Veredas da Vida – II

O primeiro registro (só que não)

Estávamos agora no ano de 1986. Dezessete anos nas costas, tendo passado pelo curso de Mecânica na ETEP e de Contabilidade no Olavo Bilac, mas sem concluir nenhum…


Carteirinha de Estudante da ETEP.

Aliás, conforme já contei por aqui outro dia, nessa época também comecei a fazer Magistério no Maria Luiza, mas foi só de farra! Faltando apenas um ano para me alistar não era nada fácil arranjar alguém que resolvesse contratar o marmitão aqui!

Mesmo assim consegui uma vaga na Serralheria Teixeira, no cargo de “Serviços Gerais” cuidando de toda a parte administrativa e de recepção, lugar onde trabalhei por cerca de uns três meses. E, lógico, sem registro. Infelizmente para o dono da serralheria baixou uma fiscalização trabalhista por lá e ele foi obrigado a me registrar, o que, como diziam na época, só serviu para “sujar a carteira”… Ainda assim esse acabou sendo o meu primeiro “emprego formal” – mesmo que o registro tenha sido feito somente em 6 de agosto e acabei saindo logo em seguida, poucos dias depois, e já foi dado baixa, em 25 de agosto de 86.


Finalmente teve seu primeiro registro…

Exatos cinco dias depois, em 30 de agosto de 86, eu viria a conhecer a Evanilda, que também viria a ser minha primeira esposa…


Namoradinhos!

Como informalidade gera informalidade – e uma vez que eu estava “namorando firme” – precisava ter um trabalho para pagar as contas que ainda não tinha. Já não me lembro como, mas acabei conhecendo o Jorge Chang, proprietário da Chang Assessoria & Marketing, uma microempresa familiar (no começo funcionava na sala da casa dele), com quem trabalhei de novembro de 86 até junho de 87. Na função de “Agente de Marcas e Patentes“, caçar empresas e providenciar o registro de suas marcas e/ou patentes junto ao INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) era o meu trabalho – se bem que de vez em quando eu também ajudava um bocadinho na área de publicidade… Foi quando comecei a construir uma rede de contatos, de gente que trabalhava na área e que seriam bastante úteis mais tarde. Reuniões de negócios em restaurantes pomposos eram constantes nessa era pré-cataclísmica anterior ao advento da informática, quando sequer celulares existiam e era indispensável ter sempre algumas fichas telefônicas na carteira. Foi bom enquanto durou.


O primeiro cartão pessoal a gente nunca esquece…

Já tendo passado o “fantasma” do alistamento militar, mas ainda sem uma formação e numa época de hiperinflação galopante, passei o mês seguinte à minha saída trabalhando como Vendedor de Cotas de Consórcios, na Autorama Administradora de Consórcios, de propriedade do Demico, um daqueles contatos da rede que citei. Ganhei MUITA grana no mês de julho de 87, pois a cada cota de consórcio que vendia, de imediato eu recebia 20% do valor do veículo em espécie, ali, na hora. Era um bom dinheiro e que tinha que ser utilizado bem rapidinho, pois no dia seguinte ele já estaria bastante desvalorizado. Foi nessa época que aprendi que eu não gostava de vendas, principalmente se eu não acreditasse naquilo que estava vendendo. A cada novo consorciado que saía dali feliz eu pensava: “Pobre coitado… Não tem a mínima noção da enrascada em que se meteu…”.

Foi também nesse mês, exatamente em 8 de julho de 87, que eu e a Evanilda ficaríamos noivos…


Noivinha!

Mas não deu. Não, não com relação a ela, com relação ao emprego. Mesmo sem registro, mesmo ganhando uma boa grana, até mesmo já estando noivo, aquele negócio de vendas me deprimia – ainda mais sendo de consórcio e, pior, numa época de hiperinflação! Eu tinha acabado de chegar à maioridade e pretendia me casar. Era preciso arranjar alguma coisa mais concreta. Mal completei um mês por ali e caí fora. Já com algumas reservas no bolso resolvi pagar para ver para onde os ventos me levariam.

