Superman – II

As Origens do Super-Homem – Primeira Parte

Como convém a um personagem cujas proezas rapidamente assumiram o aspecto de lenda, os primórdios do Super-Homem foram ao mesmo tempo humildes e cataclísmicos.

Cataclísmicos pois ele nasceu da morte de um mundo. Arremessado num frio e ameaçador Universo, um bebê órfão tornou-se a criatura mais solitária de todos os tempos. Viajando no ventre metálico de uma pequena espaçonave, o inocente deixou atrás de si um planeta moribundo que explodiu em bilhões de fragmentos verdes, meteoritos radiantes que se espalharam por todo o universo. Radiativos. Letais. À sua espera.

Humildes porque essa detonação, capaz de destruir um planeta foi gerada na mente de dois adolescentes, criados no coração dos EUA com revistas pulp de ficção científica e sonhos de um mundo além de Ohio. Seus nomes: Jerry Siegel e Joe Shuster, respectivamente roteirista e artista. Da imaginação deles, nasceu um personagem de apelo incomparável, que tocou no ponto certo da psiquê americana. Um herói chamado Super-Homem.

Era a década de 30. O momento exato da concepção do Homem de Aço é objeto de conjecturas, mas, com certeza, não foi posterior a 1934. Jerry Siegel usou o nome de Super-Homem pela primeira vez em 1933, num conto que escreveu para seu fancine (revista amadora produzida por fãs) Science Fiction. A história se chamava O Reino do Super-Homem, e tinha pouco a ver com o personagem que nós conhecemos hoje. Era a aventura de um homem que havia ganhado fantásticos poderes mentais e feito um péssimo uso deles. O ilustrador do conto: Joe Shuster.

Mais cinco anos se passaram até o público conhecer o nome aplicado ao maior de todos os aventureiros uniformizados. Antes disso, porém, Siegel e Shuster tentaram, sem sucesso, fazer muitos editores se interessarem por sua criação. Originalmente projetado para estrelar tiras de jornais, o Homem de Aço foi apresentado, a princípio, aos syndicates (associações que representam quadrinistas e vendem seus trabalhos para diversos jornais do mundo inteiro, quase sempre em forma de tiras). A reação foi estrondosamente negativa e, após muitas rejeições, os dois procuraram editoras no Canadá, onde Joe Shuster tinha parentes. Ele costumava passar férias nos arredores de Toronto (na verdade, o primeiro trabalho do Super-Homem original foi como repórter do Daily Star, inspirado no Toronto Star). O consenso geral? O personagem não teria “apelo duradouro”.

Enquanto não obtinham aprovação, Siegel e Shuster se viravam como podiam. Como o herói kryptoniano continuava engavetado, a dupla produzia outros trabalhos. Suas carreiras, na verdade, começaram quase que simultaneamente com os primórdios do ramo – em grande parte na DC Comics.

Armados de um currículo de sucesso, eles finalmente venderam o Super-Homem, que foi adaptado para o formato de revista em quadrinhos e apresentado a Harry Donenfeld, presidente da DC Comics. Donenfeld autorizou a publicação. Sheldon Mayer foi o editor do lançamento. E, como se costuma dizer, assim nasceu uma lenda.

O herói estreou na edição número um de Action Comics, com data de capa de junho de 1938. Os Estados Unidos, abatidos pela depressão econômica e temerosos com a guerra, vislumbraram, pela primeira vez, o personagem que se tornaria um ícone americano. Capa de edição número um de Action Comics, o Super-Homem passaria a abrilhantar todas as capas da revista a partir da edição 19, na época em que já tinha, inclusive, seu próprio título, Superman. No auge de sua popularidade, ele estrelaria mais um punhado de títulos, como Superboy, Adventure Comics, World’s Finest Comics e Justice League of America, entre outros.

A primeira aventura do Super-Homem era bastante simples, com elementos que o escritor Siegel havia desenvolvido em histórias anteriores. A trama: nos confins do espaço, havia um grande planeta chamado Krypton. Em suas primeiras versões, pertencia ao nosso sistema solar. Siegel e Shuster devem ter se inspirado nas teorias da época, que afirmavam que o cinturão de asteróides entre Marte e Júpiter era remanescente de um terrível cataclismo. Os astrônomos e astrofísicos da década de 70 provaram o contrário: a força gravitacional de Júpiter, oscilando de forma irregular, jamais deu chance para que um décimo planeta se formasse naquela região. mas, na década de 30, a ficção científica estava cheia de narrativas sobre um mundo há muito desaparecido.

Krypton era o lugar ideal, muito mais avançado do que a Terra de 1938. Os kryptonianos haviam atingido a perfeição física e mental. Uma raça de super-homens. Todavia, uma população condenada. Em nossa primeira visão de Krypton, tremores na crosta planetária abalavam as poderosas torres de suas cidades. Jorros de lava eram liberados através do manto que se fragmentava. O céu escurecia. Os kryptonianos estavam apavorados, pois o mundo que haviam conquistado tinha se voltado contra eles, e não sabiam porquê. Apenas um homem conhecia a verdade. Ele era Jor-L, um brilhante cientista que tinha percebido qual seria o destino do planeta. As pressões crescentes dentro do núcleo em breve destroçariam tudo.

O nome Jor-L já havia aparecido em outra das histórias de Siegel, redigida após a concepção do Super-Homem, mas publicada antes da estréia do personagem.

Saltando através da cidade, com pulos que cobriam várias quadras, Jor-L correu para casa, onde encontrou à sua espera a bela esposa Lora, e seu filho: um bebê recém-nascido que viria a se tornar o Homem de Aço. Somente em 1957, o leitor descobriria seu verdadeiro nome. A essa altura, a nomenclatura de seu pai havia mudado ligeiramente para Jor-El, e o Super-Homem seria Kal-El, que significava Filho das Estrelas em kryptonês.

Temendo a completa destruição de seu mundo, Jor-L concebeu um estratagema para salvar seu filho. Antecipando o destino que aproximava para sua raça, ele já havia construído um pequeno protótipo de uma frota de foguetes que salvaria toda a população. Os kryptonianos, porém, tinha rejeitado o plano, pois não acreditavam nas previsões apocalípticas. O pequeno modelo, inteiramente funcional, era tudo o que fora concluído. Jor-L colocou seu filho na pequena nave com o consentimento de Lora, e o pequeno Kal partiu rumo a um longíquo planeta chamado Terra, enquanto uma onda de terremotos destruía Krypton.



