– E aí, meu rapaz?
– E aí…
– Êêêê… Já vi tudo. Problemas de novo, né?
– Oi?
– PRO-BLE-MAS. Pê-érre-ô-bê-éle-ê-ême-á-ésse. Problemas.
– É. Mais ou menos…
– Sabe o que é infinitamente incrível? E olhe que de infinito Eu entendo. Você raramente vem aqui, quando vem é porque tem alguma coisa incomodando sua cachola e quando Eu pergunto o que é, você fica com essa infantilidade de “meio que sim”, “meio que não”… Enfim, DE-SEM-BU-CHA!
– Caramba! Calma aí! Um pouquinho de paciência, faz favor.
– Paciência Eu tenho. Divina paciência, Eu diria. Mas se você já sabe o que precisa, então poupe Meu tempo.
– Ei! E aquele negócio de onipresença, hein? Presente em todos os lugares, etc, etc, etc?
– Não é porque Sou onipresente que o tempo passa mais rápido ou mais devagar para cada aspecto de Mim. Aliás, no nosso último proseio já não deixei bem claro que nem precisava vir aqui para Me procurar? Lembra? “Sempre contigo…”
– Sim, sim. Eu sei. É que, apesar de toda esta ostentação, aqui na cidade, na falta de um bosque, de um riacho, de uma cachoeira, fica mais fácil nossa conversa aqui neste lugar. Grande, arejado, geladinho…
– Tá, tá, tá. Mas, e daí?
– Tá bom. Calma. E não adianta me olhar assim, hein? Na nossa última conversa eu estava meio que sozinho, meio que deprimido, lembra? Mas eu já superei isso!
– E?…
– Bom, o problema agora não está em mim. Está nos outros. Estou ficando cansado, muito cansado… Sabe, a mesquinhez desse povo me espanta! No meu dia-a-dia tenho encontrado situações que não dá pra acreditar!
– Não acredito!
– Não?
– Na verdade, sim. Mas continue.
– Tá. Pois bem. Ficar decepcionado com quem não faz parte do seu círculo, tudo bem. Na realidade, é bem isso: faz parte. Sabe, é revoltante suspeitar que algumas pessoas são capazes de jogar sujo – e muito – para conseguir alcançar seus próprios objetivos. Mas é frustrante não saber se isso acontece ou não. Contudo é extremamente decepcionante ter a certeza de que isso realmente acontece.
– Então é isso?
– Não, na realidade tem até mais. Às vezes sou obrigado a assistir pessoas maravilhosas serem engaioladas. Privadas de sua criatividade, de seu fantástico potencial de transformação. Pessoas que, por conta de situações que envolvem seus maridos, suas esposas, sua chefia, seu vizinho – não importa quem! – pessoas que são tolhidas da própria existência, limitando-se a levar uma vidinha controlada, planilhada, regrada, abrindo mão da própria felicidade sem sequer perceber o que verdadeiramente está lhe acontecendo!
– Acho que já estou entendendo…
– Não é por mim. Não mais! É por essas pessoas que não despertam para a realidade! Do quão prejudiciais estão sendo para com os outros ou para consigo mesmas! Será que não percebem? Existe um bem maior! Um plano maior!
– E disso COM CERTEZA Eu entendo!
– Heh… Tá, tá bom. Pedi por essa alfinetada, né?
– Né?
– Então. Estou cansado, extremamente cansado, justamente porque estou rodeado desse tipo de pessoas. Por que é que são assim? Não consigo entender o porquê… Por quê?
– Ah, minha criança… Se algum dia você tiver a resposta para todas essas perguntas, mande engarrafar, rotular, reproduzir e fique rico vendendo esse elixir milagroso…
– Cuméquié?
– O que eu quero dizer é que não há resposta. Ou melhor, há. Sabe onde?
– Em mim mesmo? Nah! Não me venha com esse papinho de novo não!
– Olha o respeito, moleque… Mas perceba bem o quanto você já evoluiu: antes você vinha aqui num estado de autocomiseração, agora você vem PEDIR pelos outros!
– Não estou pedindo por ninguém! O que eu quero é saber como me livrar deles!
– Pensa bem. Não mesmo?
– (…)
– Presta atenção. Você, com seu discursinho autopiedoso, acabou demonstrando mais piedade é pelos outros que por si mesmo. Você vê injustiça nessas pessoas engaioladas em si mesmas e não consegue se conformar com a ideia de que elas não possam ou não consigam se libertar. Não é bem isso?
– É, olhando por essa ótica…
– Então. Mas o que você não sabe – ou não aceita – é que nem todos estão prontos pra voar. Tem gente que, muito pelo contrário, prefere a “segurança” de sua gaiola, mesmo com todas as limitações que ela lhes impõe. Mas sabe o que é pior?
– Não. O quê?
– É que não existe gaiola. Cada um de vocês é dotado com a pequena centelha divina que Eu lhes dei, e, por isso mesmo, têm o livre arbítrio necessário para fazer o que bem desejarem. Apesar de uma gigantesca capacidade tanto para o bem quanto para o mal, a decisão sempre vai ser individual. E impor limites a si mesmos, prender-se em situações – gaiolas – das quais acreditam que não podem se livrar, bem, isso faz parte também desse livre arbítrio…
– Mas não seria melhor acordá-los para a vida? Mostrar que tudo é uma grande ilusão e que cada um pode se livrar de seu próprio sofrimento?
– Você andou lendo aquele livro do Richard Bach de novo?
– Não é isso – apesar de eu praticamente tê-lo de cor em minha mente. É que essas pessoas têm tudo pra ser felizes e não o são! Não querem ser!
– Por uma decisão única e exclusiva delas próprias… Livre arbítrio, lembra? Aliás, você mesmo tem sua própria gaiola sentimental e não percebe, não é mesmo?
– Na verdade, sim… Mas prefiro ignorá-la.
– Decisão sua…
– Como é que Você sempre consegue me fazer sentir como um tolo, como seu eu já tivesse todas as respostas?
– Porque você as tem!
– É, né?
– É.
– Bem, tãotáintão. Vou nessa.
– Tá bom. Vai em paz. E se precisar….
– Sim, sim. Sempre comigo, né?
– Isso… Sempre.