Mal sabia eu o que teria pela frente…

(Continua…)

Veredas da Vida – I

Antes do Início

Dia desses cheguei à conclusão de que precisava dar uma atualizada no meu currículo – aquele costumeiro rol de empresas e períodos de trabalho que colecionamos no decorrer de uma vida inteira. Afinal já há bem mais de uma década que eu sequer colocava os olhos nele! Resgatei-o das catacumbas de meu computador e comecei a dar uma lida… E a cada linha que eu avançava, um sorriso diferente eu esboçava, afinal foram tantos lugares, tantas pessoas, tantos momentos, tantas situações que já enfrentei, que já nem mais lembrava…

É interessante parar para pensar nas trilhas pelas quais já passamos. Principalmente em se tratando de nossa vida profissional. Hoje, quando olho para trás, vejo o caminho tortuoso que segui até chegar onde estou e – fato incontestável – percebo o quão interligada nossa vida é em todas suas pequeninas nuances…

É uma falácia gigantesca o discurso simplista de que “quando entramos no trabalho devemos deixar nossa vida pessoal lá fora”. Besteira! Nossa vida pessoal é intrínseca à nossa vida profissional – assim como o contrário: o que nos afeta no trabalho também nos afeta em casa. Tomamos nossas decisões profissionais de acordo com as experiências que temos de vida, bem como decidimos a direção de nossas vidas pessoais de acordo com o rumo para o qual as oportunidades de trabalho nos levam. Nada é perene, tudo é inconstante. Às vezes estamos muito bem em ambos os aspectos, outras, nem tanto.

E é isso que desejo lhes mostrar nesta série de textos através dos quais vou contar um bocadinho de toda minha “experiência profissional”, sem exceção, desde a mais tenra idade…

Ou seja, é isso mesmo: senta que lá vem história!

E das grandes!

Muito antes de sequer pensar em trabalhar numa Administração Pública Municipal, assim como a grande maioria dos mortais tive vários outros empregos (e subempregos…), alguns registrados e outros não – afinal, na época, o que era mais importante: trabalhar (e ter um dinheirinho) ou ser “formalmente registrado”? Então.

Se não me falha a memória, meu primeiro trabalho “trabalho” mesmo foi lá pelos idos de 82, do alto dos meus 13 anos de idade, quando eu estava na sétima série (quando o primeiro grau ainda terminava na oitava, ok?). Alguns ainda devem se lembrar dessa história, pois foi quando comecei a trabalhar numa bicicletaria sem saber absolutamente nada de como consertar uma bicicleta. A proposta que fiz foi a seguinte: que me deixassem trabalhar por lá, aprender o ofício e em vez de pagamento em dinheiro eu receberia meu pagamento em peças novas. E essas peças serviriam para reformar a Matilde, uma boa e velha Monareta que eu havia comprado já toda detonada e, em casa mesmo, fui descobrindo como consertá-la… Entre idas e vindas fiquei bastante tempo por lá, pois me tornei um “Técnico em Bicicletas” de mão cheia, tendo aprendido – e muito bem – todos os segredos do ofício. Ao menos no que diz respeito às bicicletas daquela época…


Senhoras e senhores, com vocês, minha primeira bicicleta: Matilde!

É lógico que depois da Matilde tive outras bicicletas “mais decentes”, o que me permitiu inclusive partir para outros “trabalhos” nos anos seguintes.

Um deles foi ajudar a Dona Vitória, mãe de meu grande amigo Niltinho serralheiro, fazedora de salgados e detentora da melhor receita de empada da face da Terra. Eu chegava na casa dela bem cedinho, antes mesmo das cinco da manhã, para auxiliar no término das empadas, pastéis e coxinhas – as verdadeiras: feitas com a legítima massa de batata… Entenda-se por “auxiliar”: pincelar as empadas com gema de ovo antes de colocar no forno. Na maior parte das vezes ficava mesmo era proseando com aquela boa velhinha, muito bem vivida, contadora de causos como ela só! Ou meio que paquerando com o rabo dos olhos a filha caçula dela que sempre meio que estava por ali quando eu também estava… Quando os salgados ficavam todos prontos, com o dia começando a amanhecer, acomodava tudo num isopor e, com minha bicicleta, ia desempenhar minha função de “Entregador de Salgados” distribuindo-os em uma meia dúzia de bares com quem ela já tinha um acordo prévio.


