Movimentações estranhas aqui pelo blog…
Mudanças no layout? Tela de fundo? Logotipo? Experiências?
Sim.
Reflexo do início de movimentação fora do blog…
Aguardem!
Todos vocês, quatro ou cinco fiéis leitores que sei que estão por aí…
😀
Movimentações estranhas aqui pelo blog…
Mudanças no layout? Tela de fundo? Logotipo? Experiências?
Sim.
Reflexo do início de movimentação fora do blog…
Aguardem!
Todos vocês, quatro ou cinco fiéis leitores que sei que estão por aí…
😀
Que putz!
Apesar de estar devidamente “paramentado”, bateu uma saudade do bom e velho Opalão 79…
Preciso, ou melhor, NECESSITO, ver a quantas anda a funilaria!
Em tempo: essa sôdade toda bateu depois de ouvir essa música:
Garagem Bluseira – “Velho Opalão”
(Final daquela parcial… Praticamente um interlúdio!)
E, por incrível que pareça, no restante desse dia nada mais fizemos senão ficar no hotel!
Resolvemos dar uma organizada nas coisas, separamos todas as roupas sujas (não se iludam: crianças sujam MUITO mais roupas do que qualquer um consiga imaginar), rearranjamos o que ainda havia dentro das malas e fizemos uma catança geral para que pudéssemos sair bem cedo no dia seguinte.
E a chuva continuou firme e forte lá fora. Numa descompromissada conversa com a camareira fiquei sabendo que, apesar de tudo, o povo da cidade estava bastante feliz, pois já há mais de cem dias que não chovia! A estiagem estava judiando bastante de todo mundo… Buscando pela memória pude constatar que era isso mesmo, pois no caminho encontramos com muitas – mas muitas mesmo – queimadas e campos pra lá de secos!
Aliás, como diria um grande nordestino amigo, cabe aqui um “paréntêses”: se tem algo que nunca soube na minha vida foi “fazer as amizades certas”! Ainda que houvesse a oportunidade – e houve – invariavelmente eu sempre preferi estar mais perto do pessoal de base… Explico. Entre conhecer, com toda pompa e circunstância, o dono de um belo hotel duma cidade histórico-turística, ainda assim o proseio predileto que sempre tenho (e que também invariavelmente acaba me rendendo as melhores dicas) é com as camareiras, os atendentes, os carregadores, etc. Aquele pessoal que REALMENTE sabe o que acontece ao redor de seu mundo e tem até mesmo uma certa ansiedade para compartilhar isso. Que acaba te ajudando com VONTADE de ajudar. Não existe porta que não lhe seja franqueada (ou, muitas vezes, hackeada) ao singelo custo de um sincero sorriso e um pouco de genuína atenção. Isso realmente pode fazer toda a diferença numa viagem, qualquer que seja… #ficaadica
Mas, enfim, como vivemos numa democracia e a Dona Patroa gosta de ter “rodinhas nos pés”, depois de algum tempo mocozados no quarto do hotel, veio a proposta: “Que tal a gente sair, aqui por perto mesmo, pra comer alguma coisa? A gente aproveita e vê o que mais tem, alguma lojinha, sei lá? Quem quer ir?” Simultaneamente quatro cabeças olharam para ela, ato contínuo, com uma ligeira espichada, observaram a fina chuva que ainda caía lá fora, encararam-se uns aos outros e veementemente se sacudiram numa negativa!
Frustração geral.
Só dela.
Então ela resolveu sair e comprar alguma coisa pra comer. Ainda que ninguém estivesse com fome. Insistiu mais um pouco, mas nenhum dos garotos quis ir. E eu, como pai zeloso, tinha que ficar ali no quarto sequinho e quentinho cuidando daqueles que não saíssem… 😀
Pouco tempo depois ela voltou com alguns sandubas de presunto e queijo e etc sem presunto mas com queijo e alguns pastéis. Todos comemos um tanto e sobrou um bom outro tanto – ela sempre, sempre, teve problemas em exagerar nas quantidades!
E, já com o adiantado da hora daquele sábado, para que não perdêssemos tempo no dia seguinte, fomos dar uma consultada no Google Maps – só pra não cair em alguma outra esparrela da Madame GPS. Para Tiradentes seria fácil, pois fica ali do lado. Mas, para volta, saindo de Tiradentes e num batidão até em casa, eu não queria cair n’alguma outra cilada. A primeira rota sugerida pelo computador voltava um tanto do que já havíamos passado e seguia numa estradinha tortuosa até chegar em São José dos Campos. Cerca de 417km ao todo. Fui checar. Era a SP-50, a Estrada Velha para o Sul de Minas! Argumentei que não, que eu preferia andar cinquenta quilômetros a mais a cem, cento e vinte por hora, que pegar uma estrada mais curta de, no máximo, uns sessenta por hora. Concordes nisso, alterei a rota para pegar a Via Dutra na altura de Cruzeiro (que deveria ter sido nosso caminho original), o que elevou o trajeto para 446km. Tudo bem, dava pra encarar numa boa. Mas, curiosamente, havia uma “barriga” em determinado trecho do trajeto. Um desvio inusitado. Fui olhar com calma e não fazia sentido. Pela maior parte seguiríamos pela BR 383, passando por Cruzília, até pegar a BR 267 na altura de Baependi. Mas havia uma falha na estrada desenhada no mapa, o que nos levava à BR 494, com uma volta que passava pelo Rio de Janeiro para pegar a Via Dutra! Provavelmente o mesmo trecho pelo qual viemos (quando meio que nos perdemos, lá no início dessa aventura)…
Do desenho do mapa para a foto via satélite. As imagens não se encontravam perfeitamente – o que considerei como normal num mapeamento em paragens tão desoladas (e o que justificaria as lacunas informacionais da Madame) – mas na foto havia, sim, estrada ali onde a estrada simplesmente acabava. Concordamos que o negócio seria mesmo seguir pelo caminho não sugerido, o que evitaria uma enorme e aparentemente desnecessária volta.
