A isenção e o Princípio da Isonomia

Artigo publicado no exemplar nº 5 da Revista Trimestral do Legislativo, do Instituto Brasileiro de Estudos Legislativos – set 1997

 
Patricia Loboda Fronzaglia
Advogada e Procuradora do Município de São José dos Campos

A isenção é uma forma de incentivo fiscal que condiciona o contribuinte a comportamentos outros que não o pagamento do tributo. A isenção propriamente dita impede o nascimento do tributo e pode ser definida como a hipótese de não incidência tributária legalmente qualificada.

Nesta explanação cumpre-nos analisar se a isenção, como incentivo fiscal limitando legalmente o âmbito de validade da norma jurídica, ofende o princípio da isonomia. Assim, questiona-se: a norma isentiva respeita o princípio de que todos são iguais perante à lei?

Para responder tal indagação, devemos analisar preliminarmente alguns princípios e dispositivos constitucionais.

A Constituição Federal consagra como um dos princípios basilares do Estado, o republicano. Na esfera tributária, podemos afirmar que este vetor proíbe vantagens ou privilégios na tributação, ou seja, de regra, por este princípio todos devem se sujeitar a tributação. Não se admite privilégios fiscais no Estado Democrático de Direito. Dessa forma, com a república, categorias de pessoas não podem ser beneficiadas. Do princípio republicano decorre o princípio da generalidade da tributação (artigo 150, inciso II, C.F.) entendido como que todos devem arcar com a carga tributária, ou seja, contribuintes na mesma situação devem ser submetidos a idêntico regime fiscal.

O princípio da generalidade pode ser chamado também princípio da igualdade em sentido jurídico, onde os supostamente iguais devem ser igualmente gravados. Em sentido lato este princípio consiste em dar tratamento igual aos iguais e tratamento adverso aos diferentes.

Acrescenta-se ainda que para se realizar justiça fiscal o princípio acima citado deve ser complementado pelo princípio da igualdade econômica, ou, capacidade contributiva (artigo 145, parágrafo 1º, da C.F.). Por este princípio a carga tributária deve ser distribuída de acordo com a capacidade econômica: onerando mais os detentores de riqueza e menos os poucos abastados.

Outro princípio norteador do sistema tributário é o da universalidade, previsto no artigo 19, inciso III, da Carta Magna, que prescreve que todos aqueles que praticarem o fato gerador devem pagar tributos, salvo caso expresso de isenção.

E, ainda, citamos o artigo 151, inciso I, da Lei Maior, que estatui o princípio da uniformidade tributária, devendo a União instituir tributos de forma uniforme no território nacional, sendo, todavia, admitida a concessão de incentivos fiscais visando o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico das diferentes regiões do país.

Paralelamente a estes princípios, o texto constitucional vigente atribui competência às pessoas políticas para conceder isenção (artigo 150, parágrafo 6º; artigo 151, incisos I e III e artigo 43, parágrafo 2º, inciso III da Constituição Federal). Desta forma, ao lado dos preceitos constitucionais mencionados, especialmente o princípio da igualdade, em que todos devem arcar com a carga tributária, está a isenção, que exclui determinadas situações da incidência tributária.

Neste contexto, podemos afirmar que a isenção pode conviver harmoniosamente com o princípio da isonomia, pois os incentivos fiscais constituem um típico caso em que o legislador está autorizado a tratar desigualmente os iguais sem ofensa ao princípio da igualdade, pois está buscando a justiça fiscal.

Os incentivos fiscais, no caso a isenção, visa “privilegiar” certas circunstâncias em prol do interesse geral. Assim o legislador pode excluir uma classe de pessoas, ou uma determinada atividade, ou ainda uma região, da incidência tributária, em virtude de um interesse público justificado de justiça fiscal e ordem econômica.

O nobre tributarista Sacha Calmon Navarro Coelho (Comentários à Constituição de 1988 – Sistema Tributário, Forense, 1990, p. 332), em sua obra, nos oferece interessantes exemplos de discriminações não atentatórias ao princípio isonômico: “a) a tributação exacerbada de certos consumos nocivos, como bebida, fumo; b) o Imposto Territorial Progressivo para penalizar o ausentismo ou latifúndio improdutivo; c) o IPTU Progressivo pelo número de lotes vagos ou pelo tempo para evitar especulação imobiliária, à revelia do interesse comum; d) imunidade, isenções, reduções, compensações, para partejar o desenvolvimento de regiões mais atrasadas; e) idem, para incentivar artes, educação, cultura, esforço previdenciário particular (seguridade)”.

Dessa maneira, o legislador pode dar tratmento especial a determinada situação desde que esteja presente um interesse público justificado. Sobreleva-se, contudo, que devem ser censuradas as isenções concedidas arbitrariamente, levando em conta profissão, sexo, convicções políticas, raça, etc. dos contribuintes.

Trazemos, ainda, alguns exemplos de isenções tributárias estampados em Leis Orgânicas Municipais:

Art. 243. O Município concederá às empresas sediadas em sua circunscrição, incentivo tributário, na proporção das verbas destinadas para o incentivo ao esporte amador, mediante lei” (L.O.M. de Campinas).

Art. 140. Compete ao Município, quanto à ordem econômica:

I – dispensar às microempresas e de pequeno e médio portes, nos termos da lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas organizações administrativas, tributárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas, além de incentivar a criação e o desenvolvimento de indústrias” (L.O.M. de Santo André).

Art. 266. O Município garantirá transporte gratuito dos estudantes da zona rural” (L.O.M. de São José dos Campos).

Pelos dispositivos aludidos, podemos asseverar que a isenção atua como um princípio seletivo de pessoas, classes ou categorias de contribuintes, não por considerações de favoritismo ou privilégio, mas para fins econômicos e sociais. Deste modo, quando o Município isenta as micro e pequenas empresas, ele está visando estimular a criação e instalação dessas indústrias em seu território, o que certamente propiciará a este ente federativo um desenvolvimento econômico e industrial. Também quando o legislador municipal concede isenção de IPTU a imóveis de determinadas regiões, ele está buscando o crescimento sócio-econômico desta área.

Conclui-se, portanto, que os incentivos em forma de isenção podem conviver harmonicamente com o princípio da igualdade, posto que a isenção decorrerá sempre de um implemento da política fiscal e econômica, tendo em vista o interesse social.

( Publicado originalmente no site do escritório
Rodrigues, Sanchez e Ribeiro – Advogados Associados, em abril/98 )