Joelhaço

 (E olha que já tenho uma cicatriz no joelho direito desde que o arrebentei pulando um muro…)

Pois é.

Desde o acidente que o joelho esquerdo deste velho contador de causos que vos tecla não anda lá essas coisas (infame, inconsequente e inesperado trocadilho)…

E como o danado deu a doer nos últimos tempos – e juro que não é nenhuma influência Houseriana – resolvi tomar a mais inesperada das atitudes (vinda de mim): voltei ao médico.

Analisa daqui, cutuca dali, fuça acolá. Diagnóstico (que eu já sabia) é a do “engavetamento nível três”. Significa que tá no limite da manutenção. Mais ou menos como amortecedor estourado, mola vencida, pivô arrebentado – e isso sem nem falar da rebimboca da parafuseta (que vai muito bem, obrigado). Na prática quer dizer que meu ligamento cruzado posterior esgarçou que nem um elástico velho e já não garante a firmeza do conjunto. Não sabem o que é isso? É por isso que coloquei aquela imagem ali em cima, pô!

Bem, isso feito fui encaminhado para a ressonância. Prenderam, engaiolaram e transportaram minha perna para aquela caverna magnética que faz picadinho (virtual) de tudo que passa por ela. E comigo junto da perna. Já na posição e com tudo pronto, o médico sai da sala e tem a audácia de fazer uma última recomendação:

– Não vá se mexer, hein?

Pronto.

Era tudo que eu NÃO precisava ouvir.

Nos minutos que fiquei ali acorrentado minha cabeça mandou tudo que podia lá pro final da perna esquerda: coceira, cócegas, arrepio, caimbra e o que mais quer que seja possível pensar. Mas resisti estoicamente e consegui fazer o exame.

Resultado: “Alteração de sinal que pode estar relacionada a edema pós contusional acomentendo o côndilo femoral medial. / Degeneração do corpo do menisco medial, sem evidências de rotura. / Lesão parcial do ligamento cruzado posterior, sem descontinuidade completa de suas fibras, de acordo com a hipótese clínica. /  Pequeno derrame articular. / Importante edema da gordura supra-patelar, indicativo de hipersolicitação do mecanismo extensor.”

E sabem o que tudo isso significa?

Não?

Nem eu.

Entretanto não me parece que seja lá muito bom…

Mas, na realidade, não era nada disso que eu queria tratar aqui.

É que falando de joelho, lembrei-me do “joelhaço” (assim mesmo, com artigo definido). O famoso tratamento clínico do Analista de Bagé (personagem do Luís Fernando Veríssimo). Segue uma pequena estória para que possam entender…

Outra do Analista de Bagé

Existem muitas histórias sobre o analista de Bagé mas não sei se todas são verdadeiras. Seus métodos são certamente pouco ortodoxos, embora ele mesmo se descreva como “freudiano barbaridade”. E parece que dão certo, pois sua clientela aumenta. Foi ele que desenvolveu a terapia do joelhaço.

Diz que quando recebe um paciente novo no seu consultório a primeira coisa que o analista de Bagé faz é lhe dar um joelhaço. Em paciente homem, claro, pois em mulher, segundo ele, “só se bate pra descarregá energia”. Depois do joelhaço o paciente é levado, dobrado ao meio, para o divã coberto com um pelego.

– Te abanca, índio velho, que tá incluído no preço.

– Ai – diz o paciente.

– Toma um mate?

– Na-não… – geme o paciente.

– Respira fundo, tchê. Enche o bucho que passa.

O paciente respira fundo. O analista de Bagé pergunta:

– Agora, qual é o causo?

– É depressão, doutor.

O analista de Bagé tira uma palha de trás da orelha e começa a enrolar um cigarro.

– Tô te ouvindo – diz.

– É uma coisa existencial, entende?

– Continua, no más.

– Começo a pensar, assim, na finitude humana em contraste com o infinito cósmico…

– Mas tu é mais complicado que receita de creme Assis Brasil.

