( Publicado originalmente no e-zine CTRL-C nº 03, de julho/01 )
Brasília na batalha do Software Livre
Fernando Bizerra Jr.
Ao contrário do que muitos pensam, a campanha pelo uso do software livre não está limitada ao mundo dos internautas e dos aficcionados por computador. No Congresso Nacional, uma batalha política vem sendo preparada há algum tempo em favor da disseminação desse tipo de programa.
O software livre é um programa de computador com código-fonte (estrutura) aberto, ou seja, pode ser copiado, estudado e modificado pela comunidade de usuários. Em geral – mas não necessariamente – é gratuito. O software proprietário não distribui o código-fonte, e suas atualizações são feitas apenas pelo dono do produto. Em geral é cobrado, e não podem ser copiados sem autorização.
Só na Câmara dos Deputados circulam cinco projetos com propostas que, se aprovadas, vão ampliar e dar grande visibilidade aos programas abertos.
O primeiro foi apresentado em agosto de 1999, e o mais recente tramita há menos de um mês. Os partidos dos autores são os mais variados: do PT ao PFL. Todos têm em comum o desejo de que o poder público participe como agente de propagação do software sem dono.
Um dos projetos, do deputado Jaques Wagner (PT-BA), estabelece que a Câmara somente utilize em seus sistemas os programas livres. Outro projeto, do deputado Werner Wander (PFL-PR), determina a preferência pelo software livre na aquisição e no uso de programas pela administração pública federal.
Mas o deputado Walter Pinheiro (PT-BA) foi mais radical em sua proposta. Ele defende a obrigatoriedade de uso dos programas abertos em todos os órgãos e empresas públicas do país, nos três níveis da administração. A única exceção aceita por Pinheiro é para o caso de não haver similar aberto no mercado dos programas fechados.
Exemplos já existem no mundo. No ano passado a indústria chinesa produziu 2 milhões de computadores pessoais; deste total, 300 mil já saíram de fábrica com software livre instalado. A França também estuda sua adoção pelo poder público.
Apesar de tantos projetos, o assunto ainda não empolgou os integrantes das comissões encarregadas de analisá-los. O deputado Nárcio Rodrigues (PSDB-CE), escolhido relator do projeto de Pinheiro na Comissão de Educação, afirma que se trata de “proposta oportuna e interessante”, mas confessa que não a conhece direito. Justifica o pouco empenho afirmando que 2000 foi ano eleitoral, mas promete para este mês a realização de audiência pública com participação dos diversos setores interessados. E, “se tudo correr bem”, até julho entrega seu relatório.
A liberdade de adaptação dos programas às necessidades dos usuários é o fator que mais seduz os defensores da idéia. O reitor da Universidade de Brasília (UnB), professor Lauro Morhy, um dos grandes incentivadores do projeto, entende a campanha pelo software livre como um esforço para democratizar o acesso à informação tecnológica. “Se continuarmos comprando pacotes fechados não formaremos massa crítica para resolver nossos problemas”, afirma. Para ele, é preciso decidir se queremos ser apenas “apertadores de botão” ou pessoas que pensem e inovem. “Somos escravos em quase tudo.”
Mas o argumento que pesa mesmo em favor dos programas livres é o baixo custo. Enquanto um Windows Millenium completo custa cerca de R$500, o similar Linux pode ser comprado por menos de R$20, ou sair de graça, se o usuário baixar da internet. Se para o usuário individual o preço é alto, para empresas e governos, então, a soma atinge cifras fantásticas.
No Rio grande do Sul, por exemplo, o governador Olívio Dutra (PT) decidiu migrar todos os sistemas do governo para o software livre. Só no ano passado, estima ter economizado aproximadamente R$37 milhões. A redução de custos vem não só da economia com os programas, mas também com a compra de equipamentos. Os novos programas comerciais (proprietários) exigem computadores cada vez mais sofisticados, enquanto os programas livres trabalham bem até em velhos computadores 386.
No meio acadêmico os exemplos também se multiplicam. Desde o ano passado a UnB vem adaptando um software criado por seus técnicos para modernizar o gerenciamento da biblioteca. Segundo o reitor Lauro Morhy, a universidade não teria dinheiro suficiente para comprar um moderno programa-proprietário. “O Senado gastou, em 1999, R$2 milhões num software de gerenciamento da biblioteca; se a universidade tivesse que pagar isso nem poderia administrar o acervo”, afirma.
