Dois causos

MUITO quente!

Só pra não passar em branco o dia de hoje, mais duas historinhas (com “H” mesmo) da hora do almoço.

Um certo advogado foi contratado para fazer a defesa em um crime de assassinato. A vítima fôra esfaqueada pelas costas. TREZE vezes.

A teste defendida: “Legítima defesa”.

“Como assim, doutor??? Cumpre lhe lembrar que foram TREZE facadas. Ainda que fosse legítima defesa, como se justificariam os demais golpes?”

“Simples” – ele disse. “O meu cliente sofre do mal de Parkinson.”

Outra:

A vítima levou uma surra e, como golpe final, ao cair de costas no chão, o assassino esmagou sua cabeça com um paralelepípedo (ARGH!).

A tese defendida: “Meu cliente é inocente. Acontece que a vítima já morreu ANTES do golpe final. De susto.”

O juiz, num lampejo de misericórdia, convocou o dito advogado para que trocasse a defesa antes que ele a avaliasse “oficialmente”. Ao que sei, ele trocou…

Tirinha do dia:
Desventuras de Hugo...

Maldades…

Histórias da hora do almoço… Conversando hoje com uma funcionária do Cartório Eleitoral ela nos contou acerca das urnas que chegaram para o referendo sobre a comercialização de armas. E, junto com as urnas, os manuais de operação e o pessoal técnico.

Mas… Havia um estagiário no meio do caminho; no meio do caminho havia um estagiário…

Avisaram o rapaz que, como ele era novo no serviço, teria uma “provinha” a ser feita sobre o manual da urna. “Tudo bem”, ele comentou com os amigos, “quando chegar a hora eu puxo o manual e dou uma colada básica!”

Ao saber disso essa funcionária simplesmente chegou pra ele, com aquela cara de casualidade mais normal do mundo e disse: “Olha, a gente tinha marcado sua prova pra sexta, mas o juiz não vai estar aí. Então vamos fazer o seguinte: fica pra segunda-feira que com certeza o doutor estará no cartório. É até bom, pois daí você vai ter o final de semana pra estudar, né?”

O rapaz ficou verde.

Antes do final do dia ele voltou pra perguntar se tinha que vir vestido “socialmente”. Disseram-lhe que um esporte fino já estava bom.

Correrias normais de um cartório e esqueceram o caso. Já na terça alguém lembrou: “E aí? Foi fazer a prova”, ao que o rapaz respondeu, num cochicho: “Fica quieto, acho que esqueceram…”

Heh… Pequenas maldades. Nada como isso pra alegrar o dia…

Senhor Doutor Você Juiz

Placar atual: Família 5 x Virose 4

Dando sequência às “sentenças curiosas” já publicadas aqui, e graças ao Paulo (aquele, o pai do César e do Daniel), nosso correspondente extraordinário, segue mais um texto interessante. Reparem como o juiz sentenciante “pisa em ovos” no decorrer da sentença…

Lembram-se do Juiz de Niterói que entrou na Justiça contra o condomínio onde morava, apenas e tão-somente pelo fato de ser tratado por “você”?

Saiu a sentença!

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO COMARCA DE NITERÓI

NONA VARA CÍVEL Processo n 2005.002.003424-4

S E N T E N Ç A

Cuidam-se os autos de ação de obrigação de fazer manejada por ANTONIO MARREIROS DA SILVA MELO NETO contra o CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO PLAZA VILLAGE e JEANETTE GRANATO, alegando o autor fatos precedentes ocorridos no interior do prédio que o levaram a pedir que fosse tratado formalmente de “senhor”. Disse o requerente que sofreu danos, e que esperava a procedência do pedido inicial para dar a ele autor e suas visitas o tratamento de “Doutor”, “senhor” “Doutora”, “senhora”, sob pena de multa diária a ser fixada judicialmente, bem como requereu a condenação dos réus em dano moral não inferior a 100 salários mínimos.

