O primeiro passo

Bão, tem pouco mais de uma semana que o carro “deu entrada” no centro cirúrgico do Seu Bento… Meu pai, do alto dos seus setenta (sim, eu disse setenta) anos, possui uma disposição invejável…

Como trabalho o dia inteiro na cidade ao lado, só tenho a parte da noite e os finais de semana para tentar ajudar na reforma da barca. Não se iludam: ele é o verdadeiro profissional e autor das façanhas que estão por vir. Eu sou mero ajudante. Algo como um pedreiro e seu servente.

Minhas tarefas incluem a desmontagem, limpeza, raspar, lixar e dar fundo tanto nas partes já recuperadas (soldadas) como nas meramente enferrujadas (ou seja, o carro inteiro).

Aliás, ferrugem é que nem metástase: vai se infiltrando e possuindo tudo que encontra. Quando você começa a pensar que não há mais possibilidade de encontrar alguma podreira, lá está ela!

E haja faquinha!

Sim, a raspagem (e cutucagem de pontos podres) se dá na base da faquinha…

Mesmo assim a maior parte do serviço vem sendo feita por meu pai, pois ele começa de manhã – lá no ritmo dele – e vai até a noitinha, quando eu chego. Aí, nessa “troca de turno”, ele me passa minhas missões, diz o que devo fazer primeiro, que parte devo trabalhar na lataria.

Pois é. A caminhada de mil léguas começa no primeiro passo. E, com certeza, esse passo foi dado. Vamos ilustrar um pouco a coisa…

Já deu pra notarem o quão desmontado (e arrebentado) está o carro. As portas foram retiradas e as colunas reconstruídas. A lateral de onde fica internamente o extintor está totalmente acabada.

Essa é a lateral da qual lhes falei. Antes mesmo de proceder a limpeza (ou será “higienização”?) já dá pra notar os rasgos existentes em decorrência da decomposição pela ferrugem.

Aqui já temos a coluna da porta direita. Foram tirados moldes em papel cartão, passados a lápis para as chapas, as quais foram recortadas em uma serra de fita. Solda a oxigênio pra tudo quanto é lado, sem deixar de observar a correta posição das dobradiças.

Essa é mesma coluna, com um detalhamento maior da caixa de ar. Coloquei essa foto aqui para que possam ter uma idéia do grau de comprometimento da lata (que lata?) do veículo…

Entrando em coma

Então.

Hoje, oficialmente, o Opalão deu entrada na UTI.

Até então ele ainda estava andando – ainda que capenga – pra cima e pra baixo.

Eu vinha fazendo uma ou outra coisinha mínima nele, aguardando tempo (e dinheiro) suficiente para dar uma mexida mais a fundo. Como devem se lembrar, cheguei a fazer uns orçamentos de quanto sairia a funilaria do bichão e meio que me desanimei por completo.

Mas, nesse sabadão, tendo ido na casa de meu pai já nem lembro mais por qual motivo, eis que ele se vira para mim e dispara essa:

– Filho, para fazer um serviço bem feito nesse carro você vai precisar do trabalho de um profissional. Põe esse carro lá na garagem e vamos começar a mexer nele.

ERA TUDO QUE EU PRECISAVA OUVIR!!!

Sou fã inveterado de meu pai, Professor Pardal de plantão, conhecedor das sutilezas do mundo da mecânica, minucioso ao extremo e extremamente difícil de convencer.

Como ELE PRÓPRIO sugeriu fazer isso, pra mim está ótimo! Não tem funileiro melhor no mundo! Só para se ter uma ideia: quando ele se aposentou resolver comprar uma coisinha – só pra se divertir de vez em quando – um torno!

A oficina dele, ainda que modesta, é pra lá de completa: solda elétrica, solda a oxigênio, serra de fita, ferramental a perder de vista…

É…

Acho que agora vai!

Tiro n’água

Então.

Depois de todo “desvolantado” e “revolantado”, em tese tudo deveria funcionar corretamente, certo?

ERRADO.

Esgotei meus pseudo-conhecimentos técnicos. Joguei a toalha. Levei o carro lá na autoelétrica do Paulinho para ele dar uma olhada. Deixemos (por enquanto) quem conhece da coisa mexer com a coisa…

:'(

Desvolantando o volante

Vamos dar uma pequena pausa no nascimento da bancada e voltar um pouco ao nosso bom e velho – põe velho nisso! – Opalão.