Minha boa e velha Barraforte…

Outro trabalho que arranjei nessa época foi o de Entregador de Jornais. No caso, a Folha de São Paulo. Eu fazia toda a área que cobria desde o Jardim Paulista até as proximidades do Centervale Shopping. Também começava de madrugada, pegando todo o lote de jornais a ser entregue e, com o rol de assinantes na mão, ia de casa em casa, cumprindo minha tarefa. Na época não haviam pensado em colocar os jornais dentro de sacos plásticos (como é feito hoje) e havia toda uma técnica para dobrar o jornal e, ao arremessá-lo lá do portão, ele ia se desdobrando no ar até cair perfeitamente aberto na varanda da casa, próximo à porta. É lógico que, até que eu aprendesse a tal da técnica, muitos jornais ficaram espalhados pelas garagens e alpendres da vida… Isso sem falar em suplementos que iam parar em árvores, páginas de esportes estraçalhadas por cachorros, notícias em geral levadas pelo vento para os vizinhos… Uma festa!

Ou seja, nessa época, para mim, trabalhar nunca foi uma verdadeira “obrigação” – mas sim uma espécie de “diversão”. Eu não tinha uma necessidade premente de dinheiro e quando precisava de algum invariavelmente passava pela bicicletaria para fazer um ou outro bico (de dias ou semanas), levantava a grana pretendida e voltava para minha vida de adolescente.

A exemplo de meu pai, que veio da roça e basicamente com o primário tornou-se um mecânico, técnico em eletrônica e “faz-tudo” de primeira linha, ou de minha mãe, que mesmo sem formação nenhuma era uma costureira detalhista ao extremo, e assim ambos garantiram o sustento de três adolescentes, parecia-me claro que bastava realmente “querer” que as coisas se arranjavam.

Na prática sempre haveria alguma coisa para fazer – se você realmente estivesse disposto a trabalhar. Uma parede para pintar, um gramado para cortar, um terreno para carpir, um “rolo” para fazer, enfim, um bico qualquer. Mas o mais divertido, para mim, era fazer algo que ninguém mais sabia como fazer – e por isso me procuravam. No caso, a manutenção de bicicletas. Desde então passei a frequentar a chamada “Feira do Rolo”, comprava bicicletas usadas caindo aos pedaços, com paciência e gastos mínimos as reformava e voltava nessa mesma feira para revendê-las. E lá vinha uma graninha de novo.


E esse era o meu “eu” da época,
com minha mãe e meu irmão mais velho.

Talvez seja por isso, por tudo que fiz nessa época, que eu acabei adquirindo esta minha fé inabalável de que as coisas sempre vão se ajeitar. Tudo bem que eu não tinha uma real necessidade de dinheiro, mas caso precisasse sempre haveria uma saída, um Plano B – ou C, ou D, ou E, e por aí adiante… Isso porque desde então eu já acreditava firmemente que o universo sempre conspiraria em favor daqueles que não se desesperam frente aos caprichos do destino.

E não demoraria muito para eu encontrar com o destino que me aguardava…

(Continua…)

Sinnerman

Eu gosto de ouvir música.

Não, minto.

Eu gosto MUITO de ouvir música.

