Não, vocês não leram errado, nem tampouco eu a escrevi errado: a palavra é essa mesma. Mas, como todos já sabem, eu tenho uma certa tendência ao dramático e não podia deixar de dar todo um colorido nessa história – que, inclusive, aconteceu de verdade – como vocês verão…
E lá estava o casalzinho, bem de boa, juntos há pouco tempo e ela já gravidinha. De repente, assim do nada, ela dispara:
– Amô-ôr…
– Oi, vida?
– Sabe… É que eu estou com muita vontade de tomar sorvete…
– Não por isso! É pra já!
E sem dar nenhum tempo para um segundo pensamento sequer, já saiu, foi até a padaria mais próxima e logo em seguida voltou com o melhor que poderia pescar dos freezers de sorvetes: flocos, napolitano, morango, chocolate e por aí afora.
Ela sorriu, meio sem jeito, enquanto que ele estava ali, quase que se pavoneando, orgulhoso em se sentir o melhor dos maridos e de já achar que seria um futuro pai pra lá de dedicado!
Enquanto isso ela abriu um pote, olhou, abriu outro, pegou uma colherinha, experimentou, deu um passo pra trás, pensou e arrematou:
– Amô-ôr…
– Oi, vida?
– Sabe… É que você não me deu um tempo pra explicar… Mas é que a minha vontade era de tomar sorvete do Seu Robertinho…
– Do Seu Robertinho? O mesmo “Seu Robertinho” lá da nossa cidade, do Sul de Minas, a mais de 100 quilômetros de distância???
– É…
– Ah, amor, aí não tem jeito. Você vai ter que se virar com o que temos! Antes do próximo final de semana, com certeza não como a gente ir pra lá. Fecha os olhos e faz de conta que esse é do Seu Robertinho, vai?
– Mas não é!
– Mas, vida…
– A grávida sou eu!
Pronto. Discussão encerrada. Impossível retrucar contra esse argumento. Foram dormir daquele jeito, meio que chateados, meio que decepcionados e com a geladeira cheia de sorvete.
Já no dia seguinte ele teve uma brilhante ideia! O problema era aquele sorvete industrializado, enquanto que o do Seu Robertinho era totalmente caseiro. O único lugar que ele conhecia em toda cidade que também produzia seu próprio sorvete caseiro e de qualidade era lá na Sorveteria do Canário, na Zona Norte. Propôs a ela que fossem até lá para, pelo menos, que ela experimentasse – mas ele tinha certeza absoluta que isso resolveria o problema.
Atravessaram a cidade, chegaram na sorveteria, ela ainda com uma carinha de desconfiada, decidiu arriscar uma Banana Split (que, diga-se de passagem, quem conheceu a Banana Split do Canário sabe do que eu tô falando em termos de qualidade, sabor, consistência e tamanheza)…
Bastou uma colheradinha.
Empurrou a taça, quase com cara de choro, e cheio de súplica encarou seu mais uma vez frustrado marido:
– Não é que nem a do Seu Robertinho.
Bem, daí não teve jeito. Foi o resto da semana pilotando as variações de humor da patroa até que pudessem, no final de semana, viajar até o Sul de Minas e matar a vontade da gravidinha.
Foi uma loooonga semana…
Enfim chegou o final de semana, pegaram a estrada e o mau humor dela parece ter ficado em casa, no fundo da última gaveta, junto com as meias. Parecia uma criança! Finalmente ia matar a vontade e se deleitar com os sorvetes do Seu Robertinho!
Mas ele já estava daquele jeito, com uma pulga atrás da orelha… Nada, repito, NADA, na vida dele se resolvia tão fácil…
E, é lógico, ele tinha razão. Afinal de contas eles estavam em Agosto, ou seja, Inverno. O que as sorveterias fazem no inverno? FECHAM. Simples assim.
Antevendo a gravidade de um súbito ataque gravídico, ele não teve dúvidas: deixou-a em casa de parentes e foi pessoalmente até a casa do Seu Robertinho!
– Oi, fio! B’as tarde!
– Seu Robertinho, PELAMORDEDEUS, me ajuda! Só o senhor pode me ajudar!
– Êita! Carma, fio. Que é que assucede?
– Minha mulher, seu Robertinho. Minha mulher. Ela tá grávida e já faz quase uma semana que não para de falar do sorvete que o senhor faz. É vontade, Seu Robertinho, vontade de grávida! Diz pra mim, por favor, que o senhor tem algum sorvete aqui na casa do senhor pra me vender, POR FAVOR!!!
– Heh… É, já vi isso antes. Mas fique carmo e vâmo chegá ali na cozinha pra modo de você escolhê…
Ele estava salvo! Finalmente! Acompanhou Seu Robertinho até sua “despensa de sorvetes” e pra que não tivesse mais nenhum tipo de problema, pegou um potinho de cada sabor. De todos os possíveis e imagináveis. Voltou abarrotado! Tinha de uva, morango, côco, chocolate, creme, flocos, abacaxi, limão, amora, pistache, o escambau!
Encontrou sua mulher daquele jeito: tal qual criança esperando brinquedo no dia do aniversário! Os olhos brilhando! Desceu sua carga na mesa e respirou fundo, descansado, certo de que agora não tinha como ter errado, enquanto que ela conferia e alinhava um a um todos os potinhos, quase pulando de alegria e já ficava nítido o prazer que ela ia antevendo em saboreá-los.
E assim, num suspiro aliviado, ele virou de lado e tentou até sorrir…
E mesmo extasiada, ela assim do nada, voltou a repetir:
– Amô-ôr?
(GLUP!)
– Oi, vida?…
– Não tinha de goiaba?