Dançando até cair

Um dia eu ainda gostaria de dançar assim. Por mais avesso que eu seja a danças! Dançar solto, descompromissado, sem senões, sem dedos em riste, sem esperar, sem cobrar, sem querer – mas querendo, no ritmo que quiser, do jeito que aprouver, virando, torcendo, cantando, com alegria, com vontade, com desejo, com parceria, com olhos nos olhos e coração com coração… Até a exaustão!

E vocês? Já têm seu par?

Realidade paralela

– Roooonc… Hm? Oi?

– Bom dia, mocinho.

– Aff… Bom dia, amor…

– Bonito, hein?

– Você também!

– Não é nada disso! Você tem ideia da condição em que o senhor chegou ontem? Ou, no mínimo, tudo que fez desde que pôs os pés em casa?

– Não…

– E então? Quer saber?

– Cá entre nós, amor: eu vou gostar da resposta?

– Nem um pouco.

– Então, não.

– Tá. Vem tomar café, que já está na mesa (beijo).

– ?????????????????????????????????

(Será que alguém pode me beliscar, me acordar ou então me contar em qual realidade paralela eu vim parar???)

Goin’ crazy…

— Onde você vai?

— Vou sair um pouco.

— Vai de carro?

— Sim.

— Tem gasolina?

— Sim. coloquei.

— Vai demorar?

— Não. Coisa de uma hora.

— Vai a algum lugar específico?

— Não. Só rodar por aí.

— Não prefere ir a pé?

— Não. Vou de carro.

— Traz um sorvete pra mim!

— Trago. Que sabor?

— Manga.

— Ok. Na volta eu passo e compro.

— Na volta?

— Sim. Senão derrete.

— Passa lá, compra e deixa aqui…

— Não. Melhor não! Na volta. É rápido!

— Ahhhhh!

— Quando eu voltar eu tomo com você!

— Mas você não gosta de manga!

— Eu compro outro. De outro sabor.

— Aí fica caro. Traz de cupuaçu!

— Eu não gosto também.

— Traz de chocolate. Nós dois gostamos.

— Ok! Beijo. Volto logo…

— Ei!

— O quê?

— Chocolate não. Flocos.

— Não gosto de flocos!

— Então traz de manga prá mim e o que quiser prá você.

— Foi o que sugeri desde o começo!

— Você está sendo irônico?

— Não tô! Vou indo.

— Vem aqui me dar um beijo de despedida!

— Querida! Eu volto logo. depois.

— Depois não. Quero agora!

— Tá bom! (Beijo)

— Vai com o seu ou com o meu carro?

— Com o meu.

— Vai com o meu. Tem cd player. O seu não!

— Não vou ouvir música. Vou espairecer.

— Tá precisando?

— Não sei. Vou ver quando sair!

— Demora não!

— É rápido. (Abre a porta de casa)

— Ei!

— Que foi agora?

— Nossa! Que grosso! Vai embora!

— Calma. estou tentando sair e não consigo!

— Porque quer ir sozinho? Vai encontrar alguém?

— O que quer dizer?

— Nada. Nada não!

— Vem cá. Acha que estou te traindo?

— Não. Claro que não. Mas sabe como é?

— Como é o quê?

— Homens!

— Generalizando ou falando de mim?

— Generalizando.

— Então não é meu caso. Sabe que eu não faria isso!

— Tá bom. Então vai.

— Vou.

— Ei!

— Que foi, cacete?

— Leva o celular, estúpido!

— Prá quê? Prá você ficar me ligando?

— Não. Caso aconteça algo, estará com celular.

— Não. Pode deixar.

— Olha. Desculpa pela desconfiança, estou com saudade, só isso!

— Ok, meu amor. Desculpe-me se fui grosso. Tá… eu te amo!

— Eu também! Posso futricar no seu celular?

— Prá quê?

— Sei lá! Joguinho!

— Você quer meu celular prá jogar?

— É.

— Tem certeza?

— Sim.

— Liga o computador. Lá tem um monte de joguinhos!

— Não sei mexer naquela lata velha!

— Lata velha? Comprei pra a gente mês passado!

— Tá… Ok. Então leva o celular senão eu vou futricar.

— Pode mexer então. Não tem nada lá mesmo.

— É?

— É.

