu não fico

Lucas diz:
fica sim
não minta

Rebecca diz:
eu não to mintindo

Lucas diz:
ta sim
fala a verdade

Rebecca diz:
não to

Lucas diz:
eu quero a verdade
vc gosta de min?
não tenha vergonha de falar a verdade
e ve se fala a verdade

Rebecca diz:
fala vc primeiro sinao eu não falo

Lucas diz:
eu não vou falar para niguem
isso e verdade

Rebecca diz:
senão eu não falo

Lucas diz:
ta eu falo

Rebecca diz:
fala

Lucas diz:
vc promete que não conta para nimguem

Rebecca diz:
sim eu juro

Lucas diz:
verdade

Lucas diz:
quer dizer que vc gosta de min?

Rebecca diz:
descubril
descubriu

Lucas diz:
liga para min

Rebecca diz:
ta

Lucas diz:
ta bom

Rebecca diz:
pera

**

Não deu cinco minutos desta conversa com a minha mãe e ele me chamou no MSN:

Lucas diz:
mãe

Leonor Macedo diz:
oi amor

Lucas diz:
Não fala para niguem
eu vou te contar uma coisa

Leonor Macedo diz:
conta sim
pode contar
não vou falar pra ninguém

Lucas diz:
eu to namorando a Rebecca

Leonor Macedo diz:
tá namorando????

Lucas diz:
sim

Leonor Macedo diz:
você gosta dela???

Lucas diz:
sim e ela de min

Leonor Macedo diz:
mas como é namorar, Lu?
namoro de criança é diferente, né?

Lucas diz:
è
esse namoro è dar as mãos

Leonor Macedo diz:
só isso, né?

Lucas diz:
é sim

Leonor Macedo diz:
você é um fofo!

Lucas diz:
so sim

**

Não deu cinco minutos, eu chamei minha mãe no gtalk, mas esqueci que quem estava usando o computador era o Lucas:

eu: MORRI

Rosemarí: porque

eu: ele tá namorando
pediu pra não contar pra ninguém
vou contar pro mundo já já
mas você não sabe, hein?

Rosemarí: sou eu mãe, no gtalk da vovó
e não conta para o mundo, purfavor

**

Sou uma vaca de estar aqui dividindo isso com vocês.

**

Parece que nesta conversa de meia hora pelo telefone que ele e a Rebecca tiveram, ela o pediu em namoro. E ele aceitou. Porque se convenceu de que ama a Rebecca.

“Foi um verdadeiro milagre alguém ter aceitado namorar comigo, mãe”, ele me disse pelo telefone. Lindo daquele jeito. Homem é tudo besta.

Então expliquei para ele que ele só tinha 8 anos e que era natural que nunca ninguém tivesse aceitado namorar com ele. Contei da corrente que acredita que a vida começa aos 40 e pedi para que ele pensasse nisso.

– Tá, tá… Quando eu posso chamá-la para vir em casa?

**

Alguém sabe uma receita rápida de bolinho de chuva?

Low bat

Projetos de lei.

Liminares na Justiça.

Peças recursais no TJ.

Licitações gigantescas.

E foi assim, após um árduo e concorridíssimo dia, que se deu o desfecho final – com uma benfazeja cerveja – através da seguinte constatação:

Se eu fosse um celular, agora estaria só com um risquinho…

Entrevista de Bill Watterson (Calvin & Hobbes)

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Direto do Depósito do Calvin:

Não é novidade que Bill Watterson é um cara recluso, averso a entrevistas. Desde que a tirinha acabou em 31 de dezembro de 1995, dá pra contar nos dedos as entrevistas que ele deu, sendo a última dada em 2005, quando respondeu algumas perguntas de fãs. Felizmente, o repórter John Campanelli do jornal Cleveland Plain Dealer conseguiu uma entrevista via e-mail com ele, e é esta que você pode conferir na íntegra abaixo.

Repórter: Com quase 15 anos de separação e reflexão o que você acha que “Calvin & Haroldo” têm que foram além de apenas capturar a atenção dos leitores, mas sim, conquistaram o coração deles?

