Parque da Mônica – a epopéia (II)

II – A Chegada

Enfim, chegamos. Entramos no estacionamento, viramos, rampa, rampa, procura, procura, paramos. Com alívio descemos todos dos carros, espreguiçamo-nos e organizamos nossa entrada. E agora? Que fazer? Bem, primeiro as necessidades básicas do ser humano. Banheiro. Comida. Bebida. Cigarro.

O estacionamento dá acesso direto ao Shopping, pelo que, munidos das mochilinhas das crianças, fomos entrando em caravana. Só pra lembrar: eram SEIS crianças, com idades variando de 2, 4 a 8 anos. De imediato deu pra perceber que era que chamamos de shopping de “bacanas”. Tudo muito luxuoso, muito suntuoso, brilhante e organizado. Pensei em minha carteira, depois em minha conta-corrente, e suspirei…

Apesar do megacolossal tamanho da construção, ao chegarmos nos banheiros, ainda assim havia fila no lado feminino! O Universo não parava de mandar sinais – os quais foram solenemente ignorados… Dali fomos procurar uma praça de alimentação.

Anda, olha, lê placa, pergunta, procura, ficava na último andar. “Tãovamuintão!”. Após passarmos por 2.469 escadas rolantes, eis que chegamos. DUZENTOS MILHÕES DE PESSOAS ocupavam o recinto! Apesar da imensa área, toda coberta de mesas quadradinhas, não se via um local vago pra sentarmos – ainda mais em onze! Nesse momento, com sua característica virada de franja, o Evandro me encarou:

– Adauto!

– Diga!

– O Inferno existe!

– Sim! E é aqui!

No meio de tanta gente, não teve como não lembrar de um imenso tabuleiro de xadrez, ou campo de batalha naval… Cada um prum lado, começamos:

– Vi uma vaga em B-12!

– Tem uma maior em Q-14!

– Bispo pra Torre em Z-34!

Após alguns minutos acomodamo-nos. Nossas amadas, idolatradas, salve, salve, sempre precavidas esposas trouxeram lanches na bagagem, e pusemo-nos, literalmente, a repartir o pão. A Dona Patroa sacou duas bandejinhas com iguarias nipônicas, e a Andréa espalhou MacSanduíches caseiros para todos os lados. Mas precisávamos beber algo. O Paulo se adiantou e trouxe uma primeira leva de refrigerantes e uma cerveja – e minha parabólica entrou em operação! Deixa eu ver, onde foi, onde foi… Ah! Ali!

– Gente, vou ali pegar umas bebidas também, e já volto.

Fui no rastro de onde o Paulo tinha comprado as dele.

– Bom dia.

– Boa tarde, senhor.

– Ah. É. Boa tarde. Quanto é o refrigerante e a cerveja?

– Dois e quarenta o copo médio e dois e noventa a latinha, senhor.

Com a boca entreaberta, inclinando um pouco a cabeça e com o olhar fixo no vazio, encarei a mocinha do caixa. Dois e noventa? DOIS E NOVENTA? Que é isso? Putzquipáriu! Não dá pra acreditar! Onde estão os fiscais do Sarney quando precisamos de um? Será possível?

– Errr… Senhor?

– Ah, desculpe. E essa outra cerveja aqui, que desce redondo, quanto é?

– Dois e quarenta, senhor.

Menos pior. Como diria meu amigo Walace: “já que tá no Inferno, abraça o capeta!”

Comprei uma leva de refrigerantes e cervejas e voltei pras mesas. Após saciarmos nossa fome, prosearmos um pouco, não sem antes dividirmos um sanduba deixado pra trás por uma das crianças, preparamo-nos para sair. De repente, vejo meu filho Jean, o caçulinha do grupo, indo até uma mesa vizinha e apontando uma caixa colorida do McDonald´s.

– Uh!

