No frigir dos ovos…

Pergunta:

Alguém sabe me explicar, num português claro e direto, sem figuras de linguagem, o que quer dizer a expressão “no frigir dos ovos”?

Resposta:

Quando comecei, pensava que escrever sobre comida seria sopa no mel, mamão com açúcar. Só que depois de um certo tempo dá crepe, você percebe que comeu gato por lebre e acaba ficando com uma batata quente nas mãos. Como rapadura é doce mas não é mole, nem sempre você tem idéias e pra descascar esse abacaxi só metendo a mão na massa.

E não adianta chorar as pitangas ou, simplesmente, mandar tudo às favas.

Já que é pelo estômago que se conquista o leitor, o negócio é ir comendo o mingau pelas beiradas, cozinhando em banho-maria, porque é de grão em grão que a galinha enche o papo. Contudo é preciso tomar cuidado para não azedar, passar do ponto, encher linguiça demais. Além disso, deve-se ter consciência de que é necessário comer o pão que o diabo amassou para vender o seu peixe. Afinal não se faz uma boa omelete sem antes quebrar os ovos.

Há quem pense que escrever é como tirar doce da boca de criança e vai com muita sede ao pote.

Mas como o apressado come cru, essa gente acaba falando muita abobrinha, são escritores de meia tigela, trocam alhos por bugalhos e confundem Carolina de Sá Leitão com caçarolinha de assar leitão.

Há também aqueles que são arroz de festa, com a faca e o queijo nas mãos, eles se perdem em devaneios (piram na batatinha, viajam na maionese… etc). Achando que beleza não põe mesa, pisam no tomate, enfiam o pé na jaca, e no fim quem paga o pato é o leitor que sai com cara de quem comeu e não gostou.

O importante é não cuspir no prato em que se come, pois quem lê não é tudo farinha do mesmo saco. Diversificar é a melhor receita para engrossar o caldo e oferecer um texto de se comer com os olhos, literalmente.

Por outro lado se você tiver os olhos maiores que a barriga o negócio desanda e vira um verdadeiro angu de caroço. Aí, não adianta chorar sobre o leite derramado porque ninguém vai colocar uma azeitona na sua empadinha, não. O pepino é só seu, e o máximo que você vai ganhar é uma banana, afinal pimenta nos olhos dos outros é refresco…

A carne é fraca, eu sei. Às vezes dá vontade de largar tudo e ir plantar batatas. Mas quem não arrisca não petisca, e depois quando se junta a fome com a vontade de comer as coisas mudam da água pro vinho.

Se embananar, de vez em quando, é normal, o importante é não desistir mesmo quando o caldo entornar. Puxe a brasa pra sua sardinha, que no frigir dos ovos a conversa chega na cozinha e fica de se comer rezando. Daí, com água na boca, é só saborear, porque o que não mata engorda..

Entendeu agora o que significa “no frigir dos ovos”?

Guaraci Neves

Joelhaço

 (E olha que já tenho uma cicatriz no joelho direito desde que o arrebentei pulando um muro…)

Pois é.

Desde o acidente que o joelho esquerdo deste velho contador de causos que vos tecla não anda lá essas coisas (infame, inconsequente e inesperado trocadilho)…

E como o danado deu a doer nos últimos tempos – e juro que não é nenhuma influência Houseriana – resolvi tomar a mais inesperada das atitudes (vinda de mim): voltei ao médico.

Analisa daqui, cutuca dali, fuça acolá. Diagnóstico (que eu já sabia) é a do “engavetamento nível três”. Significa que tá no limite da manutenção. Mais ou menos como amortecedor estourado, mola vencida, pivô arrebentado – e isso sem nem falar da rebimboca da parafuseta (que vai muito bem, obrigado). Na prática quer dizer que meu ligamento cruzado posterior esgarçou que nem um elástico velho e já não garante a firmeza do conjunto. Não sabem o que é isso? É por isso que coloquei aquela imagem ali em cima, pô!

Bem, isso feito fui encaminhado para a ressonância. Prenderam, engaiolaram e transportaram minha perna para aquela caverna magnética que faz picadinho (virtual) de tudo que passa por ela. E comigo junto da perna. Já na posição e com tudo pronto, o médico sai da sala e tem a audácia de fazer uma última recomendação:

– Não vá se mexer, hein?

Pronto.

Era tudo que eu NÃO precisava ouvir.

Nos minutos que fiquei ali acorrentado minha cabeça mandou tudo que podia lá pro final da perna esquerda: coceira, cócegas, arrepio, caimbra e o que mais quer que seja possível pensar. Mas resisti estoicamente e consegui fazer o exame.

