“ab uno disce omnes”
O acidente foi em 18 de dezembro. Dois meses depois ainda sangrava por baixo da casquinha que ficou. Como, há muito tempo, eu precisei fazer uma cirurgia cuja cicatrização tinha que ser de “dentro pra fora” (cisto cóccix-lombar), achei que nesse caso deveria ser da mesma maneira.
Então resolvi ir ao médico. Convênio em dia (graças à Dona Patroa), fui na sexta-feira passada. O plantonista do convênio (clínico-geral, eu acho) deu uma olhadinha no ferimento, perguntou o que eu estava sentindo e concluiu dizendo que ele não iria mexer nisso, porque a cicatrização seria assim mesmo, nem sequer iria medicar, mas que eu procurasse um cirurgião vascular, para um procedimento de limpeza e eventual desinfecção.
Saí meio desanimado, pois pensei que já fosse ser “medicado” ali mesmo. É lógico que na correria do trabalho não deu sequer tempo de pensar em marcar com o tal do médico.
Logo no domingo, estou em casa, encafifado com meu ferimento. Aí eu disse pra mim mesmo: “Mim mesmo, é melhor irmos até um pronto-socorro, onde teremos um atendimento imediato”. E lá fui eu.
Faz ficha, senta, espera um pouquinho, fui chamado. Desta vez o médico (um urologista) SEQUER chegou a dar uma olhadinha. Sentado no seu canto, me ouviu, deu uma olhada de soslaio e concluiu que ele não iria mexer nisso, porque a cicatrização seria assim mesmo… Ou seja, quase a mesma coisa que o anterior. A diferença é que ele não me “encaminhou” pra ninguém. Mandou passar uma pomada cicatrizante e tomar um antiinflamatório. A primeira dose do antiinflamatório recebi logo em seguida. Intravenosa? Não. No músculo? Quase. Na bunda. É, levei.
Tá, vamos lá, essa é uma página de família. Leia-se “no glúteo”…
Em seguida, outra enfermeira foi fazer um curativo. Ela olhou bem no ferimento (como qualquer dos médicos deveria ter olhado) e perguntou-me com uma cara de descrédito: “Mas ele mandou só passar a pomada?” Boisé…
Já na enfermaria para curativos, a sós, disse-lhe: “Escuta, posso ser sincero? Assim como eu parece que você não se convenceu com a orientação do médico. Que fique entre nós, mas o que você acha disso?”
Ela nada respondeu. Começou a fazer a assepsia, foi molhando, lavando, limpando, levantando a casquinha, até que ficasse apenas um mero fiapo ligando-a à pele. “Posso tirar?”, me perguntou. “Por mim, DEVE.”, respondi-lhe. Com um bisturi acabou de tirá-la e mostrou aquela coisa horrenda a alguns centímetros de meu nariz, como quem diz “olha só o absurdo de deixar isso em você”. Mas, na prática, nada disse.
Acabou de fazer o curativo e ainda saí de lá já com a pomada e uma cartela do remédio que deveria tomar. Diga-se de passagem, saí satisfeito com o procedimento.
Pra quê toda essa história? Pra mostrar o descaso que a classe médica é capaz de demonstrar para com as pessoas. Ao menos uma parte dela. Aliás, a parte que consultei. Custava o primeiro médico já tomar essas providências? Não, ele tinha que me mandar para um “especialista”. E se eu não tivesse convênio? E se eu tivesse que pagar a consulta? E ainda, no caso do segundo médico, custava ao menos ele olhar para o que estava diagnosticando? Foi necessário uma enfermeira de pronto-socorro, que, apesar de não ser médica, acabou tendo muito mais feeling pra perceber o absurdo do diagnóstico.
