Muito bem, caríssimos, esta parte da reforma resolvi dividir em dois tópicos, pois como tenho bastante o que prosear iria ficar muito grande para um texto só – se bem que nos dias de hoje, quando qualquer coisa maior que três parágrafos nas redes sociais já é entendida como um “textão”, então não sei não…
O nosso assunto de hoje (e de depois) é um só: quebra-vento, também conhecido por alguns como ventarola. Vocês aí, jovenzinhos, que ainda não tem o excesso necessário de ferrugem correndo nas veias, sabem o que é isso?
Então.
Nos carros d’outrora, quando ar condicionado era um luxo que somente existia nos carros de luxo (propriamente ditos), o quebra-vento, aquela janelinha triangular que ficava na parte dianteira do vidro das portas dianteiras (e em alguns raros casos, em automóveis bem mais antigos, também das traseiras), era a garantia da ventilação interna do veículo sem a necessidade de expor motorista e passageiros às janelas completamente abertas.
Entretanto, no início da década de noventa esse detalhe foi tornando-se ausente nos lançamentos das montadoras. A “justificativa” que acabou sendo apresentada é que o quebra-vento seria um item que fragilizava a segurança do veículo, que atrapalhava na aerodinâmica do automóvel (somente quando aberto), aumentando o consumo de combustível, e, pasmem, por questão de segurança, pois numa batida lateral aquela haste de sustentação do vidro poderia ferir o motorista.
Sinceramente?
Tudo bobagem.
Numa linha de produção quanto menos peças você tiver para encaixar quando da montagem do veículo, muito mais fácil, rápido e econômico ficaria para as empresas. Ora, um vidro inteiriço dá muito menos trabalho do que um quebra-vento com todos seus encaixes e ajustes, portanto não precisa ser nenhum expert na área para entender o porquê da extinção dessa peça vital da indústria automobilística brasileira…
Mas não fiquemos somente com a opinião deste Velho Causídico que vos tecla, pois alguém com muito mais propriedade do que eu já escreveu sobre isso anteriormente. Com vocês a crônica O Quebra-Vento, do sempre oportuno Mário Prata:
“ ‘ Pequena janela móvel situada logo após o para-brisa dianteiro de veículos automóveis e que dirige o vento para a direção desejada’.
Lembra dele? O velho e bom quebra-vento? E já percebeu que não existe mais quebra-vento? A definição ali de cima é do Aurélio, o que vem constatar a importância do mesmo. Virou verbete. Nas próximas edições, deverão colocar ‘que dirigia o vento para a posição desejada’.
Tudo no mundo vai acontecendo tão rapidamente que a gente vai perdendo os ganhos sem perceber. O quebra-vento, na minha opinião, é uma perda irreparável. Duvido que ele volte, um dia. Ou uma noite.
O quebra-vento era genial. Tal qual o Carlinhos Moreno (o Washington Olivetto fez um livro lindo sobre o garoto) ele tinha 1001 utilidades. Ou mais.
Neste fim de semana vim da praia para casa pensando nele. Melhor ainda, na falta dele. Cheguei a algumas conclusões definitiva e sociologicamente importantíssimas. Uma delas: o desaparecimento dele se deve – também – à campanha antitabagista. Com o quebra-vento você podia fumar dentro do carro tranquilamente com a ponta do cigarro para fora, através dele. Não entrava a fumaça para dentro, protegendo até caronas asmáticos. E mais, batia a cinza lá para fora. Ecologicamente correto.
Claro que, naquele tempo, quase nenhum carro tinha ar condicionado. Ele – e apenas ele – era o ar condicionado, o refrigério daqueles tempos difíceis. E como era bom você direcionar o quebra-vento no seu próprio peito. Tá certo que todos os detritos dos escapamentos alheios vinham junto. Mas era uma viagem e, numa viagem, o que importa é o prazer. Aquele vento no peito, no queixo, curava até ressaca. Sim, se você estava de porre, aquele vento te confortava até chegar em casa são e salvo. Era mesmo uma proteção antietílica.
Só que, quando chovia e você abria o quebra-vento, ficava pintando umas gotas no joelho esquerdo. Lembra, encharcava a calça Lee. Mas até isso era reconfortante. Em alguns carros – o fusca, por exemplo – inventaram uma espécie de canaleta para proteger dessa aguinha. Em vão. A canaletinha enchia e enchia o saco.
E quando você trancava a porta com a chave dentro? Bastava enfiar um arame por ele – sempre ele – e levantar a alavanquinha. Para os mais aflitos, ia no pontapé mesmo.
Eu acho que o quebra-vento também começou a sumir quando surgiu aquela travinha para evitar maus olhados alheios. Lembra? Você enfiava aquilo no meio dele e achava que estava protegido. Qualquer chave de fenda arrebentava aquilo. Mas todo mundo – como a gente era ingênuo! – tinha a travinha. Mas a travinha dava um certo trabalho porque, para abrir o quebra-vento, toda vez você tinha que abaixar o vidro todo, ali, na maçaneta, manualmente, fazendo a chuva entrar impavidamente. Depois levantar de novo com o quebra-vento devidamente direcionado.
Era o ar condicionado da época. E tinha lá suas vantagens: o motor não ficava mais fraco, não. E a alegria maior era quando você abria os dois das duas janelas, jogando o ar para dentro. Era uma ventania danada. Aquele furacão dava um certo prazer.
Um dia, algum engenheiro (americano, com certeza) resolveu acabar com a nossa alegria. E não avisou ninguém, não chamou a imprensa. Fez a coisa sorrateiramente, provavelmente na calada da noite. Inventou o vidro inteiro tirando o ar do nosso peito varonil. E, como ninguém percebeu, não foi nem julgado e nem condenado, o assassino dos nossos ventos.
Comecei a olhar os poucos fuscas que ainda rodam por aí. Todos eles com os devidos quebra-ventos. Aqueles motoristas são felizes e não sabem. Os que usam as amarelas Brasílias também. Invejo esses caras.
O que nós todos estamos precisando é isso: um arzinho na nossa cara. Não um ar condicionado, mas um vento incondicional para nos deixar alerta até mesmo contra os ladrões que entravam por ali, pelo quebra-ventos, e hoje entram com carros importados e toda a impunidade que os ventos de Brasília sopram em seus peitos.”
E amanhã eu voltarei com o histórico da montagem dessa distinta peça no nosso amado, idolatrado, salve, salve Titanic!