Watterson: A única parte que eu entendo é o que entrou na tirinha. O que os leitores tiram dela cabe a eles. Uma vez que a tirinha é publicada, os leitores transportam suas próprias experiências pra ela, e o trabalho cria vida própria. Cada um responde de maneira diferente a diferentes partes.

Eu apenas tentei escrever honestamente, e eu apenas tentei tornar esse mundinho divertido para eles verem, então as pessoas poderiam arranjar um tempo para lê-lo. A minha preocupação era essa. Você mistura um monte de ingredientes, e de vez em quando a química acontece. Eu não sei explicar porque a tira deu tão certo, e não acredito que conseguiria fazer de novo. Um monte de coisas tem que dar certo ao mesmo tempo.

Repórter: O que você acha do legado da sua tirinha?

Watterson: Bem, não é um assunto que me mantém acordado à noite. Os leitores sempre decidirão se um trabalho é expressivo e relevante pra eles, e eu consigo viver com qualquer que seja a conclusão que eles tirem. Mais uma vez, minha parte praticamente acaba quando a tinta seca.

Repórter: Leitores se afeiçoam aos seus personagens, então é compreensível o luto em que ficaram – e que ainda estão – quando a tirinha acabou. O que você gostaria de dizer a eles?

Watterson: Isto não é tão difícil de entender como as pessoas julgam. Ao final de 10 anos, eu disse praticamente tudo o que eu tinha para dizer.

Sempre é melhor deixar a festa mais cedo. Se eu tivesse ido junto com a popularidade das tiras e me repetir por mais cinco, 10 ou 20 anos, o povo que agora está de “luto” para “Calvin e Haroldo” estaria me desejando a morte e aos malditos jornais repetindo tirinhas antigas como a minha ao invés de mostrar novos e melhores talentos. E eu teria que concordar com eles.

Acho que um das razões de “Calvin & Haroldo” ainda ter audiência é por não ter seguido com eles até se esgotarem.

Eu nunca lamentei ter parado quando parei.

Repórter: Por seu trabalho ter tocado tanta gente, os fãs sentem uma conexão com você, ele querem saber mais sobre você. Eles querem mais trabalhos seus, mais Calvin, outra tira, qualquer coisa. É como uma relação entre estrela do rock e fã. Devido a sua aversão a atenção, como você lida com isso hoje em dia? E como você lida com isso sabendo que vai te acompanhar pelo resto da vida?

Watterson: Ah! A vida de um cartunista de jornal – como sinto falta das fãs, das drogas e dos quartos de hotel imundos!

Mas, depois dos meus dias de “estrela do rock”, a atenção do público diminuiu bastante. Em tempos de Cultura Pop os anos 90 foi há séculos atrás. Há ocasionais momentos de estranheza, mas na maior parte do tempo eu apenas sigo minha vida calma e tento fazer o melhor para ignorar o resto. Tenho orgulho da tira, sou imensamente grato pelo sucesso, e me sinto verdadeiramente lisonjeado pelas pessoas ainda a lerem, mas eu escrevi “Calvin e Haroldo” quando tinha meus 30 e hoje estou a milhas deles.

Um trabalho artístico pode ficar congelado no tempo, mas eu tropecei pelos anos como qualquer um. Eu acho que os grandes fãs entendem isso, e estão dispostos a me dar algum espaço para seguir com minha vida.

Repórter: Quando os Correios dos EUA lançarem um selo de Calvin, quanto tempo você vai levar para mandar uma carta com ele no envelope?

Watterson: Imediatamente. Vou subir na minha carruagem e encaminhar um cheque para minha assinatura do jornal.

Repórter: Como você quer que as pessoas se lembrem do menino de 6 anos e seu tigre?

Watterson: Eu voto em: “Calvin & Haroldo, a Oitava Maravilha do Mundo”

Agradecimento especial ao Osni Passos do Blog de um Não-Blogueiro que indicou a entrevista.