O casal e seu filho sorriram, achando bonitinho. Ele voltou pra nossa mesa, pegou dois sachês de Shoyu e levou para o casal. Eles sorriram novamente e, meio sem jeito, aceitaram o “presente”. Então o Jean sorriu, contente, esticou os bracinhos e tentou pegar a dita caixa. O Jean estava TROCANDO com eles! Sob veementes protestos (dele), intervimos e desculpamo-nos…

Reorganizamos a caravana. Destino: Parque da Mônica. No caminho Evandro me fala:

– Cara… Tô com uma vontade de fumar…

– Eu também. Deixa quieto, por enquanto. Até porque acabou o fluido do meu isqueiro. Quando chegarmos provavelmente deverá ter algum lugar aberto para umas baforadas.

Mais uma vez, naquele imenso labirinto digno das andanças do Minotauro, custamos a encontrar o local correto. Enfim, chegamos! Fomos direto às bilheterias, contentes, alegres e saltitantes, prontos a ingressar no malfadado parque, quando a mocinha do caixa, sorrindo um sorriso franco e puro como num filme de terror, declara:

– Trinta reais. Adultos, vinte e um. Senhor.

CUMASSIM???!!!! Trinta contos? Cada?

– Trinta… per capita?

– E adulto vinte e um, senhor.

Mais uma vez me lembrei da Ju, que dia desses comentou que tudo na vida tem limites – inclusive o cheque especial…

Como já estávamos ali, e agora tendo criado uma verdadeira ansiedade nas crianças, tivemos que nos render ao inescapável. Ainda tentou-se cogitar um desconto, grupo grande, assinante do jornal XPTO, etc, mas nada. À vista, em cheque, ou, no máximo, em até quatro vezes no cartão. E dá-lhe cartão de crédito. Da Dona Patroa.

Uma vez pagos os ingressos, existem duas maneiras de se entrar no Parque da Mônica: uma através de uma longa rampa de acesso e outra através de um “escorregador de rolinhos”, de uns cinquenta metros de comprimento. Optei pela rampa.

Pouco antes havíamos pensado que tínhamos chegados no Inferno. Ledo engano. Aquela era apenas a antecâmara. Ao descer lentamente pela rampa, e com um vislumbre do que nos aguardava, pude saber exatamente o que Dante Alighieri sentiu…

Continua…

Parque da Mônica – a epopéia (I)

I – A Viagem

Antes de mais nada, é INDISPENSÁVEL dizer que FOI divertido. Apesar de minha usual rabugice, o que se tornará evidente no decorrer do texto, posso afirmar – para tranquilidade dos envolvidos – que realmente foi divertido. Não repetiria a dose, ao menos não nesses moldes… Mas tudo a seu tempo…

Já há algumas semanas tínhamos combinado, Dona Patroa e um casal de amigos, que levaríamos nossos pimpolhos à Cidade da Criança, em São Paulo. Ficou marcado para o dia 29 (sábado último). Como todo mundo já estava meio curto de grana, seria uma boa opção, pois o ingresso lá é baratinho, faríamos uma piquenique (vulga “farofa”) e as crianças com certeza se divertiriam (três nossos e dois deles). De quebra convidamos mais um amigo (pai solteiro) para levar também seu bambino, pois havia espaço no carro.

Na véspera eu e a Dona Patroa ainda tivemos uma séria conversa se realmente iríamos ou não (grana curta, já disse), se eu não iria ficar chateado (leia-se “emburrado”), etc. Chegamos à conclusão que sim, deveríamos ir, afinal as crianças passaram as férias praticamente inteiras dentro de casa e, oras bolas, “mais vale um gosto que dinheiro no bolso”!

E eis que chegou o sábado. Amanheceu chuvoso. Isso, em tese, estragaria os planos, pois trata-se de um parque a céu aberto. Adiamos um pouco a saída, pra ver se o tempo melhorava. Apesar do frio e a umidade, naquele momento não estava chovendo, de modo que mantivemos os planos. Saímos de casa por volta de dez da manhã, pois ainda tínhamos que passar em alguns lugares e comprar algumas coisas.