Acho que já deu para perceber que o volante dele é o de um Diplomata. E torto. E meio que arrebentado.

Resolvi desmontá-lo de modo a não só tentar colocá-lo num alinhamento correto como também para instalar uma chave de seta nova, pois a que veio com ele está – como direi? – despinguelada

Além disso vou trocar também o tambor da chave de ignição. Do jeito que está até com uma unha um pouco mais comprida é possível dar partida no carro!

Pois bem, vamos num passo-a-passo sobre como chegar no interior do volante. Vamos descobrir isso juntos, até porque eu NUNCA desmontei um volante desses antes! Ademais, esse descritivo vai servir para que eu possa montá-lo novamente depois, certo? É como o esqueminha de migalhas de pão no caminho…

O primeiro passo é tirar a tampa da buzina (que, já disse, é de um Diplomata). Basta puxar com firmeza. Feita essa primeira etapa vamos nos deparar com uma bela duma porca. Chave 22mm (do meu pai). Não se esqueça de guardar bem a arruela de pressão que vai encontrar logo debaixo dela. Assim, chegamos ao seguinte:

Após isso, basta retirar o volante.

Detalhezinho básico: é necessário uma ferramenta especial para retirá-lo. Na falta de nome melhor, vamos chamá-la de “sacador”. Seu funcionamento se dá basicamente como um saca-rolhas tradicional, pois você prende a peça pelas laterais próximas ao meio da peça, enquanto um parafuso enorme vai exatamente sobre esse parafuso central. Atarrachando-o ele começa a puxar todo o conjunto – que é cônico – e solta-o rapiadamente.

Bendito Seu Bento, vulgo meu pai, que tem todas essas maravilhosas ferramentas mágicas em sua oficina!

Pois bem, retirado o volante, encontramos um disco que não sei exatamente para que serve, mas que vou me esforçar para colocar EXATAMENTE na mesma posição ao remontá-lo…

Um fio vermelho vai na alavanca de seta (“relampejador”, para os entendidos), preso por um mero parafuso phillips.

Continuando a desmontagem, mais três parafusos phillips, tanto na parte de baixo quanto na parte de cima, e que têm por função prender o conjunto da “chave direcional” (esta também é para os entendidos).

Após tirar os três parafusos não se esqueça de desatarrachar o botão do pisca alerta…

Retirado isso (com algum custo, diga-se de passagem), temos mais quatro parafusos de cabeça sextavada, de 8mm. Só com o jogo de chave de cachimbos. Com extensor.

Os parafusos são longos.

Tenha paciência – um dia acaba.

Soltos os parafusos, para tirar o conjunto onde está o tambor de ignição, há uma arruela de pressão com uma mola. Saia da reta e solte-a com cuidado!

Após tirar a arruela de pressão (trava) lembre-se da ordem: trava, arruela normal, mola, rolamento que prende o eixo – o qual, após tirado, deixará o eixo totalmente solto…

Ao puxar o conjunto verifiquei que toda a fiação da seta é conectada numa caixa, através de um conector específico com oito fios.

Prosseguindo na desmontagem (vamos até onde der!), solte a base do conjunto com uma chave de 13mm. Cuidado! Num dos parafusos está a outra ponta daquele fio vermelho do começo (será que é o “terra”?).

Solte as porcas que prendem a base. Chave 14mm.

Ao soltar tudo descobri que o fio da alavanca de seta está conectado com um outro lá atrás do painel. Marquei-o para que não se perdesse.

Com tudo desconectado, retire o conjunto completo, e vá trabalhar numa bancada decente (mais tarde você tenta descobrir o que era aquele parafuso comprido, com uma mola, e solto, que você não tem nem a mais afastada idéia de onde foi que saiu).

Dica importante: lembre-se da ordem e do lado das coisas!

Há uma capa que recebe todos os fios da seta (chicote). Retire-a.

Agora, no avesso, olhando do lado de baixo da ignição, temos mais três parafusos phillips. Pronto, saiu mais uma camada.

Não chore. A gente vai conseguir colocar tudo de volta. Prometo.

