Consulta pela Internet viola sigilo profissional?

Em sua concepção original havia uma parte do site (“consultas”) que estaria disponível após o retorno de uma consulta formal efetuada perante o Tribunal de Ética de São Paulo acerca da possibilidade ou não de se manter um sistema de consultas e emissão de pareceres on-line. A resposta foi recebida e, para melhor compreensão do ocorrido, optei por publicar na íntegra tanto o questionamento efetuado quanto o parecer exarado.


A CONSULTA

CONSULTA AO TRIBUNAL DE ÉTICA – PROCESSO E-2129/2000

EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE ÉTICA E DISCIPLINA – I DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SÃO PAULO

Ref. Revista Jurídica na Internet – Consultas on-line

RSR, sociedade de advogados regularmente constituída perante a OAB/SP, inscrita no CNPJ sob o nº (…), por intermédio de um de seus advogados, Adauto de Andrade, regularmente inscrito na OAB/SP sob o nº (…), e responsável pela área de informática do escritório, vem respeitosamente perante Vossa Excelência efetuar a presente consulta acerca do assunto em epígrafe.

Nosso escritório mantém uma Revista Jurídica na Internet, mais especificamente na URL http://www.habeasdata.com.br. Essa Revista Jurídica é um site através do qual procuramos informar aos visitantes alguns links de interesse, publicamos alguns artigos de advogados, fornecemos dicas de hardware e software, enfim, tentamos desmistificar tanto a informática quanto o mundo jurídico, quer seja o internauta um profissional da área ou não.

A vinculação do nome de nosso escritório à este site se dá de maneira discreta, aparecendo na página principal como “mantenedor”, na forma de um hiperlink que leva a uma outra página que informa, sucintamente, como se formou e há quanto tempo existe a sociedade. Contamos com a colaboração de colegas integrantes de outros escritórios da região, os quais prestigiamos também nessa página inicial, sob o título de “apoio”, e na forma de hiperlink direcionado aos respectivos endereços de correio eletrônico. Anexo a esta consulta encontram-se algumas páginas impressas do site, sendo que no doc. 01 temos a página inicial, e no doc. 02, a página de apresentação de nosso escritório.

De modo a ampliar o leque de serviços prestados por essa revista virtual, e a exemplo de diversas revistas da mídia impressa estamos cogitando a possibilidade de abrir um painel de consultas neste site. As consultas seriam gratuitas e feitas on-line através de um simplificado formulário próprio, no qual o consulente especificaria a sua área de interesse. O doc. 03 dá uma idéia de como seria esse formulário.

Uma vez preenchido, o formulário nos seria remetido via correio eletrônico e repassado para o advogado especialista na área da consulta (integrante de nosso escritório ou de um dos escritórios colaboradores). A fase seguinte diz respeito à emissão de parecer, o qual, ao invés de ser remetido diretamente ao consulente, passaria a fazer parte do site, integrando um “banco de pareceres”, disponível a todos os visitantes.

De modo a possibilitar uma plena compreensão e uma análise mais acurada do intuito da Revista Jurídica Habeas Data, anexo estamos enviando um disquete de 3 ½” contendo as páginas principais citadas na presente consulta.

Há de se ressaltar que em nenhum momento há o interesse de mercantilização da profissão, superficialização dos serviços, nem tampouco captação de clientela – até porque a emissão de parecer não é de exclusividade de nosso escritório, podendo ser exarado por qualquer dos advogados participantes do projeto. A única finalidade é a prestação, por parte da Revista Jurídica Habeas Data, de um serviço de utilidade aos seus visitantes.

Também reiteramos que tal prática já se verifica no mercado em publicações impressas – como, por exemplo, a revista (…), da Editora (…) – que possuem colunas de atendimento ao leitor onde profissionais da área de direito respondem às consultas efetuadas.

