Árvore nossa de cada dia

O dia não começara bem.

Greve.

Já pelo segundo dia.

Pelo menos 80% dos ônibus parados.

Boa parte da frota estacionada em volta do recém-inaugurado parque municipal.

E ele, enquanto Secretário responsável pela pasta, participou de tensas negociações com o Sindicato, enfrentou os dirigentes da empresa, buscou alternativas para a população, aliviou as medidas policiais, trabalhou sob a pressão do governo – enfim, cuidou com as mãos nuas de uma enorme panela de pressão em fogo alto.

E, no meio de todo esse burburinho, eis que o Secretário de Meio Ambiente, num arroubo de humor ácido, resolve lhe alfinetar essa:

– Não quero nem saber! Pode tratar de tirar todos aqueles ônibus que estão lá enfeiando e tapando a visão das árvores que acabei de plantar no parque!

Deixo para a fértil memória dos eventuais leitores a resposta rápida e curta que deve ter sido dada naquele momento…

Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa

Vendo o que o Jorge, lá do Direito e Trabalho, escreveu aqui, percebi que não tenho mais como fugir (ainda mais considerando a nova situação peculiar em que me encontro): terei que me adaptar.

É que o Acordo Ortográfico entre os países da Língua Portuguesa, objeto de decreto presidencial em setembro último, efetivamente entrou em vigor agora no início de janeiro de 2009, sendo que as escorregadelas e adaptações poderão se dar até dezembro de 2012. A partir daí os recalcitrantes estarão escrevendo errado…

E, seguindo uma dica do próprio Jorge, fui parar na ótima página do Interney, que escreveu um resumão bem legal das novas regras. Resumo esse que serviu para alimentar mais um bocadinho da minha “página de lembretes” aí do lado, sob o peculiar título de O Bucéfalo

Aliás, as dicas do Interney foram baseadas no Guia Prático da Nova Ortografia, da autoria de Douglas Tufano. Caso alguém se interesse, é um arquivinho com cerca de 1Mb (apenas 32 páginas) e que, dentre outros lugares, pode ser encontrado para download bem aqui.

Enfim, passadas três décadas desde a última reforma ortográfica e ainda que as mudanças possam ser consideradas pequenas e até mesmo pouco significativas – inclusive porque foneticamente nada muda – considerando sob o ponto de vista da simplificação de muitas das regras existentes essa reforma será bastante valiosa para a alfabetização dessa criançada que está dando seus primeiros passos na língua portuguesa (meus filhos inclusive).

Então, como eu já havia dito, terei que me adaptar…

É phoda…

Sicrano ou siclano?

Antes que alguém atire algum Houaiss ou Aurélio em minha pobre cabeça, saibam que essa dúvida (que não é minha) é mais comum do que parece. Talvez por alguma questão de fonética (pronúncia de “L” em vez de “R”), caipirismo, chinesismo, sei lá… Mas vamos ao que interessa: a grafia correta é com “erre”, ou seja, SICRANO. E já que estamos falando nisso, para que nos prendermos somente a este dos três sujeitos? O negócio é dar asas à imaginação, como o fez Guimarães Rosa, nesse trecho de seu conto Mechéu:

Sumo prazia-lhe ouvir debicarem alguém: que fulano fora à casa de baiano e a moça de lá não lhe abrira a porta; beltrano não ia à Vila à noite, por medo dos lobos; sicrano surrara peixano que sapecara terciano que sovara marrano, sucessos eis faziam-no rir a pagar, não risada gargalhal, somenos chiada entre quentes dentes, vai vezes engasgava-se até, da ocasiãozada. Malvadezas contra outros o confortavam. (…)

Não sei por qual motivo, mas me identifiquei MUITO com esse personagem…

Talvez seja porque vai ao encontro de algo que sempre costumo dizer: pequenas malvadezas – nada como isso para alegrar o dia de alguém!

😉

O fio

Saboroso texto do Sérgio Rodrigues, sendo de se destacar o excelente conselho de Dorothy Parker.

Apontamentos levianos para um ensaio gravíssimo: o fio

A boa escrita é a atualização, que parece se dar no ato mesmo da leitura, de um certo potencial literário da linguagem, coisa obviamente intangível: um jogo desesperado, uma dança sedutora, tapeçaria vaporosa de ritmos, vírgulas, climas e sabedoria vocabular lançada sobre um relevo concreto de topoi, de pressupostos culturais e sensoriais que compõem o território compartilhado por escritor e leitor. Um relevo de lugares-comuns que a escrita ora aceita, acariciando, ora confronta, batendo de frente nas pedras – mas esta é outra conversa. O que importa destacar aqui é que toda essa algazarra se dá, como se acontecesse pela primeira vez, no ato mesmo da leitura, aparecendo antes de mais nada sob a forma de um comboio de palavras. E já que estamos no terreno do intangível: quanto mais charmoso esse comboio, quanto melhor a escrita, maior o fio, o gume com que fere a página naquele momento.