John Byrne

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Superman – I


O Reinado do Super-Homem

Como a idéia de dois adolescentes, mais de meio século atrás, se tornou o modelo de herói moderno e continua sendo um sucesso nos quadrinhos

Após 58 anos, ele ainda consegue voar sobre a cidade de Metrópolis, decidido a resgatar a verdade, a justiça e o modo de vida americano. Salvando o mundo ou simplesmente ajudando uma menina a recuperar o seu gatinho, o mito Super-Homem deixou de ser apenas um personagem de histórias em quadrinhos para ser visto como um ícone cultural do século XX. Invejado por uns, criticado por muitos, imitado por todos, o personagem criado por Jerry Siegel e Joe Shuster é um marco divisor no mercado de quadrinhos. Ele é o protótipo do homem perfeito, o objetivo a ser alcançado.

É bem conhecida a lenda de como Siegel e Shuster criaram o Super-Homem, e a grande batalha que travaram para sua publicação. Mas muita gente desconhece que nosso “Homem de Aço” nasceu como o mais temido vilão, um tirano que usava a sua força destruidora para subjugar os mais fracos. Depois, passando para o lado dos mocinhos, seus poderes foram ampliados, até ele atingir o status de semideus e perder a perspectiva do homem comum.

Nascimento

Os gregos foram os primeiros a buscar a perfeição, fosse ela física ou intelectual. Seus heróis e lendas eram mistos de ideais perfeitos e atitudes muito longe disso. Héracles (depois chamado de Hércules pelos romanos) inaugurou a categoria dos semideuses, poderosos e fortes, mas também infectados pelas fraquezas humanas. Beberrão e mulherengo, o filho do todo-poderoso Zeus com uma mortal matou duas serpentes com as mãos ainda quando criança. Caçador de primeira, o adolescente Héracles tinha 2 metros e meio de altura e um físico invejável. Os famosos 12 trabalhos provaram seu poder frente aos admiradores mortais, mas também marcaram sua tragédia pessoal: sob um encantamento de Hera, mulher de Zeus, ele matou seus filhos com Mêgara, filha do rei Creonte de Tebas. Como punição, Héracles teve de cumprir as 12 tarefas para, só então, subir ao Olimpo, a morada dos deuses.

Muitos séculos depois, na Idade Média, os heróis se tornaram cavaleiros armados de espadas e lanças. Vestidos de armaduras pesadas, eles combatiam dragões, salvavam princesas e enfrentaram até o demônio para recuperarem cálices sagrados. Mas, tirando nosso hercúleo semideus, todos estes heróis antigos eram homens comuns lutando contra seus limites. O século XX necessitava de algo mais, de alguém diferente, alguém… super!

Siegel e Shuster eram fãs de histórias de ficção científica e, quando se conheceram aos 16 anos, começaram a criar histórias no jornal da escola e num fanzine mimeografado chamado Science Fiction. Foi neste folhetim, em janeiro de 1933, que nasceu o Super-Homem. O nome do personagem foi copiado de um anúncio da revista pulp Doc Savage. Ele era um tirano do futuro, calvo e de olhar aterrador, que tinha poderes mentais sobre-humanos. Siegel e Shuster criaram um mundo do amanhã com o mesmo olhar pessimista que hoje também se vislumbra nos dias que virão. A crise de 1929, que enfiara os Estados Unidos numa grande depressão econômica, gerou uma série de previsões pessimistas. Em 1932, Aldous Huxley idealiza seu Admirável Mundo Novo, onde os seres humanos renegam sua humanidade. No ano seguinte, Adolf Hitler se torna o chanceler alemão, e planta a idéia da raça perfeita de super-homens, a raça ariana. Talvez por este motivo, os dois jovens judeus resolveram transformar seu novo personagem num mocinho.

A febre das revistas em quadrinhos começou em 1933 e os dois aprendizes de quadrinhistas são capturados imediatamente. Decidiram, então, fazer uma história completa só com o personagem, ainda sem o uniforme, mas com cabelo. Levaram sua obra para um editor que não quis publicá-lo. No ano seguinte, numa noite calma, Siegel concebeu a versão final do seu personagem. Em apenas algumas horas escreveu material para sete semanas de tiras de jornal. Pela manhã já estava ao lado de Shuster, que desenhou furiosamente a nova história. Em vinte e quatro horas, o mito estava criado. Em formato de tiras de jornal ou de revista, Siegel e Shuster durante quatro anos bateram em várias portas tentando vender a sua idéia. Editoras e syndicates (empresas que gerenciam a venda de tiras para os jornais) recusavam o projeto. Apenas a National Periodical (hoje DC Comics) resolveu apostar nos dois jovens e seu Super-Homem. Compraram os direitos de publicação por apenas 130 dólares. E o resto é história.

Os anos seguintes

Depois que surge uma boa idéia, várias outras seguem o mesmo caminho. Com o Super-Homem não foi diferente. Homens com capas e superpoderes começaram a surgir numa explosão sem precedentes. De um momento para o outro, a Terra tinha mais salvadores do que problemas. Cada cidade do continente americano possuía um “super-alguma-coisa” disposto a defender a moral e os bons costumes. Nem mesmo décadas de confrontos com supervilões, guerras, morte, ressurreições, marketing, clones, nada conseguiu abalar a credibilidade e a popularidade dos super-heróis. Crianças, jovens e adultos continuam a acompanhar suas histórias, sejam elas engraçadas, sombrias, ou humanitárias, como quando Super-Homem e Batman juntos lutaram contra a fome.

O final dos anos 80 e início dos anos 90 marcaram a humanização dos super-heróis. Autores consagrados procuraram resgatar a humanidade perdida dos seres mais poderosos do planeta, tentando destruir a imagem de que estes personagens poderiam, se quisessem, mudar o curso da história. Mais e mais superseres passaram a ter uma visão mundana e mais preocupada com a realidade. E esta avalanche que tentou mudar a história em quadrinhos também teve como astro inaugural o primeiro dos novos deuses: Super-Homem. Após décadas de poderes ilimitados, John Byrne, em junho de 1986, transforma o Homem de Aço num Homem Terreno: ele não podia mais viajar no tempo, viver no espaço e nem mais ser eterno.

Kurt Busiek renovou o Universo Marvel em 1993 com a minissérie Marvels (publicada no Brasil em 1995 pela Editora Abril Jovem). Num mundo em que imperam os super-heróis, Busiek procurou o ponto de vista do cidadão comum: um repórter. Este símbolo do contador de histórias do mundo moderno serve de identificação com o leitor. O destaque da minissérie não está nos super-heróis, mas sim no ponto de vista do repórter sobre um mundo onde existem super-homens capazes de fazer tudo o que as pessoas comuns apenas sonham.