Como trata-se de um tema polêmico, onde é tênue a linha divisória das definições, analisamos algumas das decisões exaradas por este r. Tribunal de Ética e Disciplina, ante o que passamos a tecer algumas considerações:

Processo E-1609/97, Rel. Dr. Carlos Aurélio Mota de Souza – “Assistência à comunidade- Orientação jurídica – Ofensa à ética da forma proposta – Prestação de serviços de orientação jurídica gratuita (…)” – Não possui a mesma forma da consulta ora apresentada, eis que a prestação de serviços proposta não é oriunda da sociedade de advogados, e sim da Revista Jurídica, o que não caracteriza a captação de clientela – até pela impossibilidade geográfica, visto que as consultas podem se originar de qualquer ponto do planeta. Ademais, não há que se comparar aos serviços de assistência judiciária existentes, posto que a emissão de pareceres servirá apenas para orientar o consulente sobre a existência ou não de direitos acerca de determinado caso, cabendo ao próprio consultante procurar o meio adequado de recorrer ao judiciário. E, assim o fazendo, o profissional que vier a contratar poderá convalidar ou não o parecer exarado.

Processo E-1435/96, Rel. Dr. Roberto Francisco de Carvalho – “Ao advogado é permitida a abertura de “home page” na Internet, desde que o faça com discrição e moderação, valendo aqui as regras para publicações em jornais e revistas. (…)” – Apesar de não corresponder ao presente caso, citar esta ementa é interessante para ressaltar que a única “publicidade” dos envolvidos se dá na conformidade das orientações deste r. Tribunal, como se denota do doc. 01 anexo.

Processo E-1724/98, Rel. Dr. Benedito Édison Trama – “Consulta por telefone – Linha 0900 – Sistema telefônico pré-tarifado com cobrança na conta telefônica do consulente e crédito ao advogado consultado – Resposta por bacharel não inscrito na OAB – Propósitos eleitorais – Ampla e imoderada publicidade – Infração ética – O atendimento telefônico para responder consultas de natureza jurídica dá margem ao anonimato, inconcebível na relação cliente/advogado, com suposição de nome e situações (…)” – Não há que se comparar a proposta apresentada com o caso citado, visto que a consulta efetuada pela Internet é direcionada à Revista Jurídica, não ensejando cobrança ou crédito nem para o consulente, nem para a Revista Jurídica, e muito menos para o advogado responsável pela emissão do parecer. Não há ainda que se falar em anonimato, visto que o parecer conterá o nome e identificação do advogado que o elaborou.

Processo E-1759/98, Rel. Dr. Biasi Antônio Ruggiero – “Publicidade – Anúncio e consultas jurídicas pela Internet – Pagamento com cartão de crédito – (…) configuram falta ética, equivalente à cometida pelo uso do denominado serviço 0900” – Como já citado no caso anterior, não haverá nenhum ônus ao consulente, posto que a Revista Jurídica não cobrará pelas consultas, disponibilizando seus pareceres on-line, tendo por único intuito formar um banco de dados com pareceres que, pelo seu próprio conteúdo, poderão servir de orientação a outros visitantes do site, como acontece, por analogia, às publicações impressas que respondem cartas dos leitores.

Processo E-1967/99, Rel. Dr. João Teixeira Grande – “Internet – Revista jurídica para informações de dados e para debates e opiniões jurídicas – A criação de revista jurídica na Internet não constitui matéria de competência do Tribunal de Ética. Entretanto, tal não ocorre se advogados inscritos no empreendimento se valerem do mesmo para publicidade imoderada, mercantilização, nome fantasia, captação de clientes e causas, (…)” – Talvez seja esta a única das ementas cujo conteúdo encontra-se proximamente relacionado à presente consulta. Mesmo assim, as recomendações efetuadas não estão caracterizadas neste caso, senão vejamos: a divulgação existente encontra-se veiculada de forma discreta, não são oferecidos serviços jurídicos por nenhuma das sociedades ou advogados participantes, o nome fantasia existente, “Habeas Data”, pertence à Revista Jurídica e não à sociedade mantenedora nem aos seus colaboradores, não há captação de clientes ou causas, simplesmente mero esclarecimento, na forma de parecer, às consultas efetuadas.

Numa apertada síntese, temos a seguinte situação: a criação de um serviço gratuito de consultas no site da Revista Jurídica Habeas Data, revista esta mantida por uma sociedade de advogados com a colaboração de outros advogados de outros escritórios, sendo que a divulgação existente se dá de forma discreta e moderada.

