Estômago e bolso das togas

Revista Carta Capital nº 652, de 29/06/2011 – fls. 20

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – proclamado erroneamente como de controle externo, mas composto na sua maioria por magistrados – acaba de aprovar resolução a garantir aos juízes brasileiros em atividade dois benefícios: auxílio-alimentação e venda de férias trabalhadas.

A resolução do CNJ deveu-se a uma provocação feita pela Associação dos Juízes Federais (AJUFE). Com base na isonomia, equivalência, a associação pediu benefícios já percebidos por membros do Ministério Público. Convém lembrar que cada juiz federal vence, em média, 23 mil reais, ou seja, não se trata de remuneração famélica. Num Brasil de baixos salários, com um mínimo não ideal e com programas como o Bolsa Família para minimizar a miséria, o tal auxílio-alimentação aos bens nutridos juízes soa como escárnio, data venia.

Por outro lado, nada mais justo indenizar por férias trabalhadas. Só que a categoria goza de dois períodos anuais de descanso. E, pelo justificado há anos, os dois repousos seriam necessários em razão da atividade intelectual desgastante imposta aos magistrados, que, ainda, carecem de tratamento diferenciado para se aperfeiçoar. Só uma coisa soa estranha e gostaríamos de entender. Se, por necessidade e humanidade, dois meses de descanso ao ano são necessários, por que não obrigar os magistrados a gozarem as férias inteiras, em vez de autorizá-los a se eslfalfarem e ainda vendê-las?

Sim, os grifos acimas foram meus.

Não, não vou comentar mais nada.

Uma pintura

Não sei o porquê gostei dessa pintura!

Encontrei-a no meio de uma apresentação PPS sobre a África (sim, eu tenho a pachorra de ler TODOS meus e-mails), toda torta e desconfigurada – e, ainda assim, me chamou a atenção.

Consegui resgatar seu formato original e gostei mais ainda…

Não sei quem a pintou.

Não sei de quando é.

Não sei porque não sei.

Só sei que gostei…

Emenda à Inicial: Descobri a autoria! Realmente fantástica essa busca do Google baseada em imagens (Santo Google Images, Batman!)… Trata-se de Pierre Farel, cuja galeria com muitas outras pinturas pode ser encontrada aqui.

Rir para chorar

Roubartilhado do recém (?) inaugurado Vida Privada. Nas palavras do próprio autor: “Há quatro anos criei um blog. Ontem fiz o primeiro post. Em 2015 tem mais (…)!”

Espero sinceramente que não demore tanto…

Conheci pessoas que se gabavam de não chorar. Achavam, equivocadamente, que continham o choro, que conseguiam evitar as lágrimas. Mas ninguém evita lágrimas – é impossível. A força que elas saem é sobre humana. Elas jorram numa pressão de milhões de bars, empurradas pela sua alma.

O que estas pessoas conseguem conter é aquilo que causa as lágrimas, e isto não é motivo para se gabar. Elas evitam as experiências que causam emoções capazes de provocar lágrimas. Sentem-se seguras e no controle de si. O que não sabem é que, quanto mais emoções se sente, mais se aprende a lidar com elas. Aí sim, obtemos segurança real; do contrário, somos como o menino preso dentro de uma bolha, em ambiente esterilizado, tentando evitar qualquer germe devido à sua imensa vulnerabilidade.

Quanto mais dilatada for a distância entre o nosso chôro e nosso gôzo, mais forte nos tornamos, maior o domínio do campo das emoções. Quem evita chorar, também não consegue rir, e é no espaço entre o choro e a gargalhada que a vida acontece.

Politicamente fascista

Marcelo Coelho
Folha de São Paulo

O comediante Danilo Gentili pediu desculpas pela piada antissemita que divulgou no Twitter. A saber, a de que os velhos de Higienópolis temem o metrô no bairro porque “a última vez que eles chegaram perto de um vagão foram parar em Auschwitz”.