Ficamos de encontrar o casal num ponto da Via Dutra para dar início à epopéia (vamos chamá-los de “Paulo” e “Andréa”), momento no qual transferiríamos para seu carro o pai solteiro separado e seu filhote (vamos chamá-lo de “Evandro”). Apesar de não estar chovendo o céu continuava negro, e nuvens cumulus nimbus de milhões de toneladas pairavam num lúgubre agouro do que nos aguardava.

Logo ao cumprimentá-los, Paulo disse: “E aí? Pronto para um P.I.?” (Programa de Índio).

“Ôpa!” – eu disse.

Eu deveria ter percebido os sinais…

Como eu NUNCA dirigi na Capital, fui na cola deles. Logo ao entrar na estrada (às onze horas), me lembrei de um recente post da Ju, quando foi ao aeroporto e seu filho começou a contar quanto tempo iria levar pra chegar.

Rimos um bocado.

Passados alguns minutos, meu filho mais velho me pergunta:

– Paiê, o que vem depois de cento e noventa e nove?

Com um pequeno solavanco na boca do estômago, respondi. E continuei respondendo até que atingisse o número mil, quando, ao perceber que ainda faltava muito pra chegar (dessa vez me lembrei do Burro, em Shrek 2), ele resolveu deixar de lado a contagem.

Cerca de uma hora e tanto depois, pouco antes de chegar à cidade de São Paulo, voltou a chover torrencialmente. Ainda assim permanecemos firmes em nosso propósito de chegar à Cidade da Criança. Mas, com um tempo daqueles, não teria jeito – em determinado ponto paramos e resolvemos rever os planos. Precisaríamos ir a um local que fosse coberto, pelo que optou-se pelo Parque da Mônica.

Como eu não tinha nem idéia de local ou distância, limitei-me a dizer: “Tãotáintão”…

A Capital paulista é algo que ao mesmo tempo me causa encanto e temor. Acho suas construções magníficas, em especial aquelas antigas, da virada do século passado. Certos bairros têm uma característica bucólica, quase de cidade do interior. Outros lembram verdadeiros cortiços, travestidos de miséria e sujeira. Isso sem falar nas grandes e modernas obras arquitetônicas, bem ao estilo do século XXI. Hoje, mais do que nunca, posso falar com certa propriedade, pois, com certeza, devemos ter passado por TODOS os bairros de São Paulo!

É bom lembrar que desde meu acidente, devido ao rompimento de parte dos ligamentos em meu joelho esquerdo, minha perna ficou meio prejudicada. Como acharam que ainda não era hora de sacrificar o equino que vos escreve, passei a me conformar que doravante o frio e esforços repetitivos passariam a deixar esse joelho dolorido. Ah, sim, perna esquerda é a do pedal da embreagem…

Pois bem. No meio do caminho (sim, do NOVO caminho) passamos a seguir por atalhos, ruas paralelas, subidas, descidas, viadutos, o escambau! Tentando sempre ficar logo atrás do carro do Paulo, pois se eu me perdesse NUNCA mais eu conseguiria voltar pra casa. Isso valeu até alguns buzinaços que tomei na orelha, porque simplesmente não podia perdê-los de vista. Em dado momento, no alto de um viaduto, vendo que ele sinalizou uma entrada à direita, acabei fechando violentamente um carro que estava a meu lado. Foi quando minha esposa falou:

– Parabéns, amor. Já está dirigindo como os nativos…

Mais tarde fiquei sabendo que o Paulo e o Evandro se perguntaram se eu estaria muito bravo lá atrás. Olharam para meu carro e todos os vidros estavam embaçados. Chegaram à conclusão que devia ser eu, bufando.