A resposta às consultas se daria na forma de parecer exarado por um dos advogados envolvidos no projeto, devidamente identificado, e este parecer seria disponibilizado on-line, à disposição de todo e qualquer visitante da homepage.

Em momento algum haveria ônus de qualquer espécie para o consulente, nem tampouco qualquer tentativa de captação de clientela. O único intuito do projeto é prestar um serviço de utilidade aos internautas que visitam o site, a exemplo de diversas publicações impressas, que mantêm uma coluna de respostas jurídicas em seções de “cartas dos leitores”.

Assim, sob a ótica apresentada, e considerando o formato no qual serão exarados os pareceres às consultas efetuadas on-line, entendemos não haver impedimento ético-disciplinar que traga prejuízo ao bom nome da classe dos advogados.

Entretanto acreditamos ser necessária e imprescindível a consulta e a orientação deste r. Tribunal de Ética e Disciplina, de modo que possamos levar adiante esse empreendimento o qual, segundo entendemos, somente trará benefícios àqueles que vierem a se utilizar dos serviços da Revista Jurídica Habeas Data.

Ante todo o exposto, serve o presente para formalizar a consulta a este r. Tribunal de Ética e Disciplina, de modo a informar da existência ou não de impedimento ético-disciplinar com relação a criação de um sistema de consultas on-line em Revista Jurídica disponível somente na Internet. Considerando o envio do disquete, o que possibilita uma análise minuciosa do caso, seria de profundo interesse demais considerações acerca da conformidade de aspecto e conteúdo da referida Revista.

Informamos, por fim, que a Revista Jurídica Habeas Data, que pode ser encontrada na URL http://www.habeasdata.com.br, está no ar, recebendo constantes atualizações, entretanto a opção de “Consultas” encontra-se desativada, e assim permanecerá até que seja emitida a orientação deste r. Tribunal de Ética e Disciplina quanto a presente consulta.

Adauto de Andrade


A DECLARAÇÃO DE VOTO

DECLARAÇÃO DE VOTO – PROCESSO E-2129/2000

Proc. 2129/2000.
Consulente: Dr. ADAUTO DE ANDRADE, Advogado.
Relator: Dr. JOSÉ ROBERTO BOTTINO, Advogado.
Revisor: Dr. Cláudio Felippe Zalaf, Advogado.

Declaração de Voto

Sr. Presidente!.

Após leitura da consulta, visitei a página do consulente, na Internet. Está muito bem elaborada e diversificada em seu conteúdo, apresentando diversos sites, alguns de muita utilidade.

As páginas impressas acostadas à consulta não traduzem a substância que se encontra na Revista Jurídica, conforme define o próprio consulente, não tão “discreta” como pretende ele. Aliás, o signatário se qualifica como o “responsável pela área de informática do escritório”, assunto que percebe ser de seu domínio, como de tantos jovens na atualidade. E a pretendida simbiose entre advocacia e sua divulgação via Internet é uma constante. O que se percebe, também, é que as tais “revistas jurídicas” têm servido de pano de fundo, ou de anteparo, para publicidade que foge às normas do Código de Ética Profissional.

Empresas jornalísticas e portais para informática têm proporcionado aos seus assinantes, gratuitos ou não, sites os mais variados, inclusive de ordem advocatícia. Sobre eles a ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL não tem nenhum poder de controle ou interesse em tê-lo, porque informação é sempre salutar. Mas se os advogados se utilizarem desses espaços para publicidade, aí sim estarão sujeitos à sanções disciplinares.