— Então onde está?

— O quê?

— O que deveria estar no celular mas não está.

— Como?

— Nada! Esquece!

— Tá nervosa?

— Não. Tô não.

— Então vou!

— Ei!

— O que ééééééé, caralho?

— Não quero mais sorvete não!

— Ah é?

— É!

— Então eu também não vou sair mais não!

— Ah é?

— É.

— Oba! Vai ficar comigo?

— Não vou não. Cansei. Vou dormir!

— Prefere dormir do que ficar comigo?

— Não. Vou dormir, só isso!

— Está nervoso?

— Claro, porra!

— Então por que você não vai dar uma volta para espairecer?

Quer namorar comigo?

Outro dia, por conta de alguns conversê meio que sem pé nem cabeça, veio ao mote o seguinte assunto: “como foi que pedi minha esposa em casamento”.

Com o sorriso enviesado e a orelha direita em pé, intimamente me diverti com o tema. Levou-me de volta à adolescência – afinal de contas, ainda que muitos digam o contrário, EU também já fui adolescente… E não pude deixar de lembrar o que é gostar de uma menina e ficar ensaiando e planejando, querendo “pedi-la em namoro”

Com os pés firmemente plantados no chão viajei para um outro tempo e lugar onde eu mesmo gostaria que houvesse alguém para me responder essa pergunta. Dos gracejos e namoricos de criança-adolescente, quando as amigas passam a ser mais que amigas; quando, sem saber explicar o porquê, queremos ficar cada momento do dia curtindo uma conversa ou mesmo um silêncio ao lado daquela menina que tanto nos faz feliz; quando a ausência é pontuada pela constante lembrança daquela que não está presente – e que gostaríamos que estivesse; quando não temos a coragem necessária para querer ir além, simplesmente pelo medo de estragar tudo que está tão bom. Platônico, sim, eu sei, mas qual adolescente já não passou por isso?

Voltando devagar ao futuro – e presente – rememoro cada uma das minhas próprias paixões adolescentes e, não sem um quê de vergonha ou frustração, lembro-me da primeira vez que gostei tanto, mas tanto, de uma menina que criei coragem suficiente e a pedi em namoro. “Não”, foi sua resposta. Naquele momento uma gigantesca bigorna gelada afundou em meu estômago e, com o solavanco, senti que meu coração simplesmente parou de bater. Sorri e, senhor de minhas emoções, disse-lhe que tudo bem (lógico, depois de insistir mais um bocadinho) e que não queria que aquilo comprometesse nossa amizade e a maneira tão gostosa com a qual nos relacionávamos, etc, etc, etc. Para meu alívio, ela concordou! Para meu desespero, ela concordou… Acho que chorei uns três dias seguidos, escondido de tudo e de todos, tendo ficado frustrado para o resto da vida. O que durou mais ou menos umas duas semanas.

Anos depois eu tive a cavalar estupidez de repetir a dose. E, pior, totalmente fora de mim, embevecido que estava. Desta vez o “não” foi veemente e a possibilidade de se manter uma amizade escorreu para o meio-fio, junto com o resto derretido de mim.

Talvez tenha sido aí que percebi.

Essa construção Hollywoodiana daquele momento esperado em que, no ápice do filme, o mocinho pede a mão da mocinha e ela, tenra e docemente diz “sim”, bem, isso praticamente não existe. Digo “praticamente” porque, ainda assim conheço uma ou outra exceção… Mas nós, meros mortais, assalariados que somos e preocupados quando muito com o dia de amanhã – pois o depois de amanhã ainda está muito longe – não me parece que tenhamos essa nota romântica ressonando de forma tão clara em nosso dia a dia, a não ser no próprio contexto do cinema e da literatura.

Não que não exista romantismo – longe disso!

Eu mesmo tendo a me considerar um romântico… Sei que parece uma afirmação até um tanto quanto pretensiosa, mas é verdade!

Entretanto aprendi que a vida não necessariamente é romântica, como nas grandes estórias de amor. Explico. Se você está com a pessoa amada, ainda que nunca tenha se declarado, e a situação é propícia, e as estrelas estão alinhadas, e os deuses os favorecem, e seu olhar diz que sim, e seus lábios sorriem, convidativos, então o momento É esse e a hora É agora. Meras palavras e pedidos não serão capazes de expressar a ebulição de dois corpos que se desejam e que querem e precisam se tocar, se conhecer e se completar.