Daí fiz minhas anotações de rotas, com nomes das estradas, ressaltando os pontos estratégicos de guinadas, tudo bem detalhado, no bloco de notas de meu celular. Enquanto que ela, numa simples folhinha usada de papel, mais rabiscando que anotando, fez seu mapinha básico.
“Mas já tô anotando aqui, ó!”
“Deixa eu fazer do MEU jeito que eu me entendo!”
Bem, como nunca soube discutir com essa lógica, achei melhor deixar pra lá…
E assim, à parte do que a Madame GPS viesse a orientar, e também à parte do que o próprio Google Maps estivesse sugerindo, fixamos nossa rota de volta.
Afinal, o que poderia dar errado?
E dali toca todo mundo pra descansar para o dia seguinte, em Tiradentes…
(Uma parcial…)
Bem, só pra arrematar o dia de ontem: após nos instalarmos no hotel fomos dar uma rápida volta pelos arredores – em especial para jantar e, segundo idéia da Dona Patroa, comprar capas de chuva para todos (menos para mim, turrão, que nem nos tempos de motoqueiro motociclista gostava desse negócio). Ah, e também uma outra calça jeans pra mim. Não, não esqueci de trazer roupas na bagagem. Mas, desde que voltei a jantar, descobri que fiquei “incompatível” com parte de meu guarda-roupa… Mas essa é uma outra história!
Bem, creio que não tenha falado antes, mas como a tropa era grande só foi possível nos instalarmos em dois quartos. Daí que os menores dormiram com a Dona Patroa numa cama de casal, enquanto que o mais velho se arrumou numa cama de solteiro. E eu, sozinho, no quarto ao lado…
E dessa vez, talvez mais pelo exaustivo cansaço do que por qualquer outra coisa, consegui dormir relativamente bem. Pelo menos as seis horas de praxe. Vamos combinar que exagerei um pouco, né? Ao menos para alguém que está acostumado a dirigir no máximo de quinze a trinta quilômetros diariamente e que resolve pegar mais de duzentos num dia e passa dos trezentos noutro.
Desta vez, infelizmente sem passarinhos, acordei logo cedo. Fui ao quarto ao lado e, com a Dona Patroa também já acordada, colocamos o resto da tropa de pé para um belo café da manhã (desta vez elogiado pelo gourmet da família, o primogênito.
E dali, toca pras andanças na cidade!
Escolhemos fazer uma rota passando pelas igrejas que podíamos ver dali do hotel, bastando atravessar a ponte de pedra e seguir morro acima. Passamos pela primeira, onde, não muito distante, visitei um estranhamente minúsculo cemitério. Passamos pela segunda, com sua longa escadaria, próxima de ampla praça. Logo em frente da terceira, que estava fechada, paramos para umas comprinhas básicas de pequenas lembranças para a família – onde pegamos a dica com a proprietária acerca de maravilhosos doces caseiros disponíveis lá no mercado municipal. Já dentro da quarta igreja, logo antes do mercado, fui abordado por um senhor que se ofereceu para contar a história da igreja.
Educadamente declinei.
Mas, segundos depois, já tinha me arrependido!
Pôxa, não estávamos ali justamente para conhecer o lado histórico da cidade? A não ser que comprássemos algum livro sobre o assunto, estávamos apenas vendo arquitetura antiga sem sequer entender o que seria barroco, neoclássico ou seja lá o que fosse! Voltei para o local onde estava o sujeito e nada. Caramba! Mas, dando uma olhada do lado de fora da igreja, o encontrei e disse-lhe que havia mudado de ideia… Apresentou-se formalmente. Sérgio. Guia turístico. Devidamente registrado, com crachá e o escambau!
Voltamos para dentro da igreja, onde ele começou a nos contar não só a história daquela construção, como nos acompanhou pelos arredores, apresentando-nos todas as curiosidades de locais pelos quais já havíamos passado e sequer suspeitávamos!
Na boa: fez valer toda a viagem!
Então vou lhes dar uma dica importantíssima para quem quiser conhecer plenamente cidades históricas e realmente se encantar. Das duas uma: ou você estuda previamente a história do local, arranja um mapa e vai lá para conferir pessoal e visualmente tudo que estudou, ou, melhor, arranje um guia das paragens, pois ele é quem vai dar o tom e a cor da história, inclusive com as nuances da própria população da cidade.
Não vou me perder (re)contando todos os detalhes – inclusive alguns historicamente famosos que já sabíamos, mas sem os “fundamentos”. Quem vier pra cá que estude a história do local. Ou que procure o Sérgio!