Instruem a inicial os documentos de fls. 8/28.

O pedido de tutela antecipada foi indeferido às fls. 33. Interposto Agravo de Instrumento, foram prestadas as informações de fls. 52. às fls. 57 requereu o autor que emanasse ordem judicial para que os réus se abstenham de fazer referência acerca do processo, sobrevindo a decisão de fls. 63 que acolheu tal pretensão.

O condomínio se manifestou ás fls. 69/98, e ofertou cópia do recurso de agravo de instrumento de fls. 100, cujo acórdão encontra-se às fls. 125.

Contestação do condomínio às fls. 146 e da segunda ré de fls. 247, ambos requerendo a improcedência do pedido inicial. Seguiu-se a réplica de fls. 275.

Por força de decisão proferida no incidente de exceção de incompetência, verificou-se a declinação de competência, com remessa dos autos da Comarca de São Gonçalo para esta Comarca de Niterói.

Em decorrência do despacho de fls. 303v, as partes ofertaram seus respectivos memoriais, no aguardo desta sentença.

É O RELATÓRIO.

DECIDO.

“O problema do fundamento de um direito apresenta-se diferentemente conforme se trate de buscar o fundamento de um direito que se tem ou de um direito que se gostaria de ter.” (Noberto Bobbio, in “A Era dos Direitos”, Editora Campus, pg. 15).

Trata-se o autor de Juiz digno, merecendo todo o respeito deste sentenciante e de todas as demais pessoas da sociedade, não se justificando tamanha publicidade que tomou este processo. Agiu o requerente como jurisdicionado, na crença de seu direito. Plausível sua conduta, na medida em que atribuiu ao Estado a solução do conflito. Não deseja o ilustre Juiz tola bajulice, nem esta ação pode ter conotação de incompreensível futilidade. O cerne do inconformismo é de cunho eminentemente subjetivo, e ninguém, a não ser o próprio autor, sente tal dor, e este sentenciante bem compreende o que tanto incomoda o probo Requerente.

Está claro que não quer, nem nunca quis o autor, impor medo de autoridade, ou que lhe dediquem cumprimento laudatório, posto que ser homem de notada grandeza e virtude.

Entretanto, entendo que não lhe assiste razão jurídica na pretensão deduzida. “Doutor” não é forma de tratamento, e sim título acadêmico utilizado apenas quando se apresenta tese a uma banca e esta a julga merecedora de um doutoramento. Emprega-se apenas para pessoas que tenham tal grau, e mesmo assim no meio universitário. Constitui-se mera tradição referir-se a outras pessoas de “doutor”, sem o ser, e fora do meio acadêmico. Daí a expressão doutor honoris causa – para a honra -, que se trata de título conferido por uma universidade à guisa de homenagem a determinada pessoa, sem submetê-la a exame. Por outro lado, vale lembrar que “professor” e “mestre” são títulos exclusivos dos que se dedicam ao magistrado, após concluído o curso de mestrado.

Embora a expressão “senhor” confira a desejada formalidade nas comunicações – pronome -, e possa até o autor aspirar distanciamento em relação a qualquer pessoa, afastando intimidades, não existe regra legal que imponha obrigação ao empregado do condomínio a ele assim se referir. O empregado que se refere ao autor por “você”, pode estar sendo cortês, posto que “você” não é pronome depreciativo. Isso é formalidade, decorrente do estilo de fala, sem quebra de hierarquia ou incidência de insubordinação. Fala-se segundo sua classe social. O brasileiro tem tendência na variedade coloquial relaxada, em especial a classe “semi-culta”, que sequer se importa com isso.

Na verdade “você” é variante – contração da alocução – do tratamento respeitoso “Vossa Mercê”. A professora de linguística Eliana Pitombo Teixeira ensina que os textos literários que apresentam altas frequências do pronome “você”, devem ser classificados como formais. Em qualquer lugar desse país, é usual as pessoas serem chamadas de “seu” ou “dona”, e isso é tratamento formal.