O coração vai acelerar, uma tontura vai se apoderar de ambos e, com sofreguidão, se conhecerão milímetro por milímetro, rosto com rosto, boca com boca, sorriso dentro de sorriso… E, ao se separarem, irão se encarar olhos nos olhos, sorrisos nos lábios, com um ou dois rápidos beijos como que para se certificar que tudo aquilo realmente está acontecendo. E vão se abraçar, terna e carinhosamente, sentindo o calor e a pulsação um do outro. E então terão a mais absoluta certeza: os filmes mentem, pois na vida real palavras são desnecessárias. É certo que o cavalheirismo ainda é necessário e indispensável, mas é humanamente impossível tentar buscar a formalidade para com aquilo que foi criado para ser informal.

Ou seja, sempre haverão situações propícias, surgidas ou planejadas, mas momentos – ah, os momentos! – estes são únicos!

E torço sinceramente para que você, que lê este texto, não seja nem ao menos a metade do romântico que já fui. Pois, francamente, apaixonar-se não é fácil e muito menos indolor. Mas, por outro lado, ser assim e ser correspondido é de um êxtase tal que se torna completamente impossível de descrever!

Pura felicidade em estado sólido.

E assim, com essa breve digressão, finalmente voltamos ao mote principal, que ensejou este texto…

Imagem e Ação

– Não tem o menor cabimento!

– Como não? Não é para compartilharmos tudo? Então?

– Meu amor (tom de paciência e resignação após respirar profundamente), entenda que MEU Facebook é MEU Facebook! Não faz o menor sentido você utilizá-lo para postar as suas coisas!

– Ah, é? Mas se eu não posso utilizar nem mesmo o meu, então isso significa dizer que eu posso utilizar o seu!

– Você que utilize o seu do jeito que quiser!

– Ah, mas agora eu até já apaguei ele.

– Nem me venha com essa. Você sabe que a qualquer tempo dá pra recuperar tudo. Você já fez isso muito mais de uma vez!

– Escuta: de que adianta eu ter o meu Facebook se eu não posso colocar aquilo que quero? Você não deixa!

– Não é que eu não deixo, mas toda vez que você muda sua senha e eu não consigo acessar o seu Face, acabo ficando desconfiada, né?

– Desconfiada de quê? Em todos esses meses que estamos juntos já lhe dei motivos pra não confiar em mim?

– Ah, você deve estar brincando, né? E aquelas sirigaitas que ficavam flertando com você no Inbox?

– Não, mas aquilo não tinha nada a ver…

– Ah, não? Tá bom. Faz de conta que eu acredito.

– Mas aquilo foi passado…

– Passado ou não, não interessa. Você tem o SEU Face e se quiser publicar alguma coisa que vá na timeline do SEU Face.

– Como se eu pudesse.

– Ah, não pode, é?

– Não. VOCÊ não deixa! Toda vez que eu coloco meu posicionamento político ou tento encorajar algum movimento social, você vem me dizer que aquilo vai te prejudicar de alguma forma!

– Acontece que você não pensa! Tudo o que você vê é a necessidade de escrever o que quer, de colocar sua posição! E eu, como fico? Seu “posicionamento político” é totalmente diferente do meu, não dá pra deixar, na minha própria timeline, que as pessoas pensem que eu concordo com aquilo que você escreve!

– Tá vendo? Tá vendo? É esse o problema: você me sufoca. Eu fico travado, não posso falar o que penso, não posso sequer discutir aquilo que acredito ser o certo. Que culpa eu tenho se o MEU certo é diferente do SEU certo?

– O problema não é esse. O problema é que você vende uma imagem de “salvador da pátria”, do lutador, do batalhador, de alguém que respira revolução. Como se na vida real você fosse assim! Acho que é esse realmente o problema: sua imagem na Internet é mais importante que nosso relacionamento! Desse jeito não é possível!

– Ah, imagem, é? Então vamos falar de imagem. E você, então? Você é a pessoa mais antissocial que eu conheço. Entre sair com meus amigos e ficar em casa vendo filmes e séries baixados da Internet, você não pensa duas vezes! Aquela moça cheia de sorrisos, cheia de energia, toda atleta e tudo mais que aparece nas fotos da sua timeline simplesmente não é a mesma pessoa que passa por essa porta todas as noites!