Mas, só pra que saibam, sem a ajuda do guia posso garantir que nem eu, nem a Dona Patroa, nem os atentos filhotes – nenhum de nós – não teríamos como saber como se dava a ocupação de brancos, negros, ricos e pobres dentro das igrejas (e quais os direitos e obrigações de cada qual), como identificar as igrejas que foram feitas por brancos e as que foram feitas por negros, o porquê da substituição do pelourinho de madeira pelo de pedra-sabão (inclusive com “direito” aos escravos de que pudessem ser chicoteados sentados), como e onde – na década de trinta – foi encontrada uma misteriosa (e fabulosamente detalhada) figura de madeira de Cristo crucificado, com dois metros de altura, durante a reforma de uma igreja, e cuja autoria permanece um mistério, qual é considerada a casa mais antiga da cidade (logo após do Beco do Cotovelo), o porquê da rua das casas tortas, quais os nomes das igrejas, qual a igreja da cidade que está em quarto lugar em quantidade de ouro no Brasil (mais de trezentos quilos, perdendo apenas para Bahia, Ouro Preto e Tiradentes), onde moravam os grandes figurões da história, o que foi feito pelo grande artista Aleijadinho e o porquê de muitas das obras espalhadas pela cidade o foram por seus ajudantes-aprendizes, qual o nome daquele canal que corta a cidade (e o porquê da estrutura e arquitetura do local, inclusive o quanto ele enche nas “cheias”), enfim, um sem-número de histórias, estórias, casos e causos, contadas com bom humor por alguém realmente conhecedor dos detalhes e com disposição e atenção para responder todas as questões e dúvidas lançadas, das pertinentes às impertinentes, dos mais velhos aos mais novos…
Mas, pra não passar totalmente em branco deixando tantas perguntas no ar, cabe recontar aqui um causo – e que faz sentido, apesar de tudo. Dizem que antigamente as doceiras faziam seus doces e que, após cortados, colocavam as bandejas na janela para esfriar. Daí que invariavelmente vinha algum petiz, provavelmente atraído pelo cheiro da guloseima, pegava um e saía na carreira. Disso vinham elas na janelas, meio que fulas, meio que com dó, meio que achando graça e gritavam:
“Ei, num precisa levar assim não! Da próxima vez vê se pede moleque!”
Daí para o tradicionalíssimo “pé-de-moleque” deve ter sido apenas um pulinho…
Também compartilhamos um pouco do lamento do guia pela modernização desenfreada da cidade, hoje claramente dividida entre “Centro Histórico” e o resto. Não que o município devesse ficar estagnado, parado no tempo, mas que ao menos houvesse um pouco mais de criteriosidade ao misturar modernas construções ao lado de antigos casarões. As regras existem, mas nem sempre são obedecidas. Aliás, infelizmente, como acaba sendo praxe em qualquer outro lugar.
E falando em “estagnação”, segundo ele a cidade de Tiradentes é que é imperdível (olha aí, de novo…), melhor mesmo que São João Del Rey, pois encontra-se muito mais conservada, não deixando nada a desejar sequer para Ouro Preto!
Aliás, foi também através dele que soubemos da existência de uma viagem de trem de São João Del Rey para Tiradentes, que leva cerca de quarenta minutos, com partidas aos sábados e domingos. Sai daqui às três da tarde e volta de lá às cinco.
Num primeiro momento até ficamos animados com essa viagem. Não é de hoje que a Dona Patroa gostaria de colocar toda a Tropinha dentro de um trem para que “descubram como é” (o projeto original é aquele que vai de Pindamonhangaba a Campos do Jordão). Mas, depois da correria que havia sido nossa viagem até então (como lhes contei ontem), acabei argumentando que seria melhor que ficássemos mesmo em São João Del Rey para conhecer o que mais pudéssemos e com calma. Na manhã seguinte poderíamos ir de carro até Tiradentes – apenas quinze quilômetros de distância segundo a (AI!) Madame GPS – e, dali, de volta pra casa.
E, então, passamos no Mercado Municipal (realmente minúsculo) para comprar uns doces, paramos para ouvir a banda tocar, almoçamos, visitamos mais alguns pontos históricos do outro lado do rio e, com o cansaço e a chuva torrencial que estava querendo se instalar, resolvemos voltar para o hotel para descansar – ainda que fosse apenas duas da tarde. Aliás, juntamente com o bom e velho Opalão, que também tem aproveitado para descansar da jornada até aqui.
E, dessa vez, eu aproveitaria para dar uma boooooa olhada no Google Maps nos trajetos possíveis (e viáveis) de volta pra casa…
Ah, e que bela primeira noite fora de casa… insone!
Não sei por que cargas d’água, o sono simplesmente não veio. Ou melhor, veio e se foi. Deu uma passadinha rápida, lá pelas dez e tantas, mas já às duas, sem mais nem menos, foi embora, sem bilhete, sem recado, sem flores e me deixou ali, estarrecido. E acordado.