Em recente pesquisa universitária, constatou-se que o simples uso do nome da pessoa substitui o senhor/ a senhora e você quando usados como prenome, isso porque soa como pejorativo tratamento diferente.

Na edição promovida por Jorge Amado “Crônica de Viver Baiano Seiscentista”, nos poemas de Gregório de Matos, destacou o escritor que Márcio Tati anotara que “você” é tratamento cerimonioso. (Rio de Janeiro/São Paulo, Record, 1999). Urge ressaltar que tratamento cerimonioso é reservado a círculos fechados da diplomacia, clero, governo, judiciário e meio acadêmico, como já se disse. A própria Presidência da República fez publicar Manual de Redação instituindo o protocolo interno entre os demais Poderes. Mas na relação social não é ritual litúrgico a ser obedecido. Por isso que se diz que a alternância de “você” e “senhor” traduz-se numa questão sociolinguística, de difícil equação num país como o Brasil de várias influências regionais.

Ao Judiciário não compete decidir sobre a relação de educação, etiqueta, cortesia ou coisas do gênero, a ser estabelecida entre o empregado do condomínio e o condômino, posto que isso não é tema interna corpore daquela própria comunidade.

Isto posto, por estar convicto de que inexiste direito a ser agasalhado, mesmo que lamentando o incômodo pessoal experimentado pelo ilustre autor, julgo improcedente o pedido inicial, condenando o postulante no pagamento de custas e honorários de 10% sobre o valor da causa. P.R.I.

Niterói, 2 de maio de 2005.

Tirinha do dia:
Desventuras de Hugo...

Fogueira Santa gera indenização

Alguém já andou de moto com calça social no frio?

Olha só o que saiu no jornal local de hoje. Uma certa Igreja Universal do Reino de Deus de São José dos Campos – não vamos citar nomes pra não ficar chato – fez entre seus fiéis uma campanha de arrecadação denominada “Fogueira Santa”, onde um deles “doou” um cheque pré-datado de R$1.000,00 – é, MILÃO – tendo pedido que o segurasse até a venda de uma moto.

Bem, a moto não foi vendida, e o cheque – de cunho “caridoso”, diga-se de passagem – acabou sendo devolvido. E REAPRESENTADO! Conclusão: o nome do fiel não só foi para o cadastro de emitentes de cheques sem fundo, como também agora figura como titular em uma ação de indenização por danos morais face à empresa, digo, igreja. Valor? R$100.000,00!

Gente, vou deixar os comentários jurídicos totalmente de lado. Sequer vou entrar nos comentários teológicos. No nível da moral, então, nem vou falar. Capacidade de cognição do indivíduo? Deixa pra lá!

Cada um que chegue a suas próprias conclusões.

PS: Os quadrinhos que integram esta página são ordenados numericamente, e eu nunca sei previamente qual é que irá ao ar, senão quando da conclusão do texto. Segundo uma amiga minha, coincidências não existem…

Tirinha do dia:
Deus!

Sucinto, eu?

Quinta confusa…

Apesar de ter MUITOS assuntos para abordar (gente, esse meu trabalho tá pegando fogo!), hoje vou me limitar a transcrever mais uma de advogado, que recebi há uns dias da Psôra Edna:

Um professor perguntou a um dos seus alunos do curso de Direito:

– Se você quiser dar uma laranja a uma pessoa chamada Epaminondas, o que deverá dizer?

O estudante respondeu:

– Aqui está, Epaminondas, uma laranja para você.

O professor gritou, furioso:

– Não! Não! Pense como um Profissional do Direito!

