Volta ao Mundo em 80 Horas – I

(Resolvi lhes contar um pouco do recente perrengue que passei. Não, não se assustem nem se preocupem, pois já tá tudo bem, mas acho que todos por aqui também já sabem o quanto eu não consigo resistir ao dramático… Então, crianças, é isso mesmo: senta que lá vem história!) 😉

I – Meu reino por um balão

Terça-feira, 25 de outubro de 2016.

O dia até que começou tranquilo. Um tanto quanto abafado, com aquela sensação de se estar dentro de uma panela de pressão e que normalmente antecede uma daquelas chuvas das boas. No trabalho, apesar de algumas “missões impossíveis” (nada de novo sob o sol da Dinamarca), tudo relativamente tranquilo. Tanto, que me dei ao luxo de me atrasar um bocadinho só para dar continuidade a uma reorganização que estou fazendo no escritório lá em casa…

Coisa de uma hora e meia depois do habitual, já tendo tomado meu cafezinho com um bom pão com manteiga (lá pelas seizóra) e deixado a criançada na escola… #partiutrabalho

Rota de sempre, caminho de sempre, trânsito de sempre – talvez até um pouco mais leve que o normal.

E eis que, lá pelas nove e quinze, cadê o ar?

Não faltava muito pra chegar, tinha acabado de entrar numa das avenidas principais da cidade e, por mais que tentasse, por mais que puxasse, o ar teimava em não entrar nos pulmões! Pensei no posto do Corpo de Bombeiros que havia ficado há pouco mais de um quilômetro atrás. Sem chance de retorno.

E essa tontura, meu Deus?

Lembrei das crianças.

Lembrei da minha família.

Lembrei dos trabalhos pendentes.

Lembrei que meu carro não tem seguro.

Ou seja, desmaiar NÃO seria uma opção!

Abri os vidros totalmente, liguei o ventilador no máximo (ah, se eu tivesse um ar condicionado!) e, resoluto, segui até o trabalho – que nem estava tão longe assim.

Entrei no estacionamento como de praxe, parei o carro como de praxe, debaixo da árvore de praxe e, sob a sombra de praxe, saí, me espreguicei, me contorci, me alonguei e tentei respirar profundamente. Até que miorô um cadinho… Mas a tontura ainda me deixava tonto. “Deve ser fome”, murmurei para comigo mesmo.

Cheguei no prédio, fui entrando, passando sala por sala e dando um “oi” mais seco que o tradicional. Abri a janela de minha sala e, mais uma vez, com os braços abertos, ainda segurando os trincos, tentei puxar o ar para dentro dos pulmões.

– Merda.

Meio que tomado por aqueles atos mecânicos do dia-a-dia, liguei o computador, abri o jornal por sobre a mesa, vislumbrei a caixa de entrada (a real, não a virtual), peguei um café, duas bolachas de maizena, resmunguei algo para quem estava na sala, voltei para minha mesa, vislumbrei a caixa de entrada (a virtual, não a real), retornei uma ligação de uma amiga (trabalho, trabalho, trabalho – desde cedo!) que precisava de ajuda para outra amiga e que, por fim, ainda acabei delegando para uma terceira amiga. Confuso, eu sei, mas ao contrário do que imaginam, nem sempre sei de tudo!

Respirei fundo e…

– Merda!

Cadê o ar, meu Deus? Fui até o banheiro, lavei o rosto com água em abundância e nem me dei ao trabalho de enxugar. Sentei no sofazinho que tem na minha sala (porcaria de sofá baixo!) e tentei relaxar.

Nisso, Mitchel veio falar comigo. Um caso, outro caso, uma preocupação daqui, um alerta dali e tudo que eu conseguia era ver sua boca se mexendo e um ligeiro murmúrio ao fundo, sem conseguir me concentrar e sentindo os ouvidos começarem a ficar ligeiramente tapados, como se estivesse num carro, descendo a serra, rumo ao mar.

– Cê tá bem, cara?

– Sei lá, tô meio zoado…

– Por que você não vai num médico, então?

– Se ficar ruim, eu vou.

– TEIMOSO!

Disse e saiu.

Imagina! Teimoso, eu? Talvez um pouco turrão. Ligeiramente cabeça dura, às vezes. Dono da verdade, quase sempre. Mas teimoso? Ah, não, isso não!

Foi mais ou menos nesse momento que um invisível filhote de elefante resolveu que deveria ficar sentado bem em cima do meu peito, pressionando e dificultando ainda mais o que já estava difícil: respirar.

Daí comecei a suar frio.

E, então, disse para mim mesmo: “Mim mesmo, tô começando a achar que tem algo de errado comigo…” Ainda zonzo, desci um andar e, da porta da sala do Mitchel, já soltei:

– Cara, você tem razão, não tô legal. E ói que já é a terceira vez este ano que você tem razão, hein? Parabéns! Vou dar um pulinho aqui na Santa Casa e já volto. Má, vamcomigo?

“Má” era a Marcela, que trabalha na Saúde, e há dias estava acampada na sala do Mitchel, ajudando num processo.

– Oi? Não, péra. Deixa eu arrumar minhas coisas…

– Tô indo, fui.

E, de fato, fui.

Mais dois lances de escada, meio bêbado de zonzeira (que, garanto, é diferente de estar meio zonzo de bebedeira), passei pela porta e tomei o caminho da Santa Casa, em plenos e firmes passos trôpegos. Demorou só uns cem metros para ela, ofegante, me alcançar.

E, cerca de quinhentos metros depois, após quase ter sido atropelado ao atravessar a rua e tropeçado algumas vezes (“toma cuidado, pois se você cair, vai ficar no chão mesmo, até porque não aguento com um homem desse tamanho”, foi a recomendação que vagamente lembro ter ouvido), ainda tendo recebido uma ligação da secretária da Chefa (“não, lamento, não posso dar um pulinho aí, pois neste exato momento estou dando um pulinho no hospital”), chegamos na recepção da Santa Casa.

No balcão de atendimento provavelmente devo ter balbuciado algo sem sentido, porque o atendente ficou me olhando com aquela mais profunda cara de “ahn?”… Pôxa, não era óbvio que eu estava passando mal, tonto, suando frio e sem ar? Bastava olhar pra mim, catzo! Minha vontade era falar “me dá um balão de oxigênio e tá tudo certo”, mas, sabe-se lá como, tive forças (e, principalmente, paciência) para acabar de passar meus dados, nome, RG, CPF, endereço, etc, etc, etc.

Foi então que o mundo ficou mudo e, aos poucos, tudo foi ficando leve, leve, muito leve, branco, branco, cada vez mais branco, até acabar sumindo de vez…

(Continua…)