Cerca de duas horas depois de nossa saída, parados num semáforo, o Paulo colocou meio corpo pra fora e gritou: “Já estamos chegando! É logo ali!”. Maldito. Eu devia saber que estava mentindo…

Até então ele vinha dirigindo com calma, sempre de olho no retrovisor, sinalizando todas as curvas e viradas, preocupado se eu estaria ali, logo atrás. Num determinado momento passou a dirigir com mais desenvoltura, senhor de si, nem seta estava dando mais. Falei pra Dona Patroa:

– Ah! Agora devemos estar perto, mesmo! Parece que o Paulo se familiarizou com o caminho. Isso é que nem cachorro perdigueiro, que quando pega o rastro do bicho, desembesta a correr…

De fato. Pouco depois chegamos nas nababescas instalações do Shopping Eldorado, onde está localizado o Parque da Mônica. Cansados, com fome, a bunda parecendo uma pizza de cinco queijos e o joelho latejando, estacionamos no piso G2 (somente vim a saber disso mais tarde).

Continua…

Da propaganda enganosa

Jean

Hoje eu acordei com um pontapé bem no meio do queixo – ôôôôô maneira desgraçada de acordar!

Não, não, não.

Não foi briga, não.

Foi meu caçula, de dois anos e quatro meses, o Jean. Pra variar, ele foi pra nossa cama no decorrer da noite e acomodou-se em seu lugar predileto: atravessado, sobre nossas cabeças. Como ele costuma se mexer muito durante o sono… bem, foi dali que veio o malfadado pontapé!

Isso me levou a algumas elucubrações mentais logo pela manhã…

Sabe aquele momento, entre o “acabar-de-acordar” e o “criar-coragem-pra-sair-da-cama”? Perguntei pra mim mesmo: “Mim mesmo, por que cargas d’água esse bandidinho veio parar aqui? Será que foi o frio? Afinal ele se mexe MUITO quando dorme (nesse momento levei a mão ao queixo, massageando-o…) Será que fez xixi? Mas eu troquei a fralda de madrugada – tinha cerca de meia tonelada de xixi e ele ainda deveria estar sequinho…”

Foi quando comecei a pensar nas propagandas de fraldas, onde mostram aquela mulher sorridente despejando um jarro d’água numa fralda, mostrando suas vantagens, e como a camada de seu exclusivíssimo hiper super ultra mega blaster ômega avant plus gel especial, deixa o bebê sequinho.

Pois bem, deixe-me acabar com a ilusão de vocês: aquilo não é verdade! Bem, pelo menos não corresponde exatamente à realidade. Seria mais correto se ela despejasse seguidamente umas três jarras de água na fralda, até que ela atingisse a forma e consistência de um daqueles ursos de pelúcia gigantes que costumam dar como brinde se você vender algumas rifas até o final.

Além disso, por mais “noturna” que sejam, as fraldas não vêm com um sistema automático distribuidor de cremes anti-assadura (leia-se Hipoglós), pois nos casos de excesso as dobrinhas do pequerrucho sempre acabam ficando ardidas.

Ah! E esqueceram do show de contorcionismo. Não, zelosa mãe, cauteloso pai, aquelas crianças comportadas e sorridentes que aparecem nas propagandas não podem ser reais (robôs animatrônicos, talvez?), pois a probabilidade de que fiquem calminhos numa troca de fraldas é inversamente proporcional à pressa ou sono que você tiver no momento. Lembro-me de ter lido certa vez que uma boa maneira de treinar como vestir bebês, seria tentar colocar uma blusinha num polvo. Vivo. Não adianta ter acabado de acordar, ou de tomar banho, ou até mesmo de dormir. ELES. NÃO. SOSSEGAM! Acerta a fralda, eles viram. Gruda um lado, descola outro. Põe um pé, o outro sai. E a coluna vai pro espaço.