O estudante respondeu:

– Ok, então eu diria: Eu, por meio desta dou e concedo a você, Epaminondas de tal, CPF e RG nºs., e somente a você, a propriedade plena e exclusiva, inclusive benefícios futuros, direitos, reivindicações e outras vindicações, títulos, obrigações e vantagens no que concerne à fruta denominada laranja em questão, juntamente com sua casca, sumo, polpa e sementes transferindo-lhe todos os direitos e vantagens necessários para espremer, morder, cortar, congelar, triturar, descascar com a utilização de quaisquer objetos e de outra forma comer, tomar ou de qualquer forma ingerir a referida laranja, ou cedê-la com ou sem casca, sumo, polpa ou sementes, e qualquer decisão contrária, passada ou futura, em qualquer petição, ou petições, ou em instrumentos de qualquer natureza ou tipo, fica assim sem nenhum efeito no mundo cítrico e jurídico, valendo este ato entre as partes, seus herdeiros e sucessores, em caráter irrevogável e irretratável, declarando que o aceita em todos os seus termos e conhece perfeitamente o sabor da laranja, não se aplicando ao caso o disposto no Código do Consumidor.

E o professor então comenta:

– Melhorou bastante, mas não seja tão sucinto.

Tirinha do dia:
Deus!

Abóboras no Ministério Público

Continuando a série “pitorescas decisões judiciais”, temos a seguinte, esculhambando o Ministério Público (obrigado de novo, Nelson), agora num caso – pasmem – de abóboras…

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO. REJEITADOS. A alegação dos representantes do Ministério Público que o colegiado foi omisso nos fundamentos jurídicos que possibilitaram a aplicação do princípio da insignificância, não tem procedência. O acórdão, citando doutrina e jurisprudência, está motivado. Afinal, sabe-se, ou deveriam sabê-lo, que a idéia de afastar o direito penal destes fatos irrelevantes é uma criação da doutrina que vem sendo acolhida pelos tribunais. Não existem dispositivos legais a respeito. Embargos rejeitados. Unânime.

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO

OITAVA CÂMARA CRIMINAL

Nº 70007545148

COMARCA DE ROSÁRIO DO SUL

MINISTÉRIO PÚBLICO EMBARGANTE

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos, acordam os Desembargadores da Oitava Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em rejeitar os embargos, conforme os votos que seguem. Custas, na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Desembargadores Roque Miguel Fank, Presidente, e Marco Antônio Ribeiro de Oliveira.

Porto Alegre, 19 de novembro de 2003.

Sylvio Baptista

Relator

RELATÓRIO

Des. Sylvio Baptista (Relator):

1. Os Procuradores de Justiça apresentaram embargos de declaração ao acórdão deste colegiado, dado na Apelação-crime nº 70006845879, alegando, em resumo, que “devem constar os fundamentos jurídicos que possibilitaram a aplicação do princípio da insignificância ante a condição econômica da vítima.”

VOTOS

Des. Sylvio Baptista (Relator):

2. É possível, para a felicidade deles, que os membros do Ministério Público não tenham serviço suficiente e podem “brincar” de recorrer das decisões desta e de outras Câmaras, o que é bastante inconveniente para nós Desembargadores que, como é sabido, estamos com excesso de trabalho.

E se não conhecesse o Procurador de Justiça que primeiro assina o requerimento, sei que é uma pessoa séria e excelente profissional, diria que os representantes do Parquet estão tão desocupados que, para fazer alguma coisa, “procuram chifre em cabeça de cavalo”. Ou gostam de piadas de mau gosto. É o que ocorre no caso em exame: “briga” por condenação de ladrões de abóboras.

O que é pior. Manifestações, como a presente, que tem o cunho exclusivo do recurso às Cortes Superiores, acabam por desmoralizar a instituição. Se houver publicidade destes embargos, ou de outros do gênero (eu pessoalmente já tive semelhantes), veremos estampado nos jornais de amanhã, abaixo de manchetes e reportagens sobre o aumento da violência no país, a notícia que o Ministério Público gaúcho está recorrendo aos Tribunais Superiores do furto de algumas abóboras que foram avaliadas em R$15,00. Como será a repercussão?

