Sobre liberdade de expressão

Contribuição do amigo Marcelo Bicarato, dando seus dois cents para toda essa controvérsia que já vem acontecendo no cenário pré-eleitoral.

Segundo notícia da Folha Online o juiz Francisco Carlos I. Shintate, da Primeira Zona Eleitoral de São Paulo, em sentença de 14 de junho de 2008 (que pode ser lida na íntegra aqui), acolheu duas representações do Ministério Público Eleitoral e numa tacada só decidiu multar, por “propaganda eleitoral antecipada”, a editora Abril, a Folha e Marta Suplicy.

Numa até bem construída linha de raciocínio ele cita diversos dispositivos constitucionais, bem como traz outras fundamentações doutrinárias e jurisprudenciais (credo, quanto juridiquês!), até desaguar no seguinte:

Por outro lado, a publicação de entrevista em mídia escrita poderia violar a igualdade entre os pré-candidatos, ao permitir que um deles expusesse, antes dos demais e fora do período permitido, sua pretensão de concorrer ao cargo, sua plataforma de governo, enaltecendo suas qualidades e realizações passadas, criticando as ações do atual governo e imputando qualidades desfavoráveis aos adversários.

(…)

Dito isso, força é convir que, embora a liberdade de imprensa esteja elevada à categoria de princípio constitucional, não se pode esquecer que, além desta garantia, por igual vigora outro princípio, de mesma hierarquia, que garante a igualdade dos candidatos no pleito.

PÉRAÊ!!!

E cadê a liberdade de expressão, nesse sentido? Mesmo os “pré-candidatos” a tem, de modo que entendo plenamente passível de que possam dizer se gostam ou não de determinada administração, de suas realizações, de suas omissões, da cara de beltrano ou fulano, da cor de seus olhos, enfim, de que possam se expressar propriamente dito.

Ademais, se fosse como deseja o ilustre magistrado, e até mesmo voltando à discussão sobre candidatos, blogs e Internet, então nenhum veículo noticioso poderia trazer qualquer entrevista com eles? Mesmo que se tratasse de pessoas atualmente exercendo cargos públicos? Tudo que eles disserem será usado contra eles até prova em contrário? É isso?

Ora, se a liberdade de comunicação é princípio constitucional, assim como o tratamento com igualdade entre as pessoas, também o é a liberdade de expressão, não concordam?

E daí? Quem teria razão?

Trago a lição do juiz George Marmelstein (também blogueiro), que em seu artigo “Princípios e Regras: uma distinção didática” ensina (grifos meus):

E com relação aos princípios? O que fazer quando dois princípios apresentam soluções diferentes para o mesmo problema, já que não há entre eles, em regra, hierarquia e eles foram promulgados ao mesmo tempo e possuem o mesmo grau de abstração?

Esse fenômeno é chamado de colisão de princípios e é muito mais frequente do que se imagina. Muitas vezes, quando se segue um rumo indicado por uma norma-princípio é possível que se afaste do rumo indicado por outra norma-princípio. Os princípios nem sempre apontam para o mesmo destino.

Observe os direitos de personalidade (honra, imagem, privacidade etc.). Eles apontam para a proteção da pessoa, para o resguardo da intimidade, para o segredo, para a não divulgação da imagem…

Agora observe o direito de informação e o direito de liberdade de expressão. Eles apontam para a direção oposta: para a transparência, para a divulgação de dados e informações, inclusive pessoais…

Quanto mais se caminha em direção aos direitos de personalidade mais se distancia do direito à liberdade de expressão e vice-versa.

Acontece que, na minha ótica, a liberdade de expressão individual não deixa de ser um direito personalíssimo. E, assim o sendo, o dito “tratamento com igualdade” – que, neste caso, será exercido por terceiros – possui um cunho generalizador que extrapola o direito pessoal.

E o curioso é que em sua sentença o juiz chega a considerar essa questão, quando então deveria ser exercida uma ponderação, de modo a verificar a prevalência deste ou daquele princípio. Mas, em sua equação, faltou considerar também a própria liberdade de expressão do indivíduo…

Bom, enfim, acho que ainda tem muito pano pra manga nesse caso. Não diria necessariamente que o juiz esteja “errado” (a despeito de outros absurdos vistos em instâncias superiores), mas simplesmente que não levou em consideração todas as facetas do problema.

Ou seja, seus sucrilhos ainda não estão vencidos – mas tá bem pertinho disso!

😉

Emenda à Inicial: numa curiosa invertida, observando o disposto no artigo 3º da malfadada Resolução nº 22.718 do TSE, eis um trechinho do clipping da AASP: O presidente do TSE também afirmou que não é proibida a realização de entrevista com ‘supostos ou até prováveis candidatos’. ‘Não está proibido nesse período fazer entrevista com supostos candidatos ou até prováveis candidatos. Pode traduzir idéias, opiniões. O que não pode é antecipar uma plataforma de governo.’