Aceitar suas desculpas pode ser fácil ou difícil, conforme a disposição de cada um. O difícil é imaginar que, com isso, ele venha a dizer menos cretinices no futuro.

Não aguentei mais do que alguns minutos do programa “CQC”, na TV Bandeirantes, do qual é ele uma das estrelas mais festejadas.

Mas há um vídeo no YouTube, reproduzindo uma apresentação em Brasília do seu show “Politicamente Incorreto”, em outubro de 2010.

Dá para desculpar muita coisa, mas não a falta de graça. O nome oficial do Palácio do Planalto é Palácio dos Despachos, diz ele. “Deve ser por isso que tem tanto encosto lá.” Quem o construiu foi Oscar Niemeyer, continua o humorista. E construiu muitas outras coisas, como as pirâmides do Egito.

A plateia tenta rir, mas só fica feliz mesmo quando ouve que Lula é cachaceiro, ou que (rá, rá) o nome real de Sarney é Ribamar. Prossegue citando os políticos que Sarney apoiou; encerra a lista dizendo que ele só não apoiou o próprio câncer porque “o câncer era benigno”.

Os aplausos e risadas, pode-se acreditar, vêm menos da qualidade das piadas e mais da vontade de manifestação política do público.

Detestam-se, com razão, os abusos dos congressistas brasileiros. Só por isso, imagino, alguém ri quando Gentili diz preferir que a capital do país ficasse no Rio: “Lá pelo menos tem bala perdida para acertar deputado”.

Melhor parar antes que eu fique sem respiração de tanto rir. Como se vê, em todo caso, o título do show não é bem o que parece.

“Politicamente incorreto”, no caso, faz referência às coisas erradas feitas pelos políticos, mais do que ao que há de chocante em piadas sobre negros ou homossexuais.

A questão é que o rótulo vende. Ser “politicamente incorreto”, no Brasil de hoje, é motivo de orgulho. Todo pateta com pretensões à originalidade e à ironia toma a iniciativa de se dizer “incorreto” – e com isso se vê autorizado a abrir seu destampatório contra as mulheres, os gays, os negros, os índios e quem mais ele conseguir.

Não nego que o “politicamente correto”, em suas versões mais extremadas, seja uma interdição ao pensamento, uma polícia ideológica.

Mas o “politicamente incorreto”, em sua suposta heresia, na maior parte das vezes não passa de banalidade e estupidez.

Reproduz preconceitos antiquíssimos como se fossem novidades cintilantes. “Mulheres são burras!” “Ser contra a guerra é viadagem!” “Polícia tem de dar porrada!” “Bolsa Família serve para engordar vagabundo!” “Nordestino é atrasado!” “Criança só endireita no couro!”

Diz ou escreve tudo isso, e não disfarça um sorrisinho: “Viram como sou inteligente?” “Como sou verdadeiro?” “Como sou corajoso?” “Como sou trágico?” “Como sou politicamente incorreto?”

O problema é que “politicamente incorreto”, na verdade, é um rótulo enganoso. Quem diz essas coisas não é, para falar com todas as letras, “politicamente incorreto”. Quem diz essas coisas é politicamente fascista.

Só que a palavra “fascista”, hoje em dia, virou um termo… politicamente incorreto. Chegamos a um paradoxo, a uma contradição.

O rótulo “politicamente incorreto” acaba sendo uma forma eufemística, bem-educada e aceitável (isto é, “politicamente correta”) de se dizer reacionário, direitista, fascistoide.

A babaquice, claro, não é monopólio da direita nem da esquerda. Foi a partir de uma perspectiva “de esquerda” que Danilo Gentili resolveu criticar “os velhos de Higienópolis” que não querem metrô perto de casa.

Os vizinhos judeus, por exemplo. É este um dos mecanismos, e não o vagão de um metrô, que ajudam a levar até Auschwitz.

Recortado e colado daqui.