Assim, antes de adentrar na questão principal, permito-me uma sugestão, uma vez que parece faltar trabalho sério aos Procuradores de Justiça: façam uma força-tarefa e vão ajudar os colegas de primeiro grau na persecução criminal daqueles delitos realmente graves. Tenho observado, e não importa aqui os motivos, que esta Câmara, como as demais deste Tribunal, tem absolvido réus de delitos graves, mas que, aparentemente, são culpados. Isto porque a prova criminal não é feita ou muito mal feita ou, ainda, um mau trabalho da Acusação em termos de denúncia e (ou) alegações finais.

Parem com esta picuinha, ridícula e aborrecedora, de que todas as decisões devem ser iguais àquelas dos pareceres. Parem de entulhar esta Corte e as Superiores com pedidos realmente insignificantes: furtos ou outros delitos insignificantes, aumento de pena de dois ou três meses etc.

3. No caso em exame (e somos obrigados a discutir a subtração de poucas abóboras, meus Deus), o acórdão, como se verá infra, analisou os fundamentos jurídicos aplicáveis à insignificância e concluiu por sua aplicação. Não houve nenhuma omissão, a não ser que os autores da petição de embargos, “porque não tem nada a fazer e o ócio cansa”, querem o impossível: dispositivos legais a respeito.

Afinal, eles sabem, ou deveriam sabê-lo, que a idéia de afastar o direito penal destes fatos irrelevantes é uma criação da doutrina que vem sendo acolhida pelos tribunais. Não existem normas legais a respeito.

Por outro lado, dizer, como está na petição, que “a fim de chegar-se a constatação acerca da existência ou não de tal ofensa, torna-se necessário observar as condições econômicas da vítima, as quais permitirão chegar a conclusão se o valor do objeto material em questão chegou a ofender o bem jurídico já citado”, estão falando uma arrematada besteira. E se o ladrão furtar cem mil reais de um grande banco, teremos um crime insignificante? De acordo com a opinião, sim. Em conclusão, a perda daquele valor mal arranhou o patrimônio da vítima.

Ora, o que distingue uma ação considerada de bagatela ou insignificante, de outra penalmente relevante e que merece a persecução criminal, é a soma de três fatores: o valor irrisório da coisa, ou coisas, atingidas; a irrelevância da ação do agente; a ausência de ambição de sua parte em atacar algo mais valioso ou que aparenta ser.

Na hipótese, e por isso considerado fato de bagatela, o apelante e o não apelante furtaram 21 abóboras, avaliadas em quinze reais, porque só queriam subtrair as frutas que, inclusive, foram recuperadas pela vítima.

4. Mas vamos ao acórdão, para mostrar que a decisão não foi omissa em nenhum ponto:

“Deixo de examinar a preliminar de nulidade, porque vou dar provimento ao apelo. Trata-se de ação de irrelevantíssima repercussão que não merecia tanto trabalho e custo do Estado, praticados pelos seus órgãos. O apelante e seu comparsa furtaram algumas abóboras que foram avaliadas em quinze reais. E, para completar, foram detidos e o bem devolvido à vítima.

A situação em tela se enquadra bem nas decisões dos Tribunais pátrios que já declararam: “…Revestindo-se a ação de ínfima gravidade, não lesionando nem ameaçando o bem jurídico de valor irrisório, de forma a justificar a necessidade de invocar proteção penal, cabível a aplicação do princípio da insignificância. Recurso improvido, pelo reconhecimento do crime de bagatela. (TJAP, Rel. Juiz Mello Castro…). Não deve o aparelho punitivo do Estado ocupar-se com lesões de pouca importância, insignificantes e sem adequação social. … Aplicação da teoria da insignificância. Precedentes da 3ª e 4ª Turmas… (TRF 1ª R., Rel. Juiz Olindo Menezes…). A tendência generalizada da política criminal moderna é reduzir ao máximo a área de incidência do Direito Penal. O fato penalmente insignificante deve ser excluído da tipicidade penal e receber tratamento adequado (como ilícito civil, administrativo, fiscal, etc.). O Estado só deve intervir até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico.” (TRF 1ª R., Rel. Juiz Mário César Ribeiro…). (ementas extraídas do CD Juris Síntese, nº 28).

