Em briga de mulher com mulher…

Descubram por si mesmos, por conta desta pitoresca sentença…

JUSTIÇA DE PRIMEIRO GRAU – COMARCA DE DIVINÓPOLIS/MG
3º JUIZ DA UNIDADE JURISDICIONAL DO JUIZADO ESPECIAL

Processo: 0123815-24.2011.8.13.0223
Parte autora: M.J.C.
Parte ré: E.P.S.

EMENTA: Briga de mulher por causa de homem. Invasão de domicílio. Surra com muitas escoriações, unhadas, socos, puxões de cabelo e ameaças posteriores. Fato provado nos mínimos detalhezinhos sórdidos. Agressor que mesmo na presença dos policiais, após o quiproquó, disse que ainda não terminou o serviço e que vai continuar a agredir a vítima, se ela tentar roubar seu namorado. Sujeito do desejo ardente das duas mulheres que afirma em juízo ser solteiro, amante das duas, mas que não pretende compromisso sério com nenhuma delas e que saiu de fininho, quando a baixaria começou, pois não queria rolo para o seu lado. Tempos modernos. Indenização por danos morais devida. Recomendação que se faz ao agente disputado, em razão do aspecto pedagógico das sentenças. Pedido julgado procedente.

SENTENÇA

Vistos etc.
A M.J.C. procurou a Justiça para reclamar da E.P.S.. Disse ter levado uma surra da requerida, com puxão de cabelo e unhada e tudo o mais que a gente imagina de briga de mulher briguenta, dentro de sua própria casa, invadida por ela só porque ela estava com o Nilson, no bem bom, fato que desagradou a agressora. Quer seus “danos morais” e não tem conversa de conciliação não. Chega de perda de tempo.

A E.P.S., esperta, veio acompanhada de advogada porque percebeu que a coisa não está boa para ela não. E a Doutora advogada já despejou logo uma preliminar de inépcia da inicial e citou muita doutrina e jurisprudência para demonstar queno mérito a autora não tem razão, porque houve agressões recíprocas e veio até citando ensinamentos de Ada Pelegrini Grinover e Maria Helena Diniz e Clayton Reis e Carlos Alberto Bittar e Yussef Said Cahali e S. J. de Assis Neto e de um outro tantão de Desembargadores mineiros e gaúchos. Gente graúda de sapiência que costuma escrever tratados de dano moral, de três ou quatro volumes de mil páginas cada um, ensinando a gente como resolver problemas de mulheres briguentas, de puxões de cabelo, de unhadas etc. A defesa mesma é verdadeira compilação da enciclopédia brasileira do dano moral. E fez pedido contraposto, porque triângulo amoroso gera descontentamento, desgraça e amargura… O lado de lá do triângulo é que deve suportar esse ônus.

Na Audiência de Instrução e Julgamento sobrou espinho pontiagudo e venenoso pra tudo que é lado, menos pro lado do Nilson, que veio sorridente, feliz da vida, senhor das moças lá do Halim Souki. Os olhos das duas se encheram de alegria e esfuziante contentamento com a chegada dele na sala. Dava gosto de ver os olhos delas duas. Ninguém nem queria ouvir o magistrado, que só queria trazer um pouco de paz na vida das moças. Todo mundo só esperando acabar os depoimentos para ouvir a sentença.

Então, passo a julgar o causo da disputa pelo Nilson, que foi mesmo na unhada.

Inépcia da inicial eu não vi não, muita data venia da doutora advogada de E.P.S.. A M.J.C. disse para o atermador da justiça o que aconteceu e pediu o que achou o que é de direito dela. Tudo muito bem explicadinho, nos seus mínimos detalhes… Dizer que a “exordial não é clara” só porque não especificou os vocábulos técnicos, a descrição das agressões, não tipificou unhada como lesão ou vias de fato, ah isso é exigir o que a Lei não exige dos atermadores, tão caprichosos no seu mister. Exigir que uma pessoa explique no nome do vocábulo técnico que se dá quando uma pessoa entra na casa da outra, sem ser convidado e para acabar com a festa, o nome técnico que se dá para o puxão de cabelo, a unhada, o soco na cara e o porquê que tudo isso causa sentimento de humilhação, constrangimento e transtorno é o mesmo que pedir que uma pessoa explique porque o fogo queima, a luz ilumina, a chuva molha. Cientista físico até sabe, mas a gente que vem na justiça sem ser cientista não precisa de saber. E isso não é inépcia. Afinal, pra quê tanto enciclopedismo inútil nos processos dos Juizados?