O problema

O problema deste mundo são esses amores não-correspondidos e desperdiçados a toda hora, entende? Como paixões que são despertadas negligentemente, ilusões platônicas que acabam com gosto de soco na alma, noites de sexo mal intepretadas, amores exilados que não encontram seu lugar no mundo, como peças extraviadas de um quebra-cabeça. O problema todo se resume nisso: corações e cérebros não falam a mesma língua. A vida seria muito menos dolorida se a gente tivesse o dom de se apaixonar por aquela pessoa que nos oferece o coração. (…)

Alexandre Inagaki
De seu texto “Bons Amigos”
No livro Blog de Papel

Cinta-liga e chicotinho

Este post foi originalmente ao ar em AGO/2005, no finado blog Respira pela Barriga – “Reflexões, aventuras e desventuras de alguém que come com os olhos, fala pelos cotovelos, pensa com o coração e tenta, honestamente, respirar pela barriga”.

Sou a típica moradora low-profile. Quase não transito pelo térreo do meu prédio. Quando passo, estou invariavelmente com pressa. Geralmente saio pela garagem, quase sempre cantando pneu. Nas poucas ocasiões em que cruzo com o porteiro, meus diálogos se limitam a “bom dia” e “obrigada”. Como gosto muito de receber amigos em casa, de vez em quando desço à noite para receber uma pizza, mas mesmo nesses dias é “boa noite e obrigada”. Nada mais. Achava, na minha santa ingenuidade, que era intocável. Errei.

Personagem 1: Marcondes, o porteiro brejeiro. Marcondes é um mulato jeitoso, sorridente e educado. Sempre perfumado e engravatado, tem 5 filhos reconhecidos: 3 meninas e 1 menino com a esposa e outro menino, quase da mesma idade, com a namorada preferida. De dia, dedica-se a seduzir as empregadas do prédio e a dar uma olhada na portaria nas horas vagas.

Personagem 2: a síndica. Uma solteirona taciturna e aposentada de meia idade, que parece ter encontrado um novo sentido na vida: criar burocracias impossíveis e uma muralha de “firewalls” para um simples prédio de classe média, sem qualquer glamour.

Personagem 3: essa que vos escreve. Separada, 2 filhos, 35 anos, pacata, condomínio pago em dia.

Coadjuvantes: os demais porteiros (principalmente os da noite), o zelador (que está no prédio há uns 20 anos), as babás e as empregadas.

Aí, a síndica recém empossada, inebriada pelos eflúvios do poder, resolve aumentar a “segurança” do prédio e “otimizar” o consumo de energia elétrica.

Medida: sensor de presença em todos os andares, na garagem e na portaria. A luz só acende quando o sensor detecta movimento.
Conseqüência: no térreo, os fios do sensor foram ligados na caixa da TV a cabo. De dia, tudo bem. De noite, quando alguém entrava na portaria, a luz acendia e os canais a cabo funcionavam. Quando a pessoa saía, a luz apagava e a TV saía do ar. Levou 10 dias para o técnico entender o que estava acontecendo. E eu perdi um capítulo decisivo de ER!
Outro dia, o sensor da garagem quebrou e todo mundo teve que manobrar “por instrumentos” por dias e dias.

Medida: todo e qualquer prestador de serviço deve ser acompanhado por um morador nas dependências do prédio.
Conseqüência: aí, eu chamo o técnico do fogão e tenho que ir buscar o cara no térreo e trazê-lo até a minha casa. Mesmo que diga, que jure por Deus e por todos os santos para o Marcondes que, sim, eu pedi, efetivamente, um técnico para o fogão. Mesmo que o técnico esteja uniformizado e que porte a carteira funcional da assistência técnica. “Por segurança”, diz a síndica. “Ah, então tá.” Se o técnico do fogão que “eu” chamei for um assaltante, vai se inibir com a minha imponente presença e não assaltará nada. A propósito, quando terminam o serviço, todos os prestadores de serviço descem desacompanhados porque morador nenhum tem saco para acompanhá-los até o térreo.