Resultado: “Alteração de sinal que pode estar relacionada a edema pós contusional acomentendo o côndilo femoral medial. / Degeneração do corpo do menisco medial, sem evidências de rotura. / Lesão parcial do ligamento cruzado posterior, sem descontinuidade completa de suas fibras, de acordo com a hipótese clínica. /  Pequeno derrame articular. / Importante edema da gordura supra-patelar, indicativo de hipersolicitação do mecanismo extensor.”

E sabem o que tudo isso significa?

Não?

Nem eu.

Entretanto não me parece que seja lá muito bom…

Mas, na realidade, não era nada disso que eu queria tratar aqui.

É que falando de joelho, lembrei-me do “joelhaço” (assim mesmo, com artigo definido). O famoso tratamento clínico do Analista de Bagé (personagem do Luís Fernando Veríssimo). Segue uma pequena estória para que possam entender…

Outra do Analista de Bagé

Existem muitas histórias sobre o analista de Bagé mas não sei se todas são verdadeiras. Seus métodos são certamente pouco ortodoxos, embora ele mesmo se descreva como “freudiano barbaridade”. E parece que dão certo, pois sua clientela aumenta. Foi ele que desenvolveu a terapia do joelhaço.

Diz que quando recebe um paciente novo no seu consultório a primeira coisa que o analista de Bagé faz é lhe dar um joelhaço. Em paciente homem, claro, pois em mulher, segundo ele, “só se bate pra descarregá energia”. Depois do joelhaço o paciente é levado, dobrado ao meio, para o divã coberto com um pelego.

– Te abanca, índio velho, que tá incluído no preço.

– Ai – diz o paciente.

– Toma um mate?

– Na-não… – geme o paciente.

– Respira fundo, tchê. Enche o bucho que passa.

O paciente respira fundo. O analista de Bagé pergunta:

– Agora, qual é o causo?

– É depressão, doutor.

O analista de Bagé tira uma palha de trás da orelha e começa a enrolar um cigarro.

– Tô te ouvindo – diz.

– É uma coisa existencial, entende?

– Continua, no más.

– Começo a pensar, assim, na finitude humana em contraste com o infinito cósmico…

– Mas tu é mais complicado que receita de creme Assis Brasil.

– E então tenho consciência do vazio da existência, da desesperança inerente à condição humana. E isso me angustia.

– Pois vamos dar um jeito nisso agorita – diz o analista de Bagé, com uma baforada.

– O senhor vai curar a minha angústia?

– Não, vou mudar o mundo. Cortar o mal pela mandioca.

– Mudar o mundo?

– Dou uns telefonemas aí e mudo a condição humana.

– Mas… Isso é impossível!

– Ainda bem que tu reconhece, animal!

– Entendi. O senhor quer dizer que é bobagem se angustiar com o inevitável.

– Bobagem é espirrá na farofa. Isso é burrice e da gorda.

– Mas acontece que eu me angustio. Me dá um aperto na garganta…

– Escuta aqui, tchê. Tu te alimenta bem?

– Me alimento.

– Tem casa com galpão?

– Bem… Apartamento.

– Não é veado?

– Não.

– Tá com os carnê em dia?

– Estou.

– Então, ó bagual. Te preocupa com a defesa do Guarani e larga o infinito.

– O Freud não me diria isso.

– O que o Freud diria tu não ia entender mesmo. Ou tu sabe alemão?

– Não.

– Então te fecha. E olha os pés no meu pelego.

– Só sei que estou deprimido e isso é terrível. É pior do que tudo.

Aí o analista de Bagé chega a sua cadeira para perto do divã e pergunta:

– É pior que joelhaço?

Física da Busca

No final, comecei a acreditar em algo que chamo de “Física da Busca”. Uma força da natureza regida por leis tão reais quanto a lei da gravidade. A regra dessa “Física da Busca” é assim: se você tiver coragem de deixar para trás tudo o que lhe é familiar e que lhe conforta – que pode ser a sua própria casa ou velhos rancores – e embarcar em uma jornada em busca da verdade, seja ela externa ou interna; se estiver disposto a considerar que tudo que lhe aconteça nessa jornada como iluminação e aceitar todos que vier a conhecer nessa estrada como um professor; e se estiver preparado para enfrentar – e principalmente perdoar – algumas das duras realidades sobre si mesmo… Então… A verdade não lhe será negada!

Comer, Rezar, Amar (O Filme)

Idoso

  (Será que consigo?)

Idoso é a pessoa que tem muita idade; velha é a pessoa que perdeu a jovialidade. A idade causa degeneração das células; a velhice causa degeneração do espírito. Por isso, nem todo o idoso é velho e há velho que nem chegou a ser idoso.

