Classe média?

Numa excelente sequência de matérias que saiu na última Carta Capital (nº 440, de 18/04/2007), selecionei um trechinho que me chamou a atenção da matéria de João Marcelo Erthal, p.12-13, referente ao ensino no Brasil:

A armadilha do ensino privado, à qual a classe média se vê atada e sem perspectiva de alívio, começou a ser construída nos anos 60, em decorrência de uma necessidade de ampliação da rede pública de ensino para abarcar as classes mais populares e formar trabalhadores para a indústria. ‘Nos anos 50, os maus alunos é que iam para a escola particular, por não conseguirem acompanhar o ensino público. Era uma educação da elite para a elite, e o pobre simplesmente não participava’, conta a pesquisadora e professora de literatura Regina Zilberman.

A partir dos anos 60, começa a expansão da rede de ensino e a população excluída da educação começa a ser atendida. Permanece, no entanto, a baixa qualidade, que leva as famílias em melhor condição financeira a recorrer às particulares. ‘Essa valorização do ensino privado fica mais evidente nos anos 80 e 90, com o refinamento das escolas de primeiro e segundo graus, que passam a se apresentar como passaportes para a universidade. Hoje, espremida pelas altas mensalidades e extremamente dependente da escola particular, grande parte da classe média não tem mais como arcar com o custo. Ou seja, essa parcela da sociedade apostou no desenvolvimento de um sistema de educação que ela própria não tem mais condição de acompanhar’, analisa Regina Zilberman.

E eu aqui, que não estava lá nos anos sessenta, não apostei em coisa alguma, segurando os carnês das escolas de meus filhos, e com uma saudaaaaaade dos anos cinquenta…

Sem condição de decolar

Essa veio lá do Blog do Mino, publicada ontem à tarde. Não resisti a tamanha demonstração de lucidez e tasquei aqui na íntegra.

Ah, a rebelião dos sargentos… Mais, muito mais que o enredo do apagão aéreo, enésimo ato da tragicomédia brasileira, convoca a atenção minha e dos meus botões o comportamento da mídia nativa em relação às mais recentes decisões do presidente Lula. Não digo que me espante, ou que me surpreenda de leve, ou que me cause alguma perplexidade. Está claro que não. A mídia nativa é personagem de primeiríssimo plano na tragicomédia brasileira. Tocha e cordas, pratico a espeleologia interior, intima, pessoal. Que sinto neste momento? Talvez uma espécie de melancolia cívica ao constatar que, de verdade, o País não tem a mais pálida condição de decolar. Não são os aviões, é o Brasil, entregue a esta chamada elite, a esses donos do poder que nunca se põem, igual a sol eterno. O editorial do Estadão de hoje, por exemplo, tem a ventura de me rejuvenescer 43 anos. Lá está a “quartelada” que despreza “os princípios basilares da hierarquia e da disciplina”. Ricardo Noblat (tu quoque?) é mais preciso, na sua qualidade de atilado jornalista. Anota que Lula lembrou dos começos de 1964, “quando João Goulart passou a mão na cabeça dos sargentos em greve”, daí houve mais um empurrão para o golpe de 1º de abril. Eliana Cantanhede, na Folha de S.Paulo de domingo, evoca Nostradamus. O governo, diz ela, se indispôs com a cúpula militar, e só o tempo dirá se foi “bom negócio”. E eis a conclusão, presságio de chuva preta: “A história costuma dizer que não”. Pincei três exemplos. Há inúmeros, porém, intermináveis. Em todas as passagens há um toque suave de esperança, no gênero “não é tempo para golpes”, ou “a democratização já deitou raízes”, ou “aquele passado não volta”. A reprimenda a Lula é escancarada, no entanto, como se ele estivesse a brincar com o fogo e a submeter risco irreparável ao País e a Nação. Percebe-se, como sempre, a intenção de alvejar o governo, o preconceito de classe, se não for ódio mesmo, ali se mescla com o sonho de desforra depois da derrota tucana. Mas há também, notável, transparente, a incapacidade de entender que ao presidente de uma República autêntica, e entendida como tal por seus cidadãos, cabe perfeitamente tomar certas decisões e que sua autoridade é infinitamente superior àquela, específica e circunscrita, de generais, brigadeiros e almirantes. Tenho a granítica convicção, corroborada pela pronta anuência dos meus botões, de que a larga maioria dos cidadãos não tem consciência republicana, a começar pelos graúdos e dos seus menestréis midiáticos. Desmilitarizar o controle aéreo, medida salutar, sem dúvida. O caos terminará nos aeroportos. Vai continuar, contudo, na cabeça dos senhores, e é isso o que me preocupa. Ou melhor, me entristece.

