– Ah, sei lá. Que tal darmos uma saída para almoçar fora? Ver algum verdinho…
Não. A Dona Patroa não estava à procura de nenhum marciano. Por “verdinho” entenda-se algum local a céu aberto, com bastante mata, plantas, morros, enfim, algum lugar onde a natureza predominasse.
Sendo este o fim de nossa conversa de domingo pela manhã – bem, “manhã” às quase onze horas – decidimos ir até uma cidade vizinha, na busca de um tempero diferente: Monteiro Lobato. Fica a mais ou menos uma hora de casa e com bastante “verdinho” em suas redondezas, uma vez que está situada no meio do caminho da antiga estrada velha para Campos do Jordão.
Com toda a tropa no carro (lembrem-se: três filhotes), seguimos viagem. Fomos meio que proseando pelo caminho, ao mesmo tempo que, por minha cabeça, se passava algo assim: “Bem, saímos em tal horário, a tantos por hora, devemos chegar em tal horário, almoçamos mais ou menos em tanto tempo, passeamos durante tantos minutos…” – e por aí afora ia o meu devaneio (sistemas operando em background, pois estávamos proseando, certo?).
Em dado momento tínhamos pela frente duas motos e dois carros. A tal da estrada para Monteiro Lobato é daquelas “simpronas” de tudo, uma mão para ir, outra para voltar, e com raros pontos de ultrapassagem. Pois bem, os carros ultrapassaram as motos e fiquei ali, logo atrás, a espera de uma deixa. A uns 60km/h…
Entretanto, ao contrário do usual, aquilo não me irritou. Olhei bem pro caboclo na minha frente (ou pra nuca dele). Uma moto estilo chopper, não sei se nova ou das antigas, mas que com certeza tinha motor pra andar muito mais que aquilo. Ele, certamente já com uns cinquenta, e a companheira usando jaquetas de couro com um emblema estampado atrás – provavelmente de algum clube de motociclistas (motoqueiro é outra coisa – um dia eu explico). Capacetes abertos, pilotando calmamente pela estradinha cuja vegetação, às vezes, forma verdadeiros túneis por dezenas e dezenas de metros.
Disse pra mim mesmo: “Mim mesmo, certo estão eles. Pra que a pressa? Não é você que sempre diz que o importante não é o destino, mas o caminho em si. É como uma boa história, que, por mais que você já saiba o final, deve ser contada palavra por palavra. Saboreada. Desfrutada. Vivida.”
E continuamos nosso caminho, entre 50 e 60km por hora, proseando mais ainda e sem pressa nenhuma de chegar. Mal percebemos e já estávamos lá.
Só disso eu já teria tirado uma bela lição de vida, mas teve mais.
Já no restaurante, com boa comida no fogão de lenha (e beeeem barata, também), encontramos um amigo que há muito não víamos: Déo Lopes, cantador de primeira linha e que estava por ali almoçando. Proseamos um bocadinho, o suficiente pra colocar as idéias em dia, e ele já nos convidou para a apresentação que seu filho estaria fazendo naquele mesmo dia ali perto. Afinal filho de músico, músico também acaba sendo. De quebra arrematei-lhe um CD que eu ainda não tinha, chamado “Noite cheia de estrelas”, e com doze músicas de raiz daquelas para ouvir sonhando acordado, balançando na rede num domingo à tarde.
Logo depois encontramos uma antiga amiga/colega de trabalho de mais de dez anos atrás. “É a Kátia?”, perguntou a Dona Patroa. “Não sei, acho que não – mas você sabe como sou péssimo fisionomista…” Passados alguns minutos alguém a chamou pelo nome. Era ela mesma. Nesse momento houve um brilho meio cegante que veio do semblante de triunfo da Dona Patroa, mas, ainda que com risco de queimar as córneas, resolvi solenemente ignorar…
Proseamos (adoro essa palavra) também um pouco, o suficiente para saber que hoje, com o filho de uns seis meses, ela e o maridão estão morando na zona rural de Monteiro Lobato (cujo próprio Centro em si já pode ser considerado uma zona rural), sendo que sua casa divide espaço com uma marcenaria, também dele. E ela? Professora ali por perto.
Para se ter uma idéia da reviravolta disso tudo, quando a conhecemos, há uns dez anos, ela trabalhava na Secretaria de Comunicação da administração municipal de São José dos Campos. Findo o governo, ela abriu uma agência de turismo ou de viagens – não sei ao certo. Se não me engano, ela própria já viajou mundo afora, trabalhou em diversas outras administrações públicas, e, creio eu, até em Brasília.
E hoje, com um rostinho sereno e feliz, mora numa pacata cidade do interior paulista. Acho que ela encontrou “seu eu”…
Diante de tudo isso, pergunto: e nós? Como ficamos? E eu? Qual a relevância da correria de nosso dia-a-dia para a busca da felicidade? Digo, da VERDADEIRA felicidade, aquela que traz paz de espírito, tranquilidade, um terno sorriso sobre o que nos aguarda o futuro…
A simples percepção de que coisas simples como estas que acabei de descrever muitas vezes nos passam despercebidas já não seria o suficiente para indicar que algo não está totalmente correto? De que muita coisa precisa ser repensada? Revista? Redefinida?
Por mais que tenhamos a consciência do que deve ser feito, efetivamente fazer é que são elas. Daí uma das frases de Richard Bach que mais adoro: “Você ensina melhor o que mais precisa aprender”.
Grande verdade.
Seremos capazes?
Serei capaz?…
Cá estou, na mais humilde condição de Coelho Adjunto da Alice, para confessar que não, acho que não serei capaz.
Fiquei me imaginando ali, filhos no carro, motos à frente… melhor nem contar o que imaginei…
Heh… Isso só corrobora a imagem que faço de você, ou seja, o de uma típica italiana de sangue quente. EU é que não queria estar na moto se você estivesse com seu carro logo atrás – mas acho que o Montanha não deixaria você fazer nenhuma bobagem…