Já nasceu assim, pequenino. Sempre foi discreto, esse tal de Selinho.
Mas não necessariamente era conformado. Meio que tímido, nunca teve muita coragem de ir adiante em tudo que fazia – e isso o preocupava. Resolveu conversar com sua mãe.
Beijo era uma entidade caliente e voluptuosa. Sempre foi uma criatura de atitudes, indo direto ao assunto, sem meias palavras. Ao ver seu filho todo preocupado, tranquilizou-o. “Não fique assim, meu anjo”, ela disse. “Todos temos nossa natureza e nossas obrigações. A sua própria existência está vinculada a essa sua maneira de agir. Se assim não o fosse, com certeza perderia sua identidade.”
Não contente com essa explicação, procurou então seu pai.
Um ser muito afável e de bom coração, o Abraço. Jamais teve uma imagem dele que não fosse sorrindo. Mesmo em momentos de profunda tristeza ele tinha um jeito de chegar que, no mínimo, transmitia consolo. Suas palavras não foram diferentes das de sua mãe.
– Entenda, meu filho, que nós fomos criados para assumir determinadas responsabilidades. São elas que nos norteiam. Devemos nos dar por satisfeitos quando vemos que nosso trabalho está sendo bem feito. Se ainda restar dúvidas em seu coração, então converse com seus avós…
Assim resolveu falar primeiramente com sua avó. Tinha verdadeira admiração por ela. Era, sem dúvida, alguém de outra época – sua presença exalava essa sensação. Tinha um quê de enigmática, de altiva, de misteriosa, de alguém que aparenta saber muito mais do que diz. Como se dizia antigamente, tinha um certo aplomb. Entretanto aparentava dar sérios sinais de senilidade. E Ósculo lhe disse:
– Tu deves te aquietar, meu pimpolho. Não questiones o que não entendes. Por mais que ignores, tua função sempre foi importante, a de abrir caminhos e a de tornar estável aquilo que já se consolidou. Outrora a paixão falava por meu intermédio, eis que fui arrebatadora à minha época. Mas tudo muda com o tempo, tua mãe agora conduz o cetro que eu já ostentei. Ainda assim, meninote, vislumbro que o futuro mora em ti.
Suas conversas com sua avó tinham esse poder: sempre tinha a sensação que saía com mais perguntas que respostas…
Então foi conversar com seu avô, o benfazejo Amplexo. Sua sabedoria simples lhe cativava. Encontrou-o impecável como sempre. Grandalhão, mas elegante, com o eterno chapéu propositadamente meio inclinado, a corrente de seu relógio de bolso aparecendo sobre o colete, com um ar de quem iria subir numa locomotiva a qualquer momento.
– Diz um velho ditado que o Diabo não é sábio por se tratar do Diabo, ele é sábio porque é velho! E tem gente, meu querido neto, que me considera muito sábio… E do alto dessa sabedoria, tudo que tenho a lhe recomendar é: paciência. Munido de paciência e observação, com o tempo você acabará entendendo melhor suas funções e quão grande é sua responsabilidade neste mundo. Até porque, quando esse momento chegar, você também já estará se tornando sábio como teu avô aqui!
Não. Suas perguntas não foram respondidas, mas ao menos ele já tinha no que pensar. E, de um certo modo, estava menos irrequieto agora. O Selinho continuou sendo tímido e, às vezes, meio desajeitado. Mas lembrou-se que por muitas vezes foi graças a ele, num momento de arroubo, que muitos relacionamentos foram pra frente (certamente herdara essa característica de sua mãe).
É. O jeito era dar tempo ao tempo, como dissera seu avô. Pois, a cada vez que se fizer presente, terá oportunidade de aprofundar cada vez mais sua percepção e tentar se entender melhor.
Realmente, Paciência é tudo.
E também é sua prima, por parte de pai. Faz tempo que não a visita…