Tudo bem que usualmente eu já durmo apenas de quatro a seis horas. Mais que isso me traz complicações tanto materiais (coluna fica arrebentada) quanto não (sonho demais). Mas pelo nível de cansaço, pensei que só iria acordar dali uns três dias…
Talvez um pouco disso tenha sido pelo Jean, que, logo após o apagar das luzes veio se enfiar bem no nosso meio – coisa que não fazia desde bebê. Só que ele cresceu, né? E a cama era menor que a usual. Outro tanto, também, talvez pelo Erik, que lá pelas quatro, comigo ainda acordado fitando o teto e percebo um pequenino vulto do outro lado da cama – me apoio no cotovelo e dou uma olhada por sobre todos e lá estava ele: parado, nos olhando, sorriso lambeta e, num cumprimento, faz um gesto amplo de meia lua com a mão dizendo: “acordei…”
Chamo o magrelinho pro meu lado, coloco-o debaixo das cobertas, abraço-o e percebo que não vai rolar tentar dormir nos trinta centímetros de cama que me sobraram. Ainda mais com a sinfonia de roncos (ronquinhos?) que ele e o irmão passaram a se dedicar. Fui me deitar no outro quarto e, por mais que tentasse aquietar a mente, ela estava em seu próprio comando, pensando em blogs, livros, edições, genealogia, publicações e reforma no quarto dos meninos. Bem como na organização de meus livros no novo cubículo escritório.
E, quando menos espero, já com um ligeiro raiar do sol pelas frestas, um turbilhão de passarinhos cantando veio dar um benfazejo bom dia a todos…
Mesmo com a malfadada chuvinha fina fomos até o Parque das Águas, lugar que já havíamos visitado há cerca de oito anos, com o Jean ainda lá pelo seu sexto mês dentro dentro da Dona Patroa. Não falei disso? Que a previsão do tempo tinha avisado na véspera que os próximos dias seriam de chuva? Ou será que não falei que já havia estado nesta cidade antes? Que foi um dos prenúncios da futura situação de meu joelho, quando num pedalinho, no meio do lago, contra o vento, com duas crianças e uma mulher grávida, tive que penar, pedalando à toda, para fazer o “cisne encantado” voltar para o cais. Detalhe número um: por mais que me esforçasse em me ajeitar, o espaço entre o banco, os pedais e o painel era insuficiente, de modo que a cada volta eu batia meu joelho. Sim, o esquerdo. Detalhe número dois: essa é uma das lembranças mais antigas que o Kevin, o filhote mais velho, ainda guarda na mente…
Graças aos céus a chuva fina nos impediu de novamente experimentar os pedalinhos – coisa que o meu querido, amado, idolatrado, salve, salve, primogênito (sarcasticamente, é óbvio) estava louco para andar.
E assim, no pouco tempo que ficamos em Caxambu, dada a correria dos poucos dias para “cumprir” o trajeto, divertimo-nos com o passeio (sob fina chuva), com o resgate de algumas boas lembranças do passeio anterior, com o saborear pela Dona Patroa das diversas fontes de água radioativa – o que me deu certo receio de, doravante, irritá-la e não mais que de repente ela começar a assumir tons esverdeados…
Mas, enfim, após a indispensável visita à sempre presente armadilha para turistas feirinha de artesanato, com compra de doces e outras lembrancinhas possíveis mais, toca pra pegar estrada.
Aliás, como já é de praxe, ficção é bobagem pois a vida nos dá munição. Enquanto esperava a Dona Patroa e a prole sair de uma das lojinhas, fumando um cigarro do lado de fora, eis que me passa um casal de velhinhos, obviamente turistas de outro estado:
“Olha ali, no carro!” – ela diz.
“Que é que tem?” – ele resmunga.
“Tá escrito UAI!” – é o que ela fala com um sorriso estampado no rosto.
“É. Mas escreveram errado. Escreveram com a letra ‘W’…” – diz ele, ao final, em tom professoral.
Entre uma tragada e outra olho para o carro adesivado do qual falavam e quase engasgo.
Mas tava lá.
Fiat WAY.
Bem, depois dessa, voltamos para pegar o Poseidon e já com novo rumo definido: Santa Rita de Jacutinga, terra natal de meu pai.
Cabe aqui contar um pequeno detalhe acerca da Madame GPS. Talvez eu devesse ter acessado a Internet para fazer uma atualização de seus mapas. Talvez, cá pra esses cantões de Minas, não tivesse adiantado nada. Mas o negócio é que, de quando em quando, a bichinha ficava meio perdida (como já contei antes) com a setinha a flutuar no vazio do espaço, sem estrada nenhuma em seus registros. Só que, no que diz respeito a Caxambu, a cidade sequer existe! Nem uma rua. Nada mapeado! É óbvio que, por causa disso, a Madame ouviu vários impropérios deste que vos tecla. Inclusive da Dona Patroa. Até mesmo do filhote nº 1. Bem-humorados, sim. Mas, ainda assim, impropérios.
E eu devia saber que haveria retaliação…
Daí uma proveitosa lição: nunca confie num GPS depois de ofendê-lo!
O que seria uma rota até fácil, quase que em linha reta (apesar das curvas), se transformou num grande ponto de interrogação. Perdemos a entrada – pra variar – e a danada da Madame (que agora já tinha se aprumado numa estrada) nos mandava virar à direita num abismo, ou recalculava a rota para nos jogar contra um paredão de rocha, coisas do gênero. Com isso, tendo passado a cidade de Bom Jardim de Minas, onde deveríamos pegar o trecho final para Santa Rita de Jacutinga, acabamos parando trinta quilômetros adiante para almoçar num simpático restaurante de beira de estrada (e com um maravilhoso doce de leite como sobremesa).