Aliás, depois que melhorar um pouco (e está melhorando), acho que devo levar uma caixa de bombons para ela…
Dizem que nosso Sistema de Saúde é falido. Não acho. Tem muita gente realmente boa na linha de frente e que SABE o que está fazendo. Gente preocupada e que realmente se importa com o bem-estar do próximo. O que estaria falido seria a maioria (porque há exceções) da classe médica, que do Juramento de Hipócrates, tranformou em juramento do Hipócrita.
Olha só que bonito seria, se honrado fosse:
“Eu juro, por Apolo, médico, por Esculápio, Higeia e Panacea, e tomo por testemunhas todos os deuses e todas as deusas, cumprir, segundo meu poder e minha razão, a promessa que se segue: estimar, tanto quanto a meus pais, aquele que me ensinou esta arte; fazer vida comum e, se necessário for, com ele partilhar meus bens; ter seus filhos por meus próprios irmãos; ensinar-lhes esta arte, se eles tiverem necessidade de aprendê-la, sem remuneração e nem compromisso escrito; fazer participar dos preceitos, das lições e de todo o resto do ensino, meus filhos, os de meu mestre e os discípulos inscritos segundo os regulamentos da profissão, porém, só a estes.
Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém. A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda. Do mesmo modo não darei a nenhuma mulher uma substância abortiva.
Conservarei imaculada minha vida e minha arte.
Não praticarei a talha, mesmo sobre um calculoso confirmado; deixarei essa operação aos práticos que disso cuidam.
Em toda a casa, aí entrarei para o bem dos doentes, mantendo-me longe de todo o dano voluntário e de toda a sedução sobretudo longe dos prazeres do amor, com as mulheres ou com os homens livres ou escravizados.
Àquilo que no exercício ou fora do exercício da profissão e no convívio da sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar, eu conservarei inteiramente secreto.
Se eu cumprir este juramento com fidelidade, que me seja dado gozar felizmente da vida e da minha profissão, honrado para sempre entre os homens; se eu dele me afastar ou infringir, o contrário aconteça.”
Existe uma forma simplificada que usualmente é lida durante solenidades festivas, como as de conclusão do curso médico. É a seguinte:
“Prometo que, ao exercer a arte de curar, mostrar-me-ei sempre fiel aos preceitos da honestidade, da caridade e da ciência.
Penetrando no interior dos lares, meus olhos serão cegos, minha língua calará os segredos que me forem revelados, os quais terei como preceito de honra.
Nunca me servirei da profissão para corromper os costumes ou favorecer o crime. Se eu cumprir este juramento com fidelidade, goze eu, para sempre, a minha vida e a minha arte, com boa reputação entre os homens.
Se o infringir ou dele afastar-me, suceda-me o contrário.”
Só pra concluir o teatro do absurdo, alguém viu, no decorrer da semana, as reportagens sobre médicos que já estariam comercializando soluções (não tem como dar outro nome) baseadas em células-tronco?
Run, Forrest! Run.
Só para acrescentar aos seus conhecimentos que acredito serem muitos: A injeção no glúteo também é no músculo. Agente tem músculo em muitas parte do corpo.
Mea culpa, mea culpa, mea tão grande culpa…
Obrigado pela correção, Maria! Eu diria que isso foi mais um “vício de linguagem” que qualquer outra coisa. Na verdade eu deveria ter escrito “no braço” e não “no músculo” – ou, melhor ainda, “no músculo do braço”.
Só não acredite nessa história de muitos conhecimentos, não. Sou apenas um contador de causos, portanto fique à vontade para puxar minha orelha sempre que quiser!
Abração!
“Agente: adj. Que opera.
S.m. Tudo o que opera, age: a luz e o calor são agentes da natureza.
Aquele que é encarregado dos negócios de outrem; preposto, mandatário: agente de seguros, agente imobiliário…”
(http://www.dicio.com.br/agente/)
A gente: É uma forma popular de se referir à primeira pessoa do plural: nós.
(http://xportugues.blogspot.com.br/2007/03/gente-ou-agente-junto-ou-separado.html)