Uma das presenças constantes na vida de um advogado em começo de carreira são os “clientes” da PGE – Procuradoria Geral do Estado – também carinhosamente conhecidos como “Jóta-Gê”, ou seja, Justiça Gratuita. Tratam-se de pessoas que necessitam da presença de um advogado – porque são demandantes ou demandadas em juízo – mas cujos rendimentos são tão baixos que o próprio Estado se incumbe de constituir um representante legal para eles.
Os advogados interessados se inscrevem numa listagem e, na medida em que os futuros clientes passam por uma prévia triagem, são encaminhados para esses defensores. Nenhum dos dois se conhece até o momento em que esse cliente entra no escritório do advogado munido de sua carta de encaminhamento. Após o final da demanda judicial o cartório envolvido emite uma certidão assinada pelo juiz de direito atestando que o advogado fulano de tal cumpriu com as tarefas para as quais foi nomeado. Essa certidão é apresentada para o Estado, o qual (normalmente depois de loooooooongo e tenebroso inverno) deposita os honorários advocatícios numa conta-corrente específica para isso. É LÓGICO que a tabela do Estado não tem NADA a ver com a tabela da OAB, estando bem aquém desta…
Ainda assim são muitos os advogados que se inscrevem. Inclusive como ocorreu com o nosso amigo, Alegado…
Foi dessa maneira que ele se viu defendendo um sujeito contra o qual a mulher ajuizou ação de separação. Em tese seria uma audiência simples, um pouco de lavagem de roupa suja – como de praxe -, algum acordo e pronto. A audiência transcorreu conforme o esperado e, após a assinatura do termo pelas partes, pouco antes de sair, eis que, remexendo em seus papéis e um tanto quanto distraída, a juíza diz:
– Senhor Fulano, espere apenas mais um momento… Parece que temos também aqui uma ação de execução de alimentos correndo em outro cartório na qual o senhor ainda não foi citado e recebi o processo aqui para que se procedesse a dita citação em audiência… Deixe-me ver…
Mais tarde Alegado viria a saber que aquela senhorinha da separação havia ajuizado DUAS ações contra o tal do Fulano. Por se tratar de justiça gratuita, foram nomeados dois advogados distintos e as ações foram distribuídas em dois cartórios distintos. Entretanto, na de execução de alimentos, simplesmente não conseguiam citar seu cliente e quando descobriram que estava marcada uma audiência de separação… bem, num sinal de perspicácia da advogada dessa outra ação, foi só questão de requerer a citação em audiência.
Mas naquele momento, naquele átimo em que as últimas palavras da juíza ainda reverberavam pela sala de audiência, ante a lividez de seu cliente, e num estágio de pleno curto circuito cerebral, tudo que Alegado conseguiu lhe dizer foi o seguinte:
– Se você tem pernas, corre!
E lá se foi o Fulano porta afora…
Já disse antes que a sorte de Alegado anda de braços dados com o desastre iminente. Bem, nesse caso, foi pura estupidez mesmo. Todos os demais presentes na sala encararam Alegado com ar estupefato. Não era crível que alguém, em sã consciência, desse um “conselho” daquele tipo. Ainda mais NA FRENTE da juíza.
E esta, numa cena digna da fúria do mago Gandhalf em Senhor dos Anéis, colocou as mãos sobre a mesa, levantou-se, o olhar em chamas, e do alto de seus quatro metros de altura vociferou:
– O SENHOR FICOU LOUCO?!!! ACHA MESMO QUE ISSO VAI IMPEDIR A CITAÇÃO DO FULANO?!!! POIS SAIBA QUE NÃO SÓ VOU DÁ-LO COMO CITADO COMO AINDA VOU REPRESENTAR VOSSA SENHORIA NA ORDEM DOS ADVOGADOS!!!!!
Tudo que restou a Alegado foi desvanecer da sala de audiência, sentindo-se sem uma gota sequer de sangue no corpo. Ainda tentou, mais tarde, verificar com a advogada da ação de execução de alimentos o que exatamente a juíza teria certificado nos autos daquele processo (pois algumas ações de família correm em segredo de justiça), mas a única resposta que obteve – com uma certa satisfação dessa advogada, diga-se de passagem – foi:
– Faz o seguinte, doutor: o senhor junta uma procuração nesse processo e daí o senhor vai poder não só ver o que quiser como também peticionar se achar necessário…
Bem, no mundo real, um advogado que tivesse cometido tal sandice certamente seria representado na Ordem, com o sério risco de ter sua carteira cassada, nem que tivesse mais de treze anos de profissão. Mas como esse é o mundo do Alegado, o AdEvogado, e como ele ainda deverá passar por muita coisa por aqui, basta dizer que não foi desta vez que ele deu com os burros n’água.
Mas certamente não foi a última gafe que cometeu…
* Existem diversas histórias que permeiam os corredores dos fóruns da vida, que já aconteceram comigo, com você e com todo mundo, mas que seriam impublicáveis se conhecida a autoria. Pensando nisso criei o “Dr. Alegado” – um personagem que possibilita compartilhar tais histórias – todas verídicas!