Vamos ao absurdo da vez.
Soube primeiramente lá pelo Twitter (depois de tudo que eu disse, quem diria, hein?) do Mestre Sérgio Leo, que citou notícia veiculada pela Folha: “Conselho de Educação quer vetar livro de Monteiro Lobato nas escolas“.
Acontece que a conselheira Nilma Nilo Gomes, professora da UFMG, redigiu um documento – aprovado por unanimidade pelo Conselho – em que, dentre outras coisas, afirma que certos trechos do livro Caçadas de Pedrinho “fazem menção revestida de estereotipia ao negro e ao universo africano”. Já para a Folha disse que a obra pode afetar a educação das crianças.
Antes de mais nada me deixem explicar uma cosinha (para os que não sabem): ESSE LIVRO É DE 1933!
Será que não dá pra perceber que os tempos, então, eram outros? Que a sociedade era outra? Se um livro não condiz mais com a “realidade” da sociedade também não poderá mais ser lido?
Àqueles que pensarem em argumentar que “mas estamos falando de literatura para crianças”, esclareço que CRESCI lendo TODA a obra de Monteiro Lobato – e nem por isso sou racista, alienado, ou qualquer outra pecha que queiram me impingir…
Com todo o respeito ao extenso currículo da conselheira Nilma (e é extenso mesmo), entendo que, ainda que a intenção do tiro possa (segundo entenda) estar certa, o alvo está total e completamente errado. Quer proteger nossas crianças de informações que possa “adulterar-lhes o caráter”? Tire-as da sala de estar. Ou de qualquer outra que contenha um aparelho de TV. Proíba-as de acessar a Internet. Não as deixe ler jornais e semanários. Controle tudo que é publicado em gibis e revistas – inclusive nas do Maurício de Souza. Não permita que acessem bibliotecas.
Hein?
Não dá?
Será que é porque vivemos na Era da Informação?
A questão não é proibir – nunca foi. A questão é qualificar o acesso à informação. Tenho três filhos – seis, oito e onze anos. Jamais os proibi de ler nada. Mas, dependendo da literatura, sempre expliquei e contextualizei histórias, estórias, contos e causos de acordo com época, civilização, momento econômico. Parece muito? É. Criar filhos dá trabalho. Não dá pra delegar tudo para as escolas – temos que fazer nossa parte em casa. Torná-los críticos e sensíveis à realidade que os cerca.
Se não for assim, então basta proibir.
Bom, o que era para ser um texto curto virou um belo dum desabafo…
Mas, além do Mestre, também fez menção ao assunto o copoanheiro virtual Jarbas – excelente crítico e educador – bem neste link, de onde nos remete para dois outros textos que tratam da obra The Language Police, de Diane Ravitch. Recomendo a leitura. Dos links – este e este – eis que o livro (ainda) não li.
Enfim, como comentei lá no Boteco Escola, a impressão que tenho é de uma volta ao passado, com o retorno de um Dr. Fredric Wertham numa nova roupagem – mas dessa vez almejando um “Book Code”.
Hm?
Não sabe quem foi ele?
Já transcrevi um texto a respeito da façanha desse sujeito que, graças ao seu livro Seduction of the Innocent, conseguiu mudar os rumos de toda uma indústria de quadrinhos – pois dali teve origem o Comics Code. Esse texto, na íntegra, está aqui, sob o título A Censura nos Quadrinhos (ah, o bom e velho Ctrl-C…).
Mas toda essa história de censura aconteceu há muito tempo, lá na época do Macartismo (meados da década de 50).
Entretanto, agora, mais de meio século depois, o discurso parece que não mudou…
Emenda à Inicial:
O Mestre Sérgio Leo, crítico arguto e ponderado, brinda-nos com dois excelentes textos acerca do tema: O racismo de Monteiro Lobato e O equivocado ataque ao MEC por causa do Monteiro Lobato. Li e concordo com seu posicionamento – o que não deixa também de estar de acordo com tudo que escrevi aqui. Isso porque o foco principal de todo esse meu desabafo é apenas um: a questão da censura. Abomino-a sob qualquer forma – ainda que “branda”. E, na minha opinião, em última análise é exatamente isso que se percebe no Parecer CNE/CEB nº 15/2010, de 1º de setembro de 2010. Já disse antes mas repito que a questão básica é qualificar o acesso à informação. E isso, ainda que em outras palavras, também está lá no parecer. Enfim, leiam o parecer bem como os textos do Mestre. Recomendo.