Para colaborar ainda mais com a difusão dos programas de código aberto a UnB lançou há poucos dias um Serviço de Armazenamento e Distribuição de Software Livre, onde é possível copiar vários tipos de software, criados nos mais diversos lugares do mundo, que rodam com o sistema alternativo Linux. Basta acessar {www.redes.unb.br}.
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Os pinguins falam tchê!
O governo do Rio Grande do Sul faz de tudo para se livrar dos softwares pagos
Airton Lopes
O Rio Grande do Sul está declarando independência. O movimento liderado pelo governador gaúcho Olívio Dutra é um mergulho nos programas de código-fonte aberto. Objetivo: cortar gastos com software e diminuir a dependência do Estado em relação a fornecedores de programas proprietários.
Em julho de 1999 foi lançado o Projeto Software Livre RS, com a participação dos governos petistas do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, de universidades, de gente ligada à informática e de entidades sem fins lucrativos.
O programa nasceu com um duplo objetivo: reduzir os custos de aquisição e de propriedade de software e também conseguir flexibilidade na hora de adaptar os programas às diferentes necessidades dos diversos órgãos do governo. O Linux e o pacote alemão StarOffice, da Sun, já vêm sendo utilizados em escolas públicas e em diversos setores da administração.
A substituição está ocorrendo de maneira gradual, em termos. A Corsan, responsável pelo saneamento básico do Estado, utiliza exclusivamente o StarOffice. Os servidores do Via-RS, provedor de acesso à internet do Estado, são baseados no Apache. O banco do Estado, Banrisul, já utiliza o StarOffice em mais de 6500 computadores, em todas suas agências, bem como está substituindo o sistema de seus caixas eletrônicos pelo Linux.
Um marco importante dentro do Projeto Software Livre RS ocorreu em dezembro de 2000, quando o Direto abandonou sua fase beta e foi aprovado como o programa oficial de e-mail do Estado. Trata-se de uma ferramenta web de agenda e correio eletrônico desenvolvido pelos técnicos da Procergs (Companhia de Processamento de Dados do Estado do Rio Grande do Sul). Com isso, estarão sendo substituídos os programas pagos utilizados utilizaos em micros de todo o funcionalismo estadual, como o Notes (Lotus-IBM) e o Exchance (Microsoft).
Em boa parte das escolas públicas de Porto Alegre já não existe o monopólio da Microsoft com o Windows e o pacote Office, que deu lugar à dupla Linux-StarOffice. A meta do projeto é estender essa vantagem a todas as mais de 2000 escolas estaduais, sendo que várias universidades já trabalham no desenvolvimento de projetos baseados em programas de código aberto, tais como o Sagu, um software de gestão universitária, e o GNUteca, um aplicativo para gestão de bibliotecas que permitirá a criação de uma rede interligando universidades, escolas e bibliotecas públicas.
Marcos Vinícius Ferreira Mazoni, presidente da Procergs, destaca que os programas convencionais costumam sofrer constantes upgrades, que, em suas novas versões, passam a exigir micros mais robustos. Já no universo dos programas de código aberto esse tipo de problema praticamente não existe, pois não exigem grande poder de hardware para rodar com desenvoltura. Além da óbvia vantagem econômica, tem-se mais segurança, por haver um melhor controle sobre as chaves de acesso dos sistemas, bem como a liberdade de manipular o código-fonte, o que facilita a adaptação de programas de acordo com as demandas de cada órgão da máquina estadual.
Já tendo, inclusive, chegado aos ouvidos dos dois maiores protagonistas do embate entre softwares livres e proprietários, Richard Stallman (Free Software Foundation) e Bill Gates (Microsoft), essa discussão sobre a adoção de programas de código aberto na administração pública existe também no Congresso Nacional, na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul e em vários municípios: Porto Alegre, Salvador e Recife, dentre outros. No exterior, o principal exemplo é a França, onde a Assembléia Nacional aprovou em 2000 a proibição do uso de software de código-fonte fechado em todas as esferas do serviço público. Noruega, Dinamarca e China são alguns dos países que também discutem o tema.