Medida: todos os funcionários do prédio e funcionários de moradores devem ser devidamente registrados.
Conseqüência: eu e o resto da galera do Mengão tivemos que submeter à Dona Síndica cópias “autenticadas” do RG, CPF e Carteira de Trabalho dos empregados domésticos, inclusive da minha babá, que está comigo há mais de dez anos, bem mais tempo do que a síndica, que se mudou para o prédio há uns dois, no máximo.

Medida: todo visitante deve ser identificado na portaria e apresentar o documento de identidade para cadastramento. Ah, os horários de sua entrada “e” saída são anotados em uma planilha.
Conseqüência: de manhã, quando o Marcondes chega, tem, para seu deleite, um relatório completo do movimento noturno do prédio, que faz questão de partilhar com quem estiver por perto. A coisa funciona mais ou menos assim:

_ Ooooolha, ontem vieram “dois” pro apartamento da Dona Ju. E saíram depois da uma da manhã!

_ Era o barbudo da semana passada? _ pergunta uma empregada, de passagem.

_ Nããããão, Cleuzineide. Eram dois “meninos”. Olha só a data de nascimento. Beeem mais novos que ela! E eles pediram pizza, viu? Olha aqui, o registro do entregador. Quase onze da noite!

_ Ah, essa Dona Ju, depois que se separou… _ emenda o zelador, meneando a cabeça.

_ Justo ela, que parecia tão séria… _ completa a viúva portuguesa do 32.

Detalhe: (informado posteriormente pela minha amiga, Gi) de mulher, eles não pedem qualquer identificação, nem anotam entrada, nem saída.

Dica para assaltar meu prédio: mandem uma mulher.

Meninos, eu vivi:

Aí, uns meses atrás, meu ex-namorado estava em casa e, juntos, esperávamos um amigo, diretor de arte, para discutir um freela meu. Íamos comer uma pizza, os três.

Toca o interfone.

_ Dona Ju…

_ Sim, “porteiro da noite”. Pois não.

_ É… é que tem um rapaz aqui para a senhora…

_ Sim. Quem é?

_ É o “seu” Sérgio.

_ Ok. Pode mandar subir.

_ Mas… mas… é que… o namorado da senhora não está aí?

_ Como assim? COMO ASSIM? COOOOOMMMMOOO ASSSIIIIIMMMMM?
(Quando a vontade era responder:
“_ Está. Vamos fazer uma orgia. Ah, e quando as cabras de cinta-liga, o rapaz de máscara de couro, o travesti de lamê dourado e o meu entregador de ecstasy chegarem, pode mandar subir direto, viu? Nem precisa interfonar.”)

Meu mentor intelectual sugeriu corrompê-los com comida. Disse:

_ Esses porteiros ficam babando com todas aquelas pizzas, sanduíches, comidas chinesas e outras coisas entregues todas as noites nos apartamentos. De vez em quando, compre uma pizza e mande entregar a eles. Você vai ganhar um aliado para toda a vida.

_ O QUÊÊÊÊ? Você está me sugerindo “comprar” o silêncio deles? Como se eu fosse uma criminosa? Como se estivesse fazendo algo errado? Como se devesse satisfações??? Ora, faça-me o favor!!!!

Mas fiquei pensando e acho que tive uma idéia: poderia combinar com “os homens” de deixarem o carro uma quadra antes da minha casa. Aí, eles me ligariam, eu iria buscá-los de carro e os colocaria no porta-malas. Na garagem, só precisaria passá-los para um saco ou mala, para evitar a câmera no elevador. Na saída, faria o mesmo, ao contrário.

Difícil vai ser esconder as cabras de cinta-liga…

Êta mundinho machista, coronelista, chauvinista, de cocô, xixi e meleca! Pronto. Disse.

Nota: Post (re)publicado com o consentimento (até agora) da autora…