Conversa daqui… Conversa dali… E Santa Rita? Vocês já passaram. Mas pra São João Del Rey? Também ficou pra trás! Pra onde vai essa estrada? Juiz de Fora! – e por aí seguiu o proseio.
De qualquer ângulo que olhássemos teríamos mesmo que voltar. Na verdade fez falta um mapa de papel. Somente para consultas globais, à parte das indicações assassino-vingativas da Madame GPS. O que me levou a ter que aguentar por um bom tempo o ar de superioridade da Dona Patroa (que tinha recomendado trazê-lo). Não foi colocado em palavras, mas que ela estava comichando para soltar um “eu te disse!” (tal qual aquela lambretinha do antigo desenho “Carangos e Motocas”), ah isso ela estava!
Com tempo perdido e dúvidas no ar, refizemos nosso trajeto. Até porque em Santa Rita existe em sua grande maioria (assim o li, pelo menos) belezas naturais, cachoeiras, visitas à antigas fazendas, etc. Coisas quase que impraticáveis num dia de chuva. E, ademais, não trouxe o endereço da parentada a quem visitar (ainda que – pasmem! – eu tenha uma certa timidez para tanto). Resolvi(emos) tocar direto pra São João Del Rey e, sob recomendações, dali pra vizinha Tiradentes. Bastava voltar, virar à direita em Andrelândia e seguir em frente.
Mas antes de Andrelândia, tinha Arantina. E no meio do caminho havia uma placa. E havia uma placa no meio do caminho. E um GPS desacretitado dentro do carro. Então, seguimos a placa! E, é lógico, fomos parar numa estrada de terra.
Táquiôspa!
Trollados até pela sinalização viária!
Como “quem tem boca vai à Roma”, não demorou nada e já retomamos o caminho.
E recomeçou a chover.
Já disse que detesto dirigir com chuva?
Tava me sentido o Gomes dirigindo o cupê maldito da Família Addams…
Já sem chuva paramos em Andrelândia, cidadezinha acolhedora mas que parece desprovida de atrativos. Só mais tarde vim a saber de sua fama pelas vinículas que possui. Fomos até o “Morro do Cristo” (parece que quase toda cidade tem um), com um ótimo mirante, e através dos mapas do Iphone pudemos estabelecer uma rota com maior segurança. Aliás, depois disso, enciumada, a Madame GPS passou a dar o caminho (quase) certo… E eu posso com isso? Briguinhas internas entre traquitanas tecnológicas?
Passamos por São Vicente de Minas (famosa, por sua vez, pelos queijos frescos), Carrancas (cidade da Esther, autora de um maravilhoso livro sobre a família), Madre de Deus (onde ainda hei de voltar para pesquisas genealógicas) e rumo certo para São João Del Rey.
Nisso constatamos uma coisa interessante. Fizemos errado. Desde o início. Pelos poucos dias disponíveis deveríamos ter escolhido apenas um lugar para visitar e explorar com calma. Uma maratona como essa meio que deixa de lado seu propósito cultural original. O fato de toda hora nos perdermos pr’aqui e pr’acolá não foi efetivamente problema nenhum – aliás, foi tratado com muito bom humor por todos nós, inclusive as crianças. Mas o “perder-se” poderia ter gerado dividendos maiores, parar com calma, sem pressa, conhecer cada cidadezinha, falar com as pessoas, descobrir seus atrativos, coisas do gênero. Disso tiramos duas linhas: primeiramente que ainda voltaríamos a fazer esse circuito quando TODOS estivessem de férias; segundamente que não iríamos mais para Ouro Preto, de modo a poder conhecer com calma tanto São João Del Rey quanto Tiradentes.
Chegando à cidade fomos procurar um hotel próximo ao centro histórico para que pudéssemos fazer os trajetos a pé. Aliás, por incrível que pareça, coisa rara por aqui é hotel com estacionamento! Não demorou muito encontrei e a Dona Patroa encontrou um. Preço salgadinho, mas tudo bem, tava coberto pela economia que fizemos no anterior…
E a frase do dia, talvez melhor compreensível somente para quem já leu um livro chamado “Crianças e suas vidas passadas”, mais uma vez veio do Jean. Ao subirmos para nossos quartos no segundo andar, ele foi até a janela e contemplou a vista de casarios antigos, bem como o canal que corta a cidade, todo gramado, com suas pontes de pedra e disse:
“Que lindo! Parece que a gente está em Paris!”
Prólogo
Férias…
Ah, benfazejas férias!
Foram dez anos pinguepongueando períodos de quinze dias duas vezes ao ano. Hoje reconheço que essa prática nunca efetivamente me permitiu descansar o suficiente… Levava alguns dias para “desligar” do serviço, uma semana para começar a tentar pensar em querer relaxar e logo em seguida já emendava com a tensão dos poucos dias que faltavam para a volta ao trabalho. Mas desta vez não tive dúvidas: ainda que perdidas no mês de outubro (ou seja, longe de quaisquer férias escolares ou recessos forenses da Dona Patroa), antevi um longo mês pela frente.