É o fio, para não deixar de explorar a polissemia da palavra, que nos leva a passar de uma palavra à próxima, de uma frase às frases seguintes, e virar as páginas fascinados num mundo em que a cada dia há mais páginas, páginas excessivas, implorando nossa atenção como crianças malabaristas nos sinais. E é a consciência da ausência de fio que nos leva a ler cinco páginas e meia do romance cult recém-lançado como quem encara um suflê de alfafa, garfada a garfada, penosamente, antes de tomarmos coragem para seguir o conselho de Dorothy Parker: “Este não é um livro que se possa deixar de lado de forma leviana. Deve-se atirá-lo longe com toda a força”. Teríamos cometido uma injustiça? Brilharia milagrosamente a partir da página dezoito o gume até então cego? Nós e Dorothy jamais saberemos.

Mas como se dá, afinal, a avaliação da escrita por um critério tão impressionista? Quem diz onde está o fio, ou pior, quem diz o que é o fio? Quem leu o suficiente para dizer, é claro. Mas diz em primeiro lugar – e isso é importante – a si mesmo. Assim como a realidade do texto para o leitor se dá sempre agora, não importa quanto tempo o autor tenha investido nele nem quantos séculos tenham se passado entre escrita e leitura, da mesma forma esse leitor-juiz, se tiver dois gramas de sabedoria, saberá que é irremediavelmente idiossincrático ao julgar o fio. Isso não significa decretar um vale-tudo estético baseado apenas no “gosto pessoal”. Nenhum gosto é exclusivamente pessoal, mas sempre enraizado num patrimônio de cultura que pertence à sociedade. Ocorre apenas que, de tanto ler, o leitor, submisso leitor, acaba dando um jeito de instaurar sua própria tirania sobre os escritores: se puder, não permitirá de modo algum que aquelas palavras lhe arranhem a retina, a mente ou a alma. Eis porque uma boa pedra de amolar é mais importante na mesa de trabalho do escritor do que papel e caneta – ou um computador.

Autopirataria

Acho que Já li quase tudo que o Paulo Coelho publicou…

E antes que me atirem alguma pedra filosofal na cabeça, já esclareço que não, não acho que ele tenha o “cacife” de estar entre os ditos Imortais. Apenas é um caboclo bom de vendas e com alguns livros interessantes.

Mas a abordagem agora é outra.

No Link dessa semana (o suplemento de informática do Estadão) foi mostrada uma faceta do Paulo Coelho com relação à “pirataria” que vai exatamente ao encontro das idéias que eu já defendo faz muito tempo:

Coelho acredita que a rede “é livre e anárquica” e diz ser inútil lutar contra ela. Segundo o autor, a disponibilização gratuita de livros na web não prejudica a venda: “Pelo contrário, é uma forma de divulgar o trabalho.” Para ele, as pessoas podem gostar e, então, decidirem comprar o original na livraria mais próxima.

Na sequência da matéria alguns autores de renome discordam dessa colocação, sendo que um deles foi categórico ao dizer que “Não faria isso que ele fez sem ter certeza de que não afetaria a venda dos meus livros.”

Ora, na minha humilde opinião, ô pensamentozinho besta! E egoísta!

Outro dia mesmo o Sérgio Rodrigues, num excelente post, nos lembrava que Da Alemanha, em 1826, disse Goethe: ‘Aquele que não espera ter um milhão de leitores não deveria escrever uma linha’. Ao que respondeu o americano Gore Vidal, século e meio depois: ‘Idealmente o escritor só precisa ter como audiência os poucos que o entendem. É cobiça e falta de modéstia querer mais’.

Particularmente meu pensamento se alinha muito mais com Gore Vidal que com Goethe – que o digam meus quase cinco leitores!…

Enfim, apesar de não ter lá muita certeza dos “motivos altruístas” do caboclo, ainda assim o que importa é que uma idéia foi colocada, um pensamento foi divulgado e um passo foi dado. Talvez o primeiro. Talvez o derradeiro. Na prática uma atitude às vezes acaba sendo mais importante do que palavras.

Até porque, segundo Julien Green, “O pensamento voa e as palavras andam a pé. Esse é todo o drama do escritor.”

😉