Outros detalhes interessantes sobre essa história dos controladores aéreos podem ser obtidos pela simples leitura do Manifesto dos Controladores de Tráfego Aéreo, que foi publicado na íntegra, em 30/03/07, lá no Blog do Tas.

Uma questão de infra-estrutura

Já há vários meses participei de uma reunião num bairro periférico em Jacareí cujo objetivo era a eleição de representantes daquela comunidade como delegados do OP (Orçamento Participativo). O bairro em si não era tão distante do Centro e, apesar de as ruas estarem bem niveladas, ainda assim eram estradas de terra, faltando-lhe o calçamento. Enfim, uma poeira só.

Na ocasião estavam presentes tanto o Prefeito quanto o Vice-Prefeito de Jacareí, assim como vários outros secretários e integrantes do primeiro e segundo escalão do governo do Município. Foi quando aprendi uma coisa bastante interessante no que diz respeito à infra-estrutura.

Em seu discurso frente à comunidade – que, aliás, não estava com uma cara muito satisfeita, pois estavam preparados para “cobrar o asfalto” – o Prefeito ressaltou o quão caro e trabalhoso é o asfaltamento de um bairro. Seria muito fácil simplesmente trazer para o bairro caminhões carregados de concreto betuminoso, mais alguns rolos compactadores e transformar suas ruas em verdadeiros tapetes asfaltados. Tão fácil quanto irresponsável.

Isso porque toda a infra-estrutura básica não teria sido executada. E aquele asfalto lindo e maravilhoso teria que ser quase que totalmente quebrado para realização dessas obras. E asfalto remendado às vezes é pior ainda que a falta de asfalto…

Por infra-estrutura básica entenda-se deixar preparada toda a rede de esgoto e suas galerias subterrâneas, as ligações de entrada de água para abastecimento das casas, o nivelamento das ruas, sua drenagem, a colocação de guias e sarjetas, etc. Só a drenagem já leva um tempo considerável, pois há que se fazer todo um estudo de escoamento das águas pluviais (das chuvas), para só então colocar os tratores nas ruas. E isso tudo é “dinheiro enterrado”. Não traz visibilidade. Normalmente nenhum político gosta de obras que não apareçam. O asfalto propriamente dito (que efetivamente traz visibilidade) somente pode ser colocado APÓS realizado tudo isso.

Enfim, foi esse o discurso dele. Apesar dos ânimos contidos do povo, a conclusão da linha de raciocínio que vinha tecendo foi a de que, ainda que não aparecesse, após meses de obras, finalmente toda a infra-estrutura do bairro estava pronta e naquele momento ele já iria assinar a ordem de serviço para que uma empresa contratada desse início à pavimentação do bairro. O povo foi à loucura de felicidade numa verdadeira apoteose…

O porquê lembrei desse “causo”? Simples. Ontem estava pensando em tudo que já fiz lá no quintal. Quem vem e olha minha obrinha poderia simplesmente dizer: “Pôxa, Adauto, faz mais de um mês que você está mexendo aqui no quintal todo dia e só fez a fundação pra uma parede? Benza Deus, hein? Que belo nada!”