Para que pudéssemos fazer um “programa em família” combinamos assim: aproveitaríamos o feriado do doze de outubro (o Dia das Crianças Dia de Nossa Senhora Aparecida), a Dona Patroa aproveitaria as “horas credoras” a que tem direito e a criançada, sem provas ou exames, simplesmente mataria dois dias de aula. Assim teríamos cinco longos dias para entrar no carro e seguir viagem para onde melhor nos aprouvesse.
A propósito, a respeito dessas horas credoras… Como o Tribunal de Justiça simplesmente não paga horas extras, então criaram a “fantástica” figura de “horas credoras”. Ou seja, “não te pago nada agora mas quando você quiser (e eu deixar) poderá tirar aquelas horas que trabalhou a mais”. Como ela já trabalha há vários anos no Fórum, eu diria que, caso ela resolvesse tirar tudo de uma vez, ela só voltaria ao trabalho lá pelo ano de 2013…
Mas voltemos ao foco.
Então na quarta sairíamos de carro com rumo certo definido para Minas, para o Sul ou para a praia. Ah, detalhes, detalhes, detalhes…
De quê?
No bom e velho Opalão 90, é lógico!
Para tanto o carro já tinha passado por uma bela revisão, com manutenção na planetária, alinhamento e balanceamento do cardã (passou a queimar pneu em terceira, dá pra acreditar?) e mais alguns detalhezinhos na parte elétrica, tais como ajustar os espelhos e consertar o acendedor de cigarros. E não, não era para eu acender meus cigarros dentro do carro, não! Cambada de descrentes… É que da última vez que fizemos uma viagem longa e emprestamos o GPS de alguém ficamos na mão simplesmente porque o acendedor de cigarros não funcionava e não dava carga no bichinho. Como eu resolvi botar alguns escorpiões pra correr e comprar (sim, eu disse comprar) um GPS, precisava que tudo estivesse em ordem para que a barca não ficasse a ver navios durante a viagem…
Então quarta-feira chegou e… nada.
Após a recente reforma – e a ainda mais recente (re)mudança – havia muita coisa para se colocar em ordem na casa. Então tiramos o dia para isso. Dai a noite poderíamos arrumar as malas e partir logo na manhã seguinte.
Dia Um propriamente dito
E é LÓGICO que a arrumação seguiu até tarde (e ainda faltou) e logo na manhã seguinte ainda estávamos descompensados de exaustão…
O que nos levou a uma séria discussão um pequeno intercolóquio se ainda iríamos ou não viajar. Mas daí prevaleceu minha teimosia nosso bom senso e resolvemos que iríamos para Minas Gerais, meio que serpenteando em parte do circuito histórico. Caxambu (Circuito das Águas), Santa Rita de Jacutinga (terra de meu pai e a maior concentração dos Andrade por metro quadrado deste lado da linha do Equador), São João Del Rey (cidade histórica) e Ouro Preto (histórica cidade).
Bem, mas seria só questão de arrumar as malas com o básico do básico e partir rapidinho, certo?
Certo!
Bem, “certo” para qualquer outro mortal na face da Terra.
Mas a Dona Patroa é a Dona Patroa…
E, por incrível que pareça, e por maior que seja, o porta-malas do Opala ficou totalmente tomado. Sim, eu disse totalmente. E olhe que estamos falando de um Comodoro, hein? Mas como as propriedades elásticas do metal que reveste o interior do veículo não estão funcionando para esta ocasião, então (felizmente) tivemos um limitador para as bagagens: a própria tampa do porta-malas.
E assim, após arrumar as malas, distribuir recomendações, passar no supermercado para uma comprinha básica (foi quando, eu, bem humorado como sempre, candidamente lembrei-lhe que “porra, mas o porta-malas já tá lotado!!!”), logo nos primeiros momentos da manhã (coisa de umas onze, onze e meia…) já pegamos a estrada.
Debaixo de uma tênue chuva, ao reconfortante som de Nightwish…
Como as horas passaram rapidamente e, surpreendentemente, quando vimos já era hora do almoço, resolvemos parar um pouco antes de Aparecida, lá no Frango Assado. Aqui só não aproveito para cobrar royalties pela propaganda gratuita porque o almoço não foi lá, mas sim numa ótima churrascaria que fica nos fundos. Bem, tá, não tão ótima assim (fiquei seriamente em dúvida se a picanha servida na realidade não seria coxão duro, algo similar ou, ainda, alguma variedade equina), mas pelo menos razoavelmente boa. Bão, a salada tava boa.
Enfim, revigorados (?), seguimos viagem.