E o choro? Pois é, invariavelmente eles choram. E isso os comerciais também não mostram. Os irmãos que acabaram de dormir começam a se mexer na cama, e o bichinho, lá, chorando. Você já trocou a fralda, trocou a blusa, trocou a calça, e o bichinho, lá, chorando. Fez “SHHHH!”, embalou, acalentou, e o bichinho, lá, chorando. Deu chupeta (que caiu de lado, pela boca aberta), e o bichinho, lá, chorando. Nessas horas, não adianta: a única coisa que resolve é o “ursinho de estimação” com o qual ele adora dormir agarradinho. Ou seja, a mãe.

Há algum tempo existia ainda um outro tipo de problema: haviam dois tipos de adesivos para fechar as fraldas: o que jamais gruda e o que não solta nunca mais. Ao menos esse foi resolvido pela indústria fraldífera…

Por fim, restaria solucionar o derradeiro problema – que, inclusive, deu azo a esse texto: que raio de teletransportador hiperdimensional já vem embutido nos bebês? Quando, finalmente, superados todos os obstáculos, você o coloca no berço – e ainda prende a respiração no momento em que ele dá uma viradinha e uma resmungadinha aconchegando-se – e você volta, guerreiro, cansado, perto do limite da exaustão, para sua cama, aninhando-se no braço de sua amada, começando a cochilar, a dormitar, sentindo-se envolvido numa inebriante onda de cansaço… eis que do nada você sente uma presença estranha na cama, pois ele se materializou entre vocês, e ainda dormindo, deu-lhe um respeitável pontapé no queixo.

Pois é, gente. As agências de publicidade não colocam nada disso nos anúncios de fralda…

Obsolescência

Então (como diria a Ju), estávamos todos indo de carro para casa de meus pais num domingo à tarde. Meu filho mais velho, do alto de seus sete recém-alfabetizados anos, lá do banco de trás me perguntou:

– Paiê?

– Fala, Kevin.

– Sabia que quando o Chico Bento fala “ocê”, se a gente falar de trás pra frente, dá “eco”?

– Isso mesmo filho. E “Ana”, como é que fica?

– Ana!

– E Arara?

– Arara!

– Pois é. Tem um monte de palavras e frases, como “subi no ônibus”, que fica igual tanto se você ler de trás pra frente quanto de frente pra trás, sabia?

– Eu sei, pai. Isso se chama palíndromo!

MEU DEUS! O que estão ensinando às crianças nas escolas nos dias de hoje? Ainda me lembro (aliás, tenho até hoje) da minha cartilha “Caminho Suave” que usei na primeira série! Essa “coisa” de palíndromo eu só fui saber que tinha nome lá pelo ginásio.

Pois é gente. A figura de papai-sabe-tudo definitivamente está se tornando obsoleta…

Fim de bimestre

E ontem a Dona Patroa foi até a escola de meus filhos para a famigerada reunião de fim de bimestre. No caso, a do Erik, meu pequerrucho do meio, de quatro anos. É quando explicam em detalhes qual foi o método de ensino adotado, como foi o desempenho da classe, dos alunos individualmente, etc. E também é quando entregam em mãos os “trabalhinhos” feitos.

Pois é. Cheguei em casa à noitinha e fui dar uma conferida nesses trabalhinhos – colagens, montagens, pinturas e desenhos, muitos desenhos. Deu pra perceber a evolução do traço do danadinho. Dentre eles tinha uma folha, dividida em duas partes com um monte de rabiscos à esquerda em uma espécie de letra “L” à direita. O tema: “o que é que tem cheiro gostoso e o que é que não tem”.

– Filho, estão muito bonitos seus desenhos, mas isso aqui, do lado esquerdo, o que é?

– Ah, é o que cheira gostoso. Essa aqui é a Suzi tomando banho, essa aqui é a bacia, essa aqui é a água e essa aqui é a casinha.

Pra quem não sabe, Suzi é uma das duas cachorrinhas que temos em casa. Um misto de lhasa com maltesa e com capacho felpudo.