Invariavelmente, seja no carro, em casa ou no trabalho, sempre coloco alguma música para tocar. E, por conta disso, acabei descobrindo que tenho uma memória mais auditiva que visual – ou seja, sou péssimo para lembrar de pessoas, mas músicas, vozes, timbres fazem minha memória funcionar…

Tudo isso lhes contei só para dizer que dia desses estava eu aqui no computador, fazendo meus trabalhos e pesquisas, ouvindo ao fundo o álbum Pastel Blues, gravado em 1965 pela Nina Simone (valeu tê-la me apresentado, Nydia!). De repente começou a tocar a música Sinnerman (“Pecador”) e, de imediato, reconheci aquele toque de piano. Mas como assim? Era a primeira vez que eu estava ouvindo aquele álbum! De onde será que conhecia essa música?

E em poucos segundos a minha memória desarquivou a informação: a série Lucifer. Fui conferir e descobri que ele cantou a mesmíssima música no sexto episódio da primeira temporada. Detalhe: eu assisti esse episódio em março do ano passado!

Mas, não sei como, me lembrei disso…

Enfim, a música é muito boa. E serve para que vocês possam conferir a performance de Lucifer Morningstar ao piano.

E, aqui, vocês podem ouvir a versão original, na voz de Nina Simone.

Que venha 2017!

Não, não falo em tom de bravata, não! Pode vir, mesmo…

E hoje eu poderia falar aqui de tantas coisas, de questões políticas, de questões econômicas, do que nos aguarda no futuro (IMHO), de questões do coração (AH, marvado coração!…), de inúmeras outras questões e temas, relevantes ou não – mas decidi que o correto mesmo seria tratar do assunto que, tenho certeza, é de relevância internacional neste ano de 2017 que se inicia e que preocupa de igual maneira a grande maioria das pessoas que habitam os assim chamados “países civilizados”.

Isso mesmo, já adivinharam, né?

Tô falando do peso.

Não, não a moeda! O seu peso, mesmo, ô criatura!

Tá bom, o meu também. Aliás o de todos vocês! Arre!

Enfim, me digam o porquê, PORQUÊ, por qual desarrazoado motivo invariavelmente perdemos a razão no final de ano para, logo no primeiro dia do ano seguinte, já termos que começar à base de ENO??? Ainda bem que pelo menos eu tinha um aqui comigo…

JisuisMariaiJusé… Por que é que a gente faz dessas coisas? Pra completar só faltava ter tomado todas! Oi? Você tomou? Bem, boa sorte então! Ainda bem que (desta vez) eu não. Até porque já passou da hora de começar a ficar um pouco sóbrio. Ou, no mínimo, menos ébrio…

Enfim. Peso.

Queridas e queridos, não tem jeito. Não tem suco milagroso que resolva. Não tem receita de dieta espetacular que vá fazer aqueles “quilinhos” a mais simplesmente evaporarem. As calças não fecham, as camisas se agarram no corpo em formatos bizarros e o pino da fivela do cinto resolveu mudar de casa e – pior! – pulando sela.

Não há o que ser feito a curto prazo.

E, por mais que eu tenha um carinho todo especial pela sedentária vida que vinha levando, bem como por um apurado paladar que, ainda que não refinado, dotado de um certo eventual exagero (tá, guloso mesmo…), o negócio agora vai ser começar a suar e suar direitinho!

Vejam bem, no meu caso estou com aproximadamente sete arrobas e um terço. A porra do aplicativo que tive o desprazer de instalar no meu celular calcula que um cara como eu, 1,90m, na casa dos trinta e dezessete anos, boa pinta, gente boa, brincalhão – ainda que esteja com umas contas aí em atraso – deveria ter no máximo seis arrobas!

Carái!

Não contente fui consultar o oráculo deste meu próprio blog, num post do longínquo ano de 2004, onde consta uma formulazinha que calcula o IMC (Índice de Massa Corpórea) de cada um, com o pomposo nome de A Incrível Calculadora de IMC e Calorias Diárias de Madame Nat.

Ói o que a fiadaputa me disse:

Seu peso ideal é entre 66.8kg e 89.9kg.
Seu IMC atual é 30.5 e seu corpo gasta umas 2430 calorias por dia.
Você precisa consumir no máximo umas 2180 calorias por dia, divididas em até 311g de carboidratos, 73g de lipídeos e 71g de proteínas, para emagrecer uns 20.1 quilinhos amigos – e procure um médico, você está obeso.

