Vôo de Ícaro

Devo confessar que estas duas últimas semanas foram bem conturbadas, tanto na área profissional, quanto na financeira e até mesmo na pessoal. Ou seja, uma bela duma correria!

Nesse meio tempo vimos o falecimento de uma fênix (ou ao menos sua morte por coma induzido) e seu posterior ressurgimento não apenas em um, mas em dois pontos distintos da Net; o Rabecão (vulgo “meu carro”, um Marajó 82) teve que ser sacrificado pelo bem do restante da manada – e mesmo assim ainda foi necessário uma maratona contábil para tentar apenas equilibrar a balança de contas pendentes; o estagiário de minha sala machucou a mão num acidente de moto e os trabalhos pendentes começam a se espalhar pelo chão e cair pela janela; e até mesmo para Brasília tive que ir para participar de uma reunião!

É.

Brasília.

Quem me conhece sabe que sou uma pessoa afeita a rotinas. Bem bicho do mato mesmo. Das cavernas. No melhor estilo “Homens são de Marte e Mulheres são de Vênus”. Nem pro litoral, que fica a pouco mais de uma hora de minha casa, não sou lá muito amigo de ir. Ter que fazer um “bate e volta” de centenas de quilômetros num único dia então, é me provocar ao extremo. Masssss…. manda quem pode e obedece quem tem juízo. E lá fui eu pra Capital.

A amolação já começou na véspera, quando um amigo resolveu que seria muito divertido ficar perguntando: “Então você vai pegar um avião, né? Cumbica que você vai?”. Olhei para o outro lado da mesa, encarei meu amigo Bicarato (vulgo “Bica”) – e com um ar de cumplicidade resolvemos solenemente ignorá-lo…

Enfim, fomos pegar o malfadado avião. A pauta da reunião seria apresentar a adequação do plano de trabalho relativo a uma determinada obra no Município, pelo que fui acompanhar o pessoal da área técnica: dois engenheiros – ele todo animado e falante, ela meio que evasiva ao entrar na aeronave. Perguntei se estava tudo bem, ao que ela me confessou que tinha um certo receio de voar.

Era tudo que eu precisava saber.

Passei os dez minutos seguintes recordando-lhe dos melhores filmes de catástrofe aérea que vi nos últimos vinte anos, com uma certa ênfase até mesmo no recente filme do Superman. Pequenas maldades. Nada como isso para alegrar o dia de uma pessoa…

Mas, falando sério. Se pararmos para analisar com calma, é incrível a capacidade daquele troço sair do chão – e mais, manter-se no ar! Aquele aviãozinho de fim-de-semana, mais parecido com o velho ônibus que faz a linha Centro – Água Soca, com seu design anos setenta, não inspira a menor confiança. Minha companheira de viagem parece ter percebido isso, pois, apesar de estar sentada do lado do corredor, quando da decolagem e das primeiras manobras do avião para acertar a rota, sua pele manifestou maravilhosos tons de verde que eu jamais tinha visto na vida! Incrível!

Bem, pra encurtar um pouco a história, esse foi meu début em Brasília. Sinceramente fiquei meio decepcionado. Aquela coisa grandiosa, gigantesca, monumental que a gente vê na televisão passa a nítida impressão de que a cidade seria uma enorme obra de arte. Ledo engano. Essas construções, na prática, são bem menores quando vistas a olho nu, e ficam praticamente TODAS no mesmo lugar. Esplanada dos Ministérios, Palácio do Planalto, etc, etc, etc – você sai de um, tropeça em outro. Até mesmo a famosa capela no Niemeyer é beeeeem menor do que aparenta. Enfim, fora isso, Brasília é uma cidade como outra qualquer, com seu lado pobre (paupérrimo) e seu lado rico (riquíssimo). E com um custo de vida muito elevado (até agora não me conformo com o valor que paguei no almoço – quatro vezes o usual)!

Logo depois do almoço e um pouco antes da bendita reunião, tive que colocar em prática algo que há tempos já não fazia – preparação para audiência. É mais ou menos assim: todo mundo conversa bastante, fica ciente de todos os pontos controversos da matéria, afina o discurso, discute-se o que deve ou não ser falado, enfim, prepara-se uma estratégia de abordagem; depois começamos a ver o lado pessoal da coisa, ou seja, quem é quem, qual seu humor, seu nível cultural, se poderíamos ser técnicos, se teríamos que usar frases simples e objetivas, e por aí vai. Sei que parece meio esquisito, mas na prática (e profissionalmente falando) acaba sendo divertido.

A reunião no Ministério – graças a Deus – foi relativamente rápida e objetiva, pelo que nos sobrou um tempinho para um pequeno tour antes de pegar o vôo de volta. E, é lógico, com a tendência para catástrofes que habitualmente me acompanha, o que aconteceu? O único táxi disponível, no qual já havíamos até entrado, estava com a bateria arriada. Foi assim que Adauto, de terno e gravata, num belo dia ensolarado, bem em frente do Palácio do Planalto, se viu empurrando um carro pra ver se pegava no tranco.

Já no avião, não sei se meio que contaminado pelos temores de minha companheira de viagem, e no melhor estilo da antiga série Para gostar de Ler, estava eu um tanto quanto receoso. A memória é um negócio esquisito, pois funciona quando quer do jeito que quer. Após quase meia hora taxiando (sempre quis usar essa palavra!), o avião se preparou para decolar. Aquele primeiro instante, misto de solavanco e arrebatamento, quando o bicho sai do chão, sempre me faz lembrar a primeira vez que andei num “Trem-Fantasma” (típico nos parquinhos de antigamente), quando o carrinho acabava de passar pelas primeiras cortinas, entrando no escuro, e dava um tranco para o lado…

Curioso.

Depois de algum tempo no ar, plena noite, a impressão que dava era que havíamos entrado numa estrada de terra, de tanto solavanco que experimentávamos (ainda mais sentados nos últimos bancos). Os tons de verde de minha companheira de viagem voltaram a aparecer e suas unhas já estavam gentilmente arrancando parte do estofamento da poltrona. E eis que surgiu aquela cavernosa voz nos alto-falantes:

– Boa noite. Meu nome é Juvenal, e sou seu piloto nesta viagem. Estamos a dez mil e quinhentos metros de altitude e voando a aproximadamente oitocentos e setenta quilômetros por hora. Apesar da pequena turbulência que causa uma trepidação, se olharem à sua direita, verão a cidade de…

Não pude resistir:

– Olha pra frente Juvenal! OLHA PRA FRENTE!