– E então tenho consciência do vazio da existência, da desesperança inerente à condição humana. E isso me angustia.

– Pois vamos dar um jeito nisso agorita – diz o analista de Bagé, com uma baforada.

– O senhor vai curar a minha angústia?

– Não, vou mudar o mundo. Cortar o mal pela mandioca.

– Mudar o mundo?

– Dou uns telefonemas aí e mudo a condição humana.

– Mas… Isso é impossível!

– Ainda bem que tu reconhece, animal!

– Entendi. O senhor quer dizer que é bobagem se angustiar com o inevitável.

– Bobagem é espirrá na farofa. Isso é burrice e da gorda.

– Mas acontece que eu me angustio. Me dá um aperto na garganta…

– Escuta aqui, tchê. Tu te alimenta bem?

– Me alimento.

– Tem casa com galpão?

– Bem… Apartamento.

– Não é veado?

– Não.

– Tá com os carnê em dia?

– Estou.

– Então, ó bagual. Te preocupa com a defesa do Guarani e larga o infinito.

– O Freud não me diria isso.

– O que o Freud diria tu não ia entender mesmo. Ou tu sabe alemão?

– Não.

– Então te fecha. E olha os pés no meu pelego.

– Só sei que estou deprimido e isso é terrível. É pior do que tudo.

Aí o analista de Bagé chega a sua cadeira para perto do divã e pergunta:

– É pior que joelhaço?

Física da Busca

No final, comecei a acreditar em algo que chamo de “Física da Busca”. Uma força da natureza regida por leis tão reais quanto a lei da gravidade. A regra dessa “Física da Busca” é assim: se você tiver coragem de deixar para trás tudo o que lhe é familiar e que lhe conforta – que pode ser a sua própria casa ou velhos rancores – e embarcar em uma jornada em busca da verdade, seja ela externa ou interna; se estiver disposto a considerar que tudo que lhe aconteça nessa jornada como iluminação e aceitar todos que vier a conhecer nessa estrada como um professor; e se estiver preparado para enfrentar – e principalmente perdoar – algumas das duras realidades sobre si mesmo… Então… A verdade não lhe será negada!

Comer, Rezar, Amar (O Filme)

Idoso

  (Será que consigo?)

Idoso é a pessoa que tem muita idade; velha é a pessoa que perdeu a jovialidade. A idade causa degeneração das células; a velhice causa degeneração do espírito. Por isso, nem todo o idoso é velho e há velho que nem chegou a ser idoso.

O mesmo ocorre com as coisas: há coisas que são idosas (antigas) e há coisas que são velhas. Um vaso da dinastia Ming (1368-1644) pode ser uma antiguidade, uma relíquia que não tem preço; um outro, de apenas cinquenta anos ou menos, pode ser um vaso velho a ser relegado a um depósito. Você é idoso quando pergunta se vale a pena; você é velho quando sem pensar responde que não.

Você é idoso quando ainda aprende; você é velho quando já nem ensina. Você é idoso quanto pratica esportes ou de alguma forma se exercita; você é velho quando apenas descansa. Você é idoso quanto ainda sente amor; você é velho quando só sente ciúmes e possessividade. Você é idoso quando o dia de hoje é o primeiro do resto de sua vida; você é velho quando todos os dias parecem o último da longa jornada.

Você é idoso quando seu calendário tem amanhãs; você é velho quando seu calendário só tem ontens. Idosa é a pessoa que tem tido a felicidade de viver uma longa vida produtiva, de ter adquirido uma grande experiência; ela é uma porta entre o passado e o futuro e é no presente que os dois se encontram. O velho é aquele que tem carregado o peso dos anos; que em vez de transmitir experiência às gerações vindouras transmite pessimismo e a desilusão. Para ele, não existe ponte entre passado e presente, pois lá existe um fosso que o separa do presente, pelo apego ao passado.