O mesmo ocorre com as coisas: há coisas que são idosas (antigas) e há coisas que são velhas. Um vaso da dinastia Ming (1368-1644) pode ser uma antiguidade, uma relíquia que não tem preço; um outro, de apenas cinquenta anos ou menos, pode ser um vaso velho a ser relegado a um depósito. Você é idoso quando pergunta se vale a pena; você é velho quando sem pensar responde que não.

Você é idoso quando ainda aprende; você é velho quando já nem ensina. Você é idoso quanto pratica esportes ou de alguma forma se exercita; você é velho quando apenas descansa. Você é idoso quanto ainda sente amor; você é velho quando só sente ciúmes e possessividade. Você é idoso quando o dia de hoje é o primeiro do resto de sua vida; você é velho quando todos os dias parecem o último da longa jornada.

Você é idoso quando seu calendário tem amanhãs; você é velho quando seu calendário só tem ontens. Idosa é a pessoa que tem tido a felicidade de viver uma longa vida produtiva, de ter adquirido uma grande experiência; ela é uma porta entre o passado e o futuro e é no presente que os dois se encontram. O velho é aquele que tem carregado o peso dos anos; que em vez de transmitir experiência às gerações vindouras transmite pessimismo e a desilusão. Para ele, não existe ponte entre passado e presente, pois lá existe um fosso que o separa do presente, pelo apego ao passado.

O idoso se renova a cada dia que começa; o velho se acaba a cada noite que termina, pois enquanto o idoso tem os olhos postos no horizonte, de onde o sol desponta e a esperança se ilumina, o velho tem sua miopia voltada para os tempos que passaram. O idoso tem planos; o velho tem saudades.

O idoso se moderniza, dialoga com a juventude, procura compreender os novos tempos; o velho se emperra no seu tempo, se fecha em sua ostra e recusa a modernidade. O idoso leva uma vida ativa, plena de projetos e prenhe de esperança. Para ele, o tempo passa rápido e a velhice nunca chega. O velho cochila no vazio de sua vidinha e suas horas se arrastam, destituídas de sentido. As rugas do idoso são bonitas porque foram marcadas pelo sorriso; as rugas do velho são feias, porque foram vincadas pela amargura.

Em suma, o idoso e o velho são duas pessoas que até podem ter, no cartório, a mesma idade cronológica. Mas o que têm são idades diferentes no coração.

JORGE JOSÉ DE JESUS RICARDO – 69 ANOS
Vencedor do 1º Congresso Literário para a Terceira Idade

A memória

RUBEM ALVES
(Mais Badulaques)

Quando eu me levanto e sei que meu nome é Amilcar Herrera, sei também tudo o que se espera de mim. O meu nome diz o que devo ser, o que devo pensar, o que devo falar. Meu nome é uma gaiola em que estou preso. Mas se, ao acordar, eu tiver me esquecido do meu nome, terei me esquecido também de tudo o que se espera de mim. Se nada se espera de mim, estou livre para ser aquilo que nunca fui. Começarei a viver minha vida a partir de mim mesmo e não a partir do nome que me deram e pelo qual sou conhecido.

(…)

Roland Barthes, na sua famosa Aula, também disse estar se entregando à desaprendizagem do aprendizado para livrar-se das sucessivas sedimentações dos saberes que, com a passagem do tempo, vão se depositando em nossos corpos.

Resumos

RUBEM ALVES
(Quarto de Badulaques)

A jovem, na sua aflição, me enviou um e-mail com um pedido de socorro. Vai se submeter à violência dos vestibulares e um dos instrumentos de tortura será um livro que escrevi. Ela me pedia que eu fizesse um resumo do livro. Resumir? O que é resumir? É dizer em poucas palavras aquilo que foi dito com muitas palavras. Só se pode resumir um livro se ele está cheio de palavras supérfluas. Mas a literatura é feita, precisamente, com palavras essenciais, palavras que não podem ser retiradas. Como resumir uma sonata de Mozart? Como resumir um poema? Como resumir uma viagem? Como me resumir? Pois o que escrevo é feito com pedaços de mim. Sou resumível? A jovem que me fez o pedido não é culpada. Culpados são aqueles que, por anos, têm preparado os exames vestibulares. Assassinos da língua. Deveriam ser presos. Há, inclusive, livros que se vendem nas livrarias com os resumos das obras de literatura. Literatura é coisa que se faz por prazer. É possível resumir o prazer? Por favor: resuma o ato de “fazer amor”. Fazer amor depressinha, com leitura dinâmica. O que os exames pretendem é que o ato de fazer amor com os livros – vagaroso, degustador – tome como modelo o rapidíssimo coito dos galos e galinhas… Isso não é um absurdo?