Mas há outro aspecto que precisa ser salientado. Escritórios de advocacia ou profissionais isolados que mantenham o mesmo tipo de prestação de serviço estão contrariando as regras éticas. E isso porque não se limitam a mostrar nome, endereço, número de inscrição e títulos ou especialidades. Apresentam verdadeiros currículos, bem detalhados; fotografias de pessoas e escritórios; abrem espaço para temas e trabalhos de desconhecidos; fornecem endereço de correio eletrônico para correspondências, quando não para consultas; enfim, desenvolvem grande esforço para se apresentarem com destaque aos navegantes. Ora, pergunta-se, tudo isso sem nenhum interesse? É evidente que não, é evidente que existe retorno em causas e honorários. Seria o caso de se sugerir que mantivessem a página somente com os dados permitidos pelo Código de Ética: nome, endereço, especialidade. Por que não a fazem assim? Seria bem mais barata. Mas não seria chamativa e se assim procedem, não é de graça.

Apresentamos esta declaração de voto, Sr. Presidente e Sr. Relator, porque fomos citado pelo consulente como autor de um parecer que seria, talvez, diz ele, o único que mais se aproxima da sua pretensão de propiciar consultas via Internet. E como o consulente é entendido no assunto informática, bem como relacionado à ética profissional, já que participou, ou um dos colegas de escritório, da Comissão de de Ética da Sub-seção de São José dos Campos, apresenta na sua página, sob o título de Internética, vinte e dois pareceres deste Tribunal, todos sobre publicidade na Internet, sendo que cinco da nossa lavra e um de nossa revisão. E para que não paire dúvida sobre o pensamento deste membro julgador, importa deixar bastante claro que nossos pareceres a favor de revistas jurídicas não significam concordância com publicidade estranha aos ditames do Estatuto da Advocacia e do Código de Ética. A atenta leitura dos mesmos afastará qualquer tentativa de contorno ou disfarce do escorreito comportamento.

É o nosso voto declarado.

– João Teixeira Grande –


O PARECER

PARECER – PROCESSO E-2129/2000

Relatório.

Trata-se de consulta formulada no sentido de ser informado da existência ou não de impedimento ético-disciplinar com relação a criação de um sistema de consultas on-line em Revista Jurídica disponível na Internet.

Parecer.

A Internet, para o chamado Terceiro Mundo, é algo novo. Contudo, para aqueles que autodenominam Primeiro Mundo, ela não representa, há décadas, novidade.

A consulta faz-nos reportar ao que KEYNES, certa feita afirmou: “A verdadeira dificuldade não está em aceitar idéias novas, mas em escapar de idéias antigas”.

A consulta é uma idéia nova e, por isso, deveremos aceitá-la.

Pretendemos “escapar das idéias antigas”, sem, contudo, ferir princípios, pois estes ultrapassam o tempo e projetam-se no espaço.

Se o Tribunal fosse vetusto e arcaico, a resposta seria simplesmente negativa, sem qualquer fundamentação.

Como o Tribunal é moderno, mas deve preservar valores, procuraremos apreciar a consulta com a isenção que a hipótese comporta.

A questão é a seguinte: A Universalidade dos valores, face o desenvolvimento tecnológico, é absoluta, ou relativa?

Outra indagação se impõe: O nosso pensamento, qualquer que seja ele, é justo?

Garimpando, descobrimos que Montesquieu e Rosseau souberam dar perfeito equilíbrio entre a pluralidade e a unidade, entre o absoluto e o relativo.

A Internet alcança uma pluralidade determinada ou indeterminada de pessoas. Será determinada para aqueles que a ela tenham acesso, ou que disponham de recurso para ter a tecnologia à sua disponibilidade, e será indeterminada, na hipótese e todos possuírem poder aquisitivo e conhecimento para usá-la.

A unidade, contudo, abraça a individualidade. Todavia, além da unidade, há um direito de uma coletividade. Esta coletividade também poderá ser determinada ou indeterminada. Aquela pode ser representada por um prédio, onde a regra é a norma condominial. Na coletividade indeterminada, há um número indeterminado de pessoas, são os chamados direitos difusos.

No caso em tela, estamos ao interesse de uma coletividade determinada, que é representada pela Ordem dos Advogados do Brasil, a qual tem, entre outros objetivos e finalidades, ditar regras de comportamento para os membros daquela coletividade, composta dos advogados.

Como, no dizer de Levins, “alguns valores fazem parte da própria vida democrática”, e, entre eles, está o de “dar prioridade ao outro”, deveremos indagar: Quem é o outro?.