Dei uma pisada de leve apenas para recuperar o tempo perdido, mas achei que talvez estivesse correndo um bocadinho com o bom e velho Opalão… Pelo menos foi o que o filhote do meio reclamou quando tentou abrir a janela…
É óbvio que desta vez o caminho não foi virar à direita, rumo à segunda estrela e seguir em frente até o amanhecer. Simplesmente seguimos adiante pela Via Dutra e eu já imaginando que na altura de Cruzeiro a Madame GPS nos avisaria para só então virar em algum ponto, pegando o caminho do assim chamado Circuito das Águas. E placa de Cruzeiro vem. E placa de Cruzeiro vai. E vem. E vai. E não veio mais. Só então caiu a ficha: a rota que a Madame programou era diferente da que eu imaginava! Táquiôspa! Bem, como dizia um antigo estagiário, “tá no inferno, abraça o capeta”. Depois de mais de dez quilômetros sem retorno e faltando vinte para o percurso “sugerido” pela fiadaputa Madame GPS, resolvemos simplesmente explorar aquele novo caminho. Afinal de contas, o que de pior poderia acontecer além de uma volta maior?…
Na altura de Queluz (e quase perdi a entrada de novo!) manobramos para uma bela duma estradinha – pavimentada e em reforma – e seguimos adiante pelos trocentos quilômetros sugeridos pela Madame. Ainda que ficasse com a pulga atrás da orelha quando aquela setinha no visor simplesmente seguia flutuando em linha reta enquanto o desenho da estrada calmamente se afastava para outro lado, por simples falta de opções, seguimos adiante. Longo trecho de serra conhecido como “Garganta” d’alguma coisa, com curvinhas pra lá de fechadas e com pirambeiras incríveis (ainda bem que, pelo menos, com um salutar asfalto sob o carro) – seguimos em frente, audaciosamente indo onde… não, não, péraê, essa é outra história! Bem, simplesmente seguimos adiante até que o cansaço (do joelho deste ser Houseriano que vos tecla) decidiu que já era hora de pedir arrego.
Paramos em Itamonte para esticar as pernas, um bom café, um ótimo sorvete e descansar um bocadinho.
Foi quando, entre o saborear de uma bocada e outra do sorvete, que o Jean, nosso caçulinha, me veio com essa:
“Hoje o dia tá grande, né?”
Nada como a boa e velha sabedoria infantil…
Seguimos viagem com a nau opalística – à qual carinhosamente impingi a alcunha de Posseidon – até que me peguei em puro deleite com as paisagens ao nosso redor. Foi quando dei o alerta: “Ei, sua cambada de cães sarnentos, de miolo mole que parece que não pensam! Eu não fiquei horas descarregando as máquinas e carregando as baterias pra voltar pra casa de mãos abanando! Tratem de registrar o que puderem!”
Não.
Péraê.
Essa foi do Jack Sparrow…
Na realidade foi algo mais assim: “Amor, se não der trabalho e a criançada concordar, que você acha de tentar tirar umas fotos dessa linda paisagem, hein?”. É. Acho que foi mais ou menos isso. Bem mais másculo.
Enfim, a Dona Patroa e o Erik (o do meio) se incumbiram das fotos enquanto que o Kevin, nosso cineasta de plantão, com sarcástica narrativa própria, assumiu seu posto junto à filmadora.
E o dia já começava a definhar quando finalmente chegamos a Caxambu, cidade criança, de apenas 110 anos de idade. Mas com boas histórias e estórias (inclusive algumas antigas deste ser que vos tecla).
Hotel ou pousada, não importava, era a primeira coisa a se localizar. Paramos num que, de cara, imaginei que fosse me custar os olhos da cara. Mas, na realidade – e para minha surpresa -, bem mais barato: apenas as córneas. Seguimos adiante mais um pouco e encontramos outro – fuleirinho, até – mas que tinha lá seu charme. E, vamos combinar? Cem contos a diária de um casal com três crianças já incluído o café da manhã, até que não está de todo mau…
Instalados e descarregados, saímos pra comer alguma coisa. Um bom lanche numa padoca já resolveu o assunto. Criançada cansada não queria saber mais de nada. Toca todo mundo de volta pro hotel para um bom banho e descansar o sono dos justos. Tá, pelo menos o dos cansados.
Como criança que é criança não sossega, entre os perrengues e algazarra (quarto enorme com três camas só pra eles) de repente me vem o caçula rachando de dar risada: “não foi culpa minha, juro que não foi!”. Ante minha cara de interrogação, logo em seguida aparece o do meio, com cara de tédio e ostentando um mal disfarçado sorriso no canto da boca, com um carrinho de corda preso nos cabelos…
Passado mais um tempinho, enquanto eu terminava este texto, fui surpreendido com um absurdo e aterrador silêncio! Corri para o quarto dos meninos. Perguntei pra mim mesmo: “mim mesmo, será que já dormiram?” E eis que me deparo com cada qual numa cama. Lendo. Simples assim.
Esses meus meninos…
Bem, hora do banho.
Amanhã tem mais.
Espero.
Em tempo: E não é que aquela merda de o chuveiro não sai água? Só um fiozinho! Putz, eu sósifôdo…
Enquanto não acabo de me organizar para esse período de férias e de viagem com o Poseidon, deixo registrado aqui esse delici0so texto do Flavio Gomes sobre um tema que, ainda outro dia, falava com a Dona Patroa. Quem já não passou por isso? Quem ainda passará?…
SÃO PAULO (não tem jeito) – Registre-se: ontem, no dia da graça de 5 de outubro de 2011 da era cristã, o mais velho andou de ônibus sozinho.