Pois é. Mas ali, guardadas as devidas proporções, também tem muito “dinheiro enterrado”. Tanto no chão quanto nas paredes. Aliás, mais mão-de-obra que dinheiro, diga-se de passagem. Foi preciso desmontar todo um sistema de entrada d’água ineficiente, refazê-lo em outras direções, preparar a rede de esgoto para as novas ligações que serão feitas quando tudo estiver pronto, passar a fiação elétrica pelas paredes, preparar as brocas (buracos) de mais de um metro para colocar a ferragem que sustentará a parede, montar a própria ferragem, concretar tudo isso, enfim, coisa pra caramba…

Mas nada disso dá pra ser visto.

Entretanto, agora tá começando a ficar bonito. Mais um dia e o concreto já estará firme o suficiente para começar a levantar a parede. Ou seja, agora teremos “visibilidade”.

Ah, e sim. “Infra-estrutura” se escreve desse jeito mesmo. Com hífen.

Cruzem os raios!

As trilhas que nos levam à construção de uma determinada linha de raciocínio por diversas vezes são tão tortuosas quanto insondáveis. Neste caso específico tudo começou com uma notícia banal sobre o carro utilizado na filmagem de Ghostbusters, um sucesso de bilheteria da década de oitenta. O Ecto-1 está à venda. Creio que por algo em torno de US$150,000.

Como é um artigo que está na minha DVDteca (se é que essa palavra existe), a criançada resolveu assisti-lo (juro, foram eles). Esse filme é da época em que mal começávamos a falar em vídeo-cassetes em cada casa. Assisti sua versão original no cinema. É de uma época mais pura, mais inocente, onde o bem e o mal dividiam espaços bem distintos – sem tons de cinza.

Aliás, esse sentimento de época se estendia para fora dos cinemas também. Aprontava-se, por certo, mas existia uma certa honra, haviam limites intransponíveis. Volta e meia vejo a geração posterior à minha (que também já não é mais a atual) falar com nostalgia e romantismo acerca da “famosa” década de oitenta. Talvez a mesma nostalgia e romantismo com que minha geração se referia às décadas de sessenta e setenta…

Mas de lá pra cá algo vem acontecendo. Lentamente. Continuamente. Inexoravelmente (essa aprendi com Vincent Price). O bem e o mal deixaram de dividir seus espaços igualmente. Primeiro, tons de cinza foram tomando conta da zona de encontro. Parecia algo natural, condizente com o amadurecimento não só de uma geração, mas como de toda uma raça (a humana). Porém, mais tarde, tornou-se evidente que isso era algo unilateral, o cinza na realidade estava avançando sobre o branco. O lado escuro de nossa humanidade parece que tem se tornado mais forte.

Tanto o é que tornou-se necessário um choque absoluto para chamar nossa atenção desse torpor. O recente incidente (talvez seja melhor chamar de desgraça) ocorrido com aquele garoto no Rio de Janeiro parece que deu um choque na nação. De apenas 110 volts, mas ainda assim, um choque. De tão acostumados com as mazelas, tiroteios, mortes, sequestros, assaltos, somente uma “inovação” de tal monta é que nos fez prestar atenção no mundo além de nosso umbigo. Aliás, o Bica e família já comentaram sobre isso – e concordo com eles.

A dureza é que a exploração midiática sobre o evento já teve início. O próprio Presidente já se manifestou sobre o caso – aliás, desculpe-me sr. Presidente, mas acho que é sim o caso de diminuição da maioridade penal. Os atuais “donos do mundo” vangloriam-se de que não precisam ter noção de responsabilidade, pois são menores de idade e, por isso mesmo, inimputáveis.

Tudo isso é triste e desconcertante. Afinal, que mundo estamos deixando de legado para nossos filhos? Será que é por isso que cada vez mais pessoas deixam de ter filhos para se dedicarem a pequenos animais de estimação? Meus mais íntimos amigos sabem que isso não é uma crítica – de forma alguma – mas uma mera constatação de uma realidade subliminar voltada ao medo e que vem assolando a sociedade moderna.