Agora, finalmente, temos acesso ao tambor de ignição. Os fios saem da conexão com um simples puxão pelo contato, virando-os (pois há um furo em forma de cruz) e devolvendo-os pelo lado sem trava. Marque suas cores e posições.

Ato seguinte basta apertar a trava do mini-conector e puxar o fio. Tire todos os fios e fiação.

Preparei todas minhas forças para tirar o tambor. Percebi que ele possuía apenas uma trava interna. Estava pronto para martelar até que saísse – mas… bastou uma pequena pancadinha e pronto! O bichinho pulou sozinho!

Aproveitei nesse ponto para trocar todas as emendas de fios que estavam com fita crepe por algo menos indecente, agora com fita isolante.

Agora, para remontar essa caixa de sucrilhos que se tornou seu volante, basta fazer o contrário de tudo que foi descrito até agora.

De minha parte deixei tudo anotado em um bloquinho aqui do lado…

Bancada: penúltimo capítulo

Tábuas secas do verniz. As pernas da bancada foram montadas e ficaram bambas, bambas… Mas, caçando alguns parafusos de porte na minha caixa de ferramentas, foi possível fixar as tábuas para travamento.

Caramba!

Ficou muito melhor do que eu esperava!

Com certeza a bancadinha aguenta até um motor em cima dela!

Agora só falta colocar uma segunda sequência de parafusos, lixar os últimos ressaltos e passar a segunda – e definitiva – mão de verniz.

E a menção honrosa vai para o filhote, que, do alto de seus sete anos, ficou feliz da vida em aprender como se manuseia uma furadeira – “Mas só com o papai do lado, viu?” – foi o comentário final e indispensável…

Bancada: antepenúltimo capítulo

Então. Pra montar a parte de baixo da bancada haveria a necessidade de também já fixar as madeiras laterais para travamento. Tudo que eu tinha eram alguns pedaços de tábuas que foram usadas para tapar concreto (inclusive com a calda seca do cimento ainda nelas). Medi e vi que daria.

E toca a levar tudo na casa do Seu Bento, desta vez com o ajudante de plantão – meu filhote mais velho. Após a limpeza das tábuas (para não estragar a lâmina da serra), elas foram cortadas e devidamente niveladas na plaina. Sem a casca externa, ficaram parecendo novíssimas!

O filhote, todo orgulhoso de estar ajudando (e, de fato, estava), passou o tempo todo descarregando uma pergunta atrás da outra, querendo saber como funcionavam aqueles equipamentos. Após concluídos os serviços, a parte chata, mas essencial de se ensinar ao pequeno aprendiz: limpe todas as ferramentas, limpe toda a área de trabalho e guarde cada coisa no seu devido lugar. Essa lição faz parte da série é de pequenino que se torce o pepino

De quebra dei uma de pidonho e ganhei de meu pai uma faquinha (que ele mesmo fez) – ótima para limpeza de ferrugens e aplicações afins.

De volta pra casa, essa etapa findou-se com o envernizar das quatro tabuinhas, para posterior fixação.

Bancada: capí­tulos finais

Só para constar: a manhã foi dedicada a comprar um verniz e um pincel (na realidade uma “trincha”) para madeira da bancada. De quebra minha oficininha ganhou também mais duas brocas pequenas e um paquímetro – de plástico (urgh!). Bem, melhor algum que nenhum.

A primeira mão de verniz foi aplicada nas madeiras individualmente, com tudo desmontado. Dica para os curiosos de plantão: para madeira o verniz deve ser sempre utilizado em dias quentes e secos, em materiais bem lixados, limpos e também secos, distribuindo bem todo o líquido, sem deixar escorridos, e secar na sombra por pelo menos 12 horas antes da próxima mão. Aliás, no mínimo duas mãos – ou “demão”, como diríamos lá na terrinha…

À noite, com as peças secas, já montei a parte de cima da bancada. A parte de baixo ainda depende de arranjar uma madeira para travamento. A Dona Patroa (olha ela de novo aí, gente!) me mostrou uns pedaços que talvez sirvam, mas ainda vai depender de nova visita à oficina do Seu Bento para usar a serra circular e a plaina.

E ainda preciso arranjar uma morsinha (ou prensa, se preferirem), mesmo que usada…