O outro, tanto poderá ser o outro advogado, como poderá ser a Ordem dos Advogados do Brasil.

A entidade tem o direito de ditar regras e normas, e os seus componentes a obrigação de preservar tais princípios.

Exatamente por isso é que o Estatuto da Advocacia, em seu parágrafo único, do art. 33, da Lei 8906/94, remete para o Código de Ética e Disciplina o direito de regular os deveres do advogado para com a comunidade, o cliente e o outro profissional. Cumprindo a determinação que lhe impôs a lei, o Código de Ética e Disciplina no parágrafo único do art. 2º estatui quais são os deveres do advogado. Entre outros há o de abster-se de emprestar concurso aos que atentem contra ética, moral, honestidade e dignidade da pessoa humana (inc. VII, parágrafo único do art. 2º); bem assim o de respeitar o sigilo profissional, conforme previsto está no artigo 25, salvo quando houver grave ameaça ao direito à vida, à honra, ou quando o advogado se veja afrontado pelo próprio cliente e, em defesa própria, tenha de revelar segredo, porém sempre restrito ao interesse da causa.

No momento em que a Lei 8.906/94 remete o advogado (unidade) para o Código de Ética, ou a pluralidade determinada – composta de uma comunidade de advogados – o fato é que a individualidade (advogado) ou a pluralidade (advogados) tem a obrigação e o dever de resguardarem o sigilo profissional e o princípio da mútua confiança, posto que são regras que o exercício da advocacia exige-lhes, segundo os princípios inseridos no artigo 1º do Código de Ética.

Assim, a consulta e, obviamente, a resposta via Internet, tornam-se públicas, para uma comunidade indeterminada de pessoas.

Nessa hipótese, o segredo e o sigilo profissional deixarão de existir; o confessionário estará violado; a infração disciplinar – prevista no art. 34, VII – se quedará e tornará letra morta.

Dando apoio ao que se expôs, é de rigor trazer à baila os ensinamentos do eminente e saudoso RUI AZEVEDO SODRÉ, em ÉTICA PROFISSIONAL, ESTATUTO DA ADVOCACIA, que à pág. 394, aprecia o sigilo profissional e leciona:

“O sigilo é dever, porque instituído em benefício do cliente. Não pode ficar ao arbítrio de cada um revelá-lo ou não. É dever fundamental a que está sujeito o advogado. Ele se funda no princípio da confiança, que o advogado deve inspirar ao cliente.

(…)

“O sigilo é um dever e só seria, na realidade, um direito se o advogado tivesse a faculdade de revelar o sigilo, sem ficar responsável.

“Ele está obrigado, portanto, não é um direito e sim um dever.

(…)

“Cabe aqui, também, uma observação que não afeta nem altera o conceito e a extensão do dever de sigilo. É a de que um segredo divulgável por autorização de quem o confia, deixa de ser um segredo.

(…)

“Mas, no caso, o fundamento decorre de lei natural, a favor do direito de defesa e em benefício da sociedade”.

Assim, como se trata de um benefício da sociedade, em verdade, estamos analisando a hipótese de um direito-dever de uma coletividade indeterminada, porque, outros usuários, mesmo não sendo advogados, poderão ter acesso à consulta, e, evidentemente, à resposta, o que, por evidência, poderá até tipificar o delito prescrito no art. 154, do Código Penal, o que, logicamente, não interessa aos advogados.

Portanto, a consulta – via Internet – e a sua resposta -no nosso entender configura a violação de segredo profissional, além de quebrar o princípio da mútua confiança, que serve de alicerce entre advogado e cliente, mesmo porque, no confronto entre o universal, o individual e o coletivo, o princípio da relatividade há que ser respeitado, em benefício da sociedade.

“Sub Censura”.