Pode parecer algo banal, é banal. Bem, seria mais banal ainda alguns anos atrás, eu mesmo andava de ônibus sozinho aos 10, mas estamos falando de 2011, vila de São Paulo de Piratininga, quase 20 milhões de habitantes, vila onde se explodem caixas eletrônicos, vaza gás metano, camaros e porsches atropelam e matam, balas se perdem, sequestram-se gentes, não é lá um lugar muito seguro e aprazível.
Mas apesar de não ser um lugar muito seguro e aprazível, como era um pouco mais quando eu tinha 10 anos, talvez nem tanto, talvez seja apenas nostalgia barata e fosse ainda pior, há uma vida pulsando lá fora, e não é justo que se prive ninguém dela só porque ela parece pouco segura e aprazível.
Ele fez 13 anos, puxa, como mudou neste ano… Ficou mais alto, ganhou forma, vai ao cinema às sextas, parece até que andou dando uns beijos numas meninas. Já não faz tantas perguntas, prefere procurar as respostas, começo a me achar menos útil e mais tolo.
Vou de ônibus, pai, me disse, e achei ótimo, mas disse que ia junto, e ele não se opôs. O trajeto era curto, de casa até a escola, o ponto fica ali na esquina, ele sabia o número da linha e o nome, ganhou até um bilhete único da avó, exibido de forma tão solene quanto será a chave do primeiro carro daqui a algum tempo, e não vai demorar demais, cinco anos passam rápido. Aquele bilhete, cuidadosamente guardado numa capinha plástica, é a chave que abriu as portas do mundo para ele ontem, no dia da graça de 5 de outubro do ano de 2011 da era cristã.
Não lembro das circunstâncias que cercaram minha primeira viagem-solo de ônibus. Acho que meu guia foi meu irmão mais velho, não meu pai, que nunca teve horários muito flexíveis e deve ter delegado tal função ao primogênito, dois anos mais safo que eu. A escola era a mesma, aqui é o metrô, pega assim para aquele lado, desce na estação tal, pega aquele ônibus bege e verde, Mercado da Lapa é o nome, desce lá na frente, atravessa a avenida com cuidado, boa sorte.
Eu tinha 10 anos, um passe de metrô magnético, um passe de ônibus de papel, aprendi rápido, creio, e já no segundo dia comecei a desenvolver meus truques, onde sentar, quando passar pela catraca, como lidar com a mochila, mudar a estação do metrô para pegar o ônibus mais vazio, observar se alguém puxava a cordinha para avisar ao motorista que era para abrir a porta porque eu nunca alcancei a bendita, trocar olhares com o cobrador quando isso não acontecia e ele batia a moeda no metal, código de ônibus para abrir a porta, me oferecer para segurar pacotes, qual o lado da estação para esperar o trem, qual a calçada melhor para chegar em casa, tudo se aprende muito rápido quando se é uma criança e por isso mesmo que datas como essa do primeiro ônibus se perdem no tempo.
A de ontem vai se perder também para ele, a partir do segundo dia deixa de ser uma novidade e um rito de passagem, mas para mim não, como não se perdeu o dia em que recebi seu primeiro telefonema, ou quando o mais novo viajou sozinho pela primeira vez na excursão da escola e eu fiquei lá, olhando para dentro do ônibus tentando encontrar seus olhinhos assustados, e assustado estava eu, ou quando participou da apresentação de Natal do outro colégio, vivo colecionando esses primeiros dias, esses marcos que meio sem querer apontam para onde cada um vai.
Subimos no ônibus, ele passou seu bilhete no leitor da catraca eletrônica com certa desenvoltura, conferiu o valor debitado, calculou quantas viagens ainda poderia fazer, sentou, procurou demonstrar naturalidade, misturar-se à multidão. Trocamos uma ou outra observação, evitei ficar dando conselhos e dicas de como-se-dar-bem-como-usuário-de-transporte-coletivo-na-vila-de-São-Paulo-de-Piratininga, sua única dúvida foi sobre quando apertar o botão para solicitar a parada, algo simples, sem mistério. Uma moça observava a gente sorrindo, acho que entendeu a solenidade daquele momento. Talvez seu pai tenha feito o mesmo com ela um dia, não sei.
Chegamos no ponto final, a escola logo ali, fui até a porta com ele, ficou decidido que voltaria sozinho e que me avisaria pelo telefone quando terminasse a aula de futebol, quando entrasse no ônibus, quando descesse no ponto perto de casa, quando estivesse em segurança lá em cima, quatro telefonemas programados, pois, mas eles não foram necessários, dois resolveram, estou saindo, pai, já cheguei na praça, pai, passei um ponto, me confundi, mas está tudo bem, o ônibus estava vazio, por mim pode dispensar a perua amanhã mesmo.
O mundo passou a ser outro para ele desde ontem. A cada dia a dependência dos carros velhos do pai vai diminuir, aos poucos a descoberta das linhas e dos itinerários será como encontrar o caminho das Índias, uma reedição das Grandes Navegações, em pouco tempo acontecerá o mesmo com o mais novo e a cidade pouco segura e aprazível ganhará mais dois cidadãos que aos poucos vão se incorporar a ela, dela receberão as bênçãos e as tragédias em doses mais ou menos iguais, suas ruas e avenidas serão deles, e aos poucos vamos saindo de cena.
No que me diz respeito, deixarei dois bem melhores que eu, minha modesta contribuição à humanidade.