( Publicado originalmente no e-zine CTRL-C nº 03, de julho/01 )
Dinheiro de graça e salame de carne humana são alguns dos trotes eletrônicos que fisgam os internautas de primeira viagem
Valéria Propato
Hollywood está produzindo um documentário provando que Jesus Cristo e os 12 apóstolos eram gays. Três milhões de telefones celulares nos EUA estão infectados por um vírus que apaga as funções do aparelho. O McDonald’s revelou em nota oficial o segredo do hambúrguer mais famoso do planeta: minhocas condimentadas e cérebro frito de macacos da Polinésia. Os negros vão perder o direito de voto a partir de 2007. Mentir é tão simples… Uma fantasia aqui, um exagero ali. Quando não é preciso olhar nos olhos do ouvinte, fica ainda mais fácil. O poder anônimo da comunicação virtual e a velocidade instantânea das notícias no mundo eletrônico transformaram a internet num prato farto para os mentirosos e uma armadilha aos navegadores de primeira viagem.
Como o e-mail é a maior forma de troca de informações entre os 500 milhões de internautas no mundo, virou pombo-correio de lorotas. As mais corriqueiras são os falsos vírus que destroem programas e facilitam o acesso às senhas. Dinheiro fácil também virou arroz de festa. Num desses boatos digitais, Bill Gates ofereceu US$1.000 e uma cópia do Windows 98 a quem repassasse sua mensagem ao maior número de pessoas. O pedido para espalhar e-mail é a primeira pista de cilada à vista. Outras fábulas saem de sites tão elaborados que até os veteranos caem. Recentemente o jornal paulista Diário do Grande ABC estampou um mea-culpa na primeira página por ter anunciado que o físico e Prêmio Nobel Stephen Hawking havia se livrado da cadeira de rodas graças a uma armadura de metal, um exoesqueleto.
Essas cascatas fazem parte do lixo eletrônico ou spam – o correio indesejado, que abarrota o computador com propostas inusitadas, desde venda de produtos até correntes para salvar uma criancinha com câncer. O material é tão vasto que já recebe classificações. Histórias que correm há anos na rede e fora dela, como xampus que usam produtos cancerígenos para fazer espuma e o sujeito que vai a um motel com uma prostituta e acorda sem um rim, entraram para o rol das lendas urbanas. O resto é hoaxe – peça ou trote eletrônico, alguns dignos de um roteiro de Steven Spielberg. Tudo o que os mentirosos querem é monopolizar a atenção. E conseguem. Apesar dos protestos de entidades de defesa dos animais, o site www.bonsaikitten.com continua no ar, ensinando a enfiar gatos em vidros para decorar a casa. No www.manbeef.com vende-se salame e salsicha de carne humana a US$14,75 e entre US$10 e US$12, respectivamente. O acepipe supostamente viria de cadáveres de pessoas que venderam seus órgãos ainda em vida.
“Essas brincadeiras funcionam como exercício para quem quer aprender a mexer na rede”, diz Mauro Marcelo de Lima e Silva, delegado especializado em crimes pela Internet. Ele ajuda a polícia paulista a solucionar uma denúncia surreal: a de que um televisor Semp-Toshiba teria implodido e sugado uma criança. “Chegamos ao computador de onde partiu a mensagem. Mas descobrir o autor é quase impossível, porque os serviços de e-mail gratuitos não fazem sequer cadastro de seus usuários”, explica Silva. O prejuízo dos hoaxes é que eles entopem a rede e tornam lenta a navegação. O pior é o efeito multiplicador. “Num clicar de mouse, a mensagem é repassada a toda sua lista de endereços”, constata Silva. Saber filtrar os assuntos é uma recomendação importante.
Alguns exemplos: textos com autoria desconhecida são um forte sinal de mentira à vista; se não houver link indicado na mensagem, desconfie; são frequentes as palavras como Urgente, Atenção e Virus Alert; suspeite de mensagens que vêm com arquivo atachado que se auto-executa; antes de repassar informação sobre novos vírus, consulte sites tradicionais de fabricantes de antivírus como o symantec.com e mcafee.com.
O gerente de marketing Augusto Avelar, 23 anos, enviou a 20 amigos um boato sobre o surto de sequestros relâmpagos de mulheres em shoppings de São Paulo. A assinatura automática de Avelar foi junto com os e-mails e ele acabou sendo confundido com o autor da denúncia. “Minha caixa postal está lotada. Recebo telefonemas o dia inteiro”, lamenta. O escritor Luís Fernando Veríssimo e o cartunista Ziraldo foram vítimas ilustres de hoaxe. Dois textos circularam pela rede com as suas valiosas assinaturas. O que levava o crédito de Ziraldo era um manifesto raivoso e desbocado contra o apagão. “Sou indignado, mas não uso expressões de mau gosto. A internet é uma poderosa fábrica de boatos”, vociferou Ziraldo. Veríssimo nem sequer conseguiu convencer alguns de seus leitores de que não era autor da crônica que compara o pagode, o axé e o sertanejo a drogas a serem resistidas. “Passei por um idiota que não se lembra do que escreveu”, brincou.
No divã, essa credulidade teimosa pode ser interpretada como sinal de busca de identidade. “As histórias fantásticas tampam buracos de dúvidas e questionamentos reais e fazem o sujeito se reconhecer em algum grupo, como o dos que acreditam em saci pererê”, analisa a socióloga da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Gabriela Guimarães. Mas o coordenador da Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro, Frederic Litto, acha que é falta de esperteza mesmo. “Não se pensa com clareza. Deveria se ensinar na escola a julgar o valor de uma informação”, diz Litto. “Na sala de aula, os professores passam a imagem de ser fontes de conhecimento inquestionável. Isso atrofia o senso crítico da criança, que no futuro terá dificuldade para discernir o falso da realidade”, faz coro o psicólogo americano e consultor de comunicação na rede, James Creighton.
A internet coloca à disposição do usuário um monstruoso volume de informações. Mas não é só por estar disponível na tela que tudo é verdadeiro. Um estudo do Journal of the American Association afirma que quase metade dos sites médicos traz informações contraditórias e não confiáveis. “Discute-se hoje a classificação obrigatória dos sites, responsabilizando-os pelo conteúdo. Enquanto não houver uma seleção criteriosa, não se pode esperar ética na internet”, opina António Tavares, vice-presidente do provedor de acesso Vianet.Works na América do Sul. Portanto, cheque a fonte e acredite se quiser.