No ano passado, Busiek criou uma cidade cheia de super-heróis: Astro City. Nela, tudo se passa num clima de anos 50, os anos de ouro do consumismo americano, dos carrões passeando sem se preocupar com crise de combustível, e de homens e mulheres de chapéu. E é nesta cidade que seus super-homens e super-mulheres vivem as angústias do dia-a-dia. Samaritan, o herói mais parecido com o Super-Homem original, vive o seu dia dividido entre seu emprego como revisor de uma grande editora e sua obrigação de salvar o mundo inteiro. Sua prioridade é salvar pessoas e evitar catástrofes. Inclusive, ele se recrimina quando perde muito tempo salvando um gatinho de uma árvore e quase não consegue salvar uma pessoa. Os super-heróis de Busiek na série Astro City aparentemente não têm a perspectiva do homem comum. Mas nos sonhos, Samaritan pode voar. Ora, como todo superser que se preze, ele vive voando e salvando o mundo. Mas o que ele quer é voar, só isso, num sonho que qualquer pessoa comum tem. Apenas voar.

Vigilantes

Talvez o exemplo mais concreto de um super-herói que perdeu a perspectiva de sua humanidade seja o Dr. Manhattan. Criado por Alan Moore e David Gibbons na minissérie Watchmen, o Dr. Manhattan é um ser onipresente e onisciente, resultado de uma experiência nuclear que acabou em tragédia. O físico Jon Osterman sem querer entra em um compartimento usado para testes radioativos e tem seu corpo destruído. Todos acreditam que esteja morto, mas ele apenas se transformou, sendo capaz de rearranjar os átomos à sua vontade e ver além da superfície: o Dr. Manhattan consegue enxergar átomos, moléculas e partículas e ver o passado, o presente e o futuro… ao mesmo tempo!

Por causa desse seu ponto de vista totalmente inédito, Manhattan perdeu completamente sua humanidade, tornado-se cético e distante, deixando de se preocupar com assuntos mundanos. Para ele, a composição molecular de uma pessoa viva é tão parecida que não se consegue distinguir uma da outra. Ao ultrapassar a linha entre o “normal” e o “super”, Manhattan perdeu também a capacidade de compreender sentimentos básicos, como o amor.

Mas nem tudo está perdido para o Dr. Manhattan. Ao descobrir que sua namorada é filha do Comediante, por quem a mãe dela sentia verdadeiro nojo, notou que às vezes a improbabilidade pode se transformar em realidade. Para ele, que podia passear pelo espaço-tempo sem esforço, aquele fato abriu seus olhos para uma característica do ser humano, algo que dá sentido à vida: o improvável, o imprevisível. Tão imprevisível como a morte.

Em 1992, Joe Shuster morreu, cego de um olho, sem poder desenhar mais o seu personagem, que passou a pertencer à DC Comics. Em janeiro deste ano, foi a vez de Jerry Siegel. Em um anúncio publicado em suas revistas, a DC faz o seu mea culpa. O texto do anúncio diz: “Ele olhou para o céu. Ele atreveu-se a sonhar. Ele nos deu um ícone. E nos ensinou a voar”. O Super-Homem que os rapazes Siegel e Shuster criaram continua a voar pelos céus de Metrópolis, perseguindo o ideal de ser perfeito num mundo cheio de injustiças e que, agora, ficou mais triste.


Sérgio Miranda

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Os fantásticos mundos de Robert E. Howard – XI

A História por trás da História

Vou confessar: esta é uma história que há mais de uma década eu vinha tendo vontade de fazer.

Durante meu primeiro período como escritor das histórias do Conan na Marvel, de 1970 a 1981, concebi a idéia de combinar Conan e seu criador, Robert E. Howard, numa única história. Desde então, de tempos em tempos, eu costumava imaginar um roteiro.

Num certo sentido, eu e Barry Smith escrevemos uma história para a Marvel que pode ser considerada a predecessora de “Bárbaros da Fronteira”. A história, de sete páginas – publicada na revista CHAMBER OF DARKNESS nº 4 no início de 70 -, foi chamada, apropriadamente, de “The Sword and the Sorcerer”, (A Espada e o Feiticeiro) e falava de um guerreiro semelhante a Conan, chamado Starr – the Slayer, que se aventurava no século XX para executar seu criador, um escritor de fantasia que planejava “matar” o seu personagem em sua próxima história.

Mesmo assim, com o passar dos anos, minha vontade de fazer uma aventura com Howard e Conan continuou aumentando, e prometi a mim mesmo que, tão logo tivéssemos terminado de adaptar todas as histórias de Howard/De Camp/Carter na SAVAGE SWORD (Espada Selvagem), eu faria isso.

Porém, uma vez chegada a ocasião, acabei não fazendo isso. E, em retrospecto, estou contente por não ter feito.

Isso porque, na década de 80, a criação de Conan por Howard foi colocada numa perspectiva mais ampla por livros como Dark Valley Destiny (biografia de Robert E. Howard escrita por De Camp/Griffin e publicada em 1983), One Who Walked Alone (de 1985; as memórias de Howard escritas por Novalyne Price Ellis, que o conheceu nos últimos anos de sua breve vida) e Post Oaks and Sand Roughs (de 1990; uma autobiografia ligeiramente romanceada que Howard escreveu em 1928 e que antecede a concepção de Conan em vários anos).

A principal fonte de inspiração para “Bárbaros da Fronteira”, porém, foi um punhado de cartas que o próprio Robert Ervin Howard escreveu a diversos correspondentes (inclusive os escritores de histórias de horror H. P. Lovecraft e Clark Ashton Smith) a respeito da gênese do Cimério. Essas e outras cartas do escritor foram reunidas, compiladas e publicadas geralmente sob os auspícios de Glenn Lord, cuja bibliografia, The Last Celt, também teve influência nesta história.

A idéia era combinar uma história de Conan com a sua criação, em 1932, por Robert E. Howard – e, como um terceiro elemento, uma “aventura” acontecendo com o próprio Howard, que iria se descobrir, no final, ser uma fantasia, tanto quanto o próprio Conan. Na verdade, se, no final da história, você não souber ao certo qual dos dois – Howard ou Conan – é o mais literalmente “real”, isso também está ótimo.

Mas, como muitos leitores podem estar interessados, achamos que devíamos esclarecer precisamente que partes do episódio com Howard em “Bárbaros da Fronteira” são baseadas no que ele afirmou ter realmente acontecido e que partes são pura invenção. Portanto, aqui vai…

No início de 1932, Howard, que completara 26 anos em 22 de janeiro, estava já há vários anos vendendo histórias para as revistas pulp da época (revistas de capa mole e papel barato que reuniam contos diversos, às vezes acompanhados de algumas ilustrações). O Rei Kull, Salomão Kane, El Borak, Bran Mak Morn e outros heróis, modernos e históricos (e, no caso de Kull, pseudo-histórico), já haviam fluído de sua máquina de escrever na pequena cidade de Cross Plains, Texas, ao lado da rodovia para Abilene. Entre suas principais influências – alguns nomes ainda lembrados até hoje, outros quase esquecidos – estavam Edgar Rice Burroughs, H. P. Lovecraft, Talbot Mundy, Harold Lamb, Robert W. Chambers e H. Rider Haggard.

