Minha casa não existe. Talvez já tenha existido em algum lugar de minha memória, quando eu era jovem e crédulo o suficiente para fazer planos, mesmo daquelas coisas que eu sabia que jamais viriam a se realizar.
Mas não desisti de minha casa.
Ainda que eu jamais venha a conhecê-la. Ou construí-la.
Minha casa será num terreno amplo – algo como uma chácara – mas não tão grande que se possa descuidar. Será cercada não por muros, mas por cercas – de madeira, bambu ou qualquer outra coisa do gênero. Serão cercas baixas o suficiente para se pular de uma só toada ou mesmo de se encostar para jogar fora um bom proseio com o vizinho.
Arame farpado, jamais. Ainda carrego no rosto a cicatriz do desinfeliz encontro com um desses…
Não terá portões, mas terá uma porteira. Perto o suficiente da entrada da casa para que se possa reconhecer o amigo que lhe bate à porta, mas longe o suficiente para ignorar quem não se queira receber. E da porteira até a soleira, árvores de ambos os lados. Árvores de sombra. Grandes o bastante para formar um túnel de frescor ao se adentrar, mas baixas o suficiente para que as crianças possam nelas subir e fazer suas estrepolias.
E será daquelas casas com três ou quatro degraus para subir, com varandas de todos os lados. Amplas varandas, para as festas, os amigos ou simplesmente para descanso numa tarde quente. Cadeiras de vime, almofadas e sofás descombinados espalhados aos quatro cantos. Afinal o conforto é mais importante. E mesinhas. Mesinhas de centro, altas, baixas, várias delas. Prontas para servir de apoio a um bom livro, alguma revista, uma cerveja bem gelada, um cinzeiro, uma taça de vinho ou mesmo um uísque. Caubói ou não.
O assoalho terá que ser de madeira, sempre bem encerada para permitir que as crianças (filhos, netos, visitas – não importa) possam se arrastar umas às outras em tapetes ou pedaços de carpete improvisados. Terá o pé direito alto, dando a sensação de espaço, para sempre me lembrar que uma casa não deve confinar seu morador, mas sim lhe dar espaço para poder viajar sem sair do lugar.
Terá muitos quartos espalhados de ambos os lados do amplo corredor que cortará a casa de ponta a ponta – todos eles com mais de uma janela. E serão janelas altas, de duas folhas, como aquelas antigas casas de fazenda. Os moradores e visitantes poderão sempre acordar com o frescor da manhã e abrir as janelas de par em par, deixando se espalhar pelo recinto um ar puro que renove as energias. Janelas na altura exata de se apoiar ou mesmo de se sentar, recostado, para chupar uma laranja enquanto se aprecia o por do sol.
Sim, é óbvio que as janelas não terão grades.
E na minha casa não haverá uma sala de jantar ou sala de estar – apenas uma sala de tamanho condizente com um aparelho de TV de bom porte, pois não consigo imaginar minha vida sem uns bons filmes para assistir, sozinho ou acompanhado. Sempre com pipoca. De preferência doce por baixo, salgada por cima – e com muita manteiga…
E a cozinha – ah, a cozinha! – será uma grande cozinha, com uma grande mesa, com mais lugares do que se possa preencher. Afinal toda casa tem seu coração, e é na cozinha que ele fica. Ali riremos, brindaremos, cearemos e nos divertiremos. Não basta dividir o pão, há que se dividir o suor e a alegria de fazê-lo. E ali, enquanto todos ajudam e riem e bebericam e provam deste ou daquele prato, levando um eventual tapinha na mão por ter provado aquilo que “ainda não está pronto”, comungaremos a felicidade da amizade e da família e todos esses bons fluidos ficarão indelevelmente impregnados nas paredes da casa para todo o sempre…
E, do lado de fora, junto da cozinha, junto da janela, haverá uma churrasqueira. Os amigos e amigas vegetarianos que me perdoem, mas não sou evoluído o suficiente para deixar de apreciar uma boa carne bem preparada, após horas sob meus cuidados, já antevendo o prazer da degustação.
E na minha casa haverá um pomar! Sim, um pomar com vários tipos de árvores com frutos das mais diversas espécies. Para se colher do pé e aproveitar ali mesmo. Para criançada correr e brincar de pique, para os adultos se recostarem e descansarem, para todos se saciarem. E, entre a casa e o pomar, uma horta bem cuidada, com os legumes, temperos, chás e seja mais lá o que for importante para dar sabor à vida.
E flores!
Sim, flores no chão, nos vasos, recostadas e penduradas. Samambaias, orquídeas, flores de maio e todas outras que servirão para dar prazer aos sentidos, para que se possa ver, para que se possa cheirar, para que se possa tocar.
Ainda do lado de fora, à parte da casa, um bom galpão que será uma garagem. Garagem de colocar veículos, máquinas, ferramentas, de pendurar bicicletas e de guardar todas aquelas quinquilharias que toda casa deve ter. Pois todo mundo no mundo tem alguma coisa guardada num canto, que arrasta uma mudança após a outra, mas nunca – nunca! – joga fora… Será um canto de refúgio para um conserto no carro, um reparo num móvel, para a feitura de um artesanato. E terá todas as ferramentas necessárias para tudo isso.
E, falando em refúgio, minha casa terá aquele que será meu refúgio predileto: um quarto com prateleiras até o teto repletas de todos os livros e revistas que tenho e que ainda vou ter. Aqueles que ainda não li e aqueles que vou reler. Será meu canto de repouso, de meditação, um lugar para que eu possa olhar para trás, para a frente e para o presente e poder escrever sobre tudo aquilo que fervilha em minha mente.
E minha casa terá tudo isso e muito mais: terá personalidade, terá alegria em seus cômodos, terá esperança em suas paredes, terá um tiquinho de tristeza também – não muito – pois faz parte da vida passar por tudo isso. E minha casa terá vida, uma vida feita para cuidar de quem nela habita, de refletir seus humores e dar-lhe conforto e segurança.
E é nessa casa que passarei o resto de meus dias com minha amada, onde compartilharemos as noites frias e os dias quentes do porvir, onde contarei em conto e prosa como foi minha passagem desta vez por esta vida, até que eu mesmo me vá.
E então, somente então, minha casa deixará de ser minha…
Meu amigo…..
Espero que um dia ainda consiga essa sua casinha… e que eu possa chegar na porteira e ser recebido….. 🙂
Mas se não conseguir, serve a casinha de hoje mesmo…… porque o mais importante mesmo são os moradores.
Foi seu texto mais bonito que eu li. Consegui imaginar a sua casa. Geralmente dou muitas risada dos seus textos, mas esse me aqueceu o coração.
Tks! 🙂