Afasto a preliminar insólita, como insólitas são as brigas de mulheres por causa de homem.

No mérito, o pedido merece prosperar, porque baixaria como se viu não pode ficar sem danos morais.

É que no dia dos fatos o Nilson estava lá na casa da M.J.C., “arrumando uma boia” (sic), quando a E.P.S. ligou para ele, mas ele, nem pra dizer que estava numa pescaria com os amigos! Foi logo entregando que estava com a rival. Êta sujeito despreocupado! Também, tão disputado que é pelas duas moças, que nem se alembrou de contar uma mentirinha dessas que a gente sabe que os outros contam nessas horas só pra enganar as namoradas. Talvez porque hoje isso nem mais seja preciso, como era no meu tempo de pescarias. Novas Leis de mercado. Foi logo dizendo na bucha, na cara limpa mesmo, como fez na audiência, que estava lá com a M.J.C., mas só “arrumando uma boia dela”. E a E.P.S. não gostou da história e foi lá tirar satisfação com a ladrona de namorado, pois isso não é coisa que se faça. E foi logo abrindo o portão da casa da ladrona de namorado, puxando seu cabelo, dando unhada e soco e sei lá mais o quê. O Nilson disse na audiência que só viu as duas se atracando e rolando pelo chão do terreiro, mas ele mesmo saiu de fininho, pois ão queria se meter em encrenca não. Briga de mulher é melhor não meter a colher! Disse pra polícia e pro Juiz que é solteiro, se relaciona com as duas, mas que não quer compromisso com nenhuma delas, isso ele não quer não.

Na hora das perguntas para tirar o compromisso do Nilson foi um Deus nos acuda. Eu tinha de perguntar pra ele se ele tinha “amizade íntima” com alguma das partes do processo. Tá na lei que o juiz deve de fazer essa pergunta, então eu fiz. E ele logo respondeu que namora com a E.P.S., mas que com a M.J.C. ele só tem um… A M.J.C. gritou lá da sua cadeira: Vai negar…? E antes mesmo que ela completasse a frase, aí não deu jeito, aí eu tive que intervir, lembrar que não era “Programa do Ratinho”. Dei duro na M.J.C., que era para ela respeitar. E a E.P.S. riu…

Aí o Nilson se sentiu mesmo o rei da cocada, mais desejado que bombom brigadeiro em festa de criança. “Seu juiz, eu sou solteiro, gosto das duas, tenho um caso com as duas, namoro a E.P.S., mas não quer compromisso com nenhum delas não senhor”. Estava tão soltinho na audiência , com a disputa das duas, que só faltou perguntar: “tô certo ou errado?”

Depois que o Nilson saiu da sala de audiências não vi mais alegria alguma nos olhos das duas em disputa. A M.J.C. ainda resmungando da surra que levou ainda chamou a rival de “esse trem”. Aí for preciso novamente intervenção enérgica deste Juiz, pois “esse trem”, dito assim, se referindo a uma pessoa, no caso a E.P.S., isso é xingamento, pode dar dano moral também, e isso não pode ocorrer na audiência. Dei outra dura nela. Disse que ela não pode xingar os outros na sala de audiências. Ela pediu desculpas. Mas só por causa disso eu resolvi abaixar um pouco o valor da condenação. Ela ia ganhar R$4.000,00 de dano moral. Mas porque chamou a E.P.S. de “esse trem” eu vou abaixar o valor para R$3.000,00.

A outra testemunha trazida pela autora, a Christiana, essa também relatou ter visto a requerida invadindo a casa da M.J.C. e lhe dando uma gravata, pelas costas e que depois do entrevero, dos socos e unhadas e puxões de cabelo a autora ficou mesmo com muitos hematomas.