Porém, no inicio de 1932, como o próprio Howard escreveria depois, “eu estava absolutamente vazio de idéias, completamente incapaz de criar alguma coisa vendável”. Após ter decidido, em fevereiro, que precisava de umas férias longe da sua cidade, o escritor fez uma viagem de ônibus ao sul, para San Antonio e o Vale do Rio Grande, chegando inclusive à cidade fronteiriça de Rio Grande, a meio caminho entre Laredo e a cidade costeira de Brownsville.

Howard considerou San Antonio “sem dúvida, a cidade mais interessante e pitoresca do Texas, possivelmente de todo o sudoeste”. Ali, como escreveu depois, “conheci por alto um indiano que havia passado a maior parte de sua vida na China”.

Ele não revelou o nome do homem em suas cartas, nem (ao contrário da nossa história) mencionou que ele estivesse no ônibus que partiu de San Antonio em direção ao sul. Nós inventamos isso!

Howard era dado a inventar histórias, tanto pessoalmente quanto em suas cartas. Mas, neste caso, provavelmente estava contando a verdade quando disse que o homem relatou a ele muitas “torturas do Oriente” e como havia visto “centenas de comunistas chineses decapitados nas ruas”. Howard escreveu a Lovecraft: que “só de imaginar tal evento fiquei nauseado”.

Em sua viagem, Howard desceu o Vale do Rio Grande até a cidade de Rio Grande, na fronteira mexicana (o rio em si faz fronteira entre os EUA e o México).

No livro Dark Valley Destiny, os autores contam que, em algum lugar no caminho, provavelmente na cidade de Rio Grande, Howard “substituiu seu boné de pano habitual por um enorme sombrero preto mexicano”, que era pelo menos um número grande demais. Um conhecido de Cross Plains, entrevistado anos depois, relatou: “Deus, aquela coisa engolia ele!”.

Foi enquanto Howard estava apreciando tortillas e vinho espanhol que… bem, vamos deixá-lo contar em suas próprias palavras: “Conan simplesmente surgiu em minha mente alguns anos atrás, quando eu estava fazendo uma parada numa pequena cidade fronteiriça na parte baixa do Rio Grande. Eu não o criei por nenhum processo consciente. Ele simplesmente surgiu do nada, totalmente desenvolvido, e me pôs para trabalhar registrando suas aventuras”.

Ao retornar à casa de seus pais em Cross Plains, Howard logo criou uma biografia geral, e até o rascunho de um mapa do mundo imaginário de seu novo herói, antes de começar a escrever a primeira história a seu respeito. Assim nasceu “A Era Hiboriana”, o ensaio que formou o substrato pseudo-histórico de toda a saga de Conan.

Desde o início, Howard de alguma forma sentiu que Conan era mais “real” para ele do que seus heróis anteriores. Como escreveu depois: “Pode soar fantástico ligar o termo ‘realismo’ a Conan, mas na verdade – deixando de lado suas aventuras sobrenaturais – ele é o personagem mais verossímil que já elaborei. É simplesmente uma combinação de diversos homens que conheci, e acho que é por isso que ele parece ter surgido totalmente desenvolvido na minha consciência quando escrevi o primeiro conto da série. Algum mecanismo do meu subconsciente apreendeu características dominantes de diversos lutadores, jogadores, pistoleiros, contrabandistas, valentões de campos de petróleo e trabahadores honestos com quem eu havia entrado em contato e, combinando todas essas características, surgiu o amálgama que chamo de Conan, o Cimério”.

Howard também relatou: durante semanas não fiz nada exceto escrever as aventuras de Conan. O personagem tomou minha mente e expulsou tudo o que pudesse me impedir de contar suas histórias. Quando, deliberadamente, tentei escrever outra coisa, não consegui.

O mapa que Howard desenhou ajudou-o a manter sua geografia da Era Hiboriana em ordem – pelo menos “dos países a oeste de Vilayet e ao norte de Kush”.

Embora a primeira história de Conan a ser vendida para Weird Tales (“The Phoenix on the Sword”) apresente seu herói já como rei, Howard começou logo a saltar aleatoriamente pela vida que havia mapeado mentalmente para seu novo personagem. Afinal, como Howard afirmou: “Um aventureiro normal contando ao acaso histórias de uma vida movimentada raramente segue um plano ordenado, mas, sim, narra episódios largamente separados no tempo e no espaço à medida que vai se lembrando”.

Na verdade, “The Phoenix on the Sword” foi uma versão meticulosamente reescrita de “By This Axe I Rule”, uma história rejeitada do Rei Kull. Mas Howard deu continuidade à saga quase imediatamente, com outras histórias de Conan totalmente novas, inclusive “The Frost Giant’s Daughter”, “The God in the Bowl” e “The Vale of Lost Women” – e todas as três foram rejeitadas na época pelo editor da Weird Tales e só foram publicadas anos depois da morte do escritor!

Contudo, dezessete histórias de Conan foram vendidas e publicadas entre 1932 e 1936, enquanto oito outras – não vendidas ou até inacabadas – foram deixadas para De Camp, Lord e outros descobrirem quase uma geração depois.

Quanto à questão de Robert E. Howard ter ou não fantasiado uma aventura consigo mesmo… bem, temos a palavra de pessoas que o conheceram e afirmam que ele frequentemente parecia imaginar inimigos de tocaia atrás de cada esquina. Uma vez, conduzindo um visitante, Howard parou subitamente o carro, pegou sua arma e saltou fora para inspecionar um rochedo à sua frente – explicando depois que queria ter certeza de que nenhum inimigo seu estava se escondendo atrás da pedra esperando para emboscá-los. Ele provavelmente estava apenas brincando com o amigo. Ainda assim, como August Derleth, escritor e correspondente de Howard declarou, “ele vivia num mundo que era pelo menos quase de faz-de-conta”.

Sem dúvida, a viagem de Howard para o sul do Texas, mesmo considerando o encontro pitoresco com aquele indiano, foi relativamente desprovida de acontecimentos, se não levarmos em conta a aventura interior que foi a criação de Conan. Mas Howard poderia não tê-la visto dessa maneira.

Além dos fatos objetivos da criação de Conan numa cidade fronteiriça em fevereiro de 1932, foi um trecho de uma carta escrita por Howard em 1931 que plantou em mim a idéia da história desta edição. Escrevendo a um amigo, Howard opinou que “nove vezes em dez uma arma não vai servir para nada no caso de uma encrenca. No caso de um assalto, normalmente o outro sujeito terá a vantagem da surpresa. Mas sempre existe uma chance da arma poder ser útil”.

Ele continuou: “Certa vez, à meia-noite, numa cidadezinha na divisa de Oklahoma, eu teria dado um dente por um trabuco de algum tipo”.