Pô, gente, cá entre nós, eu até admito os “89,9kg”. Certa vez passei por uma nutricionista ensandecida que queria me fazer chegar aos 84kg (ainda que eu já tenha conseguido esse feito através de uma dieta maluca de anos atrás e que nunca mais NA VIDA volto a fazer), então esse número até que não seria nenhum despropósito.

Mas “66,8kg” é muita sacanagem, né???

Meus amigos, acho que nem quando eu era adolescente cheguei a pesar só isso. Acho que nem o Salsicha (do Scooby) pesa só isso…

Enfim, o que não tem remédio, remediado está. Então o plano é o seguinte: já desde o primeiro dia do ano ponha a preguiça de lado e comece, eu disse COMECE, a fazer alguma atividade física. É o ÚNICO jeito, meu povo.

Particularmente, em decorrência da preguiça monumental com que acordei hoje – aquela nada saudável leseira pós-ceia-de-réveillon -, por mais que eu prefira o período da manhã, foi somente à tardinha que consegui sair, devidamente paramentado com meus especiais tênis Olímpicos (presente dos deuses: do velocista Hermes e da guerreira Atena)… Primeiro dia, né gente? Vamos com calma. Ainda arrotando o resto do pernil da meia-noite, depois de alguns alongamentos (e, só acho, outros tantos estiramentos), fiz uma caminhadinha básica – e ligeira – de uns dois quilômetros com uma corridinha aqui, outra ali. É o que aguento. Por enquanto.

Vamos ver quanto tempo vai levar para colocar este enferrujado tanque de guerra em dia. Espero, sinceramente, que não muito. E sugiro que vocês comecem a se coçar desde já.

Heh… É bem como disse o bom e velho Ao Mirante Nelson, ainda ontem: “A única certeza: 2017 será um ano ímpar.”

E, no mais, manter o foco. Se Rocky conseguiu, não tem motivo para que eu também não o consiga… 😉

 

Volta ao Mundo em 80 Horas – VI

VI – Frustrado novamente

Ah, nada como uma hospitalizada noite de sono relativamente tranquila…

Bem, quase.

Após um bom banho quente (de verdade) – mas com cuidado para não ferrar com o tal do acesso que continuava espetado na minha mão esquerda – pude confortavelmente me deitar e ser reconectado a um frasco de soro para passar a noite. Se bem que “deitar” é um ponto de vista. Cama para hobbits, vocês se lembram? Como a noite estava agradável, o jeito foi enrolar o cobertor para usá-lo como almofada e suporte para os pés, bem em cima da… Quer dizer, do… Putz! Como é que se chama o oposto de cabeceira? Peseira? Zaga? Posterior? Ilharga? Retaguarda? Bem, acho que vocês entenderam, né?

Até me deixaram comer de novo! Uma sopinha – que era pra não pesar – mas que sorvi até a última gota do último bocado do caldinho. Podem falar o que for de comida de hospital – que, é óbvio, jamais vai ser como a comida de nossa própria casa -, mas, na minha opinião, estava uma delícia! Ou, talvez, por conta de fazer um dia e meio que não me alimentava de absolutamente nada, pode ser que qualquer coisa remotamente mastigável me pareceria estar extremamente saborosa…

Enfim, de fato, a noite foi tranquila, à exceção das poucas vezes que fui acordado para medir a pressão (cravados 12 x 8 em todas as amostras) e nada comparável à medição de 15 em 15 minutos da noite anterior.

Acordei no horário de praxe (cinco da matina, conforme previamente programado no meu maldito relógio biológico) e, ainda sem óculos, fiquei bestando até dar o horário de começar a aparecer gente.

E, logo cedo, antes do início do expediente, recebi a honorável visita de alguns amigos: Joseane, Marcela e Gil.