– José Roberto Bottino –

Processo n. E-2.129/00
Relator – Dr. JOSÉ ROBERTO BOTTINO
Revisor – Dr. CLÁUDIO FELIPPE ZALAF
Presidente – Dr. ROBISON BARONI
Julgamento – 18/05/00 – v.u.
EMENTA

CONSULTA ATRAVÉS DA INTERNET. VEDAÇÃO ÉTICA – VIOLAÇÃO DO SIGILO PROFISSIONAL E DA MÚTUA CONFIANÇA. A consulta através da Internet, viola o confessionário, que se assenta no princípio da mútua confiança, alcança uma coletividade indeterminada de pessoas, sepulta o artigo 34, VII, da Lei 8.906/94, e configura, em tese, o ilícito penal no artigo 154 do Código Penal.


CONCLUSÃO

Confesso que, num primeiro momento, o parecer exarado pelo Tribunal de Ética de São Paulo me desanimou bastante. Quase cheguei a desistir do site, das homepages, etc. Entretanto, após ponderar – e muito – acerca do assunto, pude chegar a diversas conclusões.

A primeira – e talvez mais óbvia – é que a consulta não foi apreciada em seu ínterim, pois muitas das argumentações e proposições simplesmente ficaram sem resposta. Argumentou-se muito sobre a proibição de publicidade na Internet e a quebra de sigilo por parte do advogado. Ora, o modelo proposto deixa bem claro justamente o contrário.

O que foi sugerido – e demonstrado inclusive com material impresso e gravado – foi a criação de uma página onde o consulente poderia formular suas dúvidas, escolhendo até mesmo a área específica de sua consulta. A única informação solicitada seria o nome e e-mail do consulente. Uma vez preenchido o formulário, e antes de seu envio, uma advertência de que a resposta à consulta se daria mediante emissão de parecer que ficaria disponível para todos os visitantes do site. Apesar de responder à questão específica, tal parecer não conteria identificação alguma do consulente, o qual seria informado via e-mail de que a sua resposta já teria sido publicada.

Outra preocupação infundada seria com a captação de clientela via Internet, alegação que, data venia, me soa ainda mais absurda. Primeiro, porque a Internet não funciona como um BBS, de maneira localizada e bairrística. A Rede, como cediço, interliga computadores no mundo todo, de modo que seria virtualmente impossível captar clientes numa universalidade tão esparsa. Segundo, que esses pareceres jamais poderiam ser considerados como a resposta definitiva para qualquer tipo de problema – ora, o próprio nome já diz tudo: PARECER, ou seja, equivale a um conselho, uma opinião, uma sugestão. O intuito é de que sirva para orientar, podendo, inclusive, haver discordância de seu conteúdo por parte de outros profissionais do direito.

A meu ver o ponto fundamental da controvérsia entre a possibilidade ou não de se prestar consultoria pela Internet, diz respeito simplesmente a uma questão de fé. Fé, no sentido de se acreditar que existem pessoas que desejam prestar auxílio a outras sem esperar nada em troca. Tal descrença torna-se evidente numa análise da Declaração de Voto.

Como dizia um antigo professor, é “óbvio e ululante” que sempre existirão aqueles que obedecem fielmente à mais arraigada lei jamais promulgada em nosso país – a Lei de Gérson. Em todas as áreas existem pessoas que tentam levar vantagem às custas de outras. Entretanto sou da firme opinião de que um dos principais fatores que colaboram para a sociedade extremamente “burrocratizada” em que vivemos, é justamente essa “mania” de se trabalhar tentando prever todas as exceções – o que acaba por deixar de lado o bom senso…

Mesmo assim, por uma questão de honra, e por força do compromisso que prestei, sou obrigado a acatar a decisão do Tribunal de Ética. Mas não a concordar. Sou partidário do software livre, da iniciativa GNU, da filosofia Linux… Assim como eu, existem vários outros profissionais que têm prazer em simplesmente ajudar o próximo, sem nenhuma conotação religiosa, política, filosófica ou similar.

Por fim, minha intenção ao escrever essas poucas linhas, é somente demonstrar qual a posição do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção de São Paulo. No MEU entender, e ao contrário do que procura alardear em seu próprio parecer, o Tribunal não é moderno, e os valores que pretende preservar não correspondem à realidade verificada nesse mundo globalizado e informatizado em que vivemos.

Este é, salvo melhor juízo, meu parecer.

Adauto de Andrade

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