Essa frase ficou na minha cabeça por todos esses anos, desde que a vi pela primeira vez, impressa nas páginas de The Howard Collector, uma publicação especializada editada por Lord.

Se ele suspeitava de perigo na divisa entre o Texas e Oklahoma, raciocinei, por que não sentiria o mesmo na atmosfera muito mais hostil de uma cidade na fronteira mexicana?

Assim nasceu “Bárbaros da Fronteira”, e deixo aqui meus agradecimentos a Mike Rockwitz, à Marvel e aos artistas John Buscema e Ernie Chan por me darem a chance de finalmente ver esse trabalho realizado após todos esses anos.


Roy Thomas

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Os fantásticos mundos de Robert E. Howard – X

O criador de bárbaros

Por Glenn Lord, agente literário do espóliio de Robert E. Howard.

Aquele que viria a ser o criador de Conan, Robert Ervin Howard, nasceu no dia 22 de janeiro de 1906 em Peaster, Texas, um pequeno vilarejo cerca de setenta quilômetros a sudoeste de Fort Worth. O pai, um médico do interior, fez a família se mudar por todo o Texas durante anos até finalmente se estabelecer em Cross Plains, uma cidadezinha no Texas Central, em 1919.

Quando ainda estava no colégio, o jovem Robert começou a redigir contos para tentar vender às revistas da época. Uma lista cronológica de seus trabalhos numa carta a um amigo, escrita por volta de 1929, indica que a primeira história oferecida foi “Bill Smalley and The Power of the Human Eye”, rejeitada por duas editoras em 1921. Howard conseguiu sua primeira venda em 1924, quando a revista Weird Tales aceitou “Spear and Fang”, um conto sobre cro-magnons e neandertais comprado por 18 dólares, pagos quando a história foi publicada.

Robert arrumou vários tipos de emprego depois de se formar no colegial, pois seus escritos rendiam muito pouco. Trabalhou num escritório de advocacia como secretário particular, carregou mira topográfica para um geólogo, escreveu notícias dos campos de petróleo para diversos jornais, trabalhou como estenógrafo público e finalmente numa drogaria. No outono de 1926, desanimado com sua falta de sucesso como escritor, matriculou-se num curso de contabilidade na Howard Payne College, em Brownwood.

Logo, porém, Howard estava escrevendo peças humorísticas para The Yellow Jacket, o jornal da faculdade, e novamente apresentando histórias a diversos compradores em potencial, conseguindo vender algumas para a Weird Tales. Na lista de histórias rejeitadas durante esse período, podemos apenas conjecturar quais os temas por trás dos títulos, já que os manuscritos aparentemente não sobreviveram: “The Valley of the Golden Web” (O Vale da Teia Dourada), “Sanctuary of the Sun” (Santuário do Sol), “The Crimson Line” (A Linha Escarlate), “Vulture’s Roost” (O Ninho do Abutre), “Windigo! Windigo!”.

Salomão Kane, o severo espadachim justiceiro e puritano, foi o primeiro de uma série de personagens a serem publicados (1928). O ano seguinte viu o advento de Kull, o selvagem atlante que toma o trono da fabulosa Valúsia na Era Pré-Cataclísmica – isto é, antes da Atlântida afundar. Muitas das histórias de Kull, porém, não encontraram mercado até serem coletadas em forma de livro em 1967.

Em 1930, Howard tinha se tornado uma presença regular em Weird Tales e já havia chegado à revista Fight Stories com suas histórias humorísticas sobre o marinheiro Steve Costigan. Mais para o fim daquele ano, ele escreveria uma série de contos históricos de aventura para a Oriental Stories, uma revista que teve pouca duração, editada pela mesma companhia que fazia a Weird Tales.

A Grande Depressão, como não podia deixar de ser, teve seu efeito deletério na indústria editorial. Durante algum tempo, Weird Tales reduziu sua frequência de mensal para bimestral e, mesmo depois de voltar à sua programação mensal, a revista não conseguia mais pagar seus colaboradores. Oriental Stories foi suspensa em abril de 1932 e só voltaria às bancas em 1936.

Forçado a procurar novos mercados, Howard experimentou histórias de detetives, com poucos resultados, e mais tarde admitiria que não se dava bem com esse gênero. Por outro lado, depois de alguns fracassos iniciais, encontrou sucesso no faroeste e teve histórias desse gênero publicadas na revista Action Stories, de 1934 até depois de sua morte, em 1936.

A edição de novembro de 1932 da Weird Tales apresentou outro personagem conhecido, Bran Mak Morn, o chefe picto cujas batalhas com as legiões romanas na Britânia se tornaram muito populares.

A edição do mês seguinte, contudo, revelou um herói que logo iria sobrepujar todos os outros e seria de longe o seu personagem mais famoso: Conan, o Cimério. A primeira história de Conan, “The Phoenix on the Sword”, era na verdade uma nova versão de uma história rejeitada de Kull, chamada “By This Axe I Rule!”.

O mundo e a carreira de Conan são bem conhecidos pelos leitores: ele progrediu de aventureiro, ladrão, pirata e mercenário até chegar ao trono da Aquilônia na Era Hiboriana, um período mítico cerca de 12.000 anos atrás, entre o desaparecimento da Atlântida e o início da história registrada.

De 1932 a 1936, a Weird Tales apresentou dezessete contos de Conan. Em 1936, Howard atravessava uma excelente fase, vendendo histórias de diferentes gêneros para a Weird Tales e Action Stories, para alguns títulos da editora Street & Smith e para a revista Spicy Adventures Stories (aqui, contos mais picantes, escritos sob pseudônimo).

Todavia, as cartas de Howard a seus correspondentes indicavam sua crescente preocupação com o estado de saúde de sua mãe. Em 1935, a sra. Howard havia sofrido uma cirurgia no King’s Daughters Hospital, em Temple, Texas, e nunca mais recuperou a saúde. Dali em diante, iria exigir visitas periódicas e cuidados intensivos de enfermagem.

Na manhã do dia 11 de junho de 1936, a enfermeira responsável respondeu negativamente quando Robert perguntou se sua mãe algum dia sairia do coma em que se encontrava. Ao ouvir a resposta, ele caminhou até seu carro, estacionado no fundo de sua casa nos subúrbios de Cross Plains, entrou e disparou uma bala na cabeça.

Howard morreu oito horas depois. A sra. Howard expirou cerca de trinta horas mais tarde. Os dois foram sepultados num funeral duplo no Greenleaf Memorial Cemetery, em Brownwood.


Glenn Lord

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Os fantásticos mundos de Robert E. Howard – IX

O Tigre da Atlântida

A história publicada em ESC (Espada Selvagem de Conan) nº 73 é a “origem” do Rei Kull, a qual foi publicada originariamente no primeiro número da revista do personagem nos EUA, em 1971. Nela, Roy Thomas condensa, através de flash-backs, o conto Exiles of Atlantis, de Robert E. Howard, e introduz Brule, o bárbaro das ilhas Pictas que se torna o melhor amigo do rei.