– Legal, então isso é o que cheira gostoso, né? Então o outro seria o que não cheira gostoso… E por que você pôs uma letra aqui?

– Nãããão, papai. Não é uma letra. É sua meia.

(…)

Definitivamente. Estou cercado de comediantes em casa.

Por um fio

E então meu filho está crescendo. Os dentes de leite estão caindo e começando a dar lugar aos permanentes. Mas ontem parecia coisa de filme (e antigo), pois estava meu filhote mais velho correndo de um lado para outro da casa, com a mãe em seu encalço, e com um FIO amarrado no dente da frente que estava bambo, bambo, bambo. “Mas você não quer que saia?” – perguntava a Dona Patroa. “Quero, mas vai doer”. E dá-lhe correria de um lado para outro.

Até que, finalmente, num arroubo de coragem, ele deixou que puxasse o malfadado dentinho. Daí, num desfecho que envolveu necessariamente muito mais manha que dor:

AAAAAAAIIIIIIIIIIIIIIÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊÊ !!!!!! – foi o berro que perdurou durante uns três minutos, estremecendo e abalando as fundações da casa…

Aliás, isso sim podemos chamar de “exagero línguístico”.

Aliás do aliás, numa mensagem recente pudemos contar com a sempre preciosa contribuição do nosso amigo, juiz de marchinhas, canhoto, campeão de xadrez etílico, violeiro das palavras, e ótimo copoanheiro, Paulo Bicarato. Numa tradicional manobra Ctrl-C – Ctrl-V, tá lá em O BUCÉFALO, sob o auspicioso título de “Manual (bem-humorado) de Redação”.

Aliás do aliás do aliás, sempre é bom lembrar as palavras de Luís Fernando Veríssimo (MESMO), extraídas de um trecho da crônica “O gigolô das palavras”:

“Escrever bem é escrever claro, não necessariamente certo. Por exemplo: dizer ‘escrever claro’ não é certo mas é claro, certo?”

Peça pelo número!

O primeiro a se manifestar foi o Número Dois. Logo pela manhã, após acordar e concluir que estava quase afônico de rouquidão, fui até a sala e ele já havia se levantado.

– Papai, vem ver meus desenhos!

– Deixa eu ver, então…

– Olha, tem esse aqui e depois esse, e mais esse…

(Suspiro).

– Filho, o papai está rouco, por isso é que está falando assim baixinho. VOCÊ não precisa falar desse jeito também…

…—…

Ao chegar em casa, à noitinha, foi a vez do Número Três. A Dona Patroa me falou:

– Amor, hoje ele estava olhando as fotos ali, comigo, e falou direitinho quem era cada um, inclusive, “papai”.

– Legal! Filhão, vem aqui no colo do papai. Isso. Quem é essa aqui na foto?

– Mamãe!

– E esse aqui?

– Mamãe!

(…)

– Tá, vamos tentar de novo. Quem é essa outra aqui?

– Vovó!

– Isso. E esse aqui?

– Vovô!

– Muito bom. Essa aqui?

– Mamãe!

– Bom. E agora, quem é ESSE AQUI?

– Mamãe!

Foi mais ou menos isso que aconteceu. Coloquei meu pequeno rebento no chão e fui esmurrar algo em outro cômodo da casa.

…—…

E pra fechar com chave de ouro, só faltava o Número Um. Estava a fazer meu prato junto ao fogão quando ele chegou.

– Oi, pai.

– Oi, filho.

– Você ainda tá rouco, pai?

– É. Ainda tô um bocadinho rouco, sim.

Virou-se para o outro lado, e disse:

– Mãe, por que a gente não arranja um microfone para o papai? Assim, mesmo que ele fale baixinho a gente vai conseguir ouvir!

A Dona Patroa foi rir desesperadamente em outro cômodo da casa…

…—…

Enfim, parece que estou total e completamente cercado por uma família de comediantes e não sabia…