O idoso se renova a cada dia que começa; o velho se acaba a cada noite que termina, pois enquanto o idoso tem os olhos postos no horizonte, de onde o sol desponta e a esperança se ilumina, o velho tem sua miopia voltada para os tempos que passaram. O idoso tem planos; o velho tem saudades.

O idoso se moderniza, dialoga com a juventude, procura compreender os novos tempos; o velho se emperra no seu tempo, se fecha em sua ostra e recusa a modernidade. O idoso leva uma vida ativa, plena de projetos e prenhe de esperança. Para ele, o tempo passa rápido e a velhice nunca chega. O velho cochila no vazio de sua vidinha e suas horas se arrastam, destituídas de sentido. As rugas do idoso são bonitas porque foram marcadas pelo sorriso; as rugas do velho são feias, porque foram vincadas pela amargura.

Em suma, o idoso e o velho são duas pessoas que até podem ter, no cartório, a mesma idade cronológica. Mas o que têm são idades diferentes no coração.

JORGE JOSÉ DE JESUS RICARDO – 69 ANOS
Vencedor do 1º Congresso Literário para a Terceira Idade

A memória

RUBEM ALVES
(Mais Badulaques)

Quando eu me levanto e sei que meu nome é Amilcar Herrera, sei também tudo o que se espera de mim. O meu nome diz o que devo ser, o que devo pensar, o que devo falar. Meu nome é uma gaiola em que estou preso. Mas se, ao acordar, eu tiver me esquecido do meu nome, terei me esquecido também de tudo o que se espera de mim. Se nada se espera de mim, estou livre para ser aquilo que nunca fui. Começarei a viver minha vida a partir de mim mesmo e não a partir do nome que me deram e pelo qual sou conhecido.

(…)

Roland Barthes, na sua famosa Aula, também disse estar se entregando à desaprendizagem do aprendizado para livrar-se das sucessivas sedimentações dos saberes que, com a passagem do tempo, vão se depositando em nossos corpos.

Resumos

RUBEM ALVES
(Quarto de Badulaques)

A jovem, na sua aflição, me enviou um e-mail com um pedido de socorro. Vai se submeter à violência dos vestibulares e um dos instrumentos de tortura será um livro que escrevi. Ela me pedia que eu fizesse um resumo do livro. Resumir? O que é resumir? É dizer em poucas palavras aquilo que foi dito com muitas palavras. Só se pode resumir um livro se ele está cheio de palavras supérfluas. Mas a literatura é feita, precisamente, com palavras essenciais, palavras que não podem ser retiradas. Como resumir uma sonata de Mozart? Como resumir um poema? Como resumir uma viagem? Como me resumir? Pois o que escrevo é feito com pedaços de mim. Sou resumível? A jovem que me fez o pedido não é culpada. Culpados são aqueles que, por anos, têm preparado os exames vestibulares. Assassinos da língua. Deveriam ser presos. Há, inclusive, livros que se vendem nas livrarias com os resumos das obras de literatura. Literatura é coisa que se faz por prazer. É possível resumir o prazer? Por favor: resuma o ato de “fazer amor”. Fazer amor depressinha, com leitura dinâmica. O que os exames pretendem é que o ato de fazer amor com os livros – vagaroso, degustador – tome como modelo o rapidíssimo coito dos galos e galinhas… Isso não é um absurdo?

Dr. House

Confesso que ainda não tenho uma completa opinião formada…

Já não é de hoje que ouço falar do seriado do “Dr. House”, esse mal-humorado médico que encanta pela sua genialidade e sarcasmo. Assisti a uns dois ou três episódios da primeira temporada e, ainda que tenha achado interessante, não posso dizer que me cativou de imediato (diferentemente de outras séries que acompanho desde o início). Mas me intriga o entusiasmo que lhe deferem aqueles que o acompanham!