E não foi só isso que foi provado. Também ficou provado que depois de tudo isso a requerida ainda disse para os policiais que não havia terminado o serviço, que ainda acertaria contas com a M.J.C.. Mas o Nilson não tem nada com isso. Ele deixou claro que não se mete nessas coisas das duas.

Conquanto a parte criminal do causo já tenha sido objeto de transação penal, segundo a culta advogada da E.P.S., podemos tipificar a conduta da requerida em pelo menos três dispositivos do Código Penal, sem medo de errar: invasão de domicílio, ameaça e lesões corporais leves. Tudo isso bem provadinho, tim-tim por tim-tim. E nem se diga que não houve lesões, mas vias de fato, porque isso não é verdade não. Vias de fato não dói. É o empurrãozinho, a cusparada, trequetê. Mas puxão de cabelo e unhada dói muito. Unhada, Deus me livre; dói demais da conta…

Diz o art. 333, do CPC, que ao autor incumbe a prova do fato constitutivo do seu direito; e ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

A invasão de domicílio, as agressões e ameaça posterior foram provadas.

Para mim, só a invasão de domicílio já bastaria para fundamentar a condenação, pois a inviolabilidade do domicílio é direito fundamental previsto no inciso XI do art. 5º da Constituição Federal, e somente pode ser violada com o consentimento do morador, “salvo em flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial. Mas, além dela, ainda restaram as agressões e a ameaça, e todas devem ser objeto de valoração negativa da conduta da E.P.S.. Veja-se a propósito o que dizem os doutores nesse assunto de brigas, xingamentos, ameaças, baixarias e agressões:

(…)

Com relação ao valor pleiteado a título de danos morais, fixo a condenação em R$3.000,00. Ia fixar em R$4.000,00, mas como a M.J.C. desrespeitou a E.P.S., chamando-a de “esse trem”, durante a Audiência de Instrução e Julgamento, acho que ela também deve ser punida por esse fato. E ela também não é santa não, deve ter retrucado as agressões. Mas a culpa maior foi da E.P.S., que foi lá na casa dela tirar satisfação. Assim, a condenação é só de R$3.000,00.

Quanto ao Nilson, considerando o aspecto pedagógico das sentenças judiciais, caso ele tome conhecimento da sentença, recomendo que ele tome juízo. Quando estiver na casa de uma e a outra ligar para ele, ao invés de falar a verdade, recomendo que ele diga que está na pescaria com os amigos. Evita briga, litígio, quiproquó e não tem importância nenhuma. Isso não é crime. Pode passar depois lá no “Traíras” e comprar uns lambarizinhos congelados, daqueles de rabinhos vermelhos, e depois no ABC, comprar umas latinhas de Skol e levar para a outra. Ela vai acreditar que ele estava mesmo na pescaria. Trouxe até peixe. Além disso, ainda sobraram algumas latinhas de cerveja da pescaria… E não queira sair de fininho da próxima vez, se tudo der em fuzuê ou muvuca. Isso é feio, muito feio. Fica esperto: da próxima vez que você fizer isso você poderá ser condenado por danos morais. Qualquer advogado vai achar alguma jurisprudência nesse sentido, isso vai. Tem jurisprudência pra tudo! Isso não se faz, não senhor. Ao invés de sair de fininho, como se nada estivesse acontecendo, vê se bota ordem no banzé das moças.

Em face do exposto, julgo procedente o pedido formulado na inicial e condeno E.P.S. a pagar para a M.J.C. a quantia de R$3.000,00, a título de indenização por danos morais, valor este que deverá ser devidamente corrigido pelos índices oficiais adotados pelo Poder Judiciário, e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da publicação desta sentença.

(…)

Defiro a assistência judiciária para ambas as partes. Elas são pobres mesmo, em todos os aspectos. E ainda têm que brigar até por homem. Coitadas. E, além disso, na semana passada foi Dia Internacional da Mulher. Elas merecem pelo menos esse tipo de assistência.

Sem custas e honorários em 1º grau de jurisdição.

Publique-se; registre-se; intimem-se.

Divinópolis/MG, 16 de março de 2012.

C.R.L.
Juiz de Direito