– (…)

– Ah, não acredito! Ficou sem resposta, né? A verdade dói, não é mesmo? E é por isso que, já que eu não posso fazer o que quero no meu Face, então vou usar o seu Face pra isso. Daí você vai ter o gostinho de sentir a mesma sensação que senti em todos esses meses: violado moralmente!

– Se tá tão ruim assim, então por que é que ainda estamos juntos?

– Eu gosto de você. Eu te amo! Mas não posso deixar minhas convicções de lado.

– Suas convicções… Sua imagem, isso sim!

– Que seja, mas é o que sou – e não vou mudar!

– Olha, se o problema é a Internet, então vamos fazer o seguinte: não deixe de ser quem você é. Vamos ficar fora disso. Por um tempo. Sei lá, vamos tentar… Por favor?

– Como é que é? E como vou pagar minhas contas? E os e-mails com meus contratos? E a publicidade pelo Face? E a política?

– Dá pra fazer tudo isso sem Internet…

– Meu amor, entenda: não existe vida sem Internet.

E assim terminou aquela discussão. Naquele momento. De modo fulminante. Não havia mais nenhum argumento. Nada mais a declarar. E naquela noite foram se deitar. Emburrados, enfezados, cada qual com um nó na garganta. E agora? Como continuar? Voltar atrás? Permanecer daquele jeito? Sem respostas, assim dormiram. Bunda com bunda.

Mas, por sorte ou por azar, quis o Destino se intrometer nessa briga, inserindo um inesperado capítulo nessa novela que estava longe de acabar. Em se falando do mundo da informática como vilã, eis que, exatamente por uma providencial confusão no processamento de dados nos computadores do banco, os débitos em conta não caíram no cartão de crédito. E assim, menos de um dia depois da desavença, viram-se eles chegando em casa tarde da noite enfrentando um breu sem saber o porquê. Sem energia. Sem telefone. Sem celular. E, obviamente, sem Internet.

No começo foi esquisito. Não tinham como se mover naquela escuridão. Lanternas? Quem tem isso nos dias de hoje? E, ainda que tivessem, as pilhas já teriam se esgotado. Velas? Nem de aniversário. Mas tinham aquelas aromáticas! O jeito era espalhar as poucas existentes pela casa.

E assim foram tomados por aquele novo e estranho ambiente de aconchegante e perfumada penumbra…

No dia seguinte, cada qual em seu canto, cada qual em seu trabalho, ambos ainda tentaram – sem sucesso – vencer a confusão que o computador lhes proporcionou. Continuavam desconectados do mundo. Nem mesmo os celulares permitiam acesso! Mas a vida continua e as contas vencem nos prazos de sempre. Com o cartão bloqueado a saída era pegar a fila no banco. Audácia! Imaginem, nos dias de hoje, serem submetidos a uma forma tão arcaica de atitude.

– E aí, sujeito!

– Hm? Ah, oi. E aí, moça, há quanto tempo, hein?

– Só se for pra você! Que acontece? Faz uns dois dias que não te vejo online…

– Ah, não. Só tô dando um tempinho, sabe? Internet demais, sabe como é…

– Ah, não sei não! Eu não consigo ficar um dia sem saber o que está acontecendo! Mas – nossa – não sabia que você estava assim com o cabelo grisalho. Sua foto lá está diferente…

– É… Tá meio velha, né?

– Não sei porque não atualiza. Ficou bem assim. Na verdade, se pensarmos bem, acho que já tem meses que nos vimos pessoalmente!

– É mesmo! Foi quando nasceu seu filhote! Como está o bebê?

– Já está andando, rapaz! Você realmente tá fora do mundo real, hein?