Por um desses acasos da vida acabei encontrando um livro (bastante “instrutivo”, por sinal) que, de uma maneira bem-humorada, trata desse personagem: Dr. House: um guia para a vida (mais aqui). E, por um acaso maior ainda, acabei comprando-o. E – acaso dos acasos! – tive tempo suficiente para lê-lo de uma só tomada…

Pude compreender um pouquinho melhor o carisma desse médico que não quer medicar e muito menos clinicar – simplesmente quer curar. O curioso é que, do pouco que assisti, na minha mente tracei um paralelo com o personagem Sherlock Holmes, de Conan Doyle (do qual li toda a obra) – e esse livro deixa bem claro que não se trata de mera coincidência, mas existem vários pontos concretos entre ambos! Fora muitas das questões subliminares, em especial posso citar a arrogância, a genialidade, a preguiça que se lhes acometem quando não estão a investigar um caso que os motive, sua distância do mundo (exceto do melhor amigo), gosto pela música, a incrível capacidade de dedução apenas com uma rápida olhada para uma pessoa e o fato de passarem por cima de toda e qualquer norma para provar um ponto de vista.

E o tão especial sarcasmo do Dr. House pode ser encontrado em suas inúmeras “frases de efeito” espalhadas pelos diálogos que tem com outros personagens…

A seguir, algumas de suas pérolas:

Dra. Cuddy: Não se prescrevem medicamentos com base em palpites. Pelo menso não desde Tuskeegee e Mengele.
Dr. House: Está me comparando a um nazista? (Sorri com admiração.) Que amável…

Dr. Foreman: Acho que o seu argumento é duvidoso.
Dr. House: E eu acho que a sua gravata é feia.

Dr. House: Oh, merda. (Ao ver os pais de um paciente vindo em sua direção.) Outra razão pela qual não gosto de conhecer os pacientes. Se não souberem como é, não podem gritar com você.

Dra. Cuddy: Trabalhar com pessoas faz de você um médico melhor.
Dr. House: Quando foi que me inscrevi nesse curso?

Dra. Cameron: Você sempre tem razão e nós somos idiotas.
Dr. House: Não. Só não me considero um idiota e não acredito que todos vocês tenham razão.

Estudante de Medicina: Você está lendo história em quadrinhos!
Dr. House: E você está chamando atenção para os seios ao usar uma blusa tão decotada.
(A estudante fica surpresa.)
Dr. House: Oh, desculpe, pensei que era um concurso de observações óbvias. Sou competitivo por natureza.

Dr. Foreman: Leu o histórico dele?
Dr. House: Comecei, mas achei os personagens muito rasos.

Paciente: Não consigo tirar as minhas lentes de contato.
Dr. House: Tirar de onde? Não estão nos seus olhos.
Paciente: Mas eles estão vermelhos.
Dr. House: Isso é porque você está tentando arrancar suas córneas.

(Cuddy vai atrás de House, para dizer algo a ele.)
Dr. House: (Gritando no meio do hospital.) Nunca mais quero ir para a cama com você! A primeira vez foi lástimável; só porque é minha chefe não pode abusar do meu corpo!

Dr. House: Estou vendo. Tem sete anos, é bonita, não pode ter bactérias asquerosas que comem carne. Vamos curá-la com raios de sol e ursinhos de pelúcia!

Dr. Foreman: Você é viciado em conflitos.
Dr. House: (Olhando para o seu Vicodin.) Mudaram o nome?

Dra. Cuddy: Roubar o teste de outra pessoa? Não acredito que tenha autorizado isso!
Dr. House: Sério? Me parece o tipo de coisa que eu faria.

(A um familiar, antes de falar com uma paciente.)
Dr. House: Importa-se de esperar lá fora por um momento?
Familiar: Por quê?
Dr. House: Porque você me irrita.

(Discutindo com Cameron sobre um paciente.)
Dr. House: Comecem a dar imunoglobulinas agora. Se ele melhorar, eu ganho; se morrer, você ganha.

Dr. House: Acontece que as suas opiniões não dão bons resultados. Aconselho a usar as minhas.