Ainda, como exemplos: “Furto. Pequeno valor da res, avaliada em pouco mais de dois por cento do salário mínimo. Irrelevância social do fato. Crime de Bagatela. Conduta atípica. Absolvição decretada. Apelo provido. Sentença reformada.” (Apelação 296030976, Rel. Des. Marco Antonio Ribeiro de Oliveira).

“Princípio da Insignificância – Furto – Pequeno valor da coisa furtada – Atipicidade do fato ante a ausência da lesividade ou danosidade social – A lei penal jamais deve ser invocada para atuar em casos menores, de pouca ou escassa gravidade. E o princípio da insignificância surge justamente para evitar situações desta espécie, atuando como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, com o significado sistemático e político-criminal de expressão da regra constitucional do nullum crime sine lege, que nada mais faz do que revelar a natureza subsidiária e fragmentária do direito penal.” (TASP, Rel. Márcio Bártoli).

Eu mesmo já tive oportunidade de examinar hipóteses semelhantes à destes autos, decidindo: “Além dos argumentos do julgador de primeiro grau para absolver a apelada da prática de tentativa de furto, a sua absolvição também se impõe face à insignificância de sua ação delituosa. Trata-se de crime de bagatela, diante da irrelevância social daquele fato, até porque o estabelecimento vítima recuperou os objetos e seu prejuízo foi nenhum.” (Apelação 70005388939 etc.).

Finalmente, destaco lição de Luiz Luisi que escreve: “Claus Roxin, recorrendo à máxima romana minima non curat proetor, e ajustando-a a moderna concepção técnico-jurídica do crime, formulou, na década de 60, o princípio da insignificância (Das Gerinfügigkeits Prinzip). Através desse princípio, sustenta textualmente o ilustre penalista alemão, “permite-se na maioria dos tipos, excluir desde logo danos de pequena importância” (in Política Criminal e Sistema de Derecho Penal, Ed. Espanhola, 1972, p. 52). Este entendimento, ou seja, a insignificância da lesão ao bem jurídico tutelado como excludente da tipicidade, tem sido acolhido pela doutrina penal, e endossado em decisões dos tribunais de diversos países, inclusive entre nós. … O princípio da insignificância embasa-se na ausência de uma lesão (dano ou perigo) relevante do bem jurídico protegido pela norma incriminadora. Ou melhor: em ser tão inexpressiva a lesão ao bem jurídico, de forma a não constituir uma efetiva ofensa. E por carência de tal ofensa ao bem jurídico tutelado, não se caracteriza a tipicidade. E inexistindo esta, não há crime. … E permitimo-nos a ousadia, pois em um País onde se somam a muitos milhares de mandados de prisão não cumpridos, algumas centenas de delitos de bagatela e uma criminalização desvairada, não despiciendo é preconizar que na aplicação da lei penal se tenha presente a norma do art. 8º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de agosto de 1789, ou seja: as penas devem ser apenas as “estrita e evidentemente necessárias”.” (O Princípio da Insignificância e o Pretório Excelso, IBCCrim, fevereiro de 1998).

Responder ao processo criminal, para o tipo de delito cometido, furto de abóboras, já serviu de castigo ao recorrente, não precisando outra pena. Com inteligência e propriedade, ensina Weber Martins Batista: “O processo existe como garantia do acusado, para evitar que o mesmo seja condenado por crime que não cometeu, ou que seja punido por crime que cometeu, mais severamente do que merece. Ocorre que não é menor sua expressão como sofrimento imposto ao mesmo, seja ele culpado ou inocente. “Desgraçadamente – brada Carnelutti – o castigo não começa com a condenação, mas, muito antes, com o debate, a instrução, com os atos preliminares. Não se pode castigar sem julgar, nem julgar sem castigar”.” (Juizado Especial Criminal, e Suspensão Condicional de Processo Penal, ed. Forense, 1996, pág. 381).