A lenda de Kull ganhou vida em agosto de 1929, quando a revista Weird Tales publicou o primeiro conto do personagem, The Shadow Kingdom. A ação se desenvolvia na era pré-Cataclísmica, aproximadamente há 20 mil anos, narrando a história de Kull, um bárbaro criado por tigres nas florestas de Atlântida, e sua luta para defender o trono que usurpou em Valúsia, maior reino do continente thuriano.

Howard pode ter sido inspirado a escrever sua fantasia heróica baseado em reinos exóticos de eras esquecidas por seu amigo Clark Ashton Smith, que publicou em junho de 1930, em Weird Tales, a primeira de uma série de histórias sobre Atlântida. Smith, Howard e H. P. Lovecraft, os principais escritores de Weird Tales, tinham o costume de trocar manuscritos originais para considerações entre si.

Ao todo, Howard escreveu ou começou a escrever treze narrativas sobre o mundo de Kull. Mas apenas duas acabaram sendo publicadas em Weird Tales. Somente 30 anos após a morte do autor, as demais histórias foram descobertas e publicadas, revelando que o primeiro conto de Conan não passava de uma adaptação de uma história de Kull, com os nomes dos personagens alterados.

De todo modo, The Shadow Kingdom tornou-se um marco para os estudiosos, consagrando-se como a configuração do gênero Sword and Sorcery (espada e feitiçaria). Howard reuniu três estilos numa única embalagem: os resplandescentes reinos de magia esquecidos de Clark Ashton Smith, o horror e o mal pré-humano de H. P. Lovecraft, e o heroísmo de capa-e-espada, de Harold Lamb, Rafael Sabatini e Talbot Mundy.

Quatro anos depois de escrever as histórias de Kull, Howard chegou ao ápice de sua conjuração literária de guerreiros bárbaros, princesas exóticas, bandidos sanguinários em reinos imaginários, repletos de cidades em ruínas, campos de batalhas épicas, feitiçaria e maldade ancestral, numa história chamada The Phoenix on the Sword. O herói da história se chamava Conan.


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Os fantásticos mundos de Robert E. Howard – VIII

A Era Hiboriana

Este quadro cronológico da Era Hiboriana é o resultado de uma minuciosa pesquisa do americano Mike McCoy que abrange, com detalhes, povos, sociedades e religiões da era bárbara. Sem dúvida, é uma contribuição de grande valor para nos situarmos na fascinante criação de Robert E.Howard.

18.000 a.C. – Era Pré-cataclísmica.

17.800 a.C. – Primeiro cataclismo. As ilhas da Atlântida e Lemúria afundam, as ilhas pictas se tornam montanhas, o povo lemuriano é escravizado pela “Antiga Raça”.

17.500 a.C. – Os atlantes regridem à selvageria: A evolução picta é estagnada. Zhemri, uma nação não-valusiana, progride ao sul, ilesa.

16.800 a.C. – Atlantes regridem ao nomadismo dos homens-macacos, desprovidos da linguagem humana. Pictos mantêm linguagem humana e vivem em clãs dispersos no sudoeste.

16.600 a.C. – Os lemurianos se rebelam e derrotam seu escravizadores, a “Antiga Raça”.

16.500 a.C. – Os sobreviventes da “Antiga Raça” se deslocam para o oeste e encontram uma civilização pré-humana. Os hiborianos do norte crescem em população.

16.200 a.C. – Os sobreviventes da “Antiga Raça” dominam a civilização pré-humana, substituem e modificam sua cultura. É o início dos Reinos Negros.

16.000 a.C. – A Stygia é formada pelos sobreviventes da “Antiga Raça”.

15.800 a.C. – Os hiborianos começam a se deslocar para o sul.

15.500 a.C. – Acheron é formada por estígios rebeldes. Zhemri inicia a restauração de sua antiga cultura. Os pictos se deslocam para o oeste para fazer a expansão hiboriana e a de Acheron. Atlantes-símios começam a se deslocar para o norte. Selvagens nômades, os filhos de Shem seguem para a fronteira leste da Stygia. Primeiras construções hiborianas com pedra.

15.400 a.C. – Hiperbórea passa a existir. Guerras isolam os Reinos Negros.

15.000 a.C. – Zamora é fundada por descendentes dos zhemris. Khitai é fundada por descendentes dos lemurianos. Pictos são empurrados para a Costa Oeste. A Stygia domina as planícies de Shem. A maioria dos reinos hiborianos começa a tomar forma.

14.400 a.C. – Atlantes começam um estágio de desenvolvimento a partir do qual passam a ser denominados cimérios. Koth é formada por hiborianos dispersos.

14.300 a.C. – Acheron permite o avanço de hiborianos dispersos para atacar a Stygia e conquistar as planícies de Shem. A Hiperbórea é dominada, mas seu nome é mantido. Kush passa a existir como resultado de uma guerra de meio século entre tribos negras.

14.200 a.C. – Uma tribo picta invade o Vale de Zingg. Selvagens loiros do norte iniciam deslocamento ainda mais para o norte.

14.100 a.C. – Zíngara é formada por uma tribo de hiborianos nômades que invade o Vale de Zingg. Shem declara independência da Stygia. Stygia não reconhece Shem. Forma-se Kulalo na Costa Meridional.

14.000 a.C. – O aço é descoberto e sua utilização logo se divulga entre os reinos principais. Koth e Ophir são formados pelos hiborianos que atacaram a Stygia. Ophir sofre forte influência de Acheron. Koth é pressionada tanto pela influência de Acheron como de Zamora. Corinthia é formada pelos hiborianos originais.

13.800 a.C. – A Britúnia é formada por britunianos dispersos do norte. Shem avança na Stygia para além do rio Styx.

13.600 a.C. – Darfar e Keshan se formam ao longo da fronteira de Kush. Os cimérios progridem mais rápido que os pictos.

13.100 a.C. – Acheron é destruída pelos hiborianos e a Grande Aliança de Khossus V. Kushan e Vhendia são formadas por descendentes dos lemurianos. Reinos recém-formados de Atália e Kordafa inciam sangrentas guerras.

12.900 a.C. – Aquilônia recupera muito da arruinada Acheron. Pântanos Bossonianos, Gunderlândia, Britúnia, Corinthia e Ophir crescem em tamanho. Sangrentos conflitos negros com nenhum vencedor evidente.

12.500 a.C. – Surge Meru. Os selvagens loiros do norte expulsam todas as tribos, exceto aquelas abrangidas pelo reino da Hiperbórea.

12.200 a.C. – Nordheim é formada pelos selvagens loiros. A Ciméria é formada pelos descendentes dos atlantes.