Trancamo-nos, mudamo-nos para condomínios fechados, erigimos impérios atrás das grades e cercamo-nos de todo luxo e conforto que a tecnologia possa nos proporcionar. Distraímo-nos com nossos hobbies, nossas coleções, nossos pequenos vícios e fugas. Traçamos rotinas que falsamente nos induzem a uma sensação de segurança. Concentramo-nos no trabalho e na dedicação diuturna a atividades que visam coordenar, organizar e dirigir algo que talvez não venha a durar uma década.

E o futuro? Vai bem obrigado. De preferência lá fora, no mundo escuro e sujo do qual esforçamo-nos para não fazer parte.

Talvez eu seja apenas um dos últimos românticos, sempre batalhando uma quixotesca jornada de auto-conhecimento, na qual busco fazer de meus atos meros reflexos de meus pensamentos. Garanto-lhes que é difícil, muito difícil. Envolve principalmente perdas e sacrifícios. Até de coisas que ansiamos muito, mas que – se levadas a cabo – seriam contrárias ao próprio discurso.

Ou seja, sonhos nunca morrem de morte morrida, mas sim de morte matada.

E é por essas e outras que até hoje me atrai aquela singela fábula acerca do beija-flor que, sozinho, procura apagar o fogo da floresta. “Só estou fazendo minha parte”, disse ele.

E se cada um de nós resolvesse fazer sua parte? Mas de verdade? Aqui e ali sempre ouvimos falar de alguns focos isolados, verdadeiros bastiões da resistência. Comunidades se insurgem lá e acolá; movimentos como a metareciclagem aparecem do nada para preencher uma lacuna da sociedade; entram nessa luta inclusive pessoas abnegadas que dispõem-se a ajudar uma coletividade sem proveito nenhum para si.

O grande problema é que esse – de fato – é um trabalho de formiguinha. Não veremos as coisas mudarem da noite para o dia. Mas devemos inspirar a próxima geração para que não abdique desse ideal, dessa luta. É nossa obrigação prepará-los para os dias que virão, fortalecendo-lhes o caráter de modo que não desistam e que também inspirem de igual forma a geração seguinte.

Não será fácil. Não é fácil. Não se trata somente de “cruzar os raios”, como no filme, para que todos os problemas se resolvam. Não estamos falando de uma batalha, mas de uma guerra. Uma longa e duradoura guerra. Da qual certamente não veremos o final. Se é que algum dia haverá um final.

Mas havemos de tentar.

Afinal, “Só estou fazendo minha parte”

Também dez anos…

“Dia desses” escrevi sobre o aniversário de dez anos de minha vida virtual através de sites. Mas também existe outro aniversariante agora em 2007…

Seu nome?

CPMF !

Contribuição “Provisória” sobre Movimentação Financeira.

Começou em 1997, em tese para atender uma demanda da Saúde, e nunca mais foi embora. Até onde sei, injeta cerca de R$30 bilhões (sim, trinta bilhões de reais) anualmente nos cofres públicos.

E não dá sinais que vá arrefecer…

Quem quiser comemorar, que comemore.

Poder divino

Publicado no Jornal Valeparaibano de hoje:

Em plena estação das chuvas, o prefeito de Aparecida, José Luiz Rodrigues (PFL), o Zé Louquinho, proibiu enchentes no município. “Fica terminantemente proibida a ocorrência de enchentes provocadas em razão de chuvas fortes, chuvas de granizo, tempestades, vendavais e cheias do Rio Paraíba do Sul e seus afluentes”, diz o único artigo do projeto enviado ontem à Câmara, em represália a um vereador de oposição, que cobrava medidas contra as enchentes.

Retórica

Pegando o foco da tentativa de influência midiática a que temos assistido recentemente, ontem à noite, em seu primeiro discurso pós-eleição numa festa da CartaCapital, o Presidente Lula fez duas interessantes referências, conforme consta lá no Blog do Mino: primeira, a referência ao fracasso dos chamados formadores de opinião no seu propósito de manipular o eleitorado; segunda, a memória do tempo em que era “proibido falar contra”, confrontada com a regra de hoje, pela qual “é proibido falar a favor”.