5. Assim, nos termos supra, dou provimento ao recurso e absolvo o apelante com fundamento no artigo 386, III, do Código de Processo Penal. E, na forma do artigo 580 do mesmo diploma legal, estendo a decisão ao não apelante Luciano, também o absolvendo.”

6. Assim, nos termos supra, rejeito os embargos.

Sylvio Baptista

Relator

Des. Roque Miguel Fank (Vogal):

Acompanho o Relator em seu voto.

Des. Marco Antônio Ribeiro de Oliveira (Vogal):

Também acompanho o Relator.

O caso das melancias

Uma das constantes existentes no mundo advocatício são as piadas. Sempre tem alguém tirando um sarro dos advogados, promotores e juízes. Aqueles por serem corruptos, os seguintes por ineptos e estes por onipotência. Já perdi a conta de quantas estórias (e histórias) divertidíssimas recebi com casos e causos de um ou de outro…

Sim, acho divertido. Muitos “profissionais” se ofendem com essas piadas, mas, na verdade, acho que o equilíbrio na carreira acompanha a segurança de poder olhar no espelho e rir com o que se vê – ainda que não seja o seu reflexo, mas o dos colegas!

Recebi essa semana uma dessas HIStórias (obrigado, Nelson!), que, se não tão divertida, pelo menos prova que é possível se fazer JUSTIÇA sem se prender à “letra fria da Lei”. Trata-se de uma pitoresca decisão judicial – O Caso das Melancias:

Decisão proferida pelo juiz Rafael Gonçalves de Paula nos autos nº 124/03 – 3ª Vara Criminal da Comarca de Palmas/TO

DECISÃO

Trata-se de auto de prisão em flagrante de Saul Rodrigues Rocha e Hagamenon Rodrigues Rocha, que foram detidos em virtude do suposto furto de duas (2) melancias. Instado a se manifestar, o Sr. Promotor de Justiça opinou pela manutenção dos indiciados na prisão.

Para conceder a liberdade aos indiciados, eu poderia invocar inúmeros fundamentos: os ensinamentos de Jesus Cristo, Buda e Ghandi, o Direito Natural, o princípio da insignificância ou bagatela, o princípio da intervenção mínima, os princípios do chamado Direito alternativo, o furto famélico, a injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços gerais em contraposição à liberdade dos engravatados que sonegam milhões dos cofres públicos, o risco de se colocar os indiciados na Universidade do Crime (o sistema penitenciário nacional),…

Poderia sustentar que duas melancias não enriquecem nem empobrecem ninguém.

Poderia aproveitar para fazer um discurso contra a situação econômica brasileira, que mantém 95% da população sobrevivendo com o mínimo necessário.

Poderia brandir minha ira contra os neo-liberais, o consenso de Washington, a cartilha demagógica da esquerda, a utopia do socialismo, a colonização européia,….

Poderia dizer que George Bush joga bilhões de dólares em bombas na cabeça dos iraquianos, enquanto bilhões de seres humanos passam fome pela Terra – e aí, cadê a Justiça nesse mundo?

Poderia mesmo admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha obviedade.

Tantas são as possibilidades que ousarei agir em total desprezo às normas técnicas: não vou apontar nenhum desses fundamentos como razão de decidir.

Simplesmente mandarei soltar os indiciados.

Quem quiser que escolha o motivo.

Expeçam-se os alvarás. Intimem-se.

Palmas – TO, 05 de setembro de 2003.

Rafael Gonçalves de Paula

Juiz de Direito