11.700 a.C. – Nordheim é dividida entre os vanires ruivos de Vanaheim e aesires loiros de Aesgaard.

11.500 a.C. – Descendentes dos lemurianos se unem e fundam a Hirkânia.

11.300 a.C. – Turan é fundada pela tribo hirkaniana. Zimbabo torna-se reino governado por irmãos gêmeos.

10.000 a.C. – Nasce Conan, da Ciméria.

9.800 a.C. – Aquilônia anexa Argos, Ophir, Shem Ocidental e Zíngara. Corinthia, Koth e Shem Oriental passam a pagar impostos à Aquilônia.

9.700 a.C. – Hiperbórea declara guerra à Aquilônia e é derrotada nas planícies do Reino da Fronteira.

9.600 a.C. – Britúnia, Koth, Nemédia e Zamora formam uma aliança com o intuito de destruir a Aquilônia.

9.500 a.C. – Primeira invasão hirkaniana. Cavaleiros de Turan varrem Corinthia e Zamora, mas são detidos na Britúnia pela Aquilônia.

9.300 a.C. – Zamora é reconquistada dos hirkanianos. Segunda e terceira invasões hirkanianas.

9.200 a.C. – Aesir faz recuar a fronteira hiperbórea. A Stygia paga impostos à Aquilônia. Os pictos crescem em população e poder. Cimérios saqueiam a Aquilônia, Pântanos Bossonianos e Pictos.

9.120 a.C. – Arus, o nemédio, encontra Gorm, o picto. Os pictos aprendem a mineração, metalurgia e a forjar o ferro.

9.110 a.C. – Pântanos Bossonianos são devastados por shemitas. Invasão picta toma os Pântanos Bossonianos e avança Aquilônia adentro. Corinthia, Shem e Zíngara quebram a hegemonia aquiloniana. A Aquilônia convoca legiões de todas as partes do império para combater os pictos.

9.105 a.C. – Cimérios se aproveitam do caos para saquear as cidades, destruir áreas de plantio e retornar às planícies. O Império Aquiloniano desmorona em meio a sangue e chamas. Invasão hirkaniana de Turan toma Zamora. Invasores hirkanianos do norte do Mar Vilayet se unem às forças de Turan.

9.100 a.C. – Invasão hirkaniana rende Britúnia, devasta a Hiperbórea Meridional e a Corinthia. Cimérios são empurrados colinas adentro. Shem conquista Koth. Stygia repele invasão shemita.

9.095 a.C. – Pictos se tornam hegemônicos da Aquilônia. Refugiados zíngaros são fixados em Zamora por hirkanianos.

9.080 a.C. – Argos desmorona ante invasão picta. Pictos encontram hirkanianos das planíces de Ophir. Hirkanianos devastam Stygia e Reinos Negros até a Bacia Amazona.

9.075 a.C. – Uma tribo Aesir penetra na Nemédia e detém tanto hirkanianos quanto pictos.

9.000 a.C. – O Império Picto se estende da Costa de Vanaheim até as praias meridionais de Zíngara, toda a Aquilônia, Argos, Ophir, Koth Ocidental e Shem Ocidental. O Império Hirkaniano se estende da Hiperbórea central até o norte da Stygia, toda Zamora, Britúnia, Reino da Fronteira, Corinthia, Koth Oriental e todas as terras de Shem Oriental até o Mar Vilayet. As fronteiras da Ciméria permanecem intactas. Nemédia, dominada por mercenários aesires, resiste a todas as invasões.

8.900 a.C. – Início das glaciações nórdicas.

8.700 a.C. – Aesir invade Hiperbórea. Nemédia é governada por mercenários aesires.

8.500 a.C. – Invasão ciméria. Nenhum exército ou cidade resiste a ela. Cimérios destroem Gunderlândia e Nemédia, atravessam a Aquilônia e derrotam o exército hirkaniano na Britúnia.

8.450 a.C. – Hordas de aesires e vanires seguem os cimérios e tomam a Nemédia. O Império Picto estremece a essa invasão.

8.400 a.C. – Nemédios fogem para Koth, expulsam tanto pictos como hirkanianos e ajudam Shem a fazer o mesmo. Stygia fica sitiada por Reinos Negros.

8.350 a.C. – Uma tribo aesir expulsa hirkanianos da Britúnia.

8.300 a.C. – A invasão nórdica faz o Império Hirkaniano recuar ao Mar Vilayet. Cimérios destroem antigo reino de Turan e se fixam no litoral sudoeste do mar.

8.275 a.C. – Uma tribo vanir rende a Stygia e ergue um império ao sul.

8.200 a.C. – Pictos ainda mantêm a Aquilônia e a maior parte de Zíngara. Tribos nômades de aesires, hiperbóreos e vanires vivem ao sul do círculo ártico até Zimbabo e de Shem Oriental até o Mar Vilayet. Não resta nenhuma cidade exceto Stygia e Shem.

7.000 a.C. Segundo cataclismo. A Costa Ocidental afunda junto com Aesgaard, Pântanos Bossonianos, Sertões Pictos e Vananheim. No lugar da Ciméria surgem os Mares Bálticos e do Norte. A Stygia torna-se parte da massa de terra da África.

6.000 a.C. – Aurora da História Moderna.


Mike McCoy

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Os fantásticos mundos de Robert E. Howard – VII

Os reinos negros da Era Hiboriana

I. Ao Sul da Stygia

O pouco que se sabe das vastas terras ao sul dos desertos estígios foi contado pelos escravagistas de Shem e pelos navegantes mercadores de Argos. O resto do mundo denominava aquela região por Kush, ainda que este fosse o nome do mais setentrional dos reinos negros que, como tantas outras nações, lutava pela hegemonia.

Aventureiros da misteriosa Stygia rumaram para o interior de Kush, séculos antes do tempo de Conan, estabelecendo capital em Meroé, localizada numa planície verdejante, próxima a um rio. Meroé consistia de uma cidadela encerrada por espesso paredão, reduto de sanguinários governantes, e de uma outra, mais externa, onde habitava a população subjugada. Os governantes eram mais escuros que os ancestrais estígios, e aqueles que trabalhavam como soldados, servos e artesãos eram verdadeiros gigantes de ébano.

II. Reinos e Povos

Os principais povos a leste de Meróe eram os cidadãos de pele amarela de Xuthal, a cidade maldita, os Ghanatas e membros da tribo de Tibu, que eram de descendência estígio-kushita, e a nação dividida de Tombalku, composta de uma maioria negra.

A área a leste de Tombalku era dominada pela nação bárbara de Darfar. Embora o país tivesse se tornado notório por seu culto canibal, há evidências de que o costume não era totalmente difundido por seu povo. É mesmo possível que houvesse divergências internas em Darfar, entre os adeptos de tal culto e os que o abominavam. Uma suposta vitória dos não-canibais teria sido seguida por volumosa venda dos antropófagos aos escravagistas shemitas, servindo de explicação para a presença de grande número de darfarianos em Zamboula.