E foi assim, com aquela frase final na cabeça, que naquela noite ele voltou para casa começando a vislumbrar e perceber o quanto de razão poderia haver em tudo aquilo. E ambos conversaram sobre isso, conversaram muito mesmo, pra tentar se entender. E, agora já sob a luz de velas de verdade emolduradas num belo castiçal que ela havia encontrado num brechó durante o dia, jantaram animadamente – como há muito não o faziam – e brindaram com suas já não mais empoeiradas taças de vinho. Por um breve momento quase lamentaram a falta de um Instagram para registrar o momento – mas, afinal, isso serviria para quê? Só pra fazer inveja a quem quer que seja? Bobagem. A vida a dois era muito mais importante. E, desde que se conheceram – pela Internet, diga-se de passagem -, pela primeiríssima vez estavam tendo uma noite a dois, sem a presença da multidão onipresente que invariavelmente os cercava: e-mail, blogs, Facebook, Twitter, Instagram, Foursquare, WhatsApp, GTalk, e sabe-se lá quantas outras “ferramentas” inventadas para trazer a comodidade que eles simplesmente não precisavam.

Mas que também não sabiam inexistir.

Simplesmente por forças ocultas alheias – sim, o Universo conspira quando necessário – ambos se viram obrigados a viver uma vida desconectada. Por mais tempo que imaginavam e, o que no início era um desconforto, passou a ser uma cotidiana busca de opções. Nada de filmes ou seriados na portentosa TV de cinquenta polegadas – por não poder baixá-los e, muito menos, assisti-los. Compartilhar livros começou a tornar-se um hábito e discutir – no bom sentido da palavra – o posicionamento de cada qual com relação aos autores, mais ainda. Receber (e conhecer) amigos de um de outro, também. O que era a princípio estranho para as visitas, tornou-se um charme. Motivo de comentários nas redes sociais – dos quais eles sequer tomavam conhecimento. Sem energia o negócio era improvisar, de modo que sempre tinha alguém com um violão, uma flauta e – pasmem! – até mesmo um violino, numa memorável noite de foundue!

O problema tão digladiado na origem perdeu-se na memória, pois não havia – nem por parte de um nem por parte de outro – nenhuma necessidade de “passar uma imagem” de quem pretendiam ser. Pois, do ato ao fato, passaram efetivamente a sê-lo. Até mesmo a política, essa eterna controversa, passou a ser melhor compreendida entre ambos. Não que tenham mudado seu posicionamento – jamais! Entretanto, por pura falta de opção, se viram obrigados a entrar um na cabeça do outro e compreender o que cada um pensava e se forçar a rever suas próprias íntimas convicções, sem ninguém para “curtir” ou “comentar” algum eventual desabafo de momento. E, como sempre, respeito gera respeito.

Mas, como dizia o poeta, tudo que é bom um dia acaba.

E os computadores resolveram fazer as pazes e solucionaram os problemas de débitos e créditos pelo qual tanto tempo foram submetidos.

Numa bela noite de sábado, após um revigorante dia com amigos de ambos na piscina do condomínio (sim, lá havia uma piscina na qual jamais haviam sequer chegado perto), entre confusos e ofuscados entraram naquela estranha casa toda iluminada para só então descobrir que era a mesma em que moravam. E ela lhes pareceu apática e sem personalidade. Jantaram cabisbaixos e foram dormir em silêncio. E agora? Como continuar? Voltar atrás? Permanecer daquele jeito?

No dia seguinte resolveram tomar seu café da manhã fora, como também há muito não faziam. Aquela casa agora era estranha, cheia de sons silenciosos e zumbidos ocultos que lhes testavam a compreensão. E, mais uma vez, conversaram, conversaram muito pra tentar se entender.

E assim o foi. A televisão, venderam. Os computadores, também. Os tablets e notebooks viraram presentes para filhos de amigos.

Como sei de tudo isso? Encontrei-os há pouco, na usual “feira do rolo” de domingo, aqui perto de casa. Tinham acabado de fazer uma troca, com um atônito rapazinho, em que entregaram seus ultramodernos smartphones por aparelhos da década passada, somente de teclas e ainda com aquele visor verde. De quebra estavam levando também uma coruja de madeira e uma bomba de ar, daquelas antigas, para encher o pneu de suas bicicletas.

– Uai? Depois de tudo isso, celulares, é, moça?

– É. Não dá pra fugir de tudo, né? Mas somente daquilo que for possível…

– Tãotáintão. E no mais?

– No mais? A vida continua!

E foi assim, olhos nos olhos e sorrindo, que os vi desaparecer de mãos dadas no meio daquela multidão de pessoas reais.