Curiosamente o período não estava favorável para pessoas saudáveis… Por aqueles dias minha amiga Dani, que também trabalha lá na instituição, estava com o maridóvski diarreico e a filhota do meio com muita dor (provavelmente pedra nos rins – tomara que não); fiquei sabendo que o sogro de meu cunhado passou mal e teve que ser internado; a própria irmã da Marcela também estava de molho, internada ali na Santa Casa, sob observação; e, bem na minha frente, o Gil havia recentemente feito uma cirurgia e também estava se recuperando.

Aliás, imaginem um caboclo sacana, rápido na resposta, muito bem humorado, carequinha, com um metro e sessenta e poucos de altura e aproximadamente (sei lá, tô chutando) uns 130 quilos. Se ficasse sentadinho, de pernas cruzadas e fosse pintado de dourado, passaria tranquilamente por uma estátua do Buda. Esse era o Gil.

Era.

Dentre outras intervenções que foi obrigado a fazer, decidiu melhorar a qualidade de vida e passou por uma bariátrica, a tal da gastroplastia ou cirurgia de redução de estômago. Somente o conheci após isso, mas eu diria que ele deve ter perdido em peso o equivalente a um saco de cimento. Dos grandes.

Já passados alguns anos e tendo conseguido se manter em torno de setenta e poucos quilos, resolveu que era hora de melhorar ainda mais um bocadinho a qualidade de vida e passou por uma nova cirurgia, desta vez para remover o excesso de pele flácida que restou de seus tempos rechonchudos. Durante a recuperação ele tem que usar uma espécie de “colete de contenção” – parece que, ao menos, até tirar os pontos.

Heh… Depois dessa acho que ele vai querer fazer uma cirurgia para não usar mais óculos. E, talvez, um implante capilar – por que não?…

Bem, apesar de ser eu o internado, estávamos todos curiosos sobre como ele estava. Conversamos um pouco e ele resolveu mostrar a tal da cirurgia. Tirou o colete, que deve ter uns quinhentos colchetes para abotoar e, bem nessa hora, me chega o Torquemada.

– Mas que zorra é essa???

Explica daqui, justifica dali, se envergonha dacolá e eu, sentado na cama, me matando de rir da cara do povo! Rapidinho, enquanto ainda explicava tudo, foi reabotoando os colchetes até que chegou no último. Errou de casa no primeiro e ficou tudo fora. Toca a desabotoar e abotoar tudo de novo. Roxo. E eu se rindo até me acabar!

Não demorou muito cada um tomou seu rumo, enxuguei as lágrimas do acesso de riso e começamos a conversar um tanto.

– É, parece que não tem jeito mesmo. Você não vai fazer a colonoscopia…

– Caceta, ainda essa história? Larga mão disso, cara! Será que hoje me liberam? Já deixei tudo arrumadinho e no esquema pra levantar voo…

– Provavelmente sim. Quem vai levar você embora?

– Ah, tô com o carro ali no estacionamento do trabalho e…

– NÃO, NÃO, NÃO! O senhor não vai dirigir. Hoje não.

– Mas, mas, mas…

– Sem “mas”. Arranje alguém para te levar e dê um jeito de pegar o carro depois.

Nisso chegou a Dona Patroa.

E – graças a Deus – com meus óculos!

Começamos a tabular uma conversa sobre como ir embora e ela já falou que nosso amigo Flávio se dispôs a levar o carro. E eu disse que também poderia contar com (quase) qualquer um lá do serviço que, tinha certeza, não se negaria a ajudar. O próprio Torquemada também se colocou à disposição. E o Ronaldo disse que não nos preocupássemos porque ele estava ali pra isso mesmo.

Oi?

Ronaldo?

Sim, Ronaldo, um amigo lá do serviço e que trabalha diretamente com a Chefa. Quando foi que ele chegou? Como foi que ele se materializou ali, do nada, e já foi entrando na conversa?

– Que é que você tá fazendo aqui, cara?

– Ah, é que a Chefinha pediu que, se fosse possível, eu te levasse pra casa, já que você vai ter alta hoje.

É como eu já disse antes: sendo quem é, já sabia de tudo que estava acontecendo, o que eu poderia ou não fazer, e, inclusive, quais seriam os próximos passos…

Pois bem, o negócio agora era aguardar o médico de plantão para um rápido proseio, me dar alta, enfiar a viola no saco e tomar o rumo de casa. Lá pela metade da manhã ele veio. Só que ele não era ele, era ela. Uma gordinha com cara de simpática que veio chegando, com a prancheta na mão, deu uma olhada pra mim e já foi tagarelando:

– Seu Adauto, né? Vi aqui o que lhe aconteceu e, na minha opinião, ainda faz muito pouco tempo do ocorrido. Isso porque situações como esta são definidas por um protocolo médico e, segundo esse protocolo, o senhor vai ter que passar mais um tempinho aqui em observação, ok?

Assifudê!!! Eu bem disse que eles devem ter cartões personalizados com essa fala decorada!

– Seu Adauto? Tudo bem?

– Não vou esconder a frustração de que vou ter que ficar mais um pouco por aqui, mas, paciência. Até amanhã, então?

– No mínimo, até sábado.

Mais dois dias! Caceta! Pelo menos eu teria tempo de sobra para ler os livros que estavam comigo, agora que eu já estava com meus óculos. A essa altura o Torquemada já tinha saído para rir longe da médica. Pedi mais uma muda de roupa para a Dona Patroa e, quando fui falar com o Ronaldo… Cadê? Puf! Sumiu! Como será que ele faz isso?…

Não demorou muito, ele ressurgiu e expliquei-lhe a situação. Não sem rir (da minha cara), ele ainda se colocou à disposição quando eu, de fato, saísse.

Novamente sozinho, resolvi que deveria esclarecer para a Chefa, de maneira adulta, coerente e salutar, o que havia ocorrido e o porquê não seria necessário que nosso amigo Ronaldo ficasse por ali. Como eu iria lhe mandar uma mensagem de texto, pensei um pouco, busquei no fundo do meu coração palavras conciliatórias, basicamente não ofensivas e que pudessem resumir a peculiar situação em que eu me encontrava. Saiu isso:

– A VACA DA MÉDICA NÃO ME DEU ALTA!!!

Ela riu, me recomendou que ficasse descansando, me cuidando, e que se assim não o fizesse ia pedir para a Dona Patroa tomar meus telefones. Como última “recomendação médica” me aconselhou a ficar quietinho no meu canto, só lendo coisa boa.

Melhor obedecer, né?

Antes de desligar os aparelhos (celulares, não os hospitalares – até porque já não estava mais conectado a nenhum), ainda troquei uns zaps com os amigos Nando e Fred, lá do Sr. Barba, atualizando-os do que aconteceu. Como são de uma sensibilidade ímpar me mandaram uma foto deles próprios tomando suas brejas e o Nando já antecipou que vai deixar lá na barbearia um estoque de Kronenbier (uma tradicional cerveja sem álcool). Fiadasputa.

Já entubado (não literalmente falando) pelo que me aguardava e pronto para me dedicar a horas de ócio somente na leitura, ainda recebi a visita de mais dois queridos amigos que estavam bem preocupados com minha situação: o caríssimo Casal Lux-Nerd… E que, inclusive me trouxeram mais alguns livros! Vejam só os títulos:

– “Três Dedos: um escândalo animado”;

– “Ser feliz”;

– “O oceano no fim do caminho”;

– “Andar do bêbado”; e

– “Obrigado por fumar”.

De fato é bem como diz o ditado: dá dinheiro, mas não dá intimidade. Tô cercado de humoristas. Ô bando de amigos tiradores de sarro que eu tenho!

Bem, novamente sozinho, agora era só questão de aguardar mais dois dias para a alta. Mas, lembrem-se: comigo nada é fácil! Até as expectativas quando dão certo, acabam dando errado. E essa era a lição que eu iria aprender no dia seguinte.

(Início da Saga)                        (Continua…)