O território a leste de Darfar era abundante em vegetação, e recortado por gigantescas cadeias de montanhas. O reino mais importante desta área era Keshan, e sua população consistia de negros governados por senhores de pele mais clara, embora aqui as relações entre as duas raças fosse relativamente mais harmoniosa, sendo que havia possibilidade de ascenção hierárquica para os negros na carreira sacerdotal.

Uma cadeia de montanhas e o rio Styx separavam Keshan de sua antiga rival, Punt. Ainda que os puntianos cultuassem uma deusa de marfim, eles não eram governados por brancos.

Estes eram os territórios conhecidos pelos escribas da Era Hiboriana. Ao sul deste cinturão de reinos organizados jazia uma extensão alternada de florestas e savanas, desde a então chamada Costa Negra até os territórios do lendário império de Zimbabo.

III. A Costa Negra

Os povos da Costa Negra pertenciam ao mesmo grupo racial dos kushitas: negros, vigorosos, feições rudes e cabelos crespos. Politicamente, estavam organizados em reinos tribais de tamanho e complexidade variados. Essa região desfrutava de intenso comércio com Argos. Dois dos reinos mais proeminentes da Costa Negra foram Suba e Abombi. Além do entroncamento leste do Rio Zarkheba, havia uma densa floresta tropical. Os habitantes desta região, ao sul de Darfar, dividiam-se em tribos que se confrontavam incessantemente por água, terras e escravos. As mais destacadas destas tribos guerreiras eram Bamula, Bakalan e Jinji.

IV. Nascem as Lendas

Nas planícies e campinas que dominavam a paisagem do território a leste dos reinos guerreiros, localizava-se a misteriosa cidade de Suchotl. Vários quilômetros a sudeste dela encontravam-se savanas esparsamente povoadas por nômades negros que viviam de seus rebanhos. Estes pastores devem ter tido um sistema de vida similar aos dos Masais, da África Oriental moderna.

Uma larga faixa de selvas separava as planícies de Suchotl do império de Zimbabo, cuja fronteira ao norte era recoberta por uma extensão de pântanos que se tornavam intransponíveis em épocas de chuva. Descendentes de vigorosa tribo chamada Kchaka, os primeiros homens zimbabos ergueram uma cidade sobre as ruínas de uma provável civilização pré-humana. Mais tarde, eles domesticaram um ancestral do pterodáctilo. Suas construções eram de pedra e sua arquitetura se caracterizava pelas paredes espessas e torres descobertas. Zimbabo tornou-se a mais formidável nação do sul de Kush. Sua expansão militar e econômica foi muito temida pelas nações vizinhas, Punt e Keshan. É provável, inclusive, que Zimbabo tenha efetuado transações comerciais com Vendhia e o Arquipélago das Pérolas pelo grande Oceano Meridional.

Havia dois grandes centros urbanos em Zimbabo: uma capital setentrional e a Cidade Proibida, de onde os estrangeiros eram banidos. Ao contrário da maioria dos sistemas políticos das nações daquela época, Zimbabo era governada por dois reis.

V. Juma e as Amazonas

Na faixa litorânea do Mar do Oeste crescia um novo poder – Kulalo, centro do reino do velho companheiro mercenário de Conan, Juma. Diferente das nações comerciantes da Costa Negra, as tribos de Juma tinham pouco contato com o mundo externo, exceto pelas caçadas de escravos e ataques dos corsários negros. Por este motivo, as culturas desta região eram mais conservadoras e fechadas às inovações do que as nações do norte.

O maior rival do reino de Juma eram as amazonas que viviam ao sul de Kulalo. No interior da mata densa, as ancestrais dessas guerreiras negras dedicaram-se à construção de uma fortaleza que chamaram de Gamburu, desenvolvendo uma cultura em que o sexo feminino se empenhava exclusivamente no aperfeiçoamento das artes bélicas e os homens não passavam de servos e escravos. Aliás, grande parte da economia amazona estava baseada no trabalho escravo, pois Gamburu era um lucrativo mercado para os escravagistas de Ghanata.

VI. Piratas e Magos

Em termos raciais, os habitantes das ilhas diferiam do tipo predominante do continente, pois tinham cabelos lisos, traços mais delicados e compleição mais esguia. A atividade pirata deve ter servido de suplemento a uma economia baseada na pesca e agricultura de subsistência. Ao sul de Gamburu encontrava-se Atlaia, um reino envolto por tamanho mistério que chegava a ser considerado mítico.

Séculos antes da era de Conan, os atlaianos comerciavam com os shemitas e adotaram um dialeto comercial que passou a servir como língua franca nos Reinos Negros. Algum tempo mais tarde, porém, o povo de Atlaia acabou se isolando do resto do mundo, e deve ter tido força militar suficiente para isso, pois não há qualquer registro sobre ele ter sido escravizado por negros ou brancos.

Uma vegetação espessa recobria o flanco meridional de Zimbabo, até ser interrompida por planícies quilométricas ao longo da costa leste até a Grande Queda d’Água. Nessas planícies existiam apenas manadas de animais.

VII. E além…

As terras ao sul de Atlaia e das planícies costeiras ocidentais marcavam os limites dos Reinos Negros. Eram áreas selvagens constituídas por largas extensões de deserto, bem como estepes.

No ponto mais ao sul do grnade continente Thuriano encontrava-se Yanoga, a última fortaleza do Povo Serpente, os filhos de Set. Os aborígenes desta área constituíam uma raça baixa e de pele amarela.

Após o tempo do cimério, enquanto as terras hiborianas eram esmagadas por saques pictos a oeste e hirkanianos a leste, os Reinos Negros prosperaram e, até, empreenderam alguns ataques contra os antigos inimigos estígios, mas acabaram sendo rechaçados por uma nova dinastia estígia, de sangue Vanir.

Os abalos geológicos que formaram os perfis do mundo atual devem ter separado as terras ao sul do Rio Styx do resto do continente. Do oceano emergiu toda a costa oeste do que atualmente conhecemos por África.

Embora a maior parte da saga de Conan tenha se desenrolado nas terras ao norte da Stygia, o cimério de bronze aventurou-se por vários anos nos Reinos Negros, onde ficou conhecido pelo nome de Amra, o Leão. Naqueles dias, ele encontrou uma das poucas mulheres que conseguiram tocar seu rijo coração de aço: Bêlit, a Rainha da Costa Negra. Muitos foram os dias em que Conan e Bêlit empunharam as mesmas armas. Muitas, também, foram as noites em que partilharam das mesmas carícias… Mas esta é uma outra história…


Adaptação de texto de Charles